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quarta-feira, 13 de julho de 2016

Palestra: O que diz a Igreja sobre a liturgia

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Palestra de Michel Pagiossi Silva, cavaleiro de Santa Maria, autor do livro Entrarei no Altar de Deus e presidente da Academia Internacional de Estudos Litúrgicos São Gregório Magno, na comunidade Shalom em São Paulo sobre a Liturgia e o que diz a Santa Igreja sobre ela.


domingo, 29 de maio de 2016

"Prefeito da Liturgia" pronuncia exortação à celebração ad orientem

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Missa versus deum rezada na Church of the Holy Ghost, em Tiverton, Rhode Island
Fonte: iPadre



O Cardeal Robert Sarah pronunciou recentemente um forte encorajamento à celebração ad orientem da Santa Missa. Nas palavras dele, leitor e assembléia devem estar voltados um para o outro durante a Liturgia da Palavra, "mas assim que chega o momento em que se dirigem a Deus - do Ofertório em diante -, é essencial que o padre e os fiéis olham juntos para o oriente. Isto corresponde exatamente ao desejado pelos Padres Conciliares".

A leitura na íntegra do artigo original encontra-se no Catholic Herald, e uma tradução ao português no Sensus Fidei.

Não é a primeira vez que o Prefeito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos trata da celebração versus deum - veja tradução de seu artigo publicado no L'Osservatore Romano aqui.

Esperamos que o Cardeal, enquanto prefeito do dicastério encarregado da Liturgia, consiga implementar este importante passo da reforma da reforma.

terça-feira, 22 de março de 2016

O mito do Evangelho Dialogado com o povo

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A Semana Santa. Certamente a mais bela semana que a Liturgia nos propicia, com seus ritos diferenciados e solenes, marcados por profundo significado simbólico e que procuram, a seu modo, repetir certos gestos e passagens de Nosso Senhor para atualizá-los, torná-los presentes.

(Foto: New Liturgical Movement)
A inabitualidade destes ritos, aliada a sempre habitual e exagerada "criatividade" das equipes de Liturgia, permite que surjam abusos litúrgicos mesmo naquelas comunidades onde isto acontece raramente nas demais celebrações do ano.

Um destes abusos, amplamente difundido, trata-se de certo diálogo entre povo e leitores durante a Proclamação do Evangelho da Paixão do Senhor no Domingo de Ramos e na Sexta-Feira da Paixão do Senhor. 

Este artigo, portanto, pretende demonstrar, citando extensa legislação litúrgica, que o povo não toma parte na proclamação da História da Paixão, não devendo proferir nenhuma fala.

A Proclamação do Evangelho na Liturgia

Primeiramente, recordemos que a Proclamação do Evangelho na Liturgia compete, por prioridade, ao diácono, ao sacerdote concelebrante ou ao próprio sacerdote celebrante:
"Por tradição, o ofício de proferir as leituras não é função presidencial, mas ministerial. As leituras sejam pois proclamadas pelo leitor, o Evangelho seja anunciado pelo diácono ou, na sua ausência, por outro sacerdote. Na falta, porém, do diácono ou de outro sacerdote, o próprio sacerdote celebrante leia o Evangelho; igualmente, na falta de outro leitor idôneo, o sacerdote celebrante proferirá também as demais leituras."
(Instrução Geral sobre o Missal Romano, 3ª ed., n. 59; grifos meus)

"A tradição litúrgica  assinala a função de proclamar as leituras bíblicas na celebração da missa a ministros: leitores e diácono. Mas se não houver diácono nem outro sacerdote, o celebrante deve ler o Evangelho, e no caso em que não haja leitor, todas as demais leituras.

"Na liturgia da palavra da missa, cabe ao diácono anunciar o Evangelho, fazer de vez em quando a homilia, se parecer conveniente, e propor ao povo as intenções da oração universal."
(Proêmio do Lecionário, n. 49-50; grifos meus)

A Proclamação da História da Paixão

A proclamação da Paixão, contudo, trata-se de caso à parte, apresentando regras próprias, como veremos a seguir. Uma de suas características únicas é que a leitura é tradicionalmente dividida em três partes. A motivação, penso eu, é pastoral, devido a seu longo tamanho. 
"A história da Paixão reveste-se de particular solenidade. É aconselhável que seja cantada ou lida segundo o modo tradicional, isto é, por três pessoas que representam a parte de Cristo, do cronista e do povo."
(Congregação para o Culto Divino. Paschalis Sollemnitatis sobre a preparação e celebração das festas pascais, n. 33)
Esta divisão (um leitor para as falas de Nosso Senhor, outro serve de Narrador e o último faz as vezes dos demais personagens) não é casual. O próprio lecionário já a apresenta.

Então, sim, pode-se dizer que se trata de um Evangelho dialogado. Porém, quem pode exercer o ofício da sua leitura são primeiramente os diáconos e depois os sacerdotes; somente na falta destes é que leigos podem fazê-la.
"Começando o canto antes do Evangelho, todos, com exceção do Bispo, se levantam. Não se usa incenso nem velas durante a história da Paixão. Os diáconos que vão ler a história da Paixão pedem e recebem a bênção, como ficou dito acima no n. 140. Em seguida, o Bispo tira a mitra, levanta-se e recebe o báculo: e lê-se a história da Paixão. Omite-se a saudação ao povo e o sinal da cruz sobre o livro.

"Depois de anunciada a morte do Senhor, todos se ajoelham, e faz-se uma breve pausa. No fim, diz-se: Palavra da salvação, mas não se beija o livro."
(Cerimonial dos Bispos. Domingo de Ramos, na Paixão do Senhor, n. 273; grifos meus)
A seção do Cerimonial dos Bispos que trata da Celebração da Paixão do Senhor apresenta termos idênticos: "Os diáconos que vão ler a história da Paixão" (n. 319)

"A Paixão é cantada ou lida pelos diáconos ou sacerdotes ou, na falta deles, pelos leitores; neste caso, a parte de Cristo deve ser reservada ao sacerdote. A proclamação da paixão é feita sem os portadores de castiçais, sem incenso, sem a saudação ao povo e sem o toque no livro; só os diáconos pedem a bênção do sacerdote, como noutras vezes antes do Evangelho.

