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sábado, 5 de setembro de 2009

A beleza e a dignidade na Liturgia Eucarística

Por Matheus Roberto Garbazza Andrade
http://www.sociedadecatolica.com.br/modules/smartsection/item.php?itemid=425

“Senhor, amo a beleza de vossa casa, e o tabernáculo onde reside a vossa glória” (Sl 25,8)

A Igreja está fundamentada sobre o ‘Tríduo Sacro’, sobre a total entrega de Jesus aos seus. Destes dias de grande tensão, emana todo o mistério eclesial e se consuma a obra da salvação humana, planejada por Deus desde o início dos tempos. Dividido em diversos ‘acontecimentos’, que são intimamente interligados, esse tríduo é também a síntese do amor divino. Deus é amor, e por esse grande amor pelo gênero humano Ele aceitou se entregar por nós.

Na quinta-feira, antes de Seus braços abertos traçarem entre o céu e a terra o sinal da nova aliança, sabendo que iria reconciliar todas as coisas pelo sangue a ser derramado na Cruz (Cf. Missal Romano, Oração Eucarística VII -Sobre a reconciliação I), Cristo tomou pão e vinho, e instituiu o sacrifício do seu corpo e sangue. Em seguida, ordenou que os apóstolos o perpetuassem até que Ele voltasse. Desse mesmo modo, Jesus cumpria a promessa que havia feito: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 20).


Mais tarde, naquela mesma noite, Ele foi entregue aos seus algozes. Sexta-feira, na Cruz, enquanto se entregava como vítima imaculada, Jesus reordenou todas as coisas, efetuando realmente o sacrifício que na noite anterior estabelecera. Pela sua morte na cruz, criatura e Criador foram reconciliados. Num gesto de humilhação, o Rei do universo deixar-se morrer, o Verbo encarnado realiza a salvação dos homens. A cruz é o coração da fé católica, e “pelo poder radiante da Cruz, vemos com clareza o julgamento do mundo e a vitória de Jesus crucificado” (Missal Romano, Prefácio da Paixão do Senhor, I).

Somente a noite sabe a hora em que Cristo ressurgiu dos mortos, no Domingo. Os apóstolos, de certa forma desiludidos com o aparente fracasso de seu mestre, estavam recolhidos, com medo dos judeus e dos romanos. Cristo, entretanto, venceu a morte. Ressuscitou ao terceiro dia, como havia dito. A ressurreição é a ‘coroa’ da missão de Jesus, e por ela o Pai abraça Jesus novamente, acolhendo-o na glória celeste. Pela ressurreição, os homens são renovados na esperança, porque a glória celeste é prometida também à raça de Adão. Sem a glorificação de Cristo, todo o seu tempo teria sido, de certa forma, perdido. Entretanto, triunfou sobre a morte e venceu o mal, trazendo a alegria aos seus apóstolos.

“Ó Deus, quão estupenda caridade,/ Vemos no vosso gesto fulgurar:/ Não hesitais em dar o próprio filho,/ Para a culpa dos servos resgatar” (Missal Romano, Precônio Pascal).

De toda a obra sacerdotal de Cristo, resulta o mais precioso tesouro da Igreja: A Sagrada Eucaristia. “A Eucaristia constitui, de fato, o ‘tesouro’ da Igreja, a preciosa herança que seu Senhor lhe deixou” (Sua Santidade, Bento XVI – intervenção no Ângelus de 19/06/2006). O dom do Corpo e Sangue do Senhor é um dom inestimável, porque “neste sacramento, se condensa todo o mistério da nossa salvação” (Santo Tomás de Aquino – Summa Teologiae, III, q. 83, a. 4c).

Na Eucaristia, os fiéis são inseridos, misteriosamente, nas realidades celestes. Realiza-se nela, realmente, a ligação entre céu e terra, entre a Igreja militante e a Igreja triunfante. “Para nós, o banquete eucarístico é uma antecipação real do banquete final, preanunciado pelos profetas (Is 25, 6-9) e descrito no Novo Testamento como ‘as núpcias do Cordeiro’ (Ap 19, 7-9) que se hão de celebrar na comunhão dos santos” (Sua Santidade, Bento XVI – Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis, 31). Essa antecipação sacramental das realidades vindouras serve como alívio dos tormentos da terra de exílio e, ao mesmo tempo, como força para a vida cotidiana. “A Eucaristia é verdadeiramente um pedaço de céu que se abre sobre a terra; é um raio de glória da Jerusalém celeste, que atravessa as nuvens da nossa história e vem iluminar o nosso caminho” (Sua Santidade, João Paulo II – Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, 19).

