Nossos Parceiros

Mostrando postagens com marcador espiritualidade litúrgica. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador espiritualidade litúrgica. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 26 de março de 2014

Liturgia da Ostentação (ou: A função da beleza na Liturgia)

View Comments

A Era da Ostentação

Vivemos no que poderia, tranquilamente, ser chamado de Era da Ostentação. Que uma das notas da modernidade seja o materialismo, isto vem sendo facilmente observado há um bom tempo e continua muito válido. Recentemente, recordou-nos disto o Papa Francisco, ao dizer que "a ambição do poder e do ter não conhece limites" (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, n. 56). Agora, porém, não basta ao homem ter cada vez mais posses materiais e possuir um poder crescente - subentenda-se aqui as mais diversas formas de poder: influências sociais, status, e mesmo a posse de conhecimento. Não! O homem de hoje precisa também ostentar seus bens, materiais e imateriais, perante os outros.

Pode-se perceber manifestações deste fenômeno nas redes sociais: perfis recheados de fotos selfie - em sua maioria de pessoas exibindo seus corpos e seus bens materiais -, de fotos de viagens luxuosas e também de certas disputas de influência. Infelizmente, mesmo no meio católico, nota-se uma disputa pelo número de seguidores e a presença constante do vanglorioso hábito de escrachar alguém num debate e publicar a captura de tela em diversos grupos. Outras manifestações podem ser vistas nos programas de reality show - o sonho de ficar famoso da noite para o dia pela simples ostentação de sua imagem pública (de seus corpos, principalmente) e viver da fama - e, como exemplo mais atual, na moda de se colocar aparelhos ortodônticos mesmo quando não há necessidade.

Num mundo em que tudo precisa ser ostentado, não é de se espantar que este fenômeno afetasse o culto litúrgico. Enquanto na maioria do orbe católico seu aspecto divino foi de há muito diminuído, cresceu demasiadamente, por outro lado, seu papel social. Sendo a Liturgia entendida como uma atividade (quase que) puramente humana, acaba ela por refletir o comportamento humano, ao passo que podemos falar de uma "Liturgia da Ostentação".

Liturgia da Ostentação

Na Liturgia da Ostentação não faltam belas alfaias, lindos paramentos com brocados e, principalmente, batinas para acólitos e cerimoniários feitas de tecido importado e sobrepelizes com rendas francesas caríssimas. Não que estas coisas sejam per se más. A própria tradição anglicana - e agora dos católicos dos Ordinariatos, conversos do anglicanismo - do smells and bells é um exemplo de como, se devidamente ordenada, a beleza exterior pode levar a uma maior participação dos fiéis no culto. Não obstante, vemos outra coisa: estes elementos todos foram desvirtuados de seu real objetivo, a maior glória de Deus, a adoração perfeita a Ele.


Destarte, pode-se definir a Liturgia da Ostentação como a beleza por ela mesma, para a vanglória do homem. Seus adeptos frequentam a Pastoral do Pano, que se encontra em franca expansão: não se restringe apenas aos "seminaristas do pano", mas aos "acólitos e cerimoniários do pano". O conhecimento a respeito dos diversos tipos de tecidos e rendas é tamanho, que poderiam tranquilamente organizar - trocadilhando importante evento de moda no Brasil - a Renda Fashion Week.

Renda Fashion Week?
A ostentação na Liturgia se enquadra como uma das muitas formas de mundanismo espiritual, referida pelo Papa Francisco como uma das tentações dos agentes pastorais. Deste perigo, disse o Santo Padre:
"O mundanismo espiritual, que se esconde por detrás de aparências de religiosidade e até mesmo de amor à Igreja, é buscar, em vez da glória do Senhor, a glória humana e o bem-estar pessoal. É aquilo que o Senhor censurava aos fariseus: «Como vos é possível acreditar, se andais à procura da glória uns dos outros, e não procurais a glória que vem do Deus único?» (Jo 5, 44). É uma maneira subtil de procurar «os próprios interesses, não os interesses de Jesus Cristo» (Fl 2, 21). Reveste-se de muitas formas, de acordo com o tipo de pessoas e situações em que penetra. Por cultivar o cuidado da aparência, nem sempre suscita pecados de domínio público, pelo que externamente tudo parece correcto. Mas, se invadisse a Igreja, «seria infinitamente mais desastroso do que qualquer outro mundanismo meramente moral»". (ibidem, n. 93)
Pouco mais adiante, fala o Sumo Pontífice que  "há um cuidado exibicionista da liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, mas não se preocupam que o Evangelho adquira uma real inserção no povo fiel de Deus e nas necessidades concretas da história" (ibidemn. 95). E logo depois fala sobre a ostentação de bens, que já mencionei anteriormente:
"Noutros, o próprio mundanismo espiritual esconde-se por detrás do fascínio de poder mostrar conquistas sociais e políticas, ou numa vanglória ligada à gestão de assuntos práticos, ou numa atracção pelas dinâmicas de auto-estima e de realização autoreferencial. Também se pode traduzir em várias formas de se apresentar a si mesmo envolvido numa densa vida social cheia de viagens, reuniões, jantares, recepções. [..] Já não há ardor evangélico, mas o gozo espúrio duma autocomplacência egocêntrica." (ibidem, loc. cit.)
Ostentação na liturgia e ostentação na vida. Um leva ao outro e, neste círculo fechado, Cristo acaba ficando de fora.

É preciso ter em vista que os adeptos da ostentação litúrgica não se deram conta do perigo que esta inversão de valores oferece. Em verdade, creio que a imensa maioria - se não sua totalidade - não se apercebeu disto. Ao minimalismo e à feiura da arte e da arquitetura pós-modernas, buscam na exacerbação da beleza uma resposta. Acabam, porém, saindo de um excesso para cair no excesso do lado oposto, que configura uma espécie de idolatria da beleza.

No tocante aos acólitos e cerimoniários do pano, vejo que dois de seus comportamentos típicos precisam de correção, ao que, fraternalmente e humildemente, me proponho aqui. Primeiramente, não é apropriado que leigos usem fotos suas trajando batinas como avatares em redes sociais. A batina é um traje propriamente clerical, cujo uso, da parte de um leigo, é reservado apenas para as celebração litúrgicas (cf. Sagrada Congregação dos Ritos, consulta de número 4194, par. 2). Se usar batina fora da celebração litúrgica é clericalização do leigo, representar-se a si mesmo numa rede social desta forma também o é.


Segundo, não podemos nos ocupar demasiado em qual o paramento mais bonito e questões do tipo. Se em dúvida sobre qual sobrepeliz ou renda é mais bela, peça-se ajuda a alguém com bom gosto (mulheres geralmente possuem melhor sensibilidade para isto). Mas fazer enquetes a este respeito em redes sociais é desnecessário. Deixemos de perder o tempo de si e dos outros com este tipo de pergunta; não é assim que se trabalha para salvar a Liturgia.

