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domingo, 7 de janeiro de 2018

Bênção da Casa na Solenidade da Epifania do Senhor

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Neste "dia dos Santos Reis Magos", o Salvem a Liturgia! preparou um breve histórico desta bênção, e um Ritual adaptado, que pode ser feito pelo pai de família. 

Para fazer o download do histórico com o Ritual, clique AQUI.


“A Adoração dos Magos”. Detalhe do português Domingos Sequeira (1768-1837),
com a técnica óleo sobre tela (100x140 cm), pintada em Roma, em 1828 e que se encontra atualmente no 
Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa - Portugal.

Bênção da Casa na
Solenidade da Epifania do Senhor

É
 um costume antiquíssimo que as casas - religiosas ou de famílias - sejam abençoadas por ocasião da Solenidade da Epifania. Há até uma bênção própria para a Epifania, que consta no Rituale Romanum pré-conciliar[1]. No atual Rituale[2], usa-se a bênção comum das casas mesmo, mas é possível acrescentar as cerimônias antigas. Aqui, adaptamos o formulário do Ritus Antiquum.

Para entendermos melhor esta data e a bênção que se segue, vejamos o que diz a Carta Circular do Secretariado para a Liturgia da Ordem Cisterciense para os Mosteiros da Ordem, em 2006/2007, que adaptamos:

1. A Solenidade da Manifestação do Senhor (Epifania) no dia 6 de Janeiro.

            O Tempo do Natal poderia ser comparado a uma elipse cujos pontos centrais são a Solenidade do Natal, a 25 de dezembro e a Solenidade da Epifania, a 6 de Janeiro. Devido à nossa vida contemporânea e ao mundo do trabalho, a Solenidade da Epifania, em muitos países e regiões, não é mais celebrada no dia 6 de Janeiro, mas transferida para o domingo que ocorre entre 2 e 8 de Janeiro. Em muitos lugares, esta solenidade foi mantida na data tradicional, como por exemplo, em Roma.

1.1 – Sobre a origem e a história da festa.

            Originariamente, a Solenidade do Natal era celebrada, no Ocidente, a 25 e Dezembro, e no Oriente, a 6 de Janeiro. Como por osmose, o Ocidente e o Oriente absorveram as duas festas em fins do século IV. Devido à sua origem e conteúdo teológico, ambas celebram o Natal, mas com acentos diferentes. A história da Epifania é, de fato, complicada e suas raízes próprias permanecem obscuras até os nossos dias. Como indica o nome grego “
Ἐπιφάνεια” (Manifestação) ou “Θεοφάνια” (Manifestação de Deus), a festa provém do Oriente e foi introduzida no Ocidente no século IV. O título da festa – “Epifania” – significa também que o dia 6 de Janeiro já era algo mais que a popular “festa dos Reis”. A Epifania é a revelação de Jesus Cristo, Filho de Deus, para o mundo inteiro. Na Grécia e na Rússia, os cristãos chamam esse dia de: “Solenidade da santa Teofania de nosso Senhor Jesus Cristo”.

            Seguramente, como ocorre no Natal, a data da Epifania remonta também ao culto pagão, ou seja, está relacionada com a festa do solstício de inverno que, no Egito, provavelmente ocorria entre 5 e 6 de Janeiro. No dia 25 de Dezembro ou no dia 6 de Janeiro celebrava-se o aniversário de nascimento do deus-sol invencível, transformado pelos cristãos no aniversário natalício de Jesus Cristo, “verdadeira luz do mundo” (cf. Jo, 8, 12; 1, 9). Através de uma fonte antiga, sabe-se que a seita gnóstica dos basilianos, em Alexandria, no começo do século III, celebrava no dia 6 de Janeiro a festa do Batismo de Cristo, mediante o qual, pela descida do Espírito Santo, aconteciam a geração e o nascimento do Filho de Deus. O Batismo de Cristo deveria, em seguida, se tornar a temática própria da festa da Epifania, no Ocidente. De acordo com outras informações, no dia 6 de Janeiro, os egípcios iam ao rio buscar água. Talvez esteja aqui um dos fundamentos da bênção da água na Epifania. Do Egito, a festa de 6 de Janeiro parece ter-se também estendido tanto para o Ocidente quanto para o Oriente, na segunda metade do século IV. Nas Igrejas do Ocidente, a festa da Epifania foi estabelecida primeiramente na Gália, na Espanha, no norte da Itália e em Ravena, embora os seus temas tenham sido ampliados.