"Para o bem espiritual dos fiéis, é oportuno que a história da Paixão seja lida integralmente sem omitir as leituras que a precedem."
(Congregação para o Culto Divino. Paschalis Sollemnitatis sobre a preparação e celebração das festas pascais, n. 33; grifos meus)
A seção da Paschalis Sollemnitatis que trata da Celebração da Paixão do Senhor referencia o ponto anterior: "A história da paixão do Senhor segundo João é cantada ou lida, como no domingo precedente (cf. n. 33)"

"O leitor leigo pode mesmo ser chamado, na falta de ministros ordenados, a proclamar uma parte do Evangelho da Paixão do Senhor, no Domingo de Ramos e na Sexta-Feira da Paixão do Senhor.

Na falta de um, dois ou três diáconos ou presbíteros, o Evangelho da Paixão e da Morte do Senhor pode ser proclamado por outros clérigos, ou mesmo por leigos, vestidos porém com vestes litúrgicas»."
(O Evangelho da Paixão (25/03/1965) apud Textos sobre o leitor litúrgico nos documentos da Igreja a partir do Vaticano II, n. 3; grifos meus)

Conclusão

Como se pode observar a partir da legislação litúrgica citada, ainda que a divisão tradicional em três partes não seja utilizada, não há menção alguma a participação do povo assumindo uma das partes da Proclamação da Paixão. (Aliás, não fosse a presença de retroprojetores ou projetores digitais em muitos de nossos templos, tal prática seria inviável.)

Para tornar mais claro um possível ordenamento para a Proclamação da Paixão, apresento um resumo abaixo, em ordem de preferência:
  1. Três diáconos;
  2. Na falta de um ou mais, sacerdotes (um deles faz a parte de Cristo);
  3. Na falta de um ou mais, leitores instituídos (clérigos ou leigos);
  4. Na falta de um ou mais, leitores extraordinários.
Uma configuração mínima seria o próprio celebrante lendo as falas de Nosso Senhor e dois leigos, leitores extraordinários, fazendo os papéis de narrador e dos demais interlocutores.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Tecnologia e Liturgia

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Por: Prof. Carlos Ramalhete.

A liturgia é, como a Fé e demais graças, um presente de Deus. E, como fazemos com as graças, temos a tendência de estragar tudo, de trocar nossa progenitura por um prato de lentilhas e a Eternidade por uma alegriazinha boba qualquer agora. Para piorar a situação, os avanços tecnológicos exacerbaram a tentação de atrapalhar a liturgia. E quando à natureza humana e à sua amplificação — para o bem e para o mal — pela tecnologia se junta a crise litúrgica que seguiu o Concílio Vaticano II, com invencionices delirantes tomando o lugar do que manda a Igreja e maus hábitos se instalando e sendo tratados como a regra, a situação fica realmente difícil.

igreja moderna
Ensinou-nos o Santo Padre Bento XVI que, das más modas que seguiram a reforma litúrgica paulina, a mais grave é a celebração da Santa Missa com o padre virado ao contrário, enfiado atrás do altar e olhando para as pessoas, substituindo a multidão que se dirige a Deus por um círculo fechado em si mesmo.

“Círculo fechado em si mesmo” é exatamente o que o Pecado Original faz de cada um de nós. Adão, que antes da Queda referia-se a Eva como “carne da minha carne, sangue do meu sangue”, imediatamente após a Queda tratou-a como “a mulher que pusestes ao meu lado”. Ele se afastou dela, fechou-se em si mesmo. E a liturgia, decididamente, não pode ser algo fechado. Ao contrário, ela é e tem que ser percebida como a maior de todas as aberturas: a abertura do temporal ao Eterno, do humano ao divino, do finito ao Infinito.

Os outros erros e problemas litúrgicos são, em enorme medida, frutos do erro tão bem apontado por Sua Santidade o Papa. É quando o padre, enfiado atrás do altar, vê-se olhando para o povo que a humaníssima tentação de agradar a todos, de dar atenção às pessoas em detrimento de Deus, torna-se ainda mais forte. É quando o padre vê diante de si aquela multidão, que tanto parece uma platéia, que lhe parece evidente que eles devem ser capazes de ouvir o que ele tem a dizer, de — pior ainda — ouvir sua voz. Ora, a voz que deve ser ouvida é a da Igreja, a de Deus, certamente não a do padre (ou do comentarista, ou da Pastoral Litúrgica, ou de quem quer que seja que tenha uma voz particular). E, finalmente, é por se formar este estranho círculo que surge a tentação de “equilibrá-lo”, forçando a assembleia a um protagonismo exagerado em que das respostas passa-se a gestos (“balançar folhetinhos”, etc.) e dos gestos a, quase, coreografias. Ao mesmo tempo, o presbitério nega seu nome e se enche de leigos, “equilibrando” os dois lados dos estranhos parênteses de gente dentro dos quais jaz uma mesa, usada à guisa de altar e apontando para as pessoas em volta ao invés de para Deus.

Vejamos, então, como a tecnologia moderna literalmente amplia e ilumina estas tentações, afastando ainda mais a liturgia do seu verdadeiro espírito e tornando ainda mais difícil a participação real e frutuosa, que ocorre não quando nos mexemos muito, mas quando nos unimos ao Sacrifício Redentor, ali tornado novamente presente de forma incruenta para nossa santificação.

Para isso, convém dar uma régua de medição. A mais perfeita, claro, é a que o próprio Espírito Santo suscitou na Igreja ao longo dos séculos: a tecnologia da arquitetura sacra clássica, perfeitamente adequada à liturgia e a seu espírito.

Quando visitamos uma igreja pré-moderna, vemos alguns elementos arquitetônicos comuns, perfeitamente adequados à liturgia. O primeiro deles é a posição do altar. O altar-mor, em uma igreja clássica, é o ponto focal de toda a edificação; quando entramos na igreja o nosso olhar imediatamente é atraído para a extremidade oposta à da porta, em que o altar-mor, como uma imensa escada, aponta o caminho do Céu. No primeiro degrau, o túmulo dos mártires (dentro da pedra do altar há sempre relíquias de mártires); no segundo, o próprio Senhor Sacramentado, descido dos Céus, para nos “puxar para cima”; nos demais degraus, os focos de luz das velas apontando sempre para cima, até encontrarmos, no lugar para onde somos chamados a ir, a imagem de alguém que, nas palavras de São Paulo, “venceu a corrida”: um Santo, que um dia esteve como nós diante do altar e hoje, pela graça de Deus, está sobre ele.