O Santíssimo Sacramento também é dotado de um intenso caráter cósmico, que envolve as realidades dos mais diversos lugares e está sempre em sintonia com toda a criação. A Eucaristia perpassa todas as realidades, todos os tempos. “Porque mesmo quando tem lugar no pequeno altar duma igreja da aldeia, a Eucaristia é sempre celebrada, de certo modo, sobre o altar do mundo. Une o céu e a terra. Abraça e impregna toda a criação. O Filho de Deus fez-Se homem para, num supremo ato de louvor, devolver toda a criação Àquele que a fez surgir do nada” (Idem, ibidem, 8).

A Eucaristia é em certo aspecto um sacramento ‘didático’. Através de sua celebração, o povo fiel recebe os ensinamentos da Igreja e do Evangelho. É força evangelizadora, porque “nela, o discípulo realiza o mais íntimo encontro com seu Senhor e dela recebe a motivação e a força máximas para a sua missão na Igreja e no mundo” (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, 67).

O mistério eucarístico é celebrado pela Igreja por meio da Divina Liturgia. Por seus ritos, a obra sacerdotal de Cristo crucificado-ressuscitado é continuamente perpetuada para as gerações cristãs. É por meio da Liturgia que o tesouro eucarístico vem até a Igreja.
Sendo o mistério eucarístico um dom tão grande, tão excelso, não admite descuidos, reduções e instrumentalizações. É justamente pela importância vital da liturgia eucarística que a Igreja sempre buscou salvaguardá-la com todas as forças, buscando sempre que o Santíssimo Sacramento fosse tratado com o devido decoro, o decoro que compete ao Cordeiro, o Rei do Universo. Pois “o Cordeiro que foi imolado é digno de receber o poder, a divindade, a sabedoria, a força e a honra. A Ele glória e poder através dos séculos” (Missal Romano, antífona de entrada da Solenidade de Cristo Rei, ano A).

A Igreja julga que a ela é dirigida a ordem de Jesus, quando ia celebrar a ceia derradeira com seus apóstolos: que preparassem uma sala ampla e mobiliada, como convinha à realização daquele ato. Por isso, ela estabelece como deve ser a preparação e a disposição das pessoas, dos lugares, dos ritos e dos textos para a celebração da Santíssima Eucaristia. Desse modo, ela garante que a nobreza e a dignidade necessárias sejam devotadas à Liturgia, donde emana toda a vida cristã.

A nobreza na Liturgia, porém, não tem um valor meramente estético. Por meio dela, revela-se o esplendor da verdade cristã, a verdade de Cristo. Assim como apareceu transfigurado perante os discípulos, revelando a sua glória celeste, Ele deve ser revelado na celebração eucarística, cercado de toda honra que o gênero humano Lhe pode devotar. O papa Bento XVI explica o valor da beleza na celebração litúrgica: “é necessário que, em tudo quanto tenha a ver com a Eucaristia, haja gosto pela beleza; dever-se-á ter respeito e cuidado também pelos paramentos, alfaias, os vasos sagrados, para que, interligados de forma orgânica e ordenada, alimentem o enlevo pelo mistério de Deus, manifestem a unidade da fé e reforcem a devoção” (Sua Santidade, Bento XVI – Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis, 41).

Acusa-se a Igreja, entretanto, de triunfalismo e de certa soberba ao esmerar-se na nobreza da Liturgia. Para alguns, não é possível ver – ou talvez não queiram – a necessidade de se tratar com solenidade a Eucaristia. Pois, com tantas mazelas no mundo, seria realmente necessário dedicar ouro e outras riquezas ao altar do Senhor? O próprio Mestre, entretanto, já havia respondido a essas questões.