            Na Epifania, além da Encarnação e do Batismo de Cristo, meditava-se ainda na Adoração dos Magos, nas Bodas de Caná e na Multiplicação dos pães. O conteúdo desta festa é, por exemplo, condensado no magnífico hino da Epifania, de autoria de Santo Ambrósio de Milão († 397): “Illuminans Altissimus” (Cf. abaixo), adotado pelos Pais de Cister em sua liturgia (cf. Breviário dito “de Santo Estêvão”, do ano 1132). Em Roma, as Homilias do Papa São Leão Magno († 416) constituem o testemunho mais seguro da celebração da festa da Epifania.


 1. Illuminans Altissimus
Micantium astrorum globos,
Pax, vita, lumen, veritas,
Jesu fave precantibus.

2. Seu mystico baptismate
Fluenta Jordanis retro
Conversa quondam tertio
Praesente sacraris die.

3. Seu stella partum Virginis
Coelo micans signaveris;
Et hac adoratum die
Praesepe Magos duxeris.

4. Vel hydriis plenis aquae
Vini saporem infuderis:
Hausit minister conscius,
Quod ipse non impleverat.
 
5. Aquas colorari videns,
Inebriare flumina;
Mutata elementa stupent
Transire in usus alteros.

6. Sic quinque millibus viris
Dum quinque panes dividis,
Edentium sub dentibus
In ore crescebat cibus.

7. Multiplicabatur magis
Dispendio panis suo:
Quis haec videns mirabitur
Juges meatus fontium?

8. Inter manus frangentium
Panis rigatur profluus:
Intacta quae non fregerant,
Fragmenta subrepunt viris.


1.2 – Conteúdo da festa.

            Quando o Oriente (à exceção da Armênia) adotou, em fins do século IV, a celebração do Natal no dia 25 de Dezembro, oriunda da liturgia romana, o dia 6 de Janeiro tornou-se primitivamente a festa oriental da Encarnação do Senhor, transformando-se depois na festa do Batismo de Cristo. Na liturgia romana, pelo menos na liturgia da Missa, o dia 6 de Janeiro passou a ser a festa da Adoração dos Magos (cf. Mt 2, 1-12) ou festa dos três Santos Reis, enquanto a Liturgia das Horas romana incorporava progressivamente os temas suplementares do Batismo de Cristo, das Bodas de Caná e da Multiplicação dos pães, provenientes das regiões gaulesa, espanhola e norte-italiana. As influências recíprocas da Liturgia da Igreja Oriental e da Igreja Ocidental são ainda hoje perceptíveis nos textos litúrgicos da festa da Epifania. A antífona “Hodie cœlesti Sponso” (no Breviário próprio Cisterciense e também no romano, é a antífona do Benedictus) exprime muito bem, em seu conjunto, a celebração da festa:

Hodie cœlesti Sponso juncta est Ecclesia
quoniam in Jordane lavit Christus ejus crimina,
currunt cum muneribus Magi ad regales nuptias
et ex aqua facta vino lætantur convivæ. Alleluia.”

Hoje, a Igreja se une ao seu celeste Esposo, porque Cristo lavou no Jordão o pecado; para as núpcias reais correm Magos com presentes; e os convivas se alegram com a água feita vinho. Aleluia.” 

Exatamente esse texto, bem como a célebre antífona do Magnificat, nas II Vésperas, “Tribus miraculis” (Cf. abaixo), mostram de maneira significativa que o conteúdo teológico da festa da Epifania ultrapassa de muito uma simples festa dos três Reis. Com efeito, a Epifania concentra os acontecimentos mais importantes dos primeiros anos de Jesus de Nazaré e os celebra como revelações e manifestações de sua divindade. Igualmente na Liturgia romana a Epifania foi outrora considerada uma festa da maior importância, celebrada com vigília e oitava, e os domingos que se lhe seguiam eram chamados “domingos depois da Epifania”.

Tribus miraculis ornatum diem sanctum colimus:
hodie stella magos duxit ad præsepium:
hodie vinum ex aqua factum est ad nuptias:
hodie in Iordanæ a Ioanne Christus baptizari voluit
ut salvaret nos. Aleluia.”

