A maioria da população católica em nosso país, o qual faz parte da América Latina, integra a Igreja também Latina. Creio que somente o uso desses adjetivos já seria suficiente, ao menos, a uma reflexão. A origem latina está na essência de nossa cultura. Quantos “habeas corpus” foram concedidos pelos tribunais brasileiros nos últimos anos e noticiados pela mídia? Fico me perguntando se todos sabem o que é isso... Com justiça, os alunos de ontem estudavam o latim, uma língua morta na opinião de alguns. Hitler, Dom Pedro, Pedro Álvares Cabral, Machado de Assis também estão sepultados, o que não significa levar ao túmulo a sua importância. Já não se estuda o latim na maior parte das escolas regulares em nossos dias. Mas é difícil fazer sumir os radicais, prefixos e sufixos que insistem em aparecer nos vocábulos de nosso idioma. Resignado, constato que nosso povo já não é mais dotado de uma curiosidade sadia sobre a origem das coisas. De onde surgiram termos como “domingo”, “segunda, terça, quarta, quinta e sexta-feira”, “hortifrúti” etc? Ninguém pergunta. Todos se contentam em usar. Dias negros esses em que as pessoas aprendem a ler, mas leem da mesma maneira que meu computador. Pronunciam os fonemas, porém não os compreendem. Adicionam, multiplicam e até dividem expressões algébricas, mas o fazem de maneira mecânica; quase como uma máquina de calcular rebuscada. Vivemos uma crise de confiança na capacidade do intelecto humano. Uma espécie de paralisia.
Nas missas em vernáculo, aqui no Brasil, vejo essa falta de confiança presente em réplicas a parágrafos das orações eucarísticas. Para que servem? Não acrescentam nada e ainda ocasionam o trabalho adicional do fiel em decorar aquelas fórmulas para responder. Por que responder “fazei de nós um só corpo e um só Espírito” depois de o sacerdote suplicar que sejamos um só corpo e um só espírito? Papagaios podem fazer isso com eficiência. Se nossos fiéis precisam mesmo disso para compreender o que se passa, então estamos em maus lençóis.
No século passado, a Santa Sé resolveu permitir o uso do vernáculo e missais em língua local foram surgindo ao redor do globo. Todos eles têm o latim como modelo fundamental; edição típica. Contudo, parece que à concessão para usar o vernáculo, interpretamos como proibição do uso do latim. A rapidez com que a língua foi substituída quase que completamente após séculos de convívio pacífico entre cristãos foi impressionante. Mais interessante ainda foi constatar como se propagou essa espécie de “hoax” antilatim, de maneira que as gerações anteriores, devidamente acostumadas ao recitar das mais tradicionais orações católicas no idioma, notavelmente deixaram de repassar esse tesouro aos seus filhos. Fenômeno estranho: sinto como se alguns dos mais velhos tivessem medo de transmitir tal ciência; como se aquele fosse um conhecimento vergonhoso que merecesse ser escondido dos outros. Quem os fez pensar assim? Por que tanta aversão ao latim? O que ele lembra ou desperta nos homens de hoje? São perguntas que me faço e cuja resposta remete à discussão entre transistores e válvulas. Por que a existência de um deve necessariamente implicar a inexistência de outro?
O português não precisa sair para a chegada do latim. Muito menos o latim deve ser suprimido. Tampouco ainda da forma como foi. Deveríamos continuar entoando “Gloria in excelsis Deo”, o “Sanctus”, o “Pater Noster”. Poderiam perfeitamente conviver com as orações eucarísticas em português. Serviriam para manter a sobriedade da celebração, qualidade atacada por adaptações cada vez mais criativas do que não poderia, em tese, ser adaptado, mas que, auxiliado pela “vivacidade” da língua portuguesa acaba por servir ao ensejo de todo tipo de imaginação. Nesse sentido, o latim tem uma vantagem: ele não é muito tolerante a barbarismos; nem a barbaridades litúrgicas.
Não acho que a população esteja preparada para uma nova “ruptura” agora. Mas poderíamos começar aos poucos, reinserindo as orações latinas no cotidiano cristão, desmantelando uma resistência inútil e sem razão; até que possamos, se as circunstâncias o pedirem, ter, uma vez mais, as missas celebradas segundo a edição típica do Missal que não deixou até hoje de ser latina. E que está uma edição à frente!
Há espaço para todos. Cultuemos nossas origens. E nos orgulhemos dela.
Pax,