A função da beleza na Liturgia

Dado que a beleza na Liturgia não é um fim em si mesmo, qual é sua função na Liturgia e, em primeira instância, em nossas vidas? Responde-nos o Papa João Paulo II:
"A beleza é chave do mistério e apelo ao transcendente. É convite a saborear a vida e a sonhar o futuro. Por isso, a beleza das coisas criadas não pode saciar, e suscita aquela arcana saudade de Deus que um enamorado do belo, como S. Agostinho, soube interpretar com expressões incomparáveis: «Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei!»." (Papa João Paulo II, Carta aos Artistas, n. 16)

Esta saudade que sentimos de Deus, secreta para nós mesmos, porque, de tão íntima e profunda, está enraizada em nossa alma e disto não nos damos conta, é aquela inquietude perene que Santo Agostinho expressou tão bem e que o Papa João Paulo II explicitou:
"«Fizestes-nos, Senhor, para Vós, e o nosso coração está inquieto, até que não repouse em Vós». Nesta inquietude criativa bate e pulsa aquilo que é mais profundamente humano: a busca da verdade, a insaciável necessidade do bem, a fome da liberdade, a nostalgia do belo e a voz da consciência". (idemRedemptor Hominis,18)
O Papa Bento XVI entende a beleza como fundamental em toda a vida cristã, a ponto de podermos falar  em toda uma "teologia da beleza", que ele desenvolveu ainda quando cardeal:
"Para Platão a categoria do belo era determinante: o belo e o bom para ele coincidiam por último em Deus. Com a aparição do belo nós ficamos profundamente feridos, e essa ferida nos arrebata fora de nós mesmos, põe em movimento o vôo da saudade e nos impele ao encontro daquilo que é o verdadeiro belo, o próprio bem." (RATZINGER, Joseph. Introduzione allo spirito della liturgia, San Paolo, Cinisello Balsamo, 2000, p. 122, apud MOREROD, Charles. A beleza na Teologia de Joseph Ratzinger)
Não é por nada que, como bem disse Dostoiévski, "a beleza salvará o mundo". Tudo o que é verdadeiramente belo aponta para Deus. Dito de outro modo, na beleza contemplamos a Deus. Se sentimos saudade de Deus, também sentimos saudade do belo, e pelo belo chegamos a Deus. É o que se chama de Via Pulchritudinis, a Via da Beleza. Dela, o Pontifício Conselho para a Cultura disse o seguinte:
A via da beleza responde ao íntimo desejo por felicidade que reside no coração de cada pessoa. Abrindo horizontes infinitos, ela impele a pessoa humana a empurrar-se para fora de si mesma, da rotina da efêmera passagem do instante para o Transcendente e o Mistério, e a buscar, como fim último da jornada pelo bem-estar e nostalgia total, esta beleza original que é o próprio Deus, criador de toda beleza criada. (A Via Pulchritudinis, Caminho Privilegiado para a Evangelização e o Diálogo, tradução livre)

Falamos da beleza na vida. Mas e sua ligação com a liturgia, onde se encontra? Ora, basta pensarmos que na Liturgia temos a ação sagrada do homem por excelência, onde o próprio Deus permite que o homem ali o encontre e o receba dentro de si, como alimento espiritual. Se a beleza possui este dom de conduzir-nos para Deus, posto que é atributo do próprio Deus, e se na Liturgia devemos sempre encontrá-Lo, está aí a importância da beleza na Liturgia.
"De fato, a liturgia, como aliás a revelação cristã, tem uma ligação intrínseca com a beleza: é esplendor da verdade (veritatis splendor). [..] Referimo-nos aqui a este atributo da beleza, vista não enquanto mero esteticismo, mas como modalidade com que a verdade do amor de Deus em Cristo nos alcança, fascina e arrebata, fazendo-nos sair de nós mesmos e atraindo-nos assim para a nossa verdadeira vocação: o amor." (Papa Bento XVI, Sacramentum Caritatis, n. 35)
Digo mais: uma vez que a participação ativa - que é também espiritual, e não apenas um mero ativismo, um "fazer coisas" - consiste também em mergulhar mais profundamente nos mistérios celebrados, é fácil perceber que só haverá participação plena quando houver beleza na Liturgia, de modo que esta ajude nossa alma, por meio dos sentidos, a perceber que por trás daqueles mesmos gestos e palavras repetidos, daquelas vestimentas e vasos sagrados, ocorre algo do Mistério, que ultrapassa nossa capacidade de entendimento, que nos aproxima de Deus de um modo como nenhum outro.
"A verdadeira beleza é o amor de Deus que nos foi definitivamente revelado no mistério pascal.

"A beleza da liturgia pertence a este mistério; é expressão excelsa da glória de Deus e, de certa forma, constitui o céu que desce à terra. O memorial do sacrifício redentor traz em si mesmo os traços daquela beleza de Jesus testemunhada por Pedro, Tiago e João, quando o Mestre, a caminho de Jerusalém, quis transfigurar-Se diante deles (Mc 9, 2). Concluindo, a beleza não é um fator decorativo da ação litúrgica, mas seu elemento constitutivo, enquanto atributo do próprio Deus e da sua revelação. Tudo isto nos há-de tornar conscientes da atenção que se deve prestar à acção litúrgica para que brilhe segundo a sua própria natureza." (ibidem, loc. cit.)
Coloca-se a beleza em seu devido lugar na Liturgia quando se entende que os paramentos litúrgicos "não são endossados pela aparência do padre, mas para dar glória a Deus. Por isso, devem ser tão esplêndidos quanto possível, porque na Liturgia se realiza a tarefa dos anjos, dos servos de Deus" (Mons. Nicola Bux, Conferenza al Convegno dei Francescani dell'Immacolata. Roma, 2010)

Coloca-se a beleza em seu devido lugar na Liturgia quando se compreende que toda liturgia terrestre aponta para a Liturgia celeste:
"As nossas liturgias da terra, inteiramente dedicadas a celebrar este ato único da história [o mistério da Redenção] não conseguirão nunca expressar totalmente a sua densidade infinita. Sem dúvida, a beleza dos ritos nunca será bastante procurada, nem suficientemente cuidada nem assaz elaborada, porque nada é demasiado belo para Deus, que é a Beleza infinita. As nossas liturgias terrestres não poderão ser senão um pálido reflexo da liturgia que se celebra na Jerusalém do céu, ponto de chegada da nossa peregrinação na terra." (Papa Bento XVI, Vésperas na Catedral de Paris, 12 de setembro de 2008)

 Finalizo trazendo à reflexão alguns trechos do pensamento do Cardeal Ratzinger sobre este assunto, todos compilados no artigo "A beleza na Teologia de Joseph Ratzinger", de autoria de Charles Morerod:
  • "A onda de esoterismo, a difusão das técnicas asiáticas de distensão e de auto-esvaziamento mostram que nas nossas liturgias falta algo. Justo no mundo de hoje temos necessidade do silêncio, do mistério para além do individual, da beleza." (“La Nuova Evangelizzazione”, L’Osservatore Romano, 11-12 dicembre 2000, 11)
  • "A liturgia existe para todos. Deve ser “católica”, ou seja, comunicável a todos os crentes, sem distinção de lugar, de proveniência, de cultura. Deve ser portanto “simples”. Mas simples não significa de baixo nível. Há a simplicidade do banal e a simplicidade que é a expressão da maturidade." (Joseph Ratzinger, La festa della fede, p. 97)
  • Em uma bela liturgia, “ainda que os participantes não entendam talvez todas as palavras individualmente, percebem o significado profundo, a presença do mistério que transcende todas as palavras” (“La nuova evangelizzazione”, L’Osservatore Romano, 11-12 dicembre 2000, 11)

  • "A Igreja deverá aprender novamente a celebrar as festas e a irradiar o esplendor. A sua submissão ao mundo racional nestes últimos anos foi muito profunda, debaixo deste ponto de vista, de tal maneira que a Igreja se despojou de algo que lhe era totalmente próprio. Ela deve nos conduzir às festas que conserva na sua fé, assim poderá em alguma medida deixar felizes aqueles para os quais o seu anúncio, se visto racionalmente, permanece inacessível." (Elementi di teologia fondamentale, p. 76-78)

Outras Referências:

sexta-feira, 7 de março de 2014

A "Velatio" das Imagens na Quaresma

View Comments

Do ponto de vista espiritual, o costume da velatio foi interpretado como sinal da penitência à qual todos os fiéis são chamados como sinal da antecipação do luto da Igreja pela morte do seu Esposo e da humilhação de Cristo, que teve de esconder-se para escapar da ameaça de morte. (Cf.: Jo 8,59).