Recuando deste ponto focal absoluto, que é o altar-mor, descemos três degraus “humanos”; assim como os “degraus” gigantescos do altar que só as almas sobem, os três degrauzinhos do presbitério, que o corpo do padre agindo na Pessoa de Cristo sobe e desce durante a Missa, fazem parte desta escalada do profano ao Sagrado, do transitório ao Permanente, do finito ao Infinito. O padre sobe os degraus como um ser humano que se aproxima de Deus, e os desce como Deus que se aproxima dos homens; fala a Deus e fala aos homens, virando-se para o altar ou para a assembleia.

Recuando ainda um pouco, encontramos a Mesa de Comunhão, em que ocorre para nós o mais íntimo e (quando percebemos o que realmente ocorre) apavorante encontro do humano com o Divino: a recepção do Corpo e Sangue do próprio Senhor, do mesmíssimo Corpo que nasceu da Virgem Maria e foi elevado na Cruz. A Mesa de Comunhão parece uma cerca, mas não é. Na verdade, ela é uma rampa de lançamento, verdadeiro degrau inicial daquela mesma escada. Ela separa a nave da igreja, lugar onde fica o profano que busca o Sagrado, do presbitério, lugar do Sagrado que vem ao encontro do profano. Ao mesmo tempo, quando nos ajoelhamos junto a ela para receber o próprio Senhor sacramentado, somos elevados pela graça divina e escalamos, puxados por Deus, aquela escada mística de Jacó cuja figura nos contempla do altar-mor.

Aquém da Mesa de Comunhão, estamos na nave da Igreja: um amplo e altíssimo espaço vazio (a adição de bancos e cadeiras é muito recente), coberto apenas de luz e de cor. Dos lados, abaixo dos vitrais, outros altares, versões pequenas do altar-mor, servem para que o Santo Sacrifício possa ser oferecido simultaneamente por vários sacerdotes; neles, ainda, a Missa de um padre solitário não interfere na meditação de quem esteja a rezar sozinho ou a adorar o Santíssimo Sacramento. Cada fiel é livre para participar de uma das várias Missas, cada uma em um ponto da liturgia, ou para ir de Consagração em Consagração, ou ainda para ignorá-las todas, ou mesmo participar à distância de todas. Não há nem pode haver ali nenhum círculo fechado; ao contrário, cada fiel está aberto para todos os lados, e vários focos de abertura do temporal ao Eterno — em cada altar lateral — brilham simultaneamente. É um lugar de encontro, um “parlatório” múltiplo e variegado dos muitos homens e o único Deus, em que cada homem não deixa de ser homem, mas não faz nem de si mesmo nem dos demais homens o foco de sua atenção.

Acima de todos a luz do sol entra, filtrada e colorida pelas imagens sacras dos vitrais. A luz serve para que possamos enxergar. Mas numa igreja clássica há dois tipos de luz: a que Deus faz, que entra pelos vitrais, e a que o homem faz para Deus, concentrada no altar, na forma de velas. A luz de Deus é mais forte e mais bela, mas a Igreja, na sua sabedoria, a filtra em cores. Os vidros são todos coloridos, porque a luz nua do sol ilumina demais. Não convém haver tanta luz, porque a igreja não é tanto lugar de apreciação sensível quanto de apreciação mística: o que acontece de mais importante ali é invisível, e a beleza das luzes coloridas dos vitrais só faz sublinhar o Mistério maior que ocorre sobre o altar, ao emoldurá-lo em cores. Do mesmo modo, as paredes de uma igreja clássica muitas vezes são revestidas de pinturas coloridas, que se unem à luz dos vitrais para nos dar ao mesmo tempo uma verdadeira aula — pois cada figura que ali vemos tem seu sentido e sua simbologia — e um banho de beleza em estado bruto. A vista da nave da igreja, a vista do lugar de onde nós, leigos profanos, nos aproximamos do Infinito e Sagrado, é a mais bela vista do mundo. Na verdade, a beleza é bem maior vista da nave que do próprio presbitério, de onde praticamente só se pode ver o próprio altar, aquela escada altíssima que lembra ao humano sacerdote o quanto ele tem que subir, o quanto lhe falta escalar para alcançar a santidade daquele outro servo de Deus cuja imagem está no mais alto dos degraus.

Na própria nave, vemos ainda dois púlpitos, um de cada lado. São balcõezinhos altos, para uma só pessoa, donde o sacerdote pode falar e ser ouvido, por estar acima das cabeças dos presentes. O som do púlpito alcança a igreja inteira, e se a multidão estiver — como deve estar — silenciosa, cada palavra dita dali é ouvida sem dificuldade por todos os presentes.

Por cima da porta principal, com a mesma tecnologia do púlpito, o coro ao mesmo tempo esconde as faces e eleva as vozes dos cantores e organista: a música parece vir de toda parte e de lugar nenhum ao mesmo tempo. Dos lados do coro, mas fora da nave e muito mais altos, os sinos das torres levam para o mundo lá fora a mensagem de salvação da Igreja.

Vejamos agora como a tecnologia moderna perverteu aquilo que o Espírito Santo, ao longo dos séculos, suscitou na Igreja.

A tecnologia mais problemática para a liturgia é a eletricidade. Costumo dizer que se acabasse a eletricidade, a imensa maioria dos problemas litúrgicos desapareceria instantaneamente; quem nunca passou pela experiência de ir à Missa e, devido a um blecaute, ter a deliciosa surpresa de participar de uma Missa infinitamente mais adorável e santificante, celebrada sem eletricidade para atrapalhar?

A eletricidade tem duas maneiras principais de estragar a liturgia, amplificando as tentações até o ponto em que elas escondem a liturgia e fazem crer que outra coisa, completamente diversa, esteja a acontecer ali. 