Recordamos neste dia três mistérios: Hoje a estrela guia os Magos ao presépio. Hoje a água se faz vinho para as bodas. Hoje Cristo no Jordão é batizado para salvar-nos. Aleluia, aleluia.”

            A transladação das presumíveis relíquias dos três Santos Reis para Colônia - Alemanha, em 23 de Julho de 1164, onde ainda são conservadas no célebre relicário da Catedral, favoreceu enormemente a propagação do culto dos três Reis, no Ocidente, além de contribuir de modo essencial para o caráter popular de sua festa, no dia 6 de Janeiro. Aliás, foi Orígenes († 253/254), antigo escritor cristão, que explicitou, pela primeira vez, serem três os Magos (o texto fala simplesmente de “magos” ou “astrólogos vindos do Oriente”), talvez, por causa dos presentes também em número de três. Posteriormente, desde São Cesário de Arles († 542), os três Magos se tornaram Reis (o texto bíblico não diz nada disso) e, a partir dos séculos VIII ou IX, acreditava-se mesmo saber os seus nomes: Gaspar, Melquior (o “Mouro” ou o “Negro”) e Baltasar.

1.3 – Tradições da festa.

            Em cada região, foram se desenvolvendo diferentes costumes em torno da festa da Epifania; dentre eles, faremos referência a três. O mais conhecido nas regiões de língua alemã é, sem dúvida, o da consagração da água (“água dos três Reis”), atestado desde os séculos XI e XII e que tem suas raízes na tradição oriental (egípcia). No Oriente, onde se celebra na Epifania o Batismo de Cristo, o dia 6 de Janeiro era uma data muito considerada. As Igrejas orientais tinham, além de outros, na noite da Epifania uma solene consagração da água que, segundo as possibilidades, era realizada em um rio ou no mar, mergulhando-se uma cruz nas águas. Este costume tem sua origem na bênção do Jordão em memória do Batismo de Jesus (“Consagração do Jordão”). São João Crisóstomo († 407) conta que “nesta solenidade, por volta da meia noite, as pessoas iam buscar água para colocar num recipiente em suas casas, guardando-a durante o ano inteiro em memória deste dia no qual as águas foram santificadas”. Por trás disso, está a convicção, difundida no Oriente, de que Jesus santificou a água quando, por ocasião de seu Batismo, desceu ao rio Jordão. A crença popular atribuía uma força especial à “água benta dos três Reis”.
Ao lado da tradicional Bênção das Casas, na Epifania, desenvolveu-se, sobretudo nos países de língua alemã, uma forma própria: todos os lugares da casa são abençoados com água benta e incenso; e, com um giz bento, se escreve acima das portas a fórmula de bênção: 20*C+M+B+19: Christus Mansionem Benedicat”, que uma interpretação popular entende como sendo as iniciais dos nomes dos três Reis: Caspar, Melquior, Baltasar. Supõe-se que por trás dessa prática esteja um antigo costume germânico. Ainda nas regiões de língua alemã, em alguns lugares, são os “Sternsinger”, personagens vestidas como os três Reis Magos, que se antecipam a esta bênção. A bênção das casas na Epifania pretende, sobretudo, trazer a certeza de que a Encarnação de Jesus, pela qual Ele veio morar entre nós (Jo 1,14), atua em nosso íntimo na vida de cada dia. O texto correspondente desta bênção pode ser encontrado no “Benedictionale” (Ritual de Bênçãos) editado pelas Conferências Episcopais de cada país.

            Desde a antiguidade, a data da próxima festa da Páscoa e as datas das festas móveis que dela decorrem são anunciadas durante a Missa da Epifania, após a leitura do Evangelho. Com efeito, nos tempos antigos, era nesta festividade que se tornava pública a “Carta Pascal” informando à cristandade a data da Páscoa. Este dia foi escolhido para o referido anúncio porque nele Cristo, o novo Sol, se levantou para o Oriente na Epifania.

            Em vários lares, tem-se o costume de convidar sacerdotes para que abençoem a casa, mas não exatamente na Epifania, e sim quando se tem a graça da visita de um Padre. O comum é que o pároco ou seu vigário faça a bênção. Todavia, nem sempre é possível encontrar um sacerdote disposto a perpetuar costumes antigos; além disso, o ritual atual prevê que o pai de família pode realizar esta bênção.