O motivo principal para a orientação de COBRIR AS IMAGENS NAS IGREJAS, COM VÉUS ROXOS, é para que os fiéis não "se distraiam" com os Santos e que a sua devoção deve estar fundamentada no Mistério Pascal de Cristo, ou seja, na Sua paixão, morte e ressurreição.

Assim, cobrindo-se todas as imagens dos Santos e os crucifixos, surge com maior evidência o que há de essencial nas igrejas: o altar, onde se opera e atualiza o Mistério Pascal de Cristo, por seu Sacrifício incruento.

A rubrica no Missal Romano, 2ª edição típica, no sábado da IV semana da Quaresma (pág. 211, em português) e também a contida na Paschalis Sollemnitatis: A Preparação e Celebração das Festas Pascais, nº 26, nos ensina que: 
“o uso (costume) de cobrir as cruzes e as imagens na igreja, desde o V Domingo da Quaresma, pode ser conservado segundo a disposição da Conferência Episcopal. As cruzes permanecem cobertas até ao término da celebração da Paixão do Senhor na Sexta-feira Santa; as imagens até ao início da Vigília Pascal”.
A grande diferença entre as rubricas dos dois Missais (de Trento e do Vaticano II) consiste no seguinte: no primeiro, cobrir as Cruzes e Imagens era obrigatório (“cobrem-se...”); No segundo, deixou de sê-lo (“pode ser conservado...”). 

Com os sinais externos da penitência, do recolhimento, da purificação da visão e do coração, de tudo o que é secundário ou mesmo supérfluo, poderemos concentrar o nosso sentir, pensar e agir no Cristo Crucificado. Com os olhos fixos no Senhor, percorrendo com Ele a Via Dolorosa, chegaremos às núpcias do Cordeiro Redivivo, à Páscoa da Ressurreição.

(Compilação de diversas fontes, com atualizações e adaptações).

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O tesouro da arte e liturgia católicas

View Comments

O Pe. Fernando Antonio, SJ, português e jesuíta da pura cêpa inaciana, nos manda esse belo artigo de sua autoria, publicado no site do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura da Conferência Episcopal lusa.

---

O tesouro da arte e liturgia católicas

Habituámo-nos a olhar quase com inveja e com um estranho e injustificado sentimento de inferioridade as tradições litúrgicas orientais… quando nós, Católicos Romanos, temos uma tradição litúrgica belíssima, feita sobretudo de Pão e de Vinho e da Palavra de Deus, gestos e palavras que herdámos de Cristo, pelos Apóstolos, e que unem Céu e terra pela nova Árvore da Vida, a Cruz de Cristo.

A nossa liturgia é feita de luz e de fogo, de treva e de silêncio, de gesto e de repouso… É feita do mais puro incenso e do óleo perfumado do Crisma, e daqueles gestos que foram exprimindo na nossa história e na nossa cultura a presença consoladora de Deus entre nós: «Eu estarei convosco todos os dias…».

A nossa tradição produziu textos belíssimos, herdados dos nossos primeiros pais na fé, na era dos mártires, e escritos por grandes Padres da Igreja e autores eclesiásticos como S. Leão Magno, S. Agostinho, S. Tomás de Aquino…

A nossa tradição ergueu a maioria dos mais belos edifícios sagrados construídos na história da humanidade, onde trabalharam os melhores arquitetos, os melhores escultores, os melhores pintores, e tudo isto para o culto divino... E na Casa de Deus sempre encontraram o conforto do lar paterno os filhos de Deus, ricos e pobres, santos e pecadores... e mesmo os filhos pródigos...

E que dizer da música inspirada que ao longo da história os compositores escreveram para a nossa liturgia… desde o Canto Gregoriano, continuando com Palestrina, Byrd, Mozart… e por tantos outros contemporâneos?…

E tudo isto, puro dom de Deus que, pela Igreja, foi sendo comunicado, vivido e realizado de geração em geração, e que agora, como tesouro precioso e imerecido é depositado na fragilidade das nossas mãos pobres, feridas e pecadoras…

Como acontece, por exemplo, com “Ave verum corpus”, hino eucarístico de William Byrd (1543-1623), grande compositor inglês que manteve a sua fé católica mesmo no meio das perseguições, interpretado aqui pelo coro britânico Tallis Scholars, dirigido por Peter Phillips.

«Ave verum corpus natum de Maria Virgine. Vere passum, immolatum in cruce pro homine. Cuius latus perforatum unda fluxit et sanguine. Esto nobis praegustatum mortis in examine. O Iesu dulcis, o Iesu pie, o Iesu fili Mariae. Miserere mei. Amen.»
(«Avé, ó verdadeiro corpo nascido da Virgem Maria. Padeceu verdadeiramente, imolado na cruz pelo Homem. De cujo lado trespassado fluiu água e sangue. Faz que nós Te possamos saborear na prova suprema da morte. Ó doce Jesus, ó piedoso Jesus, ó Jesus filho de Maria. Tem misericórdia de mim. Ámen»)

domingo, 16 de fevereiro de 2014

A Liturgia é um culto prestado a Deus porque Ele é Deus! O interesse é Deus, o centro é Deus!

View Comments


Dom Henrique Soares da Costa, Bispo auxiliar de Aracaju, nos presenteou com estas belas palavras e ensinamentos neste último domingo, 16 de fevereiro de 2014, em sua página pessoal no Facebook.



A liturgia é para nosso alimento, alento e transformação espiritual: ela nos cristifica, isto é, é obra do próprio Cristo que, na potência do Espírito, nos dá Sua própria Vida, aquela que Ele possui em plenitude na Sua humanidade glorificada no Céu.


Participar da liturgia é participar das coisas do Céu, é entrar em comunhão com a própria Vida plena e glorificada do Cristo nosso Senhor.

A liturgia não é feita produzida por nós, não é obra nossa! Ela é instituição do próprio Senhor.

Para se ter uma idéia, basta pensar em Moisés, que vai ao faraó e lhe diz: “Assim fala o Senhor: deixa o Meu povo partir para fazer-Me uma liturgia no deserto”. E, mais adiante, explica ao faraó que somente lá, no deserto, o Senhor dirá precisamente que tipo de culto e que coisas o povo Lhe oferte.


Isto tem a ação litúrgica de específico e encantador: não entramos nela para fazer do nosso modo, mas do modo de Deus; não entramos nela para nos satisfazer, mas para satisfazer a vontade de Deus.

Por isso digo tantas vezes que o espaço litúrgico não é primeiramente antropológico, mas teológico: a liturgia é espaço privilegiado para a manifestação e atuação salvífica de Deus em Cristo Jesus nosso Senhor. Nela, a obra salvífica de Cristo é perenemente continuada na Igreja: Deus é perfeitamente louvado e os que dela participam e toda a Igreja são santificados!

A Liturgia é um culto prestado a Deus porque Ele é Deus! O interesse é Deus, o centro é Deus, o foco é Deus, o ponto focal para o qual se orienta a ação litúrgica é Deus, o Deus Santo a Quem elevamos o nosso louvor e adoração através do Filho, Sumo e Eterno Sacerdote na potência do Espírito Eterno; o mesmo Deus que, respondendo ao nosso louvor e oração, vem a nós através de Jesus, imolado e ressuscitado, na potência do Espírito. Deus vem a nós com a Sua Vida divina.

A Liturgia é algo devido a Deus e instituído pelo próprio Deus. Quando alguém participa de uma liturgia celebrada como a Igreja determina e sempre celebrou, se reorienta, se reencontra, toma consciência de sua própria verdade: sou pequeno, dependente de Deus e profundamente amado por Ele: Nele está minha vida, meu destino, minha verdade, minha paz. Nada é mais libertador que isto!