A primeira delas é a amplificação sonora. Os efeitos da amplificação sonora sobre a liturgia são devastadores. Como vimos anteriormente, as soluções da tecnologia clássica da Igreja fazem com que — havendo silêncio da assembleia — a voz do sacerdote falando do púlpito, bem como as vozes do coro e do órgão, cheguem sem problemas a todos os ouvidos. Não é, todavia, audível o que o padre diz quando está diante do altar. O próprio Concílio de Trento anatemizou quem dissesse que estas palavras deveriam ser audíveis pela assembleia, porque não se trata de um detalhe irrelevante, mas de um ponto de teologia importantíssimo: o que o padre diz junto ao altar não é para nossos ouvidos; ele está se dirigindo a Deus, não a nós. Ele fala, sim, em nosso nome, mas as palavras que enuncia são as palavras da Igreja, que temos no Missal. Ele não diz outra coisa, não inventa nem pode inventar nada, e, aliás, por que o faria, se é só Deus quem o ouve? Quem quer saber o que ele diz pode e deve abrir o Missal e ler, sem ter como cair na tentação de achar que é para si que fala o sacerdote.

Já, por outro lado, as palavras de Deus para o homem, na Liturgia da Palavra e na homilia, são e devem ser audíveis: para isso serve a posição elevada do púlpito, que ao mesmo tempo faz chegar a voz do sacerdote a toda a igreja e força a assembleia ao silêncio.

Quando a voz do sacerdote é amplificada, desaparece completamente a distinção que já se tornara difícil de perceber com a estranha moda de colocar o padre atrás do altar, eliminando a clareza de seus atos ao não mais fazê-lo, como manda o Missal, voltar-se para a assembleia ou para o altar. Tudo o que o sacerdote diz passa a ser enorme, altíssimo, tonitruante e, pior de tudo, aparentemente voltado aos fiéis. É como se ele estivesse falando com eles todo o tempo, quando na verdade ele é o intermediário entre eles e Deus, e ora fala pela Igreja a Deus, ora fala por Deus a Seu povo. Com um microfone, a tendência é desaparecer o sacerdote — que age na Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo — e surgir a pessoa do padre Fulano, que deveria desaparecer completamente durante a Santa Missa para dar lugar ao Cristo.

Um frade já idoso uma vez comentou comigo o quanto lhe agastava ver que nas fotos dos convites das raras ordenações de sua congregação nunca o novo padre aparecia com o Cálix, como se costumava fazer. Ao contrário, disse-me ele, todos posam para a foto com um microfone na mão Poucas coisas são tão representativas da nossa sociedade do espetáculo quanto o fetiche do microfone; as pessoas gostam de ver-se fotografadas segurando um microfone à frente dos lábios, e dar ao vulgo um microfone é incitá-lo a falar. O mesmo ocorre, é claro, com os sacerdotes, que são seres humanos como todos nós, mas que sofrem tentações muito mais fortes por serem troféus muito maiores para os demônios. O microfone é uma tentação enorme, que muitas vezes se disfarça e se desculpa. E aí temos o padre que manda um exército de ministros extraordinários ilicitamente distribuir o Santíssimo em tempo recorde nas Missas dominicais, para em seguida sentar-se e ficar por vinte minutos falando platitudes ao microfone, convencido pela própria vaidade e pelo demônio de estar ajudando na ação de graças dos fiéis. Ora, ele está calando a voz do Senhor ao encher a nave com a própria voz, e está pregando novamente na cruz as mãos do Senhor ao substituir ilicitamente suas mãos sacerdotais, ungidas pela Igreja para distribuir a graça divina, pelas mãos profanas de leigos, com a desculpa do tempo gasto… que ele mesmo gasta com seu discurso vazio ao microfone logo em seguida.

Do mesmo modo, com a voz amplificada é facílimo e comuníssimo que o padre invente, parafraseie e improvise ao longo de toda a liturgia. De um inútil e desrespeitoso “bom-dia” no início da Missa a longas elucubrações e paráfrases em cada um dos já demasiados “ad libitum” da liturgia paulina, o prazer de ouvir a própria voz leva o padre a cair na tentação de calar a Igreja para falar pessoalmente, de negar o Cristo para ele mesmo crescer na atenção da assembleia, substituindo e adicionando suas palavras todo o tempo.

A amplificação ainda apresenta outro fator tremendamente perturbante: o som — como o do coro na tecnologia litúrgica clássica — vem de todos os lugares e de lugar nenhum. Todos ouvem a voz tonitruante que sai de inúmeras caixas de som, mas descobrir de onde ela vem originalmente, onde está a pessoinha que fala ao microfone, demanda atenção. Com isso, a liturgia — já desprovida dos marcadores visuais e auditivos mais evidentes, como mencionei acima — torna-se algo ainda mais confuso. O som amplificado é um nevoeiro auditivo, que obnubila qualquer direcionamento da atenção ao fazer com que toda voz venha de todos os lados ao mesmo tempo.

Em uma situação moderna normal em que haja amplificação — um espetáculo musical, por exemplo — é normalmente claro de onde vem o som, por se tratar de um monólogo completamente natural. É uma pessoa, ou uma banda, que dirige a uma plateia o som que produz. Já na liturgia, como vimos, o som só deveria ser dirigido do altar à assembleia parte do tempo; o sacerdote é, ele também, membro da assembleia, e é em nome dela que ele se dirige ao altar. O distante sussurro do sacerdote junto ao altar, com uma assembleia perfeitamente silenciosa diante do magno Mistério que ali se torna presente, deveria ser para todos nós ocasião de unirmo-nos em oração a ele, de, nós também, virarmos para o altar e rezar. Do mesmo modo, a voz dele vindo do púlpito deveria nos levar a prestar atenção e fazer silêncio.

Mas quando o que temos é uma voz tonitruante que vem de todos os lados ao mesmo tempo, a tendência humana é, ao contrário, diminuir a atenção; a voz se torna um ruído ambiente, não uma voz que fala conosco. Afinal, quem fala conosco se dirige a nós, e a incorporeidade daquela voz a torna impessoal.

Quando diminuímos a atenção, fatalmente surgem conversas paralelas, que por sua vez levam a aumentar ainda mais o volume daquela voz que vem de todos os lados ao mesmo tempo, tornando-a ainda mais confusa pela soma de dezenas de cochichos paralelos igreja afora.

Vejam que armadilha demoníaca: para o padre, o microfone tenta a aumentar-se e diminuir ao Cristo, a fazer da liturgia um seu espetáculo pessoal; já para a assembleia, a amplificação faz com que o padre desapareça e com que o que ele diz seja algo a que se presta menos atenção.