Quando Maria unge o Senhor em Betânia, os discípulos se escandalizam. “Para que este desperdício?”, perguntaram eles (Cf. Mt 26, 8). Frente às necessidades dos pobres, aquele gesto parecia um desperdício imperdoável. Jesus, porém, teve uma atitude diferente. “Ele pensa no momento já próximo da sua morte e sepultura, considerando a unção que Lhe foi feita como uma antecipação daquelas honras de que continuará a ser digno o seu corpo mesmo depois da morte, porque indissoluvelmente ligado ao mistério da sua pessoa” (Sua Santidade, João Paulo II – Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, 47). São JoseMaría Escrivá, meditando sobre essa mesma passagem, escreve: “Aquela mulher que, em casa de Simão, o leproso, em Betânia, unge com rico perfume a cabeça do Mestre, recorda-nos o dever de sermos magnânimos no culto de Deus. Todo o luxo, majestade e beleza me parecem pouco. E contra os que atacam a riqueza dos vasos sagrados, paramentos e retábulos, ouve-se o louvor de Jesus: ‘Opus enim bonum operata est in me’ - uma boa obra foi a que ela fez comigo” (São JoseMaría Escrivá, Caminho – 527).

Ademais, a nobreza da Liturgia de forma alguma é um ultraje aos mais necessitados. Pelo contrário, mesmo os mais pobres não exitam em dispor de seus bens para manter o culto divino. Pois o mandamento mesmo diz que é preciso amar – e honrar – a Deus sobre todas as coisas. “A riqueza litúrgica não é a riqueza de uma casta sacerdotal; é riqueza de todos, também dos pobres, que, com efeito, a desejam e não se escandalizam absolutamente com ela. Toda a história da piedade popular mostra que mesmo os mais desprovidos sempre estiveram dispostos instintiva e espontaneamente a privar-se até mesmo do necessário, a fim de honrar, com a beleza, sem nenhuma avareza, ao seu Senhor e Deus” (RATZINGUER, J/ MESSORI, V. – A Fé em Crise? O Cardeal Ratzinguer se interroga. São Paulo, EPU, 1985, pág 97).

Se a necessidade de se empregar a maior beleza e nobreza possível à Liturgia é tão visível, tão necessária, por que é preciso se ater a esse assunto? Pois, se o Magistério eclesiástico e os santos ensinam que é preciso honrar a Deus e sua casa com o melhor que se tem, que mais se tem a dizer sobre esse assunto?

Infelizmente, não faltam trevas a turvar a beleza litúrgica, e a privar o Sacramento das honras a ele devidas. Pois com o passar dos anos a Liturgia foi se limitando cada vez mais ao útil, ao meramente funcional. Nada que estivesse presente na celebração aparentemente enfeitando pôde, na maioria dos lugares, perseverar. Com esse afastamento da beleza, em muitos lugares se pode notar um empobrecimento da Liturgia. Isso se deve não somente à mentalidade moderna de tornar tudo mais fast, mais rápido e simples, mas também a uma perda do sentido da Santa Missa. Em alguns lugares, o mistério eucarístico, “despojado do seu valor sacrificial, é vivido como se em nada ultrapassasse o sentido e o valor de um encontro fraterno ao redor da mesa” (Sua Santidade, João Paulo II – Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, 10).

Essa triste realidade contribui muito para o afastamento da beleza nas celebrações. Passou a existir uma grande familiaridade com a celebração litúrgica (Cf. o comentário de J. Aldazábal na Instrução Geral Sobre o Missal Romano – Terceira Edição. São Paulo, Paulinas, 2007, pág 26). Tratando-se o mistério como se fosse ‘de casa’, muitos passaram a fazer concessões por conta própria. Assim, pouco a pouco, liturgistas fizeram uma liturgia acessível demais. Além de retirar todo – ou quase – valor artístico das celebrações, isso contribuiu para uma perda do caráter sagrado da Liturgia. “Certa Liturgia pós-conciliar, tornada opaca ou enfadonha por causa do seu gosto pelo banal e pelo medíocre, capaz de provocar calafrios” (RATZINGUER, J/ MESSORI, V. – A Fé... Pág. 91 [Citação do livro Das Fest des Glaubens, de Ratzinguer]).