Na ação litúrgica, que é primeira e principalmente ação do Cristo ressuscitado, Eterno Sacerdote da Nova Aliança, e, somente de modo derivado, ação da Igreja unida a Cristo no Espírito, como Seu Corpo, estamos diante da Verdade que é Deus; verdade que não produzimos nem inventamos, mas vem a nós e enche o nosso coração! Devemos procurá-la? Certamente sim: "Fizeste-nos para ti, Senhor, e nosso coração andará inquieto enquanto não descansar em Ti!" Mas para isto é indispensável a capacidade de silêncio, de escuta, de abrir os olhos do coração para a beleza de Deus. A Liturgia nos dá isto - e não simplesmente como sentimento ou emoção, mas de modo real, efetivo, sacramental: aqueles gestos, símbolos, palavras, ritos, são cheios de Espírito Santo, Espírito de Vida divina, pois são gestos de Cristo feitos pela misericórdia do senhor, gestos da Igreja, ministra da obra da salvação!

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Advento – Memória, Vigília e Mística, por Marcelo Câmara

View Comments
Imagem retirada do Pinterest

Nestes últimos momentos do Advento, quando o Menino Deus, já encarnado no seio da Virgem Santíssima, está prestes a sair de seu ventre imaculado, trago algumas palavras de um artigo que li recentemente, de autoria de Marcelo Câmara:
«07. Parece ser mais simples meditarmos os mistérios já ocorridos na História da Salvação, como a encarnação do Verbo de Deus, Jesus Cristo, do que aqueles mistérios cuja a realização ainda está por concretizar-se [refere-se aqui à segunda vinda de Cristo]. Não podemos, entretanto, deixar de entendê-los no contexto único que eles compõem. É inegável, de qualquer forma, que a proximidade do Natal torna mais presente a imagem do Menino Jesus, de modo que se faz mais freqüente a nossa reflexão sobre o grande amor de Deus manifestado no nascimento de Seu filho unigênito, cheio de graça e de verdade, para dar ao mundo uma nova vida. Quão grande é o amor de Deus! Perfeito em si mesmo, assume a forma humana – bem como muitas de suas decorrências: nossas necessidades, doenças, sofrimentos, lágrimas(!) – para resgatar-nos de nossas profundas imperfeições. Deus verdadeiro e homem verdadeiro, participante da natureza humana e divina simultaneamente, Jesus Cristo veio divinizar a humanidade e derrotar justamente aquele mal que nos aflige e não O aflige: veio ser o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. Em sua Epístola aos Filipenses, São Paulo nos fala de maneira muito profunda sobre a encarnação de Jesus Cristo: “Sendo ele de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tomando a semelhança humana”. Esvaziar-se. Trata-se de uma palavra-chave neste ponto da reflexão. Imagine o infinito tomando uma forma finita, imagine o todo-poderoso assumindo a fragilidade de uma criança, imagine aquele para quem todas as coisas foram feitas acomodado na simplicidade extrema de uma manjedoura. Bondade tamanha, por amar “até o extremo”, só poderíamos mesmo encontrar em Deus! Colocando-se entre suas criaturas, na forma tão singela de um menino, Jesus Cristo – Deus que assume a natureza humana – começa a dar seu testemunho de amor pela humanidade. Entre José e Maria, dois Santos, na pobreza da manjedoura, ele dá seu primeiro grande testemunho de amor na qualidade de Deus encarnado. Entre os dois ladrões, no alto do Calvário, pendendo em uma cruz, ele dá seu último testemunho de amor antes de ser glorificado pela ressurreição. Em ambos os testemunhos, um esvaziamento inefável. Jesus Cristo, na manjedoura e no Calvário, oferta provas irrefutáveis de seu amor sem fim e deve ser por todos amado, adorado e glorificado.
«08. Há um lugar especial no qual Jesus quer ser acolhido, sendo que o Advento e o Natal são sempre propícios para fazermos memória disto: no coração de cada homem – independente de qualidades, condição social, raça, língua – Jesus quer estabelecer morada. São Bernardo foi o responsável pela associação desta “segunda vinda do Senhor” – a primeira é a natividade e terceira é a Sua volta – ao período litúrgico do Advento. Esta vinda intermediária tem natureza espiritual, concerne ao tempo presente – ao hoje –, depende do nosso sim e compõe o significado místico do Advento e do Natal. Melhor deixar a palavra com o próprio São Bernardo: “Esta vinda intermediária é como entrada que conduz da primeira para a última vinda. Na primeira, Cristo foi a nossa redenção, na segunda, surgirá como nossa vida; nesta vinda intermediária ele é o nosso repouso e o nosso consolo”. Há belos textos, nas Sagradas Escrituras, que falam desta vinda do Senhor ao coração do homem, e que denotam o sentido de comunhão que deve reger a relação entre Deus e o fiel. Exemplo disto está no livro do Apocalipse: “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearemos, eu com ele e ele comigo”. Alguns bem-aventurados abrem-se de tal forma a Cristo que são capazes de afirmar, em um testemunho cristão sem igual, que sua relação com o Ele já tomou conta de todo o seu viver: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo quem vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé do Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”. Que o Advento e o Natal deste Ano Santo possam produzir em cada cristão frutos espirituais abundantes, fortalecendo nossa relação com o Mestre de Nazaré, nascido pobre em Belém, que nos revela a face invisível de Deus Pai Criador e nos envia o Espírito Santo Paráclito.»
O artigo, intitulado "Advento – Memória, Vigília e Mística", pode ser lido na íntegra aqui.



Marcelo Henrique Câmara, autor deste artigo, foi um jovem da Arquidiocese de Florianópolis que, embora tenha passado pouco tempo por esta vida, viveu-a intensamente, preparando-se para a vida eterna, onde, com as graças de Deus e da Virgem Santíssima - assim esperamos -, já se encontra contemplando a Deus face-a-face.

Testemunhos de graças recebidas já aparecem em seu túmulo. Também por isso, foi aprovada uma oração para devoção privada a ele. Esta, bem como sua biografia e testemunhos, podem ser vistos no sítio aberto com o propósito de divulgar sua vida.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Início da Novena do Santo Natal

View Comments


No dia 16 de dezembro tem início a Novena do Santo Natal, considerada a mais tradicional das novenas. De acordo com o Diretório sobre piedade popular e Liturgia, n. 103, ela originou-se do desejo de permitir que os fiéis vivenciassem às riquezas da Liturgia desta reta final de Advento, numa época em que o acesso à Liturgia era mais restrito aos fiéis, e ainda hoje guarda seu valor.

A recomendação do diretório, para uma "excelente novena de Natal plenamente litúrgica e atenta às exigências da piedade popular", é que sejam oferecidas aos fiéis, como parte da novena, as Vésperas dos dias 17 à 23, celebradas com maior solenidade: com o canto das Antífonas Maiores (ou Antífonas do Ó, das quais já falamos aqui), e com a presença de elementos facultativos já previstos na Liturgia das Horas, como uso de incenso, homilia, e adaptação das preces.

É com o início da novena que, em muitas igrejas e famílias, se dá o costume de montar o Presépio. Outros costumes são que a montagem aconteça com as Vésperas do I Domingo do Advento, ou então após a Solenidade da Imaculada Conceição. (Por falar nisso, já enviou a foto do presépio de tua paróquia para o nosso concurso?)

Para aqueles que desejarem complementar a novena acompanhando a Liturgia das Horas, ou mesmo realizá-la de outra forma, ofereço algumas outras novenas aos nossos leitores.