E a amplificação artificial, para piorar a situação, não se restringe ao sacerdote. Do mesmo não-lugar de que vem a voz do padre, vêm as vozes, violões e percussões da bandinha de música, que igualmente cai na tentação de se achar em um espetáculo, que já vitimara o padre. E tome cantor falando platitudes ao microfone com a desculpa (para si mesmo) de estar ajudando as pessoas a fazer ação de graças, e tome tocador de violão a fazer arpejos durante a Consagração para “criar um climinha”, como se ele fosse um pianista de cinema mudo. E tome invencionices melódicas, rítmicas e harmônicas, normalmente ainda pioradas quando, por qualquer razão que seja, a bandinha está em um lugar em que ela esteja à vista da assembleia. A tentação de ser a estrela, de dar um espetáculo, é uma tentação demasiadamente presente para que possamos nos dar ao luxo de ignorá-la como vem sido feito na maior parte das paróquias.

E, finalmente, ainda há as outras vítimas do microfone: as pessoas que são levadas, por razões pseudo-pastorais, a ir lá na frente falar alguma coisa (leituras, comentários, avisos, tanto faz), numa espécie de contraponto geralmente forçado, constrangido e tímido aos espetáculos em competição do padre e da bandinha. Estes falam longe do microfone ou falam alto demais, usam enunciações e prosódias estranhas, e fazem, em geral, com que se perca ainda mais o senso de sacralidade da liturgia. Já é ruim que haja o que foi descrito acima; quando se tem regularmente breves interrupções em que alguém tem que aprender em pleno voo como se usa o microfone, a pouca fluidez litúrgica que ainda sobrava em geral desaparece completamente, fazendo com que recrudesçam os papos paralelos (tornados possíveis pelo volume da amplificação) e diminua ainda mais a atenção geral ao que realmente está acontecendo ali.

Finalmente, a eletricidade ainda tem efeitos sonoros decorrentes não da amplificação, mas do uso de aparelhos de ar condicionado e ventilador. Estes aparelhos produzem um ruído a que se chama “ruído branco”, que consiste em um ruído contínuo e aleatório que se distribui por um amplo espectro. O ruído branco tem a propriedade de fazer desaparecer, por mistura, a clareza dos demais sons. É por isso que é dificílimo ouvir o que dizem na mesa ao lado em um restaurante lotado, por exemplo: o ruído branco resultante da soma de todas as conversações faz com que aquela voz a um metro de distância, que ouviríamos perfeitamente em um ambiente silencioso, simplesmente desapareça. Na igreja, o ruído branco dos ventiladores ou ar condicionado faz com que as conversas cochichadas sejam inaudíveis, e não atrapalhem individualmente quem está ao redor. Ora, isso faz com que haja mais e mais conversas cochichadas, o que aumenta ainda mais o volume do ruído branco, pela soma dos cochichos ao ruído das máquinas, e mistura mais ainda o som do microfone, levando os técnicos a aumentá-lo ainda mais, o que por sua vez leva as pessoas a ter ainda menos pejo de conversar, etc., num ciclo vicioso anti-litúrgico verdadeiramente demoníaco. Comparem isso com uma igreja forçada ao silêncio para ouvir a voz em amplificação que vem do púlpito, e fica fácil entender do que estou falando.

A outra maneira pela qual a eletricidade estraga a liturgia é pela iluminação elétrica. A tecnologia luminosa clássica da Igreja consiste, como vimos anteriormente, na combinação da luz branca e nua, porém pequena, das velas com a luz forte, porém matizada e colorida dos vitrais. As velas atraem a atenção para o altar, enquanto as imagens dos vitrais suscitam a meditação em quem as contemplar, enquanto inundam a igreja de uma luz que — como o som do coro — é suave e parece vir de todos os lados ao mesmo tempo.

Já a iluminação elétrica que hoje encontramos na maior parte das paróquias é extremamente semelhante à que vemos, por exemplo, em agências bancárias: uma luz forte, branca, dura e brutal, que ilumina tudo por igual e a tudo faz igual. A nave da igreja torna-se igual ao presbitério, que se torna igual ao altar (aliás desaparecido na forma de uma mesa, muitas vezes difícil de encontrar). As velas desaparecem, com seu brilho muitas vezes ofuscado até mesmo pelos reflexos da luzes fortíssimas do teto nos seus próprios candelabros, por exemplo. Todo o simbolismo das velas se perde, toda a riqueza das mensagens de luz dos vitrais desaparece, e a igreja toda se vê igualada, toda ela perfeitamente iluminada e perfeitamente indigna de atenção, como uma agência de banco. Cada sujeirinha do chão é visível, mas o altar é algo que se precisa procurar (mormente quando o som também vem de todos os lados ao mesmo tempo!). As roupas das pessoas da assembleia aparecem plenamente, com suas cores e texturas a despertar curiosidade, à luz brutalista da eletricidade, mas as vestes litúrgicas — que numa igreja clássica refletiriam sozinhas as luzes das velas e atrairiam a atenção de todos — parecem uma decoração de um canto da igreja; um espetáculo de teatro teria uma diferença de iluminação entre o palco e a plateia, mas nas paróquias de hoje o presbitério e a nave são banhados pela mesma luz dura e feia, sem que se saiba o que é o quê.

A luz elétrica, assim, como a amplificação artificial do som, mistura tudo e elimina as diferenças, trabalhando ativamente para frustrar a liturgia da Igreja. Se temos consciência destas tentações que venho de descrever, fica mais fácil tentar vencê-las. Se não tivermos, todavia — e não a ter é a regra hoje em dia — a tendência é cairmos cada vez mais fundo nelas.

Que São Gregório Magno, São Pio V e São Pio X nos ajudem a vencê-las, sempre!

Publicação original disponível em: medium.com


quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Da conveniência de uma Liturgia Universal, por Jorge Ferraz

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Liturgia universal catolicismo inculturação simbolismo significado mistagogia mistério


Não é a primeira vez que recomendo algum artigo do Deus lo Vult! E, sinceramente, espero não ser a última. Desta vez, Jorge Ferraz nos brinda com uma excelente reflexão sobre a universalidade da Liturgia.