Outro ponto que contribuiu, sem dúvida, ao empobrecimento da Liturgia, e até mesmo o seu ‘rebaixamento’ ao nível humano – deixando de se referir às realidades celestes para refletir ‘a vida do povo’ – é a instrumentalização a que se referia o papa João Paulo II. Em alguns lugares, grupos políticos passaram a se valer das celebrações para seus próprios propósitos, que quase sempre vão contra aos ensinamentos eclesiásticos. Com isso, a Liturgia passa a ser não mais um prenúncio do céu, mas um veículo de ideais políticos heterodoxos.

Por isso, é muito importante que se continue refletindo sobre o incomensurável valor da beleza na celebração eucarística. Cabe apresentar, portanto, alguns exemplos práticos da presença da beleza na Liturgia, expondo os ensinamentos emanados do Magistério sobre esse assunto. A Igreja deve ser a cidade da glória (Idem, ibidem, pág. 96), e isso transparece pela beleza de seu culto.

I – A beleza dos gestos e das atitudes: O santo padre João Paulo II exortava os cristãos a deixarem transparecer a fé por sinais exteriores. Por isso, toda a assembléia litúrgica deve demonstrar seu respeito e adoração a Deus pela dignidade de seus gestos e posturas. Principalmente o sacerdote celebrante, e os ministros que o auxiliam, devem agir sempre com deferência aos sagrados mistérios. Movimentos sóbrios, genuflexões e inclinações, conforme indicam as normas, demonstram o respeito às coisas sagradas e também o sentido de serviço à liturgia, pois ela não pertence ao celebrante e nem mesmo à comunidade.

O mistério eucarístico deve ser celebrado em clima de oração e reflexão, e não afoitamente. O Missal pede a dignidade dos gestos, para que exprimam a unidade dos fiéis e para que ajudem a entender melhor o sentido de cada parte da missa. “Os gestos e posições do corpo, tanto do sacerdote, do diácono e dos ministros como do povo, devem contribuir para que toda celebração resplandeça pelo decoro e nobre simplicidade” ( Instrução Geral sobre o Missal Romano [IGMR], 42).

II – Respeito às normas litúrgicas: O sínodo dos bispos de 2005, que refletiu sobre a Sagrada Eucaristia, dedicou atenção à ‘ars celebrandi’, a arte de celebrar retamente os santos mistérios. Respondendo aos anseios do sínodo, o papa Bento XVI escreve que a ars celebrandi está, primordialmente, na fiel obediência às normas litúrgicas propostas pela Igreja (Cf. Sua Santidade, Bento XVI - Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis, 38). “Normas litúrgicas ajudam a proteger a celebração dos mistérios sagrados, especialmente a Sagrada Eucaristia, de serem danificados por adições ou subtrações que danificam a fé e podem, por vezes, até tornar uma celebração sacramental inválida. O povo de Deus tem, assim, celebrações garantidas na linha da fé tradicional da fé Católica e não é deixado à mercê de idéias pessoais, sentimentos, teorias ou idiossincrasias” (ARINZE, Francis Cardeal. Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. Discurso para o “Gateway Liturgical Conference”, em 8 de abril de 2005).

III – A orientação da Liturgia: Durante a maior parte da vivência litúrgica da Igreja, o Santo Sacrifício foi celebrado em direção a Deus. Os altares eram primeiramente construídos buscando-se o oriente, na direção da Terra Santa. Isso era simbólico da presença divina. Mais tarde, o Sacrário ocupou esse lugar, na abside. Também os ritos orientais mantêm, até os dias atuais, tal orientação. Estando à frente do povo, voltado para o altar, o sacerdote manifesta claramente a sua função e sua dignidade inigualáveis.

“A abside orientada evoca o céu. Será reservada obrigatoriamente para uma imaginária celestial. Isto é válido não só para as igrejas do Oriente, mas para as absides de nossas igrejas românicas. O sacerdote, ao celebrar no altar, verá, se levantar os olhos, alguma representação simbólica da glória celestial, alguma evocação teofânica em relação com a Escritura. Celebrará verdadeiramente de frente para Deus. Quem não sente que tal disposição convém admiravelmente a tantos textos do Ofertório e do Cânon?” (FOUMÉE, Jean. A Missa de Frente para Deus. Tradução de Luís Augusto Rodrigues Domingues).