A versão livreto desta novena está disponível aqui

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

É Advento: preparemos o nosso Natal, por Jorge Ferraz

View Comments

Madonna before Christmas with St. Joseph
the Betrothed, anônimo, séc. XV
Como meditação para este advento, trago um trecho de um breve artigo do Jorge Ferraz em seu sempre excelente Deus lo Vult:
Os rituais são a nossa maneira de colocar o tempo a nosso serviço, dizia. Na impossibilidade de transportar o futuro para o presente, confeccionamos o nosso presente à imagem do futuro: transformamo-lo numa estrada pavimentada rumo ao que há de vir, onde tudo em um certo aspecto “já é” embora, em realidade, ainda não seja. Onde tudo aponta para o que há de ser – que, nesta nossa antecipação, já goza de um pouco de realidade. Não é possível decretar o Natal para agora. Mas é possível – e saudável – viver a expectativa do Natal.
Os cânticos do Advento já tomaram o lugar do Hino de Louvor nas nossas igrejas, e o Gloria in Excelsis da noite de Natal não seria tão belo se não fosse precedido e preparado pelo silêncio entre o Kyrie e a Colecta ao longo desses quatro domingos. A Luz não resplandeceria com tanto fulgor se as Trevas da noite não fossem tão densas e escuras. O Branco dos paramentos festivos não seria tão brilhante se não contrastasse com o roxo pesado dos dias precedentes. Em uma palavra, a beleza do Natal depende em grande medida das características dos dias que o precedem; e se é assim, o que fazemos já hoje é determinante de como será o nosso Natal. Se é assim, nós já começamos a vivê-lo. E, se queremos vivê-lo bem, é importante que bem o vivamos desde já.
Leia o restante aqui.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Papa Francisco: o Templo, onde se celebra o sacrifício, é local de adoração

View Comments

Na sua homilia da sexta-feira da XXXIII Semana do Tempo Comum, o Papa Francisco fez algumas colocações que considero interessantes e que, por isso, ressalto aqui. Refiro-me a este trecho transcrito pela seção brasileira da Rádio Vaticana:

Fonte: Rádio Vaticana
Para a sua homilia, o Papa se inspirou no trecho litúrgico do Antigo Testamento, em que Judas Macabeu reconsagra o Templo destruído pelas guerras. “O Templo – observou o Pontífice – é o ponto de referência da comunidade, do povo de Deus”, para onde nos dirigimos por vários motivos, mas um deles em particular:

O Templo é o local onde a comunidade vai rezar, louvar o Senhor, dar graças, mas sobretudo adorar: no Templo se adora o Senhor. E este é o ponto mais importante. Isso é válido também para as cerimônias litúrgicas: o que é mais importante? Os cantos, os ritos? O mais importante é a adoração: toda a comunidade reunida olha para o altar, onde se celebra o sacrifício, e adora. Mas, eu creio – humildemente o digo – que nós cristãos talvez tenhamos perdido um pouco o sentido da adoração.

O Papa então se pergunta: “Os nossos templos são locais de adoração, a favorecem? E as nossas celebrações?”. Citando o Evangelho de hoje, Francisco recordou que Jesus expulsa os vendedores que usavam o Templo como um local de negócios, mais do que para a adoração.
Numa época em que se prefere, em muitos lugares, ressaltar o aspecto comunitário da Liturgia, o Papa recorda-nos aquele que considera o aspecto mais importante e que acabamos perdendo: a adoração. Vamos ao Templo para adorar ao Senhor.

Sim, ali estamos todos reunidos e também manifesta-se o espírito de fraternidade que une a assembléia dos fiéis, mas se não estivermos ali fraternalmente reunidos para adorar o Senhor, algo de primordial estará faltando.

Adoração da Trindade (1511) - Albrecht Dürer
Mas e os ritos e cânticos, estará o Papa dizendo que não importam? Muito pelo contrário. Se uma das finalidades principais da Liturgia é adorar a Deus, estes importam na medida em que conduzem à adoração. É neste espírito que devem ser sentidos. E aí os ritos deixam de ser entendidos como algo que tolhe a liberdade do Povo de Deus. Através dos ritos litúrgicos, todos os católicos do mundo, todo o Corpo Místico de Cristo, unimo-nos para adorar a Deus.

Outro ponto a ser destacado, e que talvez passe sem ser notado por muitos, é que o Papa ressalta o caráter sacrifical da Liturgia e sua ligação com o altar. "O altar da nova aliança é a cruz do Senhor, da qual brotam os sacramentos do mistério pascal. Sobre o altar, que é o centro da igreja, se faz presente o Sacrifício da Cruz sob os sinais sacramentais" (Catecismo da Igreja Católica, n. 1182).

Agnus Dei (1635-1640) - Francisco de Zurbar
E por que importa-nos participarmos deste sacrifício e adorá-lo? É o que recorda este outro ponto do Catecismo:
"Tendo Cristo passado deste mundo ao Pai, dá-nos na Eucaristia o penhor da glória junto dele: a participação no Santo Sacrifício nos identifica com o seu coração, sustenta as nossa forças ao longo da peregrinação desta vida, faz-nos desejar a vida eterna e nos une já à Igreja do céu, à santa Virgem Maria e a todos os santos." (n. 1419)
Se perdemos a adoração, a finalidade do Templo, e o sentido de sacrifício - na Liturgia e fora dela, em nossas vidas -, convém recuperá-los. Fazemos todos juntos este exame de consciência juntamente com o Santo Padre: “Os nossos templos são locais de adoração, a favorecem? E as nossas celebrações?”
"A Igreja e o mundo precisam muito do culto eucarístico. Jesus nos espera neste sacramento do amor. Não regateemos o tempo para ir encontrá-lo na adoração, na contemplação cheia de fé e aberta a reparar as faltas graves e os delitos do mundo. Que a nossa adoração nunca cesse!" (Catecismo da Igreja Católica, n. 1380)

domingo, 24 de novembro de 2013

A minha casa é casa de oração, mas fizestes dela...

View Comments


O Evangelho desta sexta-feira da XXXIII Semana do Tempo Comum nos recordou a necessidade do cuidado e zelo para com o Templo, a Casa de Deus. Com a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo e a perpetuação de seu sacrifício no lenho da cruz - através do sacrifício do altar oferecido por meio da Ordem sacerdotal, meio pelo qual temos acesso à Santíssima Eucaristia -, Deus passou a habitar em nossas igrejas e erigiu aí Sua nova Casa. Se no Templo de Jerusalém Sua presença era significada pela Arca da Aliança no Santo dos Santos, muito maior é cada uma de nossas igrejas e capelas. Nelas, Deus habita verdadeiramente, com Presença Real.

Enquanto no Evangelho vemos a venda de bens materiais dentro do Templo, vemos hoje - tristemente - em muitos lugares a venda da fé. O relativismo e o laxismo dos tempos de hoje podem até tornar a crença mais palatável - mais acessível, é a desculpa que se costuma utilizar -, mas acabam, assim como naquele tempo, por deturpar a verdadeira finalidade do Templo, o culto propício a Deus.

Diz assim o Pe. Francisco Fernández Carvajal, na meditação diária que oferece em seu Falar com Deus:
Movido pelo zelo da casa de seu Pai, por uma piedade que brotava do mais fundo do seu Coração, Jesus não pôde suportar aquele deplorável espetáculo e expulsou dali todos os vendilhões, com as suas mesas e animais, sublinhando a finalidade do templo com um texto de Isaías bem conhecido de todos: A minha casa é casa de oração, mas vós fizestes dela um covil de ladrões.”
Inspirado nesta mesma piedade e zelo é que devemos lutar contra a venda da fé. Como fazer isto? Como não temos a santidade e a conformação com a vontade do Pai que Cristo tinha, é certamente muito mais prudente e eficaz evitarmos o confronto direto com nossos pastores e superiores e doarmo-nos no serviço ao próximo, atuando como catequista, auxiliando na formação de um amigo ou de um grupo deles.

O que isto tem a ver com Liturgia? Bom, sabemos que a fé e a Liturgia estão intimamente ligadas e influenciam-se mutuamente, pois lex orandi, lex credendi. E um pressuposto para o novo movimento litúrgico é uma formação doutrinal mais sólida aos fiéis e aos novos seminaristas, futuros padres.