             A Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, pelo Diretório “Sobre a piedade popular e a Liturgia - princípios e orientações, de 9 de Abril de 2002, no número 118[3], ensina:
A Solenidade da Epifania do Senhor[4]


A respeito da solenidade da Epifania, que tem uma origem muito antiga e um conteúdo muito rico, nasceram e se desenvolveram muitas tradições e expressões genuínas de piedade popular. Entre estas se podem recordar:

- o solene anúncio da Páscoa e das principais festas do ano litúrgico: para a recuperação deste anúncio, que se está realizando em diversos lugares, se deve favorecer, pois, ajuda aos fiéis para descobrir a relação entre a Epifania e a Páscoa, e a orientação de todas as festas para a maior das solenidades cristãs;

- a troca de “presentes de Reis”: este costume tem suas raízes no episódio evangélico dos presentes oferecidos pelos Magos ao Menino Jesus (cf. Mt 2,11), e em um sentido mais radical, no dom que Deus Pai concedeu para a humanidade com o nascimento do Emanuel entre nós (cf. Is 7,14; 9,6; Mt 1,23). É desejável que o intercâmbio de presentes por ocasião da Epifania mantenha um caráter religioso, e mostre que sua motivação última se encontra na narração evangélica: isto ajudará a converter o presente em uma expressão de piedade cristã e a desvinculá-lo dos condicionamentos de luxo, ostentação e desperdício, que são estranhos às suas origens;

- a bênção das casas, em cujas portas se traça a Cruz do Senhor, o número do ano civil que começou, as letras iniciais dos nomes tradicionais dos santos Magos (C+M+B), explicadas também como siglas de “Christus Mansionem Benedicat”, escritas com um giz abençoado: estes gestos, realizados por grupos de crianças, acompanhados de adultos, expressam a invocação da bênção de Cristo, por intercessão dos santos Magos e que, por sua vez, são uma ocasião para recolher ofertas para fins missionários e de caridade;

- as iniciativas de solidariedade em favor de homens e mulheres que, como os Magos, são oriundos de regiões longínquas: respeite-se a eles, sejam cristãos ou não, pois a piedade popular adota uma atitude de compreensão acolhedora e de solidariedade efetiva;

- a ajuda à evangelização dos povos: o forte caráter missionário da Epifania é percebido pela piedade popular, pelo qual, neste dia, têm lugar iniciativas a favor das missões, especialmente as vinculadas à “Obra Missionária da Santa Infância”, também conhecida pelo nome de “Pontifícias Obras Missionárias”, instituída pela Santa Sé Apostólica;

- a designação dos Santos Patronos: em muitas comunidades religiosas e confrarias existe o costume de designar, para cada um de seus membros, um Santo, sob cujo patrocínio se coloca o ano recém iniciado.

*******
No Brasil (e também em diversos outros países), devido à falta de sacerdotes com disponibilidade para ir até as casas neste dia, pode-se realizar a bênção sem o sacerdote. Em cada lar, o pai, como “sacerdote da Igreja doméstica”, conduz a celebração familiar. É uma celebração que a Igreja muito valoriza, pela santidade do lar “em cujas portas se traça a Cruz do Senhor, o número do ano civil que começou, as letras iniciais dos nomes tradicionais dos santos Magos (...) escritas com um giz abençoado.”



[1] Cf. “Benedictio Cretæ, in Festo Epiphaniæ”. Rituale Romanum, 25 de Março de 1752. De Benedictionibus. pp. 17-18.
[2] Cf. Ritual de Bênçãos, números 474-491. Paulus: 6ª reimpressão, 2007.
[3] No Brasil, é o número 12 da coleção bege da Ed. Paulinas: 2010.
[4] Trad. e Adapt. de Cleiton Robson do Nascimento Sousa, OESSJ.


sábado, 16 de dezembro de 2017

Sim, o Advento é um Tempo Penitencial

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Por Gregory DiPippo / New Liturgical Movement
Tradução e adaptação: Daniel Pereira Volpato / Salvem a Liturgia!