Manter essa orientação da liturgia é altamente significante, e contribui sumamente para manifestar a beleza da celebração, porque traduz certamente o sentido de certas partes da missa, que são voltadas para Deus, e não para os homens. Apesar de ser, em algumas ocasiões, útil que o sacerdote se volte para o povo durante a celebração.

IV – Valorização da língua latina: Há séculos o latim é a língua oficial da liturgia de rito romano. A Igreja sempre encontrou variadas razões para manter o uso da língua tradicional na celebração da Eucaristia, e mesmo dos outros sacramentos. O latim é uma língua imutável, visto que não sofre alterações normais a uma língua ‘viva’, o que o torna ideal como ‘guarda’ da doutrina cristã, mantendo sempre constante o significado de palavras e expressões. “O uso da língua latina, vigente em grande parte da Igreja, é um caro e nobre sinal de unidade e um eficaz remédio contra toda corruptela da pura doutrina” (Sua Santidade, Pio XII – carta encíclica Mediator Dei, 53).

Além de guarda da doutrina, o latim certamente contribui para enlevar os fiéis, uma vez que traduz um sentimento de se estar em um outro lugar durante a liturgia, manifestando certamente o caráter escatológico da celebração, conduzindo os presentes ao céu: Hic domus Dei est, et porta caeli! (Gn 28, 17) - Esta é a casa de Deus e a porta do céu. O Concílio Vaticano II ordenou: “deve conservar-se o uso do latim nos ritos latinos” (Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Sacrossanctum Concilium, 36), e também pede: “tomem-se providências para que os fiéis possam rezar ou cantar, mesmo em latim, as partes do Ordinário da missa que lhes competem” (Idem, 54).

V – O canto gregoriano: Um fator especial na liturgia é o canto. A execução cantada de algumas partes contribui especialmente para o enlevo espiritual dos fiéis e para uma mais frutuosa celebração, sendo o canto litúrgico é um verdadeiro ofício a ser desempenhado. Desde as épocas mais remotas foi preocupação dos Santos Padres formar escolas de canto, e com o desenvolvimento da liturgia surgiram muitos estilos musicais, de grande aproveitamento. Entretanto, o canto gregoriano ocupa lugar de destaque na Liturgia, por ser a síntese de todas as características que se esperam da música sacra.

As qualidades artísticas presentes no gregoriano são fatores importantes para a composição da beleza na celebração. Ele é uma arte verdadeira, sendo caracterizado pela santidade e pela coerência para com o momento celebrativo, especialmente por não causar uma sensação desagradável. “O canto gregoriano foi sempre considerado como o modelo supremo da música sacra, podendo com razão estabelecer-se a seguinte lei geral: uma composição religiosa será tanto mais sacra e litúrgica quanto mais se aproxima no andamento, inspiração e sabor da melodia gregoriana, e será tanto menos digna do templo quanto mais se afastar daquele modelo supremo” (Sua Santidade, Pio X – Motu Proprio Tra Le Sollicitude, 3).

O canto gregoriano faz-se mais necessário hoje, com a visível banalização da música litúrgica, sob a influência das correntes musicais modernas, tornando os cantos ‘litúrgicos’ de duvidoso gosto artístico. O gosto musical da geração atual, movido por uma certa mutação cultural, foi “corrompido e degenerado, a partir dos anos 60, pela música rock e por outros produtos semelhantes” (RATZINGUER, J/ MESSORI, V. – A Fé... Pág. 96). Aqui também o Concílio se pronuncia: “A Igreja reconhece como canto próprio da liturgia romana o canto gregoriano; terá este, por isso, na ação litúrgica, em igualdade de circunstâncias, o primeiro lugar” (Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Sacrossanctum Concilium, 116).

VI – O Altar: O altar, onde se torna presente o sacrifício da cruz, é símbolo do próprio Cristo, ‘sacerdote, altar e cordeiro’. Portanto, na Igreja, goza de alta dignidade, sendo o centro da ação litúrgica. O missal pede que, nas igrejas, haja sempre um altar fixo, que simboliza perenemente a pedra viva que é Jesus Cristo. Deve ser construído de forma que, espontaneamente, sejam voltadas para ele as atenções.
Como sinal da dignidade do altar, é louvável que seja ornamentado com flores, manifestando o caráter festivo da celebração. Entretanto, deve-se observar a moderação, sobretudo em tempos de penitência e espera, como o são a quaresma e o advento. O missal diz, ainda, que deve ser coberto com uma toalha branca. Ressaltando a necessidade de que o conjunto da celebração forme uma bela harmonia, diz que a toalha deve combinar em formato, tamanho e decoração com o altar.

VII – Os livros litúrgicos: Também merecem menção os livros litúrgicos utilizados na celebração. Entre eles, lecionário e evangeliário merecem destaque, por serem sinais da palavra de Deus. Portanto, requerem beleza na sua feitura e merecem sinais de veneração, como o beijo e a incensação. Os “livros de onde se tiram as leituras da palavra de Deus sejam verdadeiramente dignos, decorosos e belos” (Lecionário Dominical - Elenco das leituras da missa, 35).

VIII – A nobreza dos vasos sagrados: “Entre as coisas necessárias para a celebração da missa, honram-se especialmente os vasos sagrados e, entre eles, o cálice e a patena, onde se oferecem, consagram e consomem o vinho e o pão” (IGMR, 327). Devido a grande importância dos vasos que se utilizam na celebração, mormente os que ficam em contato com o Corpo e o Sangue do Senhor, devem ser feitos de material nobre e condizente com a dignidade da função que desempenham.

As normas litúrgicas são enfáticas ao destacar a necessidade de que os vasos litúrgicos sejam verdadeiramente artísticos, e que sejam feitos de material nobre: “Sem dúvida, requer-se estritamente que este material, de acordo com a comum valorização de cada região, seja verdadeiramente nobre, de maneira que, com seu uso, tribute-se honra ao Senhor e se evite absolutamente o perigo de enfraquecer, aos olhos dos fiéis, a doutrina da presença real de Cristo nas espécies eucarísticas. Portanto, reprove-se qualquer uso, para a celebração da Missa, de vasos comuns ou de escasso valor, no que se refere à qualidade, ou carentes de todo valor artístico, ou simples recipientes, ou outros vasos de cristal, argila, porcelana e outros materiais que se quebram facilmente. Isto vale também para os metais e outros materiais, que se corroem (oxidam) facilmente” (Congregação para o Culto Divino e a Disciplina Dos Sacramentos – Instrução Redemptionis Sacramentum, 117).

IX – As vestes sagradas: “A veste litúrgica usada pelo sacerdote durante a celebração eucarística deve, em primeiro lugar, demonstrar que ele não se encontra lá em privado, mas que está lá em lugar de alguém – de Cristo. O seu privado e individual devem desaparecer, a fim de ceder espaço a Cristo” (RATZINGUER, Joseph. Introdução ao Espírito da Liturgia. Prior Velho, Portugal. Paulinas, 2006. Pág 159). Cada veste que se utiliza na celebração eucarística possui simbolismo próprio, manifestando um caráter do mistério pascal. Portanto, é necessário que sejam feitas com qualidade, e que não sejam abandonadas mesmo aquelas que não são obrigatórias, mormente, no Brasil, a casula, que é uma veste própria do sacerdote que celebra a missa, simbolizando a Cruz de Cristo, o fardo que o sacerdote, também pelos fiéis, carrega em seus ombros. É uma veste muito simbólica do sacrifício de Cristo e do valor incomparável do sacerdote.

Segundo o missal, convém que a dignidade das vestes sacras transpareça não da ‘multiplicidade de ornatos’, de enfeites demasiados, mas principalmente da forma e do material dos quais são feitas. Convém, portanto, que sejam feitas conforme o modelo tradicional, aprovado pela Igreja, e não a partir da imaginação livre, embora a Sé romana reconheça a liberdade de cada região, desde que convenham ao uso sagrado (Cf. IGMR, 343-344).

X – Luzes, cheiros e sons: A liturgia, organicamente desenvolvida, envolve os sentidos corporais na celebração, contribuindo sobremaneira para comunicar as realidades celestes. Apesar de não fazerem parte, essencialmente, da celebração eucarística – e por isso mesmo vão sendo abolidos silenciosamente do culto – velas, incenso e campainhas agregam beleza e significado à liturgia.

São obrigatórios, pelas rubricas, apenas dois castiçais. Entretanto, permitem-se quatro ou seis, conforme a solenidade, e até sete quando é o bispo diocesano a celebrar. Apesar disso, em muitos lugares, utiliza-se apenas um, como ‘decoração’, não dando valor ao seu significado. “Os castiçais requeridos pelas ações litúrgicas para a celebração manifestem a reverência e o caráter festivo da celebração” (IGMR, 307).

A campainha é outro artefato litúrgico que, infelizmente, passou a ser considerado “antigo”, “sem sentido”, “retrógrado” e afins. O dispositivo com um conjunto de sinos, que recebe diversos nomes, possuiu lugar cativo na liturgia durante anos, sempre sinalizando o milagre eucarístico, os hinos de glória, a alegria das procissões. Hoje, infelizmente, o som marcante que multidões se acostumaram a ouvir enquanto Cristo, na hóstia santa, era elevado, está desaparecendo silenciosamente (literalmente) das igrejas. Sem dúvidas, esse belo som das campainhas concorre para a nobreza da celebração, salientando suas características.

Desde os tempos bíblicos, a incensação significa reverência e oração para as pessoas ou objetos. Significa também a adoração às espécies consagradas. “O modo suave, natural e materno como o turíbulo difunde o perfume do incenso pelos vários espaços do recinto sagrado é semelhante ao modo natural, suave e materno com que a Igreja fala a seus filhos. Ele se sentem conquistados pela maternalidade do turíbulo. (...) Tudo o que a Igreja faz, o faz com beleza” (Plínio Corrêa de Oliveira in Catolicismo, nº 544 – abril de 1996). Ademais, a IGMR prevê que “o incenso pode ser usado facultativamente em qualquer tipo de Missa” (nº 276). O modo tradicional de incensar, principalmente as oferendas – em forma de três cruzes e três círculos, traduz bem a reverência com as coisas sagradas.

“A liturgia não vive de surpresas ‘simpáticas’, de intervenções ‘cativantes’, mas de repetições solenes” (RATZINGUER, J/ MESSORI, V. – A Fé... Pág. 94). De modo algum, a beleza e a solenidade da liturgia são um problema para o povo fiel, e nem mesmo um empecilho à actuosa partcipatio de que fala o Concílio Vaticano II. Através da beleza e da solenidade da celebração eucarística se encontram as verdades celestes, e a força para continuar a caminhada na fé. A Liturgia é a identidade do católico, devendo ser reconhecível em todos os confins da terra. “Também por isso ela deve ser ‘predeterminada’, ‘imperturbável’, porque através do rito se manifesta a santidade de Deus. Ao contrário, a revolta contra aquilo que foi chamado ‘a velha rigidez rubricista’, (...) arrastou a liturgia ao vórtice do ‘faça-você-mesmo’, banalizando-a, porque reduzindo-a à nossa medíocre medida” (Idem, ibidem, pág. 95).

Sem dúvida, o maior e melhor exemplo para a beleza e solenidade das celebrações litúrgicas é a Virgem Maria, Tota Pulchra, Toda Formosa. Cheia da graça e da glória de Deus, Ela é a estrela a guiar a Igreja. “A beleza da liturgia celeste, que deve refletir-se também em nossas assembléias, encontra nela um espelho fiel” (Sua Santidade, Bento XVI - Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis, 96). Que a Mãe de Deus “renove na nossa vida o enlevo eucarístico pelo esplendor e a beleza que refulgem no rito litúrgico, sinal da própria beleza infinita do mistério santo de Deus” (Idem, Ibidem, 97). A liturgia terrena, a exemplo da Virgem Santíssima, possa deixar transparecer a liturgia celeste, manifestando a glória divina por sua nobre simplicidade, e como o deseja a Igreja, una e santa.

Bom Despacho, aos nove de novembro de 2008, solenidade da dedicação da Basílica do Latrão.



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