O cuidado que devemos para com a Casa de Deus não termina aí. Se aí Deus habita, faz-se necessário uma postura apropriada. Por mais que sejamos amigos de Nosso Senhor - não mais servos, como Ele mesmo disse -, ainda assim reconhecemos que somos muito pouco perto de Deus. Nesta saudável tensão entre a intimidade e o temor que devemos ter para com Deus, a Igreja incentiva nos fiéis algumas atitudes e gestos concretos de piedade: o decoro ao entrar e enquanto estiver na igreja; a postura adequada; um andar em ritmo natural, sem correria; roupas modestas; as diversas reverências dentro da missa e fora dela, as genuflexões ao se passar diante do Sacrário, adorando a Deus; etc.

Continua o Pe. Carvajal:
“O incenso, as inclinações e genuflexões, o tom de voz adequado nas cerimônias, a dignidade da música sacra, dos paramentos e objetos sagrados, o decoro desses elementos do culto, a limpeza e cuidado com que se conservam, foram sempre manifestações de um povo que crê. O próprio esplendor dos materiais litúrgicos facilita a compreensão de que se trata sobretudo de uma homenagem a Deus.”

São símbolos, claro. Embora hoje não se admita sua força e importância, nem por isso elas não existem. E estes sinais relembram aos outros, e principalmente a nós mesmos, que, como diz o adágio filosófico, nihil est in intelectu quod prius non fuerit in sensu (nada pode ser conhecido pela inteligência se antes não for captado pelos sentidos).

Uma lex orandi mais firme, uma lex credendi mais concreta, praticada com piedade. Antes disso nem se pode desejar uma reforma da reforma. Seria "colocar a carroça na frente dos bois", como diz o dito popular. Sem isto torna-se difícil aos fiéis sequer serem capazes de sentir a necessidade de se recuperar a sacralidade na Liturgia, pois continuarão numa fé movida pelo sentimentalismo. Como querer, por exemplo, que vejam a beleza do canto gregoriano se sua fé é desconexa da tradição litúrgica, se para a experiência musical que adquiriram ao longo de sua vida o gregoriano soa à velharia e se tampouco entendem as qualidades que dão a este canto a primazia no Rito Romano, como lembra o Concílio Vaticano II?


Chama a atenção a proximidade deste Evangelho com a Solenidade de Cristo Rei. Tal como um Rei começa reinando sobre sua própria nação para então expandir seu reino, o Reinado de Cristo deve ser pleno na Igreja para que reine fora dela, no mundo. Se Nosso Senhor não é reconhecido e devidamente honrado como rei pelos seus, por Sua Igreja, como esperar que os demais venham a adorá-lo?



E você, caro leitor, como tem se portado na Casa de Deus? Tem refletido sobre os gestos que realiza durante a Liturgia, realizando-os com piedade e devoção? Tem cuidado com a vestimenta e com o portar-se? Tem evitado distrações para adorar melhor a Deus por meio da Sagrada Liturgia? E como tem colaborado para dar uma fé mais sólida aqueles ao teu redor?

sábado, 2 de novembro de 2013

Falecidos, não mortos, por Dom Fernando Rifan

View Comments

Celebramos hoje liturgicamente o Dia dos Fiéis Defuntos. Rezamos não por qualquer falecido, mas por aqueles que abraçaram a fé cristã ainda em vida e morreram em Cristo. Por conta disto, trago o último texto de Dom Fernando Rifan, sobre a data (as imagens foram acrescentadas por mim).

Missa pelos fiéis defuntos. Fonte: Pinterest

FALECIDOS, NÃO MORTOS

Por Dom Fernando Arêas Rifan*

No próximo dia 2 celebraremos a memória dos fieis defuntos, dos nossos falecidos, daqueles que estiveram conosco e hoje estão na eternidade, os “finados”, aqueles que chegaram ao fim da vida terrena e já começaram a vida eterna. Portanto, não estão mortos, estão vivos, mais até do que nós, na vida que não tem fim, “vitam venturi saeculi”. Sua vida não foi tirada, mas transformada. Por isso, o povo costuma dizer dos falecidos: “passou desta para a melhor!” Olhemos, portanto, a morte com os olhos da fé e da esperança cristã, não com desespero pensando que tudo acabou. Uma nova vida começou eternamente. 

Os pagãos chamavam o local onde colocavam os seus defuntos de necrópole, cidade dos mortos. Os cristãos inventaram outro nome, mais cheio de esperança, “cemitério”, lugar dos que dormem. É assim que rezamos por eles na liturgia: “Rezemos por aqueles que nos precederam com o sinal da fé e dormem no sono da paz”.

Os santos encaravam a morte com esse espírito de fé e esperança. Assim São Francisco de Assis, no cântico do Sol: “Louvado sejais, meu Senhor, pela nossa irmã, a morte corporal, da qual nenhum homem pode fugir. Ai daqueles que morrem em pecado mortal. Felizes dos que a morte encontra conformes à vossa santíssima vontade. A estes não fará mal a segunda morte”. “É morrendo que se vive para a vida eterna!”. S. Agostinho nos advertia, perguntando: “Fazes o impossível para morrer um pouco mais tarde, e nada fazes para não morrer para sempre?”

Quantas boas lições nos dá a morte. Assim nos aconselha o Apóstolo São Paulo: “Enquanto temos tempo, façamos o bem a todos” (Gl 6, 10). “Para mim o viver é Cristo e o morrer é um lucro... Tenho o desejo de ser desatado e estar com Cristo” (Fl 1, 21.23). “Eis, pois, o que vos digo, irmãos: o tempo é breve; resta que os que têm mulheres, sejam como se as não tivessem; os que choram, como se não chorassem; os que se alegram, como se não se alegrassem; os que compram, como se não possuíssem; os que usam deste mundo, como se dele não usassem, porque a figura deste mundo passa” (1 Cor 7, 29-31).
Casula para missas dos fiéis defuntos (datada entre o séc. XVII e XVIII).
Recorda-nos que nada levamos para a vida eterna: nem títulos, nem riquezas.
Fonte: New Liturgical Movement
Diz o célebre livro A Imitação de Cristo que bem depressa se esquecem dos falecidos: “Que prudente e ditoso é aquele que se esforça por ser tal na vida qual deseja que a morte o encontre!... Não confies em amigos e parentes, nem deixes para mais tarde o negócio de tua salvação; porque, mais depressa do que pensas se esquecerão de ti os homens. Melhor é fazeres oportunamente provisão de boas obras e enviá-las adiante de ti, do que esperar pelo socorro dos outros” (Imit. I, XXIII). O dia de Finados foi estabelecido pela Igreja para não deixarmos nossos falecidos no esquecimento.

Três coisas pedimos com a Igreja para os nossos falecidos: o descanso, a luz e a paz. Descanso é o prêmio para quem trabalhou. O reino da luz é o Céu, oposto ao reino das trevas que é o inferno. E a paz é a recompensa para quem lutou. Que todos os que nos precederam descansem em paz e a luz perpétua brilhe para eles. Amém!

* Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney.

"Por que sentimos medo diante da morte?"

View Comments

Depois de ter celebrado a Solenidade de Todos os Santos, hoje a Igreja convida-nos a comemorar todos os fiéis defuntos, a dirigir o nosso olhar para os numerosos rostos que nos precederam e que concluíram o caminho terreno. Na Audiência deste dia, então, gostaria de vos propor alguns pensamentos simples sobre a realidade da morte, que para nós cristãos é iluminada pela Ressurreição de Cristo, e para renovar a nossa fé na vida eterna.

Como disse ontem no Angelus, nestes dias vamos ao cemitério para rezar pelas pessoas queridas que nos deixaram, é quase como ir visitá-las para lhes manifestar, mais uma vez, o nosso carinho, para as sentir ainda próximas, recordando também, deste modo, um artigo do Credo: na comunhão dos Santos há um vínculo estreito entre nós que ainda caminhamos nesta terra e muitos irmãos e irmãs que já alcançaram a eternidade.

