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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Palminha-de-são-tomé-pra-quando-papai-vier

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Alguns nos questionam de nossa verdadeira cruzada contra as palmas na Missa.

Cabe salientar, antes de tudo, que não nos referimos às palmas como um aplauso em um momento específico de Missas determinadas. É evidente que, na posse de um pároco, pode-se aplaudi-lo; quando de um casamento, aplaudir o novo casal; etc. Mas daí a considerar correto acompanhar músicas com palmas ritmadas? Isso foge completamente à tradição litúrgica do rito romano, e tira o aspecto de sacralidade que a Missa requer. O ambiente não propicia.

Ainda que não existam, nas rubricas, disposições proibindo expressamente as palmas, elas não deixam de ser abusos litúrgicos, erros, violações. Quando as rubricas silenciam, devemos ter cuidado. Só se pode fazer o que, no silêncio das rubricas, é adequado à tradição litúrgica.

É bem verdade que não há documento legislando a respeito. Mas esperá-lo e só então obedecê-lo pode ser legalismo.

Não se deve fazer apenas “o que está na lei”, como, se enquanto não houver lei clara, o terreno fique livre para o que se quiser. É preciso adequar-se à tradição litúrgica que, embora não sendo Tradição, tem uma continuidade a dar como que a alma de nosso rito. Os diferentes discursos do Papa e dos consultores em liturgia da Santa Sé têm andando nesse sentido.

Vemos certas pessoas alegando que sentar-se em bancos separados os homens e as mulheres, e o uso de véu por parte das últimas, eram costumes, e, como tais, foram caindo em desuso. Da mesma forma, continuam, as palmas são meros costumes. Será?

Sentar-se em bancos separados não é parte de nossa herança litúrgica, e sim um costume isolado que logo foi superado. O véu apenas caiu em desuso, mas nunca foi abolido oficialmente. Não há, pois, nesses dois exemplos qualquer similitude para com as palmas ritmadas acompanhando música “alegrinha” (aliás, esse tipo de música, em si, fere a riqueza de nossa tradição e a regra de que quanto mais próxima do gregoriano for a música, melhor) e para com o Pai Nosso de mãos dadas.

Palmas ritmadas nas músicas e Pai Nosso de mãos dadas são ações, não omissões. Não são um deixar de fazer o que era tradição ou costume, mas introdução de costumes novos, e essa introdução não foi feita por quem de direito nem autorizada. Além disso, são costumes introduzidos não para expressar o caráter sacrifical da Missa, nem para valorizar algum ponto da rica tradição litúrgica romana, e sim justamente quando se perdeu o sentido do que é a Missa.

É inegável que as palmas ritmadas nas músicas são a conseqüência como que obrigatória de quem não vê a Missa como sacrifício. E elas são costumes próprios de uma época que quer romper com o passado, com a tradição litúrgica. Não se trata aqui de novos costumes embasados, todavia, em uma tradição anterior, em um desenvolvimento orgânico. Palmas ritmadas são rupturas. São inserções justamente quando não se tem presente o caráter essencial da Missa: ser a Cruz.

Impossível tais aberrações no Vaticano. E lá está nosso modelo.

Aqueles que, em nova leva, resolvem levantar a bandeira das palmas na Missa prestam um desserviço à Igreja.

Justo agora em que o povo católico, principalmente os internautas, começa a respirar novos ares de liturgia, a aceitar o rito tridentino, a assistir o rito moderno bem celebrado (até mesmo em latim e versus Deum), a ter o gregoriano e a polifonia mais presentes em suas Missas, a ter consciência dos abusos litúrgicos, a estar plenamente convencido de que o Pai Nosso de mãos dadas e as palmas ritmadas nas músicas são aberrações em nosso rito, a esperar a “reforma da reforma”, a ver o Papa Bento XVI só dar a Comunhão de joelhos e na boca, a ver o mesmo Papa celebrar versus Deum… Enfim, justo agora que as coisas começam a melhorar, uma discussão como essa é um banho de água fria, quase um incentivo a que se continue com a baderna litúrgica no Brasil, uma bandeira – ainda que sem essa intenção – do relativismo litúrgico, da política – tão brasileira quanto detestável – do “não é bem assim”.

Palmas ritmadas NÃO estão em conexão com a tradição litúrgica, não são adequadas à noção de sacrifício. E isso é pacífico entre os liturgistas fiéis ao Papa.

O que passa disso é invencionice.

Ninguém aqui está dizendo que há documentos da Santa Sé proibindo as palmas. Mas esperar por tais documentos antes de classificar esses costumes como abuso, para só então dizer que o são, é legalismo. Não somos robôs, máquinas de rubricas. Precisamos interpretar as normas sistematicamente, estudar o ambiente litúrgico, o senso, a cultura. E, por tudo isso, sou enfático: palminhas ritmadas e dar as mãos no Pai Nosso são ABUSOS LITÚRGICOS. Não foram expressamente proibidos, mas também, por outro lado, a Igreja também não proibiu que os fiéis assistissem Missa pelados ou plantando bananeira. É o bom senso que indica que isso está errado.

Aliás, esperar que a Igreja se pronuncie sobre tudo é fruto de uma mentalidade burocrática, nada católica, que não consegue interpretar as coisas em seu contexto, que não consegue extrair aplicações práticas dos princípios postos.

As palminhas ritmadas, outrossim, não encontram eco em nenhum momento da história litúrgica de nosso rito – nem de outros.

Compreender a Missa como sacrifício é uma excludente necessária das palminhas ritmadas e dos cantos alegrinhos.

Ficar alegre não significa bater palmas. Quem bate palminhas sempre que está alegre ou é bebê ou tem problemas mentais.

Manifesto, sim, minha alegria por ter a Cristo na Missa, mas essa manifestação é contida, sóbria, adequada ao momento. Estamos diante da Cruz, não nos esqueçamos. A alegria pela nossa salvação deve ser equilibrada pela contrição pelos nossos pecados que levaram Cristo à morte.

Nem se advogue a inculturação. A inclusão de elementos culturais dos povos na liturgia se faz com a devida autorização EXPRESSA da Santa Sé. Como não houve essa inclusão, as palmas estão proibidas. Lógico. O que não se permite, está proibido. Assim funciona a liturgia. As rubricas não possuem uma linguagem negativa, mas positiva. Não está nelas descrito tudo o que não se deve fazer, mas exposto o que se deve. E, diante do que se deve, se infere o que não se deve.

Ainda que estivéssemos em início de evangelização, os elementos culturais que se poderiam introduzir no rito dependem de Roma. Ou seja, pra bater palminha-de-são-tomé-pra-quando-papai-vier, só com o placet do Papa!

Dois erros, pois. Um, o erro de misturar países com recente evangelização e que precisam de inculturação, com o Brasil, que tem 500 anos de cristianismo. Dois, o “esquecer-se” que não se pode, a título de inculturação, introduzir elementos no rito ao bel-prazer.

Como disse meu amigo Pedro Ravazzano, meu irmão de apostolado, referindo-se aos defensores das palmas e outros abusos, só porque “não estão explicitamente proibidos”:

Sinceramente, vocês não têm idéia das conseqüências desse raciocínio que defendem. Claro que creio nas boas intenções, mas, querendo ou não, tal argumentação parte de um certo relativismo litúrgico que se choca com a identidade tradicional católica. Aqui na Bahia muitos seguem essa mesma linha para justificar atabaque, pandeiro, ofertório com danças etc, tudo é inculturação, tudo é adaptável, contanto que o missal esteja ali no altar sendo falsamente seguido – afinal o missal vai além de um livro, é um espírito, uma expressão de piedade e mística. Dentro da cabeça desse povo, se não há uma diretriz que proíba a utilização de pipoca na procissão de entrada, ou o uso de temáticas africanas na aclamação do Evangelho, então é lícito. Ora, quer dizer que eu posso colocar hamsters amestrados para acender as velas do altar ou malabaristas hindus para tocar o sino na consagração só porque não há uma determinação da Santa Sé a respeito dessas irreverências?!

Quando caímos nesse papo de inculturação, de expressão popular, incindimos numa análise meramente pessoal. Para fulano bater palma é bom, assim como para sicrano, na Bahia, o uso de atabaque é emocionante. Na prática, tanto as palmas como o atabaque não são condenados pela Igreja – assim como os hamsters e os malabaristas -, mas isso seria sinal de licitude? Óbvio que não, afinal, acima das normas – quase sempre positivas – se encontra o ethos responsável pela formação e estruturação do rito.

Aos que tanta questão fazem de bater palminhas na Missa, deixo um conselho: procurem uma festinha de aniversário de criança. Dessas com bastante brigadeiro, guaraná, língua-de-sogra e balão-surpresa.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O Ofício Divino no rito romano

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Por Thiago Santos de Moraes

Do Breviário à Liturgia das Horas

A Liturgia das Horas recebeu vários nomes na história. O mais difundido foi o de Breviário, que indicava a reunião em um só volume, para facilitar a recitação individual, de todos os elementos necessários para celebrar o Ofício Divino, como salmos, leituras, hinos, etc. Mas esse nome encerrava uma mentalidade privatista e reducionista da prece eclesial que sempre se quis corrigir (pelo menos desde Trento), mas que o caminhar turbulento da Igreja sempre adiava.

Depois do Vaticano II, recuperaram seu significado s expressões Ofício Divino e Liturgia das Horas. Ofício quer dizer serviço cultual e ação litúrgica (ou seja, pública), e divino indica em honra de quem se realiza a celebração. Essa expressão é equivalente à Opus Dei (Obra de Deus), segundo a expressão de São Bento (Regra 43, 3):

Nada se anteponha à obra de Deus.

O segundo nome faz alusão à prece eclesial distribuída segundo as horas do dia.

Nesse sentido, o Ofício Divino é verdadeira liturgia, exercício do sacerdócio de Jesus Cristo para a santificação dos homens e para o culto a Deus (Sacrosanctum Concilium 7), e, conseqüentemente, celebração de toda a Igreja, ou seja, oração de Cristo ao Pai com seu corpo eclesial (SC 84). Por esse motivo dever-se-á preferir sempre a celebração comunitária, com assistência e participação ativa dos fiéis, à recitação indivial e quase particular (SC 26-27).

Antecedentes do Ofício Divino

A origem da oração das horas deve ser buscada na oração do Divino Mestre e das comunidades católicas primitivas, que observavam os ritmos da oração judaica.

A oração judaica na época do Novo Testamento

Jesus nasceu num povo que sabia orar, no seio de uma família piedosa que observava com amor e fidelidade os preceitos do Senhor.

Completados que foram os oito dias para ser circuncidado o menino, foi-lhe posto o nome de Jesus, como lhe tinha chamado o anjo, antes de ser concebido no seio materno.

Concluídos os dias de sua purificação segundo a Lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém para o apresentar ao Senhor, conforme o que está escrito na lei do Senhor: “Todo primogênito do sexo masculino será consagrado ao Senhor” (Êx. XIII, 2); para oferecerem o sacrifício prescrito pela lei do Senhor, um par de rolas ou dois pombinhos.
(Lucas II, 21-24)

Num mundo politeísta, que desprezava a oração como absurda e inútil, e que reduziu a religião a um conjunto de práticas sangrentas e obscenas, Jesus participava na prece do povo instruído na oração pelo próprio Deus através da Revelação.

A prática judaica da prece compreendia três momentos de oração durante o dia: ao cair da tarde, ao amanhecer e ao meio dia.

Pela tarde, de manhã e ao meio-dia lamentarei e gemerei; e ele ouvirá minha voz. (Salmo LIV, 18)

Ouvindo essa notícia, Daniel entrou em sua casa, a qual tinha no quarto de cima janelas que davam para o lado de Jerusalém. Três vezes ao dia, ajoelhado, como antes, continuou a orar e louvar Deus. (Daniel VI, 11)

Desses momentos, dois estavam unidos aos sacrifícios perpétuos, que eram oferecidos todos os dias no Templo.

O Senhor disse a Moisés: “Ordena o seguinte aos israelitas: cuidareis de apresentar no devido tempo a minha oblação, o meu alimento, em sacrifícios de agradável odor consumidos pelo fogo.”

“Dir-lhes-ás: eis o sacrifício pelo fogo que oferecereis ao Senhor: um holocausto quotidiano e perpétuo de dois cordeiros de um ano, sem defeito. Oferecerás um pela manhã e outro entre as duas da tarde, juntando, à guisa de oblação, um décimo de efá de flor de farinha amassada com um quarto de hin de óleo de olivas esmagadas. Este é o holocausto perpétuo tal como foi feito no monte Sinai, um sacrifício pelo fogo de suave odor para o Senhor. A libação será de um quarto de hin para cada cordeiro; é no santuário que farás ao Senhor a libação de vinho fermentado. Oferecerás, entre as duas tardes, o segundo cordeiro; e farás a mesma oblação e a mesma libação como de manhã: este é um sacrifício pelo fogo, de suave odor para o Senhor.”
(Números XXVIII, 2-8)

Desse modo, a oração era santificada pelo sacrifício. Ao se deitar e ao se levantar se recitava o Shemá Ysrael (Escuta Israel), a profissão de fé no Deus único.

Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças. Os mandamentos que hoje te dou serão gravados no teu coração. Tu os inculcarás a teus filhos, e deles falarás, seja sentado em tua casa, seja andando pelo caminho, ao te deitares e ao te levantares. Atá-los-ás à tua mão como sinal, e os levarás como uma faixa frontal diante dos teus olhos. Tu os escreverás nos umbrais e nas portas de tua casa. (Deuteronômio VI, 4-9)

Se obedecerdes aos mandamentos que hoje vos prescrevo, se amardes o Senhor, servindo-o de todo o vosso coração e de toda a vossa alma, derramarei sobre a vossa terra a chuva em seu tempo, a chuva do outono e a da primavera, e recolherás o teu trigo, o teu vinho e o teu óleo; darei erva aos teus campos para os teus animais, e te alimentarás até ficares saciado. Tende cuidado para que o vosso coração não seja seduzido e vos desvieis do Senhor para servir deuses estranhos, rendendo-lhes culto e prostrando-vos diante deles. A cólera do Senhor se inflamaria contra vós e ele fecharia os céus: a chuva cessaria de cair, e não haveria mais colheita, no vosso solo, de modo que não tardaríeis a perecer nesta boa terra que o Senhor vos dá. Gravai, pois, profundamente em vosso coração e em vossa alma estas minhas palavras; prenderas às vossas mãos como um sinal, e levaras como uma faixa frontal entre os vossos olhos. Ensinai-as aos vossos filhos, falando-lhes delas seja em vossa casa, seja em viagem, quando vos deitardes ou levantardes. Escreve-as nas ombreiras e nas portas de tua casa, para que se multipliquem os teus dias e os dias de teus filhos na terra que o Senhor jurou dar a teus pais, e sejam tão numerosos como os dias do céu sobre a terra. (Deuteronômio XI, 13-21)

O Senhor disse a Moisés: “Dize aos israelitas que façam para eles e seus descendentes borlas nas extremidades de suas vestes, pondo na borla de cada canto um cordão de púrpura violeta. Fareis essas borlas para que, vendo-as, vos recordeis de todos os mandamentos do Senhor, e os pratiqueis, e não vos deixeis levar pelos apetites de vosso coração e de vossos olhos que vos arrastam à infidelidade. Desse modo, vós vos lembrareis de todos os meus mandamentos, e os praticareis, e sereis consagrados ao vosso Deus. Eu sou o Senhor vosso Deus, que vos tirei do Egito para ser o vosso Deus. Eu sou o Senhor vosso Deus.” (Números XV, 37-41)

Jesus também o recitava.

Jesus respondeu-lhe: “O primeiro de todos os mandamentos é este: Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor; amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu espírito e de todas as tuas forças. (Marcos XII, 29-30)

Ao meio dia se diziam as bênçãos da Thepillah. Essa prece pertencia ao culto da sinagoga (que, salvo engano, só surgiu no exílio babilônico).

A liturgia judaica incluía, além disso, uma ampla variedade de hinos, salmos e orações para as festas, para as peregrinações ao Templo e para a liturgia doméstica, na qual se destacavam as bênçãos ao cair da tarde (lucernário) e ação de graças da ceia. Nesse ambiente de oração Jesus viveu, de modo que “o louvor a Deus ressoa no coração de Cristo com palavras humanas de adoração, propiciação e intercessão” (Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas 3).

A oração de Jesus

“Cristo Jesus, ao assumir a natureza humana, trouxe para este exílio terreno aquele hino que é cantado por todo o sempre nas habitações celestes” (IGLH 3; SC 83). A oração de Nosso Senhor em sua vida terrena foi a expressão do colóquio eterno do Verbo com o Pai no Espírito Santo, e o anúncio da mediação sacerdotal que continua agora nos Céus.

a) A pureza de intenção.

Quando orardes, não façais como os hipócritas, que gostam de orar de pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade eu vos digo: já receberam sua recompensa. Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto, recompensar-te-á. (Mateus VI, 5-6)

Ele lhes dizia em sua doutrina: Guardai-vos dos escribas que gostam de andar com roupas compridas, de ser cumprimentados nas praças públicas e de sentar-se nas primeiras cadeiras nas sinagogas e nos primeiros lugares nos banquetes. Eles devoram os bens das viúvas e dão aparência de longas orações. Estes terão um juízo mais rigoroso. (Marcos XII, 38-40)

b) A união da mente com a voz, para não se cair na censura de Isaías XXIX, 13.

Este povo somente me honra com os lábios; seu coração, porém, está longe de mim. Vão é o culto que me prestam, porque ensinam preceitos que só vêm dos homens. (Mateus XV, 8)

c) A confiança no Pai.

Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto, recompensar-te-á. Nas vossas orações, não multipliqueis as palavras, como fazem os pagãos que julgam que serão ouvidos à força de palavras. (Mateus VI, 7-8)

Portanto, eis que vos digo: não vos preocupeis por vossa vida, pelo que comereis, nem por vosso corpo, pelo que vestireis. A vida não é mais do que o alimento e o corpo não é mais que as vestes? Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam, nem recolhem nos celeiros e vosso Pai celeste as alimenta. Não valeis vós muito mais que elas? Qual de vós, por mais que se esforce, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida? E por que vos inquietais com as vestes? Considerai como crescem os lírios do campo; não trabalham nem fiam. Entretanto, eu vos digo que o próprio Salomão no auge de sua glória não se vestiu como um deles. Se Deus veste assim a erva dos campos, que hoje cresce e amanhã será lançada ao fogo, quanto mais a vós, homens de pouca fé? Não vos aflijais, nem digais: Que comeremos? Que beberemos? Com que nos vestiremos? São os pagãos que se preocupam com tudo isso. Ora, vosso Pai celeste sabe que necessitais de tudo isso. (Mateus VI, 25-32)

Jesus voltou-se então para seus discípulos: Portanto vos digo: não andeis preocupados com a vossa vida, pelo que haveis de comer; nem com o vosso corpo, pelo que haveis de vestir. A vida vale mais do que o sustento e o corpo mais do que as vestes. Considerai os corvos: eles não semeiam, nem ceifam, nem têm despensa, nem celeiro; entretanto, Deus os sustenta. Quanto mais valeis vós do que eles? Mas qual de vós, por mais que se preocupe, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida? Se vós, pois, não podeis fazer nem as mínimas coisas, por que estais preocupados com as outras? Considerai os lírios, como crescem; não fiam, nem tecem. Contudo, digo-vos: nem Salomão em toda a sua glória jamais se vestiu como um deles. Se Deus, portanto, veste assim a erva que hoje está no campo e amanhã se lança ao fogo, quanto mais a vós, homens de fé pequenina! Não vos inquieteis com o que haveis de comer ou beber; e não andeis com vãs preocupações. Porque os homens do mundo é que se preocupam com todas estas coisas. Mas vosso Pai bem sabe que precisais de tudo isso. (Lucas XII, 22-30)

Outros ensinamentos dizem respeito à necessidade da oração (Lucas XXII, 40; VI, 28), à oração em seu nome (João XIV, 13-14), à oração de petição (Mateus V, 44; VII, 7), à humildade (Lucas XVIII, 9-14 e à perseverança (Lucas XI, 5-13).

Mas o ensinamento mais original e importante é o que se refere ao próprio conteúdo da oração. Esse conteúdo está condensado numa palavra: Abba, Pai!, expressão da relação filial a título único entre o Filho Jesus Cristo e o Pai. A revelação dessa relação foi seguida da doação do Espírito Santo, que torna possível a filiação divina adotiva e que todos os discípulos do Divino Mestre possam invocar a Deus. Por isso, o Pai-Nosso é o supremo modelo da oração cristã.

Um dia, num certo lugar, estava Jesus a rezar. Terminando a oração, disse-lhe um de seus discípulos: Senhor, ensina-nos a rezar, como também João ensinou a seus discípulos. Disse-lhes ele, então: Quando orardes, dizei: Pai, santificado seja o vosso nome; venha o vosso Reino; dai-nos hoje o pão necessário ao nosso sustento; perdoai-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos àqueles que nos ofenderam; e não nos deixeis cair em tentação. (Lucas XI, 1-4)

A Didaché, em fins do século I, é testemunha da substituição do Shemá pelo Pai-Nosso nos círculos judeu-católicos, também três vezes ao dia.

Também não rezeis como os hipócritas, mas como o Senhor mandou no seu Evangelho: Nosso Pai no céu, que teu nome seja santificado, que teu reino venha, que tua vontade seja feita na terra, assim como no céu; dá-nos hoje o pão necessário (cotidiano), perdoa a nossa ofensa assim como nós perdoamos aos que nos têm ofendido e não nos deixeis cair em tentação, mas livra-nos do mal, pois teu é o poder e a glória pelos séculos.

Assim rezai três vezes por dia.
(Didaché 8, 2-3)

A oração na Igreja primitiva

Os Apóstolos, instruídos pelo Senhor depois da Ressurreição (Atos I, 3), também ensinaram a orar e organizaram no Espírito de Jesus a oração das primeiras comunidades da Igreja. Desde os primeiros momentos a “perseverança nas orações” foi uma característica da comunidade que se transformou em Pentecostes.

Perseveravam eles na doutrina dos apóstolos, na reunião em comum, na fração do pão e nas orações. (Atos II, 42)

Como Nosso Senhor, os primeiros cristãos acorriam ao Templo e à sinagoga, embora depois celebrassem a “fração do pão” em suas casas.

Unidos de coração freqüentavam todos os dias o templo. Partiam o pão nas casas e tomavam a comida com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e cativando a simpatia de todo o povo. E o Senhor cada dia lhes ajuntava outros que estavam a caminho da salvação. (Atos II, 46-47)

Observavam o costume de rezar privadamente ou em comum no cômodo principal, em certas horas do dia e também da noite.

Refletiu um momento e dirigiu-se para a casa de Maria, mãe de João, que tem por sobrenome Marcos, onde muitos se tinham reunido e faziam oração. (Atos XII, 12)

Pela meia-noite, Paulo e Silas rezavam e cantavam um hino a Deus, e os prisioneiros os escutavam. (Atos XVI, 25)

A oração era dirigida geralmente ao Pai celestial. Mas com o passar do tempo sobreveio na comunidade eclesial a consciência de que o Divino Mestre não somente é mediador e “lugar” único para adorar o Pai em Espírito e verdade (João II, 19-22, IV, 23-24), mas também termo da oração cristã. Exemplo disso são as doxologias, os agradecimentos ao Pai pela obra realizada em Cristo, e os hinos cristológicos.

A Liturgia das Horas na história

A história do Ofício Divino significa a perseguição, ao longo dos séculos, do ideal (Lucas XVIII, 1):

É preciso orar sempre.

As primeiras tentativas de organização (séculos I– IV)

Os primeiros séculos da história católica oferecem pouquíssima informação sobre a oração em certas horas. Contudo, sabe-se que a Missa dominical acabou tendo uma vigília estendida, que consistia em leituras e cantos de Salmos.

A partir do século III os testemunhos são cada vez mais abundantes e mencionam, junto com os ofícios matutino e vespertino, sem dúvida comunitários, as horas terça, sexta e nona, fixas e determinadas na recordação da Santíssima Trindade e em memória dos momentos da Paixão de Cristo e de alguns acontecimentos narrados nos Atos dos Apóstolos.

Na etapa que se seguiu à paz de Constantino o desenvolvimento do Ofício foi favorecido. Dois foram os modelos organizados:

1. O eclesial: celebrado nas catedrais e paróquias, era centrado nas celebrações da manhã e da tarde, isto é, nas laudes e nas vésperas presididas pelo bispo ou por um presbítero, com assistência do restante do clero e do povo.

2. O monástico: marcado pelo desejo de dedicar o maior tempo possível do dia à oração, seguindo os conselhos evangélicos e buscando o equilíbrio entre a oração e o trabalho. Assim, foram introduzidas, junto com as laudes e as vésperas e as horas intermediárias, a hora prima, as completas e as vigílias noturnas.

Finalmente, a organização monástica configurou todo o Ofício.

Detalhando o desenvolvimento monástico

Para os estudiosos, a oração que precedia a Eucaristia pós-apostólica, eventualmente, ficou organizada em quatro partes: uma que acabou originando a parte preparatória do Sacrifício (a Missa dos Catecúmenos do rito gregoriano), uma que se tornou as Vésperas do final da tarde, uma da qual nasceu as Matinas da meia noite e, finalmente, uma que se tornou as Laudes do começo da manhã. Esse grupo, originalmente noturno, constituiu as “Grandes Horas”, as outras cinco, as “Horas Menores”. As Matinas poderiam ser chamadas de “pai de todas as horas” e as Vésperas e Laudes de irmãs gêmeas, dada sua estrutura similar.

Mais tarde, o grupo diurno, Terça, Sexta e Noa foi instituído para a santificação ao longo do dia. Elas também são como gêmeas por terem uma estrutura idêntica.

Por fim, as Completas e a Prima foram criadas para servirem de oração noturna e matutina no dormitório. Elas ainda mantém um sabor monástico maior que as outras horas e podem ser consideradas um irmão e uma irmã, pois embora sejam semelhantes, não possuem uma estrutura idêntica.

Desse modo, originalmente, as horas do Ofício tinham uma correspondência com as horas do dia (segundo nossos parâmetros) um tanto diversa da que hoje possuem.

Nas minhas pesquisas encontrei a seguinte tabela:

Matinas - meia-noite

Laudes - 3 da madrugada

Prima - 6 da manhã

Terça - 9 da manhã

Sexta - meio-dia

Vésperas - 6 da tarde

Completas - 9 da noite


Ela não faz referência à Noa.

Ainda segundo essa mesma fonte, após alguns séculos, as horas adquiriram a seguinte configuração nas casas religiosas:

Matinas e Laudes - 2 e 3 da madrugada

Prima - ao se acordar

Terça - 9 da manhã

Sexta - meio-dia

Noa - 3 da tarde

Vésperas - ao anoitecer

Completas - antes de dormir

Comentando

Como se pode notar, no apanhado que fiz, há uma certa falta de sistemática na consideração do surgimento das horas. Todavia, acredito que a seguinte ordem é plausível:

1) Laudes e Vésperas

2) Matinas

3) Terça, Sexta e Noa

4) Completas

5) Prima

Sete vezes por dia eu Vos louvei, no meio da noite me levantei para Vos louvar.

Por fim, o esquema ficou assim:

Matinas (com seus três noturnos) - durante a noite

Laudes - 5 da manhã

Prima - 7 da manhã

Terça - 9 da manhã

Sexta - meio-dia

Noa - 3 da tarde

Vésperas - 5 da tarde

Completas - 8 da noite

OBS:

1) Em alguns ritos orientais (como o siríaco) o modelo eclesial, com duas horas, é que se consolidou como referência.

2) No modelo eclesial também se conhecia a oração noturna e as orações ao longo do dia, só que, em geral, elas não eram litúrgicas, posto que não assumidas pela igreja local sob a autoridade do bispo.

Do Ofício completo e solene ao Ofício particular

Nos séculos VI-IX o Ofício era a oração da Igreja local, do clero e do povo. Quando ainda não se havia generalizado a celebração diária da Eucaristia, as horas do Ofício serviam para a santificação dos dias da semana. Aconteceu, então, uma grande criação de elementos não-bíblicos: antífonas, hinos, responsórios e orações, paralela à que acontecia na Missa e nos ritos dos sacramentos.

Durante esses anos, as liturgias receberam sua estrutura definitiva.

Nós sabemos pouco sobre o Ofício Romano primitivo, mas podemos distinguir entre os das igrejas presbiterais e os das basílicas (cuidadas por comunidades mais ou menos regulares). Esse último Ofício serviu, provavelmente, de modelo ao da Regra de São Bento. Nessas comunidades das basílicas, o Ofício era composto de Salmos, antífonas, leituras da Sagrada Escritura e dos Padres, responsórios, e, em certas igrejas, como nos mosteiros, de hinos. Também nesse tempo, os aniversários dos mártires e confessores começaram a ser celebrados nas suas tumbas por meio de um Ofício votivo sem relação com o Ofício do dia.

A partir de tal base, no tempo de São Gregório Magno, a liturgia das basílicas foi aperfeiçoada (lecionário das Matinas e música para as antífonas e responsórios), ganhando sua estrutura essencial (até o pós-Vaticano II) e se espalhou para o resto de Roma e além: a Gália, a Inglaterra e a Alemanha. O Ofício das basílicas romanas tendia a virar o Ofício do clero nos diferentes países.

Pelo meio do século VIII, o curso completo das Horas, incluindo as Matinas, se tornou a prática geral, e os clérigos foram obrigados a participar dela inteiramente. O tipo de vida canônica necessária para essa celebração recebeu sua organização principalmente de São Chrodegang e do Concílio de Aix-la-Chapelle. Com Pepino, o Pequeno, a monarquia franca favoreceu e, mais tarde, Carlos Magno impôs ao seu Império, os usos romanos. Amalario e a schola cantorum da diocese de Metz tiveram um papel importante na correção e difusão do Antifonário romano.

Desse modo, com seu conteúdo fixado, a Liturgia das Horas cantada pelas comunidades, monásticas ou diocesanas, era solene na sua forma e requeria muitos livros (o Psalterium, o Antiphonale, o Collectarium, o Hymnarium, o Lectionarium, etc.) e ministros (que desempenhavam papéis diferentes durante a celebração); a congregação participava recitando Salmos e respostas decorados ou respondendo aos Salmos por refrãos. Nesse quadro, adaptações e adições passaram a ocorrer (como Salmos suplementares para cada Hora, Ofícios para a Virgem e os defuntos, comemorações diversas, preces, etc.)

Tudo isso, apesar das boas intenções, foi um desastre. As complicações nas rubricas, a quantidade de livros e o tempo necessários para se celebrar as Horas acabou afastando o clero dedicado ao cuidado direto das almas do Ofício (quanto ao povo, nem se fala). A decadência era patente e já no século X apareceram tentativas de reforma (com a redução da salmodia e das leituras nas Matinas).

Desse modo, foi natural que surgisse o Breviário.

Ela era uma experiência de juntar todas as partes do Ofício num formato “breve” – um ou mais volumes com todos os elementos dispostos numa seqüência racional. Encontramos os primeiros Breviários compilados pelos monges de Monte Cassino nos século X e XI. Embora certos Breviários mais antigos incluam alguns elementos musicais do Ofício, no geral, eles só continham o texto (enquanto os elementos musicais ficavam em outros livros, como o Antiphonale).

Mas a verdadeira difusão do Breviário só veio com seu uso pela Curia papal e, mais tarde, pela sua adoção pelos mendicantes, em especial os franciscanos.

A solução praticada na capela do Palácio de Latrão, em Roma, de usar uma abreviação (aprovada por Inocêncio III) dos livros litúrgicos empregados na Basílica foi imitada em outros lugares. O exemplar mais antigo, conhecido como Breviário de Santa Clara, se intitula assim: Incipit ordo et officium breviarii ecclesiae Curiae, quem consuevimus observare tempore Inocentii tertii papae el aliorum pontificum. Esse breviário, adotado por São Francisco em 1223 (dada sua portabilidade) e revisado por Haymo de Faversham (geral da ordem em 1240), com a imprensa, se espalhou por toda a Europa (os breviários não-romanos acabaram com sua publicação proibida).

No Breviário da Curia Romana poucas mudanças foram feitas nos textos antigos, mas numerosas seções ad libitum desapareceram. Além disso, novas tendências na vida espiritual tiveram grande influência no seu desenvolvimento posterior; elas se manifestaram na multiplicação das festas e legendas históricas e na diminuição do número de leituras e de outros elementos.

Todavia, a vantagem real do livro litúrgico único trouxe consigo o inconveniente da introdução da recitação particular. Já no século XIII canonistas e teólogos passaram a justificar a prática da recitação privada e o que no começo foi exceção se transformou em norma.

Mais tarde, no século XV, como conseqüência da Devotio Moderna, acentuou-se na espiritualidade sacerdotal a orientação intimista e subjetiva, que tendia a fazer da própria Missa e do Ofício o cumprimento de uma obrigação pessoal. Desse modo, as ordens e as congregações religiosas que foram fundadas a partir do século XVI não tinham o Ofício Divino como oração comum. E, por outro lado, a introdução das vigílias, oitavas, comemorações e ofícios duplos e semiduplos complicou novamente a celebração das Horas.

O sentimento de que uma reforma profunda devia ocorrer voltou a crescer.

Tentativas de renovação

Fazia-se necessária uma renovação do Ofício. Esse sentimento não atingia apenas o clero, obrigado a ele, mas os leigos mais instruídos também se incomodavam com a maneira como as coisas estavam; daí a multiplicação de "Pequenos Breviários" para os fiéis (vou tratar deles só quando acabar toda a história da Liturgia das Horas oficial).

Nesse clima, surgiram algumas iniciativas mais ou menos efêmeras, como uma levada a cabo pelos teatinos, e uma que teve mais impacto, feita pelo cardeal Quiñones (vou detalhá-la agora).

O “Breviarium Sanctae Crucis”

O Papa Clemente VII, que tinha como um dos programas de seu governo a reorganização da oração oficial, encomendou ao espanhol Francisco Quiñones, cardeal da Santa Cruz, de Jerusalém, e ex-geral dos franciscanos, o encargo de reformar as Horas, reconduzindo-as, até onde fosse possível, à sua forma antiga e, mantendo-se fiel aos princípios que marcaram o Ofício ao longo do tempo, suprimir pontos complicados e prolixos (de maneira que os clérigos não tivessem mais desculpas para descuidar da Liturgia das Horas).

Quiñones iniciou seu trabalho em 1529 e com a ajuda de Diego Meyla e Gaspar de Castro, terminou sua tarefa em 1534, pouco antes da morte do Papa; mas não o publicou até 1535, acompanhado de um breve do novo Pontífice, Paulo III. O autor o apresentou como um projeto, intitulado: Breviarium romanum ex sacra potissimum Scriptura et probatis Sanctorum historiis, collectum et concinnatum.

A acolhida do clero, em geral, foi muito positiva. As críticas e censuras feitas, no geral pelo teólogos da Sorbone, em Paris, foram levadas em conta pelo cardeal para a segunda edição do seu Breviário, a definitiva, saída em julho de 1536, com uma aprovação de Paulo III que permitia seu uso para a recitação privada por sacerdotes que tinham obtido autorização da Santa Sé. Isso respondia plenamente ao critério usado por Quiñones na sua compilação: ela não devia servir para o uso público, em igrejas, mas só para os clérigos que já estavam obrigados à recitação individual.

Conforme isso, suprimiu todas as partes do Ofício que derivavam sua origem ou tinham em vista o uso público, ou seja, as antífonas, os versículos, os responsórios, as lições breves e os capítulos, conservando apenas alguns hinos e uma parte das antífonas dos noturnos das Matinas.

Em relação à estrutura do novo Breviário, podemos destacar:

a) Uma nova distribuição dos Salmos, de maneira que em cada semana se pudesse recitar o saltério inteiro sem nenhuma repetição. Para isso, em cada hora canônica, não excluídas as Matinas, havia apenas três Salmos; mas nas Laudes, em lugar do terceiro Salmo, se devia ler um cântico. Segundo a tradição, o cântico das Laudes era o Benedictus, o das Vésperas o Magnificat e os das Completas o Nuc dimittis. Finalmente, tanto nas festas de Nosso Senhor quanto nas da Santíssima Virgem, embora de primeira classe, se deviam recitar os Salmos assinalados no saltério para o dia em que caia a comemoração. Assim, por exemplo, se a Assunção cai numa sexta-feira, nas Matinas se dizia os Salmos 21 (Deus, Deus meus, respice...), o 68 (Salvum me fac) e o 70 (In te speravi...), que expressam as tristezas e amarguras da Paixão.

b) A reforma das lições da Sagrada Escritura, de modo que se lessem no curso do ano todos os livros ao menos em suas partes principais. Desse modo, as lições, mesmo reduzidas a três, no único noturno, eram bem maiores que as do futuro Breviário tridentino. A primeira era tomada do Antigo Testamento, a segunda do Novo testamento e a terceira variava: nas festas dos Santos era algo sobre suas vidas e nos domingos, férias e festas de Nosso Senhor e da Santíssima Virgem era uma leitura dos Padres correspondente ao Evangelho da Missa correspondente. No que se refere as lições históricas dos Santos, o cardeal teve o cuidado de descartar tudo quanto tinha sabor de lenda, levando em conta o estado da crítica histórica no seu tempo.

c) A abreviação do Ofício, de modo que sua duração, no máximo possível, resultasse uniforme em cada dia da semana (a antiga Liturgia das Horas era muito maior no domingo). Para tanto suprimiu uma série de coisas, mas eu não posso relacionar quais pois não entendi a colocação sobre isso na fonte em que estou pesquisando (M. Righetti, Historia de la Liturgia. Tomo I. Madrid, BAC, 1955, n. 349, pp. 1144-1147). Quem puder, pode tentar:

Abrevió el oficio, de manera que su duración, en cuanto fuese posible, resultase uniforme en cada día de la semana, porque el antiguo oficio era mucho más largo el domingo que los otros días de la semana. Suprimió los salmos y los oficios adicionales, substituyendo al pequeño oficio de la Virgen una simple conmemoración, y al oficio de los difuntos, la fórmula todavía en uso:
Et fidelium animae...

A boa acolhida do Breviarium Sanctae Crucis pode ser atestada pelo fato de que, entre 1536 e 1558, quando Paulo IV proibiu sua reimpressão, ele teve mais de 100 edições, com milhares de cópias cada. Essa grande aceitação se explica, especialmente, pela elegância da forma, que o fazia aceitável pelos mais calorosos humanistas, e por sua brevidade, que, por um lado, o tornava compatível com a tibieza de muitos, e, por outro, não desagradava aos piedosos que tinham pouco tempo disponível devido aos deveres de seu ministério. O Breviário de Quiñones contribiu para fazer ainda mais freqüente entre os sacerdotes a recitação privada do Ofício (mesmo que não tenham faltado catedrais e mosteiros que o adotaram para a recitação colegial).

Todavia, é preciso reconhecer que pessoas sábias e experimentadas não dissimularam sua reprovação, como Domingo Soto e Juan de Arce, consultores do Concílio de Trento. Para eles o novo Breviário continha uma reação demasiada às venerandas tradições que a oração litúrgica da Igreja seguia a mais de 12 séculos. Além disso, o critério adotado por Quiñones (sugerido, diga-se de passagem, por Clemente VII) de propor um formulário de oração para o uso privado, parecia que tirava da recitação particular seu caráter oficial – o que era uma crítica infundada, pois um Breviário, seja que forma assuma, é oração pública da Igreja devido a delegação que ela dá a seus ministros.

Com a reforma piana, que aboliu qualquer rito da Missa ou versão do Ofício com menos de 200 anos, a obra do cardeal Quiñones foi abandonada, mas influenciou a Oração Matutina e a Vespertina do clássico Livro de Oração Comum anglicano (versão brasileira de 1950):

http://justus.anglican.org/resources/bcp/Brazil/mp.htm

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http://justus.anglican.org/resources/bcp/Brazil/ep.htm

Breviarium Pianum

Como a obra de Quiñones encontrou a resistência descrita, a questão da reforma do Breviário ficou em aberto, mas alguma tinha de ser feita (tanto que as propostas mais ridículas possíveis, em especial vindas dos “humanistas”, ganharam certo destaque – como uma que pedia a substituição das leituras dos Padres pela dos autores clássicos), seja pelos motivos que eu já citei ao longo desses posts, seja porque o santoral continuava a crescer, obscurecendo a centralidade dos mistérios da vida de Cristo no Ofício.

Desse modo, São Pio V, em 1568, de acordo com a reforma proposta pelo Concílio de Trento, impôs um novo Breviário universalmente (só respeitando, como já foi dito, os existentes a mais de 200 anos). A comissão que formulou o novo esquema do Ofício se guiou pelos seguintes princípios:

1) Não inventar um novo Breviário.

2) Ser guiada pela tradição eclesiástica.

3) Manter tudo de bom que foi adicionado ao longo do tempo, mas, ao mesmo tempo, corrigir os inúmeros erros que levantavam tantas reclamações.

Seguindo essas linhas, a nova Liturgia das Horas foi caracterizado pela redução do calendário, da hora da Prima, das preces e dos ofícios suplementares e que, com as inovações da imprensa, teve rápida difusão. O Saltério, foco do Ofício, foi valorizado novamente (da maneira que estava a recitação semanal era quase impossível e certos Salmos nunca eram recitados) e as legendas dos Santos e as homilias foram cuidadosamente revisadas.

Com o passar dos séculos, o Breviário tridentino passou por pequenas modificações.

A principal delas começou durante o pontificado de Sixto V (e terminou sob Clemente VIII), consistindo na mudança dos textos bíblicos, que adotaram a Vulgata revisada, e emendas nas rubricas: ao Comum dos Santos foi adicionada a das Santas Mulheres não Virgens, o rito de certas festas foi alterado e algumas festas adicionadas. A Bula Cum Ecclesia que aplicou as alterações é datada de 10 de maio de 1602.

Outro conjunto de mudanças foi promovido por Urbano VIII. Ele nomeou uma comissão que revisou as lições e homilias segundo os manuscritos mais antigos. Até aí tudo bem, só que esse Papa acabou indo muito além, pois, como humanista e poeta, ele considerava o Breviário com um estilo trivial e uma prosódia irregular, e acabou decidindo por uma grande revisão gramatical (segundo os parâmetros clássicos) e métrica. As correções feitas pelos puristas de sua equipe (no geral, jesuítas) chegaram ao número de 952, alterando profundamente o caráter de alguns hinos que, embora ganhassem um estilo mais literário, perderam boa parte de seu antigo charme e fervor.

Essa revisão acabou sendo muito criticada, pelo desrespeito aos antigos textos, como se a pureza gramatical pudesse substituir o sabor do latim expressado por um Ambrósio, Prudentius, Sedulius, Sidonius Apollinaris, Paulinos de Aquileia ou Venantius Fortunatus. E até o latim mais bárbaro de um Rhabanus Maurus tem sua razão de ser.

Qualquer semelhança com as opções de certas "reformas" pós-Vaticano II não é mera coincidência.

O estrago só não foi maior porque os revisores, ao se depararem com um número imenso de hinos que para eles tinham pouco valor poético (o interessante é que os progressos na filologia demonstraram que os hinos “corrigidos” seguiam regras rítmicas, só que, na época, elas ainda não tinham sido sistematizadas – um claro exemplo do que o formalismo pode fazer com a liturgia), mas já eram lugar comum na cultura católica, decidiram por uma via média, não os eliminando ou substituindo.

Nada foi feito após Urbano VIII, a não ser a adição de novos ofícios, fazendo, novamente, a comemoração dos Santos ganhar espaço.

Todavia, entre ele e a reforma de São Pio X encontramos uma grande confusão que passarei a abordar em seguida.

Breviários de espírito galicano e/ou jansenista

Na metade do século XVIII, encontramos outra tentativa de reforma ampla.

Inicialmente, o Breviário romano revisado por São Pio V foi recebido na França sem oposição. Contudo, no reinado de Luiz XIV, o espírito de resistência e antagonismo a Roma inspirou idéias tendentes a modificar o Ofício. Elas vieram dos partidos que faziam profissão pública do galicanismo e do jansenismo (que não são a mesma coisa) e, deve-se ressaltar, não eram de todo negativas (numa perspectiva objetiva).

Um dos primeiros esquemas modificativos foi o do chamado “Breviário de Paris”, publicado em 1680. Nele a história dos Santos e as homilias foram corrigidas e muitas outras partes sofreram pequenas alterações. Em 1736 a diocese de Paris lançou outro Breviário (que ficou em uso até a metade do século XIX), fruto do trabalho (pelo menos em parte) de jansenistas e influenciado pelo de Quiñones. Embora tal versão do Ofício não pretendesse ser ideal, acabou relegando muitas tradições litúrgicas.

Em outras dioceses da França breviários produzidos com os mesmos pressupostos foram postos em uso.

A baderna francesa teve reflexo em outros países (Itália e Alemanha).

Uma reação a tudo isso surgiu entre 1830 e 1840, inspirada pelo trabalho do eminente liturgista D. Guérranger, Abade de Solesmes, que, nas suas Instituições Litúrgicas, expôs os erros de construção desses breviários e provou que seus autores agiram sem mandato. Os argumentos apresentados tiveram tanto sucesso que, em 20 anos, um grande número de dioceses deixou de usar sua Liturgia das Horas galicana: em 1791, 80 dioceses tinham abandonado a liturgia romana; em 1875 Orléans foi a última a voltar ao uso romano.

Fora da França também teve lugar um processo semelhante de volta à unidade litúrgica.

Em Roma

Enquanto
jansenistas e galicanos criavam uma nova liturgia, Bento XIV, seguindo e exemplo de seus antecessores, determinou uma reforma cuidadosa do Breviário. Para isso uma congregação especial foi instituída, mas, embora o trabalho dela tenha sido de reconhecido valor (servindo de parâmetro para estudos futuros), na prática, deu em nada. Pio VI, Pio IX e Leão XIII também tentaram, sem sucesso, colocar a reforma do Ofício como objetivo de seus reinados.

Só São Pio X conseguiu efetivar esse intento.

A reforma de São Pio X

Dentro desse quadro, ao sucessor de Leão XIII pareceu que o tempo da reforma tinha chegado.

Pela Constituição Apostólica Divino Afflatu, de 1 de novembro de 1911, São Pio X fez uma mudança no Saltério do Breviário Romano. Os Salmos foram impressos juntos e distribuídos de maneira que possam ser recitados ou cantados a cada semana (quando muito longos, foram divididos, para que cada dia do Ofício tenha aproximadamente o mesmo número de versos). Desse modo, restaurava-se o uso original da Liturgia das Horas romana, novamente alterado pelo crescimento das comemorações dos santos desde o tridentino, que fazia alguns salmos serem recitados raramente.

As porções do Ofício que requerem rubricas, ao invés de serem impressas junto com os Salmos, como os invitatórios, os hinos para as diferentes épocas, bênçãos, absolvições, capítulos, sufrágios, preces dominicais, o Benedictus, o Magnificat, o Te Deum, etc., passaram a ter um lugar próprio sob o nome de Ordinário.

Infelizmente, a reforma não pôde ser completa e uma comissão especial foi formada para o exame do calendário, a revisão histórica das lições, a retirada das lições não autenticadas, a correção dos textos, novas rubricas gerais e um Comum para certas classes de santos, como os confessores, santas mulheres e outros, em ordem a comemorar todos num dia, ao invés de um dia para cada.

Mudanças pós-São Pio X e até o Ofício Paulino

Entre essa última reforma e a Liturgia das Horas do rito de Paulo VI uma série de modificações (em especial sob João XXIII) ocorreu no Ofício romano tradicional (elas são muito criticadas pelos tradicionalistas mais radicais que, até hoje, usam o Breviário segundo as rubricas de São Pio X).

Primeiramente, em 1945, no reinado de Pio XII, uma nova versão do Saltério latino, feito pelo Pontifício Instituto Bíblico, foi difundida. A recepção dela foi péssima, tanto que alguns editores adotaram a tal versão e outros não (em livros maiores, como num Pontifical da metade dos anos 50 que tive em mãos, os Salmos foram publicados nas duas versões, em colunas paralelas, para o celebrante escolher a que lhe agradava mais).

No que se refere ao reinado de João XXIII, podemos destacar as seguintes modificações:

1. Redução das Matinas a três lições na maioria dos dias. Isso reduziu em 1/3 as porções da Sagrada Escritura, 2/3 das vidas dos Santos e boa parte dos comentários dos Padres (as Matinas, é claro, formavam uma boa parte do Ofício).

2. Substituição de formulas eclesiásticas por fórmulas de estilo escriturístico.

3. Remoção das festas dos Santos do domingo. Das 32 que a reforma de São Pio X previa, apenas nove ficaram (duas de São José, três de Nossa Senhora, a de São João Batista, a dos Apóstolos São Pedro e São Paulo, a de São Miguel e a de Todos os Santos).

4. Preferência do ofício ferial sobre as festas dos Santos. João XXIII suprimiu 10 festas do calendário (onze na Itália, com a festa de Nossa Senhora de Loreto), reduziu a classificação de 29 festas e transformou 9 festas em simples comemorações (assim, o ofício ferial podia tomar precedência). Quase todas as oitavas e vigílias foram abolidas e outros 24 dias em memória de Santos foram substituídos pelo ofício ferial. Com as novas regras para a Quaresma (que só manteve as festas de primeira e segunda classe) nove festas (como a de Santo Tomás de Aquino, a de São Gregório, São Patrício, São Gabriel, etc) , embora no calendário, nunca eram celebradas.

5. Vários milagres foram retirados da biografia dos Santos e várias festas foram supressas por não se adequarem à chamada crítica histórica.

6. Uma das duas festas da Cátedra de São Pedro foi abolida (18 de Janeiro), bem como a oitava de São Pedro.

7. Reforma da quinta-feira santa, da sexta-feira santa e do sábado santo (mas não sei os detalhes).

8. As rubricas de João XXIII obrigavam o sacerdote, quando recitando em privado, a dizer Domine exaudi orationem meam ao invés de Dominus vobiscum.

9. Fim das longas petições chamadas preces e de alguns outros elementos como as Antífonas de Nossa Senhora e o Credo Atanasiano.

Como se pode notar, as reformas de João XXIII procuraram deixar o Breviário mais curto e sem repetições. Alguns críticos dizem que isso é um sinal da influência do liturgicismo, que refletiria os parâmetros anteriormente rejeitados de Quiñones e dos breviários galicanos e jansenistas . Todavia, como vimos, uma linha de reflexão que observa no tamanho desmedido do Ofício um desvio de seu sentido original é algo constante na vida da Igreja (o que ocorre é que, talvez, João XXIII tenha passado dos limites).

A Reforma do Ofício após o Vaticano II

Para entender a reforma que o Concílio Vaticano II pediu para o Ofício e o que, de fato, foi feito, a leitura dos seguintes documentos é imprescindível:

1. Sacrosanctum Concilium (de 4 dezembro de 1963), capítulo IV, artigos 83-101.

2. A Constituição Apostólica Laudatis canticum (de 1 de novembro de 1970).

3. A Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas.

Em primeiro lugar, devemos notar que o Vaticano II tinha em vista uma revisão do Ofício que levasse em conta uma pessoa engajada num trabalho pastoral ativo, que não celebra as Horas num coro.

Levando isso em conta e remetendo ao que falei no começo deste estudo, é bom saber que durante o Concílio duas tendências entraram em confronto: uma (representada especialmente por bispos do “Terceiro Mundo”) que pretendia a valorização do modelo eclesial (que possui um ethos instrutivo) e outra que, admitindo modificações, não abria mão do modelo monástico (de caráter eminentemente cultual). Os beneditinos, a despeito de seu número reduzido, conseguiram que o modelo monástico fosse mantido como parâmetro para toda a Liturgia das Horas (com seus agradecimentos e intersessões); um Ofício cultual foi considerado a melhor ferramenta apostólica.

Sendo assim, a noção de santificação de vários momentos do dia foi mantida, embora a Prima tenha sido abolida, as Matinas (vigílias) terem se transformado no Ofício de Leituras (que, fora do contexto monástico, pode ser recitado a qualquer hora do dia) e das três “Horas Menores” apenas uma poder ser escolhida (isso, também, fora de um contexto monástico). Os “momentos” obrigatórios, portanto, passaram de oito para cinco (só que um pode ser recitado quando for mais conveniente).

Agora, o partido em favor do modelo eclesial não perdeu totalmente, pois as Laudes (oração da manhã) e as Vésperas (oração do anoitecer) foram valorizadas. A oração da manhã celebra as duas criações, a segundo a natureza e a segundo a graça; a do anoitecer reflete sobre a presença de Deus na nossa vida. Essas duas horas foram chamadas os dois polos do Ofício quotidiano (SC 89a).

Seguindo, ainda, a via monástica, a reforma pós-conciliar manteve a abrangência de todo o Saltério no Ofício (no modelo eclesial é evidente que isso não se dá), só que, fugindo do uso romano, o novo ciclo é de quatro semanas. Desse modo, nem uma hora tem mais de três Salmos ou três seções de um Salmo (no Breviário tradicional podem ser até cinco).

Uma grande atenção foi dada à seleção e distribuição das porções da Sagrada Escritura (retirados da Neo Vulgata) , bem como aos escritos dos Padres e de outros autores eclesiásticos.

O destaque da Escritura é mais um ponto de contato com o modelo monástico, visto que os monges sempre possuíram uma leitura contínua da Bíblia junto à Liturgia das Horas. No Ofício de Leituras temos uma boa oferta de trechos bíblicos e há um suplemento opcional (não sei se existe em português) que estabelece um ciclo bianual de leituras de passagens bíblicas que raramente encontramos na liturgia.

Já os textos dos Padres e dos outros autores que dedicaram suas vidas a edificação da Igreja militante, e que possuem um inestimável valor catequético, litúrgico, poético, místico e pastoral, sofreram um aumento cuidadoso e passaram a incluir uma quantidade maior de autores orientais.

Os hinos também foram revisados e, em muitos casos (em latim), restaurados à sua forma pré-Urbano VIII (embora alguns deles tenham sido encurtados).

Em relação à vida dos Santos, o conteúdo foi revisado segundo os padrões históricos vigentes nos nossos dias (para alguns, aqui houve uma abertura ao naturalismo).

Como dissemos, agradecimentos e intersessões são a base do Ofício, mas o elemento contemplativo não foi esