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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O canto mozárabe

Do blog do amigo Thiago de Moraes:

 

Num tópico sobre o rito moçárabe que está se desenvolvendo no Orkut, traduzi alguns textos sobre o canto moçarábico, e agora reúno o material aqui.

 

Inicialmente, uma parte de um dos capítulos do livro A Treasury of Early Music. Masterworks of the Middle Ages, the Renaissance and Baroque Era. Compiled and Edited, with Notes by Car Parrish (Dover Publications, INC):

 

A liturgia cristã na Espanha teve uma história estranha, e o antigo canto hispânico permanece praticamente um livro fechado até hoje em dia. Até mesmo o nome dado ao canto – moçarábico – é insatisfatório para muitos estudiosos; ele é derivado de “moçárabe”, isto é, dos cristãos que foram tolerados durante o governo mouro (do oitavo ao décimo-primeiro século) em Aragão, Castela e Leão. Só que o rito, em si mesmo, não mostra nenhum traço de influência árabe. O termo “visigótico” também é aplicado a esse rito e seu canto, em referência às tribos que conquistaram a Espanha vindas do Norte da Europa no quinto século; mas é provável que o canto seja mais antigo, já que a Espanha era cristã antes dos visigodos. A liturgia e seu canto foram supressos no décimo-primeiro século quando o rito romano foi introduzido em Aragão e Castela; em Toledo o rito moçarábico continuou a ser celebrado, mas o canto teve uma história diferente.

A supressão da liturgia moçarábica no final do décimo-primeiro ocorreu num tempo em que a notação neumática rapidamente se tornou comum no Ocidente. Os cantos do rito moçarábico não foram transcritos nesse tipo de notação pelos que sabiam as melodias tradicionais e, conseqüentemente, mesmo com muitos manuscritos ainda existindo, a notação no qual foram escritos resistiu a todas as tentativas de decifração.

Algumas dessas melodias jazem enterradas em livros litúrgicos escritos no décimo-sexto século. Nessa época foi feito um esforço para se restaurar o rito moçarábico; contudo, quando os estudiosos escreveram as melodias, impuseram a elas um caráter rítmico estranho ao original. Pesquisadores atuais restauraram o canto colocando melodias segundo o que eles consideram o ritmo original. 

 

O capítulo continua falando de maneira específica sobre o canto Gaudete Populi, que era um dos oito cantos variáveis usados no rito moçárabe (chamados Ad accedentes - para a aproximação) durante a comunhão dos fiéis (o Gaudete Populi era usado na Páscoa), mas eu não vou postar a minha tradução dessa parte do artigo porque não tenho como escanear a página do canto com sua notação (moderna).

 

Agora, a tradução e adaptação de um verbete retirado da New Catholic Encyclopedia (1967):

 

O repertório de cantos usados na liturgia visigótica da Igreja medieval na Espanha é conhecido como cantos do rito moçarábico. Esse estilo de canto chegou à sua maturidade entre 550 e 650, e foi fixado no tempo da invasão árabe (771). Ele é chamado moçarábico porque o termo descreve um cristão vivendo sobre a dominação árabe ou islâmica (seus manuscritos principais datam dessa época). Os códices mais importantes da liturgia visigótica-moçárabe que chegaram até nós estão preservados na catedral de Toledo; na Abadia de São Domingos, em Silos; na Abadia de São Milão, em Cogolla; na catedral de Leão; e na Universidade de Santiago, em Compostela. Esses códices, copiados nos séculos X e XI, possuem quase todo o repertório musical da igreja visigótica de Toledo, que data dos séculos VI, VII e VIII. O mais precioso deles é o Antifonário de Leão. Segundo os estudiosos, ele é uma cópia do começo do século X do Manuscrito do Rei Wamba escrito para a paróquia toledana de Santa Leocádia em 672. O antifonário começa com a festa de Santo Ascisclus (17 de novembro) e abarca os ofícios e missas de todo o ano eclesiástico.