Desde sempre, o homem preocupou-se pelos seus mortos e procurou conferir-lhes uma espécie de segunda vida, através da atenção, do cuidado e do carinho. De certa maneira, deseja-se conservar a sua experiência de vida; e, paradoxalmente, como eles viveram, o que amaram, o que temeram e o que detestaram, nós descobrimo-lo precisamente a partir dos túmulos, diante dos quais se apinham recordações. Estas são como que um espelho do seu mundo.

Por que é assim? Porque, não obstante a morte seja com frequência um tema quase proibido na nossa sociedade, e haja a tentativa contínua de eliminar da nossa mente até o pensamento da morte, ela diz respeito a cada um de nós, refere-se ao homem de todos os tempos e de todos os espaços. E diante deste mistério todos, também inconscientemente, procuramos algo que nos convide a esperar, um sinal que nos dê consolação, que abra algum horizonte, que ofereça ainda um futuro. Na realidade, o caminho da morte é uma senda da esperança, e percorrer os nossos cemitérios, como também ler as inscrições sobre os túmulos é realizar um caminho marcado pela esperança de eternidade.

Mas perguntamo-nos: por que sentimos medo diante da morte? Por que motivo uma boa parte da humanidade nunca se resignou a acreditar que para além dela não existe simplesmente o nada? Diria que as respostas são múltiplas: temos medo diante da morte, porque temos medo do nada, este partir rumo a algo que não conhecemos, que nos é desconhecido. E então em nós existe um sentido de rejeição, porque não podemos aceitar que tudo quanto de belo e grande foi realizado durante uma existência inteira seja repentinamente eliminado e precipite no abismo no nada. Sobretudo, nós sentimos que o amor evoca e exige a eternidade, e não é possível aceitar que ele seja destruído pela morte num só instante.

Além disso, temos medo diante da morte porque, quando nos encontramos próximos do fim da existência, há a percepção de que existe um juízo sobre as nossas obras, sobre o modo como conduzimos a nossa vida, principalmente sobre aqueles pontos de sombra que, com habilidade, muitas vezes sabemos anular ou tentamos remover da nossa consciência. Diria que precisamente a questão do juízo está com frequência subjacente ao cuidado do homem de todos os tempos pelos finados, a atenção pelas pessoas que foram significativas para ele e que não estão mais ao seu lado no caminho da vida terrena. Num certo sentido, os gestos de carinho e de amor que circundam o defunto constituem um modo para o proteger, na convicção de que eles não permaneçam sem efeito na hora do juízo. Podemos ver isto na maior parte das culturas que caracterizam a história do homem.

Hoje o mundo tornou-se, pelo menos aparentemente, muito mais racional, ou melhor, difundiu-se a tendência a pensar que cada realidade deve ser enfrentada com os critérios da ciência experimental, e que também à grandiosa interrogação da morte é necessário responder não tanto com a fé, mas a partir de conhecimentos experimentais, empíricos. Porém, não nos damos conta de modo suficiente, de que precisamente desta maneira terminamos por cair em formas de espiritismo, na tentativa de manter algum contato com o mundo para além da morte, quase imaginando que existe uma realidade que, no final, seria uma réplica da vida presente.

Caros amigos, a Solenidade de Todos os Santos e a Comemoração de todos os fiéis defuntos dizem-nos que somente quem pode reconhecer uma grande esperança na morte, pode também levar uma vida a partir da esperança. Se nós reduzirmos o homem exclusivamente à sua dimensão horizontal, àquilo que se pode sentir de forma empírica, a própria vida perde o seu profundo sentido. O homem tem necessidade de eternidade, e para ele qualquer outra esperança é demasiado breve, é demasiado limitada. O homem só é explicável, se existir um Amor que supere todo o isolamento, também o da morte, numa totalidade que transcenda até o espaço e o tempo. O homem só é explicável, só encontra o seu sentido mais profundo, se Deus existir. E nós sabemos que Deus saiu do seu afastamento e fez-se próximo, entrou na nossa vida e diz-nos: «Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, jamais morrerá» (Jo 11, 25-26).

Pensemos por um momento na cena do Calvário e voltemos a ouvir as palavras que Jesus, do alto da Cruz, dirige ao malfeitor crucificado à sua direita: «Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso» (Lc 23, 43). Pensemos nos dois discípulos no caminho de Emaús quando, depois de terem percorrido um trecho da estrada com Jesus Ressuscitado, O reconhecem e, sem hesitar, partem rumo a Jerusalém para anunciar a Ressurreição do Senhor (cf. Lc 24, 13-35). Voltam à mente com clareza renovada as palavras do Mestre: «Não se turve o vosso coração: credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, ter-vo-lo-ia dito; pois vou preparar-vos um lugar?» (Jo 14, 1-2). Deus revelou-se verdadeiramente, tornou-se acessível e amou de tal modo o mundo, «que lhe deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna» (Jo 3, 16), e no supremo gesto de amor da Cruz, mergulhando no abismo da morte, venceu-a, ressuscitou e abriu também para nós as portas da eternidade. Cristo sustém-nos através da noite da morte que Ele mesmo atravessou; é o Bom Pastor, a cuja guia podemos confiar sem qualquer temor, porque Ele conhece bem o caminho, até através da obscuridade.

Cada domingo, recitando o Credo, nós confirmamos esta verdade. E visitando os cemitérios para rezar com afeto e com amor pelos nossos defuntos, somos convidados, mais uma vez, a renovar com coragem e com força a nossa fé na vida eterna, aliás, a viver com esta grande esperança e testemunhá-la ao mundo: por detrás do presente não existe o nada. E é precisamente a fé na vida eterna que confere ao cristão a coragem de amar ainda mais intensamente esta nossa terra e de trabalhar para lhe construir um futuro, para lhe dar uma esperança verdadeira e segura. 


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A grandeza na Liturgia aponta para a Beleza de Deus

View Comments

Os sinais externos da sagrada Liturgia não são um insulto à pobreza material dos filhos da Igreja, mas um incentivo à piedade dos fiéis



O venerável Papa Pio XII, em sua encíclica sobre a sagrada Liturgia, explicava que "todo o conjunto do culto que a Igreja rende a Deus deve ser interno e externo". Esta realidade decorre da própria constituição humana, ao mesmo tempo física e espiritual, e da vontade do Senhor, que "dispõe que pelo conhecimento das coisas visíveis sejamos atraídos ao amor das invisíveis".

Este ensinamento explica porque os atos litúrgicos da Igreja sempre foram realizados em templos majestosos, com materiais tão nobres e paramentos trabalhados com inúmeros detalhes. Assim é, não porque a Igreja esteja apegada aos bens materiais ou preocupada em entesourar riquezas, mas porque ao Senhor deve ser oferecido sempre o melhor e o mais belo.

Assim pensava São Francisco, o poverello de Assis. Ele passou toda a sua vida como um pobre entre os pobres, mas, quando falava de Jesus eucarístico, condenava o desprezo e o pouco caso com que muitos celebravam os santos mistérios. Em uma carta aos sacerdotes, Francisco pedia a eles que considerassem dentro de si "como são vis os cálices, os corporais e panos em que é sacrificado" muitas vezes nosso Senhor. E insistia: "Onde quer que o Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo for conservado de modo inconveniente ou simplesmente deixado em alguma parte, que o tirem dali para colocá-lo e encerrá-lo num lugar ricamente ordenado" [01]

Na França do século XIX, os lojistas comentavam entre si: "No campo há um pároco magro e mal arranjado, com ares de não ter um centavo no bolso, mas que compra para sua igreja tudo o que há de melhor". Era São João Maria Vianney, que vivia em pobreza extrema, mas não hesitava em ornar a casa de Deus com o mais nobre e o mais digno. Em 1820, escreveu ao prefeito de Ars: "Desejaria que a entrada da igreja fosse mais atraente. Isso é absolutamente necessário. Se os palácios dos reis são embelezados pela magnificência das entradas, com maior razão as das igrejas devem ser suntuosas" [02].