O começo de todo novo ano litúrgico traz pelo menos um artigo nas partes católicas da web “explicando” que o Advento não é um tempo penitencial. O Código de Direito Canônico é geralmente citado, uma vez que o Advento não é incluído na lista “oficial” de dias e tempos penitenciais, juntamente com a Instrução Geral sobre o Missal Romano, que o descreve como um período de “piedosa e alegre expectativa” (NdT: Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário, n. 39), sem menção à penitência.

A realidade desta matéria é mais complexa.  As tradições da Igreja não são determinadas compreensivamente ou resumidas em um Código de Direito Canônico, tampouco em um Missal ou outro livro litúrgico. É verdade que o Advento não é um tempo de jejum, e não tem sido assim no Ocidente há muito tempo. Por outro lado, na Quaresma, o jejum, o mais antigo e universal sinal da natureza penitencial daquele tempo, foi reduzido a risíveis dois dias, e as muitas referencias à “jejum” foram ou removidas ou alteradas para “abstinência” nas orações e hinos da Liturgia quaresmal. E, ainda assim, ninguém afirma que a Quaresma não é, portanto, um tempo penitencial.

Domingo Gaudete na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Blackfen, Inglaterra, 2013
Em sua história, Advento e Quaresma têm liturgicamente muita coisa em comum, e, na verdade, isso não mudou muito no rito pós-conciliar. As cores litúrgicas destes tempos, o roxo e o rosa, permanecem as mesmas. (Mais sobre isso abaixo.) Desde tempos muito antigos, as vestimentas que simbolizam a alegria de um dia festivo, a dalmática e a tunicela, eram substituídas em ambos os tempos por casulas plicadas, as quais foram (inexplicavelmente) abolidas tout court, não apenas no Advento. (Nas igrejas que não as possuíam, o diácono e o subdiácono usavam a alva, e o primeiro também a estola.) No novo rito, a dalmática pode ser dispensada “por necessidade ou em celebrações menos  solenes” (IGMR, n. 338). Como não há indicação do que constitui “celebrações menos solenes”, é-se perfeitamente livre para tratar os Domingos do Advento como menos solenes do que as festividades do Tempo do Natal, e deixar a dalmática de fora. (Esta rubrica é tão vaga que conduziu, infelizmente e inevitavelmente, em certos lugares, ao abuso de diáconos nunca utilizarem a dalmática, e sim o arranjo penitencial de alva e estola, mesmo nas grandes solenidades.)

Na Missa, o Gloria in excelsis é omitido aos Domingos em ambas as Formas do Rito Romano. Nos dias feriais do Advento, o Aleluia é tradicionalmente omitido antes do Evangelho; embora opcional no Novus Ordo, é um modo perfeitamente lícito de continuar a observância de um costume histórico da Igreja. Tradicionalmente, Advento e Quaresma também são ambos marcados pela remoção das flores do altar e pelo silêncio do órgão. Isso foi levemente modificado na liturgia pós-conciliar: flores e órgão são proibidos na Quaresma (não apenas desencorajados), mas podem ser usados no Advento “com moderação tal que convenha à índole desse tempo” (IGMR 305 e 313). Novamente, a imprecisão das rubricas permite que eles sejam deixados completamente de lado.

A exceção à regra tradicional da supressão das flores e música do órgão dá-se nos Domingos Gaudete e Laetare, quando seu uso é permitido da mesma forma que em outros domingos e festas juntamente com as características vestimentas rosa, criadas como uma mitigação do violeta penitencial. A permanência do Domingo Gaudete no meio do Advento é o sinal mais claro de que o caráter penitencial deste tempo persiste.

E Se Não Fosse, Deveria Ser

Deixando tudo isso de lado, quando chegar a hora da Reforma da Reforma (e ela certamente chegará, embora não saibamos nem o dia nem a hora), deve-se admitir que a “piedosa e alegre expectativa” tem sido um fracasso e deve ser reparada.  Não parece ter alcançado nada no tocante a refrear a orgia do consumismo que atravessa o Natal em boa parte do mundo. A restauração de algum grau de jejum e penitência no Advento, algo já praticado por muitos a nível pessoal, seria uma poderosa declaração católica das razões para este tempo.