É um tema fora de moda, eu sei. Há uma certa tendência por aí de querer adaptar a Liturgia aos gostos particulares de cada comunidade dizendo se tratar de inculturação. Esta infeliz tendência - muito em voga no Brasil, infelizmente - é fruto de uma concepção errônea de inculturação e, pior ainda, do que é a Liturgia em si.

Veja o que Jorge diz:
Eu entendo o argumento de que o Evangelho não é uma cultura pronta e acabada mas, ao contrário, uma força capaz de orientar para Cristo tudo aquilo que é verdadeiramente humano — e, portanto, tem em Si próprio a força de elevar a Deus qualquer cultura. Mas disso não me parece decorrer que o culto a Deus deva reproduzir as particularidades de cada povo, de cada grupo social, de cada costume local (ainda que legítimo). Ao contrário: penso que, no que diz respeito à Sagrada Liturgia, a catolicidade da Igreja deve se sobrepôr à legítima particularidade dos fiéis que do culto divino tomam parte em um momento histórico específico e em um lugar determinado do globo terrestre.
A seguir ele enumera três razões que fundamentam este seu pensamento, que resumo da seguinte forma:
  1. O simbolismo contido na Liturgia e o significado que ela carrega. A Liturgia em todos os seus aspectos deve ser mistagógica, deve comunicar o Mistério de um Deus que entregou Seu Filho por tamanho amor a cada um dos homens (Jo 3,16). Este ato sublime de amor torna-se presente através da Liturgia da Missa que, por isso, deve comunicar este caráter sagrado, extraordinário.
  2. A passividade da cultura no processo de inculturação. Ou seja, é o Evangelho o agente transformador aqui, e este age modificando uma determinada cultura humana presente num determinado momento histórico. Embora as culturas possam contribuir para o ethos católico, uma dita Cultura Católica, por assim dizer, esta influência sempre será muito menor do que a influência que o Evangelho e a Igreja devem exercer numa cultura.
  3. A universalidade da Liturgia, que não deve se contrapor ao seu caráter sagrado. Dito de outro modo: embora a Liturgia deva nos comunicar o Mistério, a sua forma e a execução do rito não nos devem causar estranhamento.
O texto na íntegra, cuja leitura recomendo fortemente, pode ser encontrado em "Da conveniência de uma Liturgia Universal".

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

A revisão do rito bracarense

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Tratando mais uma vez a temática do rito bracarense, hoje irei abordar a questão do destino do rito após o Concílio Vaticano II; para tal, nada melhor do que recorrer ao Relatório apresentado à Sagrada Congregação para o Culto Divino. Como poderão ou não saber, o rito bracarense foi dos poucos ritos ocidentais que não foi revisto/reformado aquando da revisão do rito romano. Alguns de vós poder-se-ão perguntar o que aconteceu ao rito durante os anos da reforma litúrgica e porque tal nunca se deu neste caso. Tendo acesso a uma cópia do relatório da reforma do rito durante os anos tempestuosos após o CVII, gostaria de partilhar o seu destino, com vista a esclarecer porque o rito está quase desaparecido tirando uma ou outra celebração esporádica.

A Constituição Conciliar sobre a Sagrada Liturgia, Sacrosanctum Concilium, tem a dizer sobre ritos locais o seguinte:

4. O sagrado Concílio, guarda fiel da tradição, declara que a santa mãe Igreja considera iguais em direito e honra todos os ritos legitimamente reconhecidos, quer que se mantenham e sejam por todos os meios promovidos, e deseja que, onde for necessário, sejam prudente e integralmente revistos no espírito da sã tradição e lhes seja dado novo vigor, de acordo com as circunstâncias e as necessidades do nosso tempo. [ênfase meu]

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Ao longo de todo o relatório, sempre que se menciona SC, sobretudo no que diz respeito ao rito bracarense, parece que o pressuposto é de que a revisão era obrigatória (talvez por factores historico-sociais?). Apesar do rito ter sido revisto apenas 50 anos antes, parece que se julgou necessário revê-lo mais uma vez. Todavia, os motivos que levaram à edição dos 1920's – recuperar o que era verdadeiramente bracarense e eliminar certas imposições romanas – não estiveram na base da desejada reforma após o Concílio Vaticano II.

A introdução do relatório, tratando a temática da reforma, tem o seguinte excerto da Nota Pastoral sobre a Constituição sobre a Sagrada Liturgia pelo ordinário diocesano:

[…] a reforma litúrgica é mais um espírito do que a alteração das cerimonias. Por isso, ir-se-á devagar, tanto mais que a obra completa não e para ser feita por uma geração. A nós compete começar o movimento que um dia terá corpo perfeito pelo seu desenvolvimento natural.

Trata-se duma prevenção de altíssimo valor prático, até para não termos de nos arrepender por haver andado depressa demais. Neste capítulo de inovações litúrgicas, vai melhor quem for mais devagar. […]


O ordinário continua, dizendo que o rito deverá ser renovado, mas não antes do romano (parece implicar ou que o rito bracarense era subordinado ao romano ou que a reforma do rito romano serviria de padrão para o bracarense). Quaisquer elementos que forem comuns a ambos os ritos estão sujeitos às novas normas litúrgicas, embora não necessariamente de imediato nem a partir do dia 7 de Março.

Numa carta ao clero no dia 17 de Dezembro de 1967 o ordinário diocesano salienta que: 

 […] pela supressão de algumas cerimónias em resultado dessa adaptação e pela aproximação do romano ao rito bracarense noutras, pelo menos na Santa Missa, pouco resta que distinga os dois ritos. […]
[…]
Se chegar ao fim, em breve, como se espera, e for aprovada a reforma do missal romano em estudo, poderá dizer-se que do antigo missal mal vai ficar pedra sobre pedra.
E na adaptação posterior do bracarense a luz do romano, que ficara nele de próprio a justificar existência a parte?

A 25 de Novembro de 1969 ouvimos do cabido que "o Cabido, na sua maioria, é da opinião que se deva procurar a sua [rito bracarense] sobrevivência". Apenas um cónego não concordou, tendo ficado registado o seguinte depoimento:

Ao signatário parece não deverem imiscuir-se particularidades do rito bracarense na feliz urdidura do ordo pós-conciliar. Ou continue, intacto e indemne, o ordinário bracarense, ou se aceite o opus perfectum do novo ordinário latino universal.