Toda esta preocupação do Cura d’Ars mostrava um verdadeiro amor a Deus e às almas. Ele encheu a igreja de sua cidade com belíssimas imagens e pinturas, porque, dizia ele, "não raro as imagens nos abalam tão fortemente como as próprias coisas que representam". O santo francês compreendia mais do que ninguém como não só era possível, mas também salutar, que o material e o terreno apontassem para as realidades celestes.

No entender do cardeal Giovanni Bona, um monge cisterciense do século XVII citado por Pio XII, "Se bem que, com efeito, as cerimônias, em si mesmas, não contenham nenhuma perfeição e santidade, são todavia atos externos de religião que, como sinais, estimulam a alma à veneração das coisas sagradas, elevam a mente à realidade sobrenatural, nutrem a piedade, fomentam a caridade, aumentam a fé, robustecem a devoção, instruem os simples, ornam o culto de Deus, conservam a religião e distinguem os verdadeiros dos falsos cristãos e dos heterodoxos." [03]

Percebe-se, deste modo, como pondera mal quem diz que a beleza das igrejas do Vaticano e o esplendor dos vasos e ornamentos sagrados deveriam ser renunciados, como se, com isto, a Igreja estivesse se exibindo indevidamente ou ofendendo os mais pobres.

Quem pensa desta forma ainda não compreendeu o que é verdadeiramente a Liturgia e qual é o seu verdadeiro tesouro. Não entendeu que até os sinais externos das ações litúrgicas, manifestados especialmente na Santa Missa, devem indicar Aquele que é a Beleza. E não pense que, persistindo nesta mentalidade, diverge em um ponto pouco importante da fé da Igreja. Nunca é tarde para recordar o anátema do Concílio de Trento: "Se alguém disser que as cerimônias, as vestimentas e os sinais externos de que a Igreja Católica usa na celebração da Missa são mais incentivos de impiedade do que sinais de piedade — seja excomungado".



sábado, 12 de outubro de 2013

Solenidade de Nossa Senhora de Aparecida, por Gabriel Frade

View Comments


Na solenidade da Padroeira de nossa nação, disponibilizamos um trecho do comentário de Gabriel Frade, publicado anteriormente no ZENIT, para a data de hoje.

12 de outubro: Solenidade de Nossa Senhora de Aparecida

Padroeira do Brasil

Leituras: Est 5, 1b-2;7,2b-3; Sl 44; Ap 12, 1.5.13a.15-16a; Jo 2, 1-11

Por Gabriel Frade* 
A história é bastante conhecida.

O conde de Assumar, D. Pedro de Almeida e Portugal, governador da capitania, ao fazer uma viagem para o interior, em direção à terra das Minas, passa pelo vale do Paraíba.

Ao chegar em Guaratinguetá (SP), nas cercanias da atual cidade de Aparecida, se faz necessária a preparação de um banquete para toda a comitiva. Alguns pescadores, depois de várias tentativas infrutíferas, continuam lançando suas redes no rio Paraíba do sul no afã de buscar o pescado para a mesa de sua excelência.

Puxam a rede, mas é só desilusão: não há um peixe sequer, apenas a sujeira habitual do fundo do rio. Em determinado lance, em meio à sujeira na rede, os pescadores percebem algo pequenino que lhes chamou particularmente a atenção: era o corpo de uma estátua. Via-se claramente que era a imagem de uma santa.

Por respeito, resolvem guardar o fragmento no fundo do barco envolvido num lenço. Afinal a Igreja ensinava que era preciso dar um fim adequado às imagens religiosas, mesmo quando quebradas.

Lançam as redes mais uma vez. Desta vez, fato deveras intrigante, percebem algo um pouco menor: era a cabeça da mesma estátua.

Em seguida, ao lançar as redes mais uma vez, encontram uma superabundância de peixes. Isso só podia ser um sinal dos céus: aquela estatuazinha da Virgem apareceu-lhes, eles pobres trabalhadores, para lhes conceder alguma graça e algum consolo. A estátua é prontamente recolhida e levada carinhosamente para a casa dos pescadores, onde é colocada num pequeno oratório, tornando-se o centro do afeto das famílias daquela localidade.

Depois de tantos anos, a estátua enegrecida pelo fumo de tantas velas acendidas pelos devotos, se tornará nacionalmente conhecida pelo nome ligado ao evento de sua origem: Nossa Senhora de Aparecida.

Em linhas gerais, esta é a história dos inícios e que foi contada de geração em geração.

Algo semelhante havia ocorrido alguns séculos antes no México: lá, a Virgem aparece também a um pobre índio, e sua aparição, conhecida como Nossa Senhora de Guadalupe, está marcada por elementos que dialogaram profundamente com a cultura indígena, oprimida pela colonização de então.

Curiosamente, também o fato da aparição da Imaculada Conceição Aparecida, trará consigo elementos que dialogaram com as várias culturas presentes no Brasil de ontem e de hoje.

Da mesma forma como a mãe amorosa que tem muitos filhos, e deve lidar com a índole de cada um de forma diferenciada, no Brasil, a Virgem de Aparecida se mostrará ao seu povo com características tais, que cada cultura que compôs inicialmente o povo brasileiro provavelmente pôde enxergar elementos de identificação próprios, encontrando um particular consolo maternal na Virgem.

Nesse sentido, ao pensarmos na sociedade colonial, talvez os negros escravos encontrassem na Virgem negra uma consolação e uma proximidade tal, que só uma mãe negra poderia oferecer. Os índios, por outro lado, talvez vissem nessa Mãe surgida das águas do rio, uma linguagem evocativa de seus grandes mitos, como aquele de Iara, a Senhora d’água. Os brancos portugueses viam provavelmente nessa Senhora também a figura de suas mães brancas, presas numa pátria longínqua.

Dessas percepções particulares, se fez mais fácil a compreensão de Maria, a Mãe do Senhor e nossa Mãe.

Desde sua aparição, no início do século XVIII, Nossa Senhora de Aparecida continua consolando seu povo e intercedendo junto a Deus por nós: “Se ganhei as tuas boas graças, ó rei, e se for de teu agrado, concede-me a vida – eis o meu pedido! – e a vida do meu povo – eis o meu desejo!” (primeira leitura).

Assim como a estátua encontrada no fundo do rio, a segunda leitura do livro do Apocalipse, nos traz a imagem da mulher que está para ser submersa por um rio de água vomitado por uma serpente (v. 15). Essa imagem nos lembra como há sempre a possibilidade de algo querer submergir a mulher, imagem da Igreja, por causa do menino ao qual ela trazia no ventre e ao qual dera à luz.

Analogamente, assim como a terra veio em socorro da mulher (v. 16a), a estátua da Virgem está hoje conservada na basílica nacional de Aparecida, construída no alto de um morro, onde todos os seus filhos podem desfrutar de sua consolação maternal; encontrando aí, por meio de sua intercessão, a alegria da vida.

De fato, é o que encontramos no Evangelho do dia: pela intercessão da Mãe, a água, símbolo de nossa vida oprimida pelo pecado, torna-se vinho fino, símbolo inebriante da alegria da vida eterna concedida a nós gratuitamente pelo Cristo Senhor.
* Natural de Itaquaquecetuba (São Paulo), Gabriel Frade é leigo, casado e pai de três filhos. Graduado em Filosofia e Teologia pela Universidade Gregoriana (Roma), possui Mestrado em Liturgia pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora D’Assunção (São Paulo). Atualmente é professor de Liturgia e Sacramentos no Mosteiro de São Bento (São Paulo) e na UNISAL – Campus Pio XI. É tradutor e autor de livros e artigos na área litúrgica. 
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
Parceiros