Pessoalmente, acho triste como muitas árvores de Natal são desmontadas já na noite do dia 26. Este é um dos muitos sinais de que, ao invés de ser tido como um tempo de expectativa e alegria, o Advento tornou-se, em muitos lugares, uma versão ao contrário das oitavas do Natal e da Epifania. Pastoralmente, a Igreja deveria encorajar os fiéis a testemunhar a importância do nascimento de Cristo mantendo o todo do tempo do Natal, com as muito antigas e importantes festas litúrgicas que se seguem, como a grande e prolongada festa que tradicionalmente era; reestabelecer o caráter formalmente penitencial do Advento certamente ajudaria nisso, da mesma forma que a Quaresma faz para a Páscoa.

domingo, 5 de março de 2017

Mais de duzentos signatários publicam declaração internacional sobre a música sacra

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Coro da Capela Sistina

Foi publicada hoje a declaração sobre a música sacra "Cantate Domino Canticum Novum", assinada por diversos músicos, sacerdotes e acadêmicos, de entre outros, totalizando mais de 200 assinaturas.

A declaração está sendo lançada no quinqüagésimo aniversário da Instrução Musicam Sacram e disponível em seis idiomas (inglês, italiano, espanho, português, francês e alemão) no site da revista sobre liturgia e música sacra Altarei Dei (aqui).

Após relembrar brevemente a importância dedicada desde o século XIV pelos Papas à música sacra, a declaração resume a crítica situação atual que vive a música sacra em seis pontos, que podem ser resumidos da seguinte maneira:

  1. A perda do entendimento da "forma musical da liturgia";
  2. O secularismo que adentrou os templos sagrados por meio de estilos inapropriados de música popular;
  3. Uma falsa renovação da música sacra, sustentada por alguns grupos, que contradiz o ensinamento da Igreja sobre o assunto e acarreta no descarte da música litúrgica por primazia, o canto gregoriano;
  4. O desdém pela Tradição e, por consequência, do gregoriano e de nossa herança litúrgica;
  5. O abuso da parte de determinados clérigos (clericalismo), dificultando a redescoberta desta herança litúrgica;
  6. A falta de remuneração adequada àqueles que desempenham atividades musicais (e eu acrescento: por que não contratar profissionais, se necessário?).
Trago com destaque a citação de um parágrafo relacionado ao ponto 3, o gregoriano:
Hoje, esse “modelo supremo” [o gregoriano] é freqüentemente descartado, se não mesmo desprezado. Todo o Magistério da Igreja recorda-nos a importância de aderir a esse modelo, não como forma de limitar a criatividade, mas como fundamento sobre o qual pode florescer a inspiração. Se desejamos que as pessoas busquem a Jesus, precisamos preparar a casa com o melhor que a Igreja pode oferecer. Não convidaremos pessoas à nossa casa, a Igreja, para oferecer-lhes um subproduto de música e arte, se podem encontrar um estilo de música popular muito melhor fora da Igreja. A liturgia é um limen, um limiar que nos permite passar de nossa existência diária ao culto dos anjos: Et ídeo cum Angelis et Archángelis, cum Thronis et Dominatiónibus, cumque omni milítia cæléstis exércitus, hymnum glóriæ tuæ cánimus, sine fine dicéntes... 
Para contornar estes problemas, algumas propostas positivas são colocadas:
  1. Promoção da herança musical católica (gregoriano e polifonia sacra) e de composições sacras modernas (em latim ou vernáculo) que bebam dessa tradição, bem como do órgão de tubos;
  2. Educação das crianças na liturgia e na música pela via da beleza;
  3. Abertura de espaço aos leigos fiéis ao Magistério e, no caso da música e das artes, , com capacidade técnica nas áreas da arte e da música;
  4. Uma melhor qualidade de música litúrgica nas catedrais e basílicas, com incentivo direto do bispo diocesano;
  5. A celebração de uma Missa semanal em latim em toda basílica e catedral, para a manutenção do vínculo com nossa herança litúrgica, cultural, artística e teológica;
  6. Treinamento litúrgico e musical do clero como prioridade dos bispos;
  7. Uma maior adesão das editoras católicas ao ensinamento litúrgico-musical da Igreja, para o lançamento de obras conformes à nossa tradição musical;
  8.  A formação de liturgistas no canto gregoriano, polifonia e nossa tradição musical.