Parece que nesta altura existiria já alguma experimentação que, mais adiante no relatório depuramos, terá sido autorizada pelo ordinário. Pelo cariz dos comentários, parece-me que a reforma do rito bracarense não seguia pelo rumo pretendido.
Com que se pareceria está reforma? No meu parecer, um híbrido entre o rito bracarense e o missal Paulino. Chego a está conclusão a partir da introdução do relatório, que menciona que o rito revisto utilizaria do novo ordo romano o que fosse comum a ambos, e o que fosse particular ao bracarense seria adicionado posteriormente. Para este efeito estabeleceu-se um comité que iria estudar o rito bracarense e identificaria as suas particularidades. O comité apresentou a 25 de Novembro de 1969 a seguinte lista:

Ritos Iniciais:
  • Preparação do cálice
  • Bênção da água
  • Ave Maria
  • In nomine Patri… Sancti Spiritus adsit…
Liturgia da Palavra: como no rito romano
Liturgia Eucarística:
  • Ofertório: Acceptabilis sit… (hóstia): Ofertório: Offerimus tibi Domine… (cálice)
  • Genuflexão dupla
  • Uso da pala na elevação do cálice
  • Segunda elevação da hóstia
Rito da Paz
  • Domine Iesu Christe…
Preparação para a Comunhão:
  • Domine Sancte, Pater…
Conclusão:
  • Bênção: In unitate Sancti Spiritus… 

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Celebração do rito bracarense durante a semana da Paixão

Inquiriram-se membros do clero e leigos relevantes da arquidiocese a propósito do rito e da sua reforma. O que segue, embora breve, é uma amostra reflectiva da atitude geral para com o rito da arquidiocese:
  • O comité para a aplicação de Sacrosanctum Concilium é da opinião que o missal de Paulo VI devera ter prioridade na diocese. Ademais, o novo ordo está tão bem concebido que "a introdução de elementos estranhos – mesmo de tradição venerável – diminuiria o seu lustre." Assim sendo, a preservação das características bracarenses deverão ser confinadas a Sé Primacial.
  • Dever-se-á pedir à Santa Sé para que só se utilize o rito na Sé; os livros romanos são mais fáceis de gerir.
  • As diferenças entre ambos os ritos são mínimas, de tal modo que não merecem que se peça à Santa Se para as manter (ou então, apenas na Sé).
  • Devido à celebração da Missa ser transmitida na televisão a utilização do rito bracarense confundirá “pessoas menos evoluídas”.
  • “Antes haja coragem para romper com tradições veneráveis e ancestrais. Vale mais a participação do povo, deste povo moderno, tão habituado a expressões claras, inteligíveis e traduzíveis no seu modo profano de falar.”
  • “ [...] muitas pessoas [...] muitas vezes se queixaram todos do mesmo rito.”
  • “ [...] algumas rubricas mesmo ridículas.”
  • “algumas delas [particularidades] estão totalmente deslocadas, como [...] e preparação do cálice no principio.”
  • Deverá ser confinado a Sé, mas não a celebrações em que os leigos possam participar uma vez que não estão “preparados para participar activamente”.
  • Deve-se adoptar o novo ordo porque está "em mais perfeito contacto com o povo e portanto maior poder santificador, tornando-se mais simples, mais atraente, mais sóbrio, rápido e dinâmico, por conseguinte mais adaptado aos nossos tempos.
  • “Sermos todos iguais na Igreja de Deus, una e uniforme, e a nossa grande glória de sacerdotes católicos, e não queremos outra [refere-se aqui ao novo ordo]. […] Os nossos fiéis e sacerdotes e bispos andam por toda a parte do país e do estrangeiro, tomando parte activa no culto católico, que tem de ser igual para ser bom.”
No meio destas críticas todas encontramos um sacerdote com voz profética:

Deve notar-se que abolir o rito é ir contra uma veneranda tradição e contra o património religioso e cultural da diocese. E esta atitude destrutiva talvez venha a ser asperamente censurada num futuro mais ou menos próximo, quando, passada esta febre de reformas (e, em vários casos, de destruições), se tiver de repensar e de reassumir muitos dados tradicionais agora postos em causa e ate repudiados.
Alem disso, estando hoje no espírito da Santa Sé garantir a unidade dentro do essencial e aceitar no restante a diversidade de expressões de culto, autorizando a introdução de elementos tradicionais e de folclore na própria Santa Missa [dá-se aqui o exemplo de ordenações numa catedral africana], mal ficaria rejeitarmos formulas e ritos litúrgicos com séculos de tradição e aprovados pela Santa Sé.
[…]
As modificações introduzidas no novo Ordo Missae romano são tão profundas e extensas que, pode dizer-se, com elas começa um novo rito e não apenas uma reforma existente. [...]

Desta breve amostra podemos ver que a maior parte do clero e dos leigos eram favoráveis ao abandono total do rito bracarense. Uma e outra vez sugere-se que o rito seja confinado à Sé, referindo-se que é uma relíquia que aí se deve guardar apenas para mostrar em determinados dias (alguns chegam ao cúmulo de lhe chamar peça de museu). Que a arquidiocese tenha seu próprio rito é encarado como algo vexaminoso, dizem alguns sacerdotes, uma relíquia dum período medieval atrasado que deveria ser abolido. A maioria dos leigos não compreende o contexto histórico do rito, mas não hesitam em dizer que ele não corresponde as necessidades pastorais do homem moderno. "Motivos pastorais" é um dos argumentos mais utilizados para justificar a abolição do rito. Outro motivo invocado é o económico: argumenta-se que é mais barato adoptar os novos livros romanos do que os de Braga. Facilidade na deslocação das comunidades e uniformidade como sinal de unidade são argumentos que surgem várias vezes também. Um sacerdote recorre a precedentes históricos para a adopção do missal Paulino, referindo-se ao facto da arquidiocese ter sido a primeira na península ibérica a adoptar o rito romano (o que não é totalmente verdade)!
Qual foi o parecer da CCD sobre a proposta de revisão? O parecer final foi de que o rito bracarense deveria ser preservado na sua integralidade, conforme era antes das revisões: 

Exclui-se toda e qualquer mistura do rito bracarense com o rito romano, de modo que o rito bracarense conserve integralmente a forma nativa, segunda a veneranda tradição secular.
Todavia:
  • Na celebração da Missa sem povo, o sacerdote que usa o rito bracarense pode tomar leituras do leccionário promulgado por autoridade de Paulo VI;
  • Na celebração da Missa com povo, o Ex.mo Arcebispo dará normas oportunas em ordem a providenciar os meios necessários a activa e consciente participação dos fiéis;
  • As leituras e a oração universal ou dos fieis devem ser proferidas em vernáculo. As leituras devem tomar-se do supracitado leccionário.
A CDD também deu ao clero bracarense a opção de utilizar ou um ou outro dos livros litúrgicos (desde a edição dos anos 1920's até à altura o bracarense era obrigatório em toda a arquidiocese).