Notação

O canto moçarábico tinha sua própria notação musical, mas a que está nos códices é ilegível, já que nenhum deles foi copiado sob a orientação de especialistas em música. Enquanto os códices gregorianos sem linhas foram transcritos em códices com linhas no século XI, os músicos espanhóis não fizeram o mesmo com suas melodias. Em conseqüência, as neumas visigóticas-moçárabes são legíveis apenas na extensão do número de suas notas. Não há meio de determinar as relações entre a altura tonal e as notas de uma neuma, nem sua conexão melódica com as neumas precedentes e seguintes. O tesouro melódico contido nas neumas é indecifrável sem a ajuda da posterior notação diastemática. E essa notação só foi achada em 20 das melodias preservadas. Em 12 fólios do manuscrito do Liber Ordinum do mosteiro de São Milão um sistema de notação da Aquitânea foi colocado sobre neumas moçarábicas apagadas. A comparação desses fólios com uma cópia do manuscrito que está no mosteiro de São Domingos em Silos, e que possui as neumas originais, serviu de chave na decifração das poucas melodias que conhecemos hoje. Tais melodias mostram que o canto moçarábico era monódico, com ritmo livre e com modalidade igual a do canto gregoriano. Elas exemplificam um estilo silábico, neumático e melismático.

Existem duas classes de escrita na notação moçárabe: a horizontal e a vertical. A escrita horizontal encontra-se exclusivamente nos códices de Toledo e de maneira muito fragmentada no códice português de Coimbra. Nesses códices as neumas são inclinadas para a direita. O códice de Silos e o Antifonário de Leão são escritos verticalmente. Todas as duas formas, entretanto, se originaram no scriptorium de Toledo.

Difusão

Através dos esforços de Carlos Magno na promulgação da Lex Romana, a França sacrificou sua própria liturgia e seu canto pelo romano. O efeito desse edito na Espanha foi paralelo à reconquista. A Lex Romana não triunfou em Aragão até 1071, e obteve sucesso em Navarra, Castela e Leão apenas em 1076. O rito moçárabe foi finalmente supresso por Roma em 1089, exceto em seis paróquias de Toledo. Ele continuou com muita dificuldade, tornando-se praticamente extinto até que o Cardeal Ximénes de Cisneros se tornou arcebispo. Ele recebeu uma concessão do Papa Júlio II em 1508 para fundar a capela moçarábica de Corpus Christi na catedral de Toledo. Os livros editados pelo Cardeal Cisneros preservaram algumas das melodias moçárabes numa forma corrupta, mas, mesmo assim, os especialistas os consideram de pouco valor em comparação com o tesouro indecifrável das melodias originais.

 

Exemplos de cantos moçárabes: 

 

Beatus vir:

Gloria (retirado do Antifonário de Leão):

Inlatio e Sanctus (equivale ao Prefácio no rito gregoriano):

 

A Inlatio (ou Illatio) moçarábica corresponde ao Prefácio do rito romano; D. Fernand Cabrol no seu A Missa dos Ritos Ocidentais diz o seguinte sobre ela:

 

(…) quase toda Missa tinha a sua própria; algumas delas compreendiam várias colunas de texto, e se fossem cantadas isso levaria pelos menos meia hora. Atualmente tenta-se descobrir quem foram seus autores. Podemos dizer, com segurança, que elas formam uma coleção dogmática essencial para o estudo da história da teologia na Espanha medieval, mas, também temos de confessar, esse estudo ainda é muito incipiente. São páginas que honram o conhecimento, a profundidade e a cultura dos teólogos espanhóis dos séculos V ao IX.

 

Na Catholic Encyclopedia (1911) lemos:

 

llatio ou Inlatio. Essa parte é chamada Prefácio no rito romano e Contestatio ou Immolatio no rito galicano. Com o Pós-Sanctus forma a quinta oração de Santo Isidoro. Exsitem Illationes própria para cada Missa. A forma é similar a do Prefácio romano, só que mais longa e difusa, como no rito galicano. Geralmente é precedida de um diálogo maior que o normal (…) A Illatio pode terminar de muitas maneiras, mas sempre fazendo referência aos anjos que levam ao Sanctus.

A Inlatio que postei (Inlatio da festa de São Tiago, seguida pelo Sanctus) tem uma curiosa referência a uma tradição medieval, registrada na Legenda Áurea, que conta que São Tiago curou um paralítico no caminho para sua execução, o que levou um dos executores, um escriba chamado Josias, a se converter prontamente e ser levado ao martírio junto com ele:

 

(…) per Jesum Christum Filium tuum, Dominum nostrum: in cujus nomine electus Jacobus, cum ad passionem traheretur, paraliticum ad se clamentem curavit, atque hoc miraculo cor illudentis sibi ita compulsit, ut cum sacramentis instinctum fidei faceret ad gloriam pervenire martyrii…

 

Speravit:

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