Por fim, recomendo a todos os nossos leitores que acessem o documento da declaração, que, embora breve (5 páginas), traça de modo objetivo o panorama atual da música sacra no orbe católico.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Novidades no "Inspirado no Gregoriano": Graduale Simplex e mais

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Um dos grandes projetos relacionados ao canto sacro em português foi retomado com todo vigor nos últimos meses. Trata-se do "Inspirado no Gregoriano", que já divulgamos aqui anteriormente.



Lincoln Haas Hein, seu autor, retomou o trabalho de adaptação ao português de melodias gregorianas, agora com uma novidade: além das partituras, estão sendo disponibilizados vídeos de algumas das peças.

Durante o ano passado foram publicadas algumas adaptações, como o Ofício de Trevas da Quinta-feira Santa, o responsório O Vos omnes (Canto de Verônica) e o Pai Nosso.

A partir do Advento, contudo, Lincoln começou a adaptar as antífonas de entrada, ofertório e comunhão do Graduale Simplex, mais simples do que o Gradual Romano, e, portanto, com possibilidade mais ampla de uso da parte dos fiéis com pouco contato com o gregoriano.

Ofício da Quinta-feira Santa


Missa de Angelis


Adaptação do Roráte Caeli


Não deixem de acompanhar o projeto pelo site e também pelo Facebook.



quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

A celebração do Te Deum nas Repúblicas latino-americanas

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A maioria dos países de língua espanhola da América adotou a forma de governo republicana logo após a independência. Apesar da influência maçônica nos movimentos de independência e na política desses países bem como de leis que restringiam os bens e a influência da Igreja, as instituições republicanas impregnaram-se também de traços da tradição católica desses povos latino-americanos.

Quando o Brasil se tornou independente em 1822, adotou um governo monárquico, sob a dinastia de Bragança (a mesma família reinante de Portugal) e o início do reinado de seus imperadores era marcado pela cerimônia de coroação do Pontifical Romano, oficiada por um bispo na Capela Imperial do Paço da Cidade do Rio de Janeiro. Como a instituição do regime republicano no Brasil foi feito sob influência da ideologia positivista (contrária à influência das instituições religiosas na sociedade), nossa República não tem nenhuma cerimônia de origem católica que marque o início do mandato presidencial ou o dia da independência (as chamadas Festas Pátrias).

Em vários países da América de língua espanhola, é costume a celebração litúrgica do hino de ação de graças Te Deum laudamus para marcar o início do mandato do Presidente da República e/ou para celebrar o dia da Independência do país. Na Argentina e Paraguai, celebra-se uma Liturgia com o canto do Te Deum na posse do Presidente da República, bem como no dia da Independência. Na Colômbia, celebra-se a Liturgia da Palavra e o canto do Te Deum em presença do Presidente da República e autoridades maiores da nação no dia da Independência. No Peru, o Presidente da República assiste a uma missa de ação de graças com o canto do Te Deum no final da celebração no dia da Independência do país. No Chile, a posse de um novo Presidente da República e a celebração do dia da Independência é marcado por uma celebração ecumênica com o canto do Te Deum.

A tradição do Te Deum remonta às guerras de Independência, quando os generais dos exércitos Patriotas (pró-Independência)assistiam missa e ordenavam um canto do Te Deum para comemorar a libertação de um território dos exércitos Regalistas (a serviço do Rei da Espanha). Atualmente, essas cerimônias tem sido atacadas por defensores do laicismo, que acham que uma cerimônia pública de ação de graças feita pela Igreja Católica em conjunto com as autoridades civis atenta contra a separação entre Igreja e Estado.

A existência da cerimônia de Te Deum em países republicanos mostra que a Igreja não possui uma única forma de governo e também que se adapta às diferentes culturas, impulsionando com seus ritos os povos e seus governantes a buscarem em conjunto louvar a Deus e buscar a justiça e o bem comum.

Abaixo, alguns vídeos de celebrações do Te Deum em posses e Festas Pátrias.


Colômbia - celebração da Independência (20 de julho):



Peru - Missa e Te Deum no dia da Independência (28 de julho):




Chile - celebrações do dia da Independência (18 de setembro):




Argentina - celebrações da Independência (9 de julho) e da Revolução de Maio (25 de maio) e início de mandato:






segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Ebook "Salvemos a Liturgia" já à venda!

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