Conclusão:
Porque nunca terá sido aprovada a revisão do rito bracarense? Terá a CDD concluído que era um rito moribundo tendo em conta os dados fornecidos? Talvez jamais saberemos. A verdade é que o rito bracarense está virtualmente morto. Tirando uma celebração esporádica por algum sacerdote desconhecido, a sua celebração diária, tanto quanto sei, não é uma realidade. Ocasionalmente há registos de celebrações presididas pelo arcebispo em Braga, mas do que me tem constado é que se trata duma celebração híbrida, influenciada pela Novus Ordo, quiçá o mesmo rito que a CDD recusou. Estas celebrações, à luz do que consta do relatório e dos factos a que tenho acesso obrigam-me a perguntar: Qual a legitimidade deste rito? Cairá sob a cláusula respeitante as celebrações presididas pelo arcebispo?
Qual a finalidade deste post? Acredito que o destino do rito bracarense é relevante para as discussões actuais que decorrem no mundo litúrgico respeitantes à vetus ordo do missal romano (também conhecido com forma extraordinária do rito romano). Espero que esta breve exposição levará a um estudo mais profundo do rito bracarense e a sua (eventual) reabilitação.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Orações típicas da Quaresma

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Oração penitencial:


"Abre-me as portas da penitência, Senhor, Fonte de vida, pois desde a aurora, meu espírito que
leva o templo de meu corpo todo manchado de pecado está voltado para Teu Templo santo! Em
Tua infinita bondade, purifica-me por Tua doce misericórdia. Aplana-me o caminho da salvação,
ó Mãe de Deus! Pois sujei minha alma com pecados infames dissipando minha vida na negligência. Por Tua intercessão, salva-me de toda impureza! Quando medito, miserável, sobre a multidão de
minhas más ações fico aterrorizado ao pensar no temível dia do Julgamento. Porém confiando em Tua bondade misericordiosa, chamo a Ti, como David: Tem piedade de mim, ó Deus segundo Tua imensa misericórdia!

Oração do 1º dia de Quaresma:


"Comecemos alegremente o Tempo do jejum e lancemo-nos no combate espiritual, guardemos nossa alma do mal e purifiquemos nossa carne. Jejuemos de toda paixão assim como de alimento, e que
nossas delícias sejam as virtudes do Espírito. E que praticando-as com perseverança e amor possamos todos nós conseguir ver a venerável

Paixão de Cristo, e, no júbilo espiritual, a Santa Páscoa." Oração de Quaresma de São Efrem o Sírio:
"Senhor e Mestre da minha vida afasta de mim o espírito de preguiça, o espírito de dissipação, de domínio e de vã loquacidade! Concede a Teu servo o espírito de temperança, de humildade, de
paciência e de caridade. Sim, Senhor e Rei, concede-me que eu veja as minhas faltas e que não julgue a meu irmão, pois Tu és bendito pelos séculos dos séculos. Amém."

Oração ao Anjo no Horto


Eu te saúdo, santo Anjo, que consolastes Jesus no Monte das Oliveiras. Tu consolastes meu Senhor
Jesus Cristo em Sua agonia.

Contigo louvo a Santíssima Trindade, que te escolheu dentre todos os Anjos, para consolar e
fortalecer a quem é Consolo e Fortaleza de todos os aflitos e que diante dos pecados do mundo e, de
modo especial, diante dos meus pecados, repleto de dor, caiu no solo.

Pela honra que recebeste e pela disponibilidade, humildade e amor com que ajudaste a santa humanidade de meu Salvador Jesus eu te peço um arrependimento perfeito de meus pecados. Consola-me na tristeza que atualmente me aflige E em todas as outras penas que vão
sobrevir, especialmente na hora da minha agonia. Amém. (SS. Bento XV).

Oração a Nosso Senhor Agonizante no Getsêmani


Ó meu Jesus, Divino Redentor, leva-mecontigo e com os Teus três caros Apóstolos,
para assistir à Tua agonia no Horto do Getsémani. Advertida pela doce repreensão que Tu deste a Pedro e aos outros Discípulos adormecidos, quero vigiar, ao menos, uma hora contigo no Getsémani; quero sentir ao menos uma dilaceração do Teu coração agonizante, um hálito da Tua
respiração aflita. 

Quero fixar o meu olhar sobre o Teu rosto divino e contemplar como empalidece, se perturba, se angustia e se curva até ao chão. Ó meu Jesus sofredor, vejo, agora, como a Tua pessoa vacila
de um lado para o outro e por fim cai, como as Tuas mãos endurecidas se entrelaçam. Começo a ouvir os gemidos, os gritos de amor e de dor incompreensível que elevas ao Céu. Ó meu Jesus agonizante no Horto do Getsémani, nesta hora em que Te faço companhia, faz correr sobre
mim, um regato, uma aspersão daquele adorável sangue que corre, como torrentes, de todos os Teus membros adoráveis.

 Ó rio de sangue preciosíssimo do meu Sumo Bem, que agoniza por mim, que eu te sorva, te beba até à última gota, e contigo sorva e beba um sorvo, ao menos, do cálice amargo do Dileto, e sinta dentro de mim as penas do Seu Divino Coração, antes, sinto partir-me o coração pelo
arrependimento por ter ofendido o meu Senhor, que por mim passa por uma agonia de morte. Ah, meu Jesus! Dá-me a graça, ajuda-me a sofrer, a suspirar e a chorar Contigo, ao menos uma só hora no Jardim das Oliveiras! Ó Maria, Mãe Dolorosa, faz-me sentir a compaixão do Teu coração trespassado, por Jesus agonizante no Getsémani. Assim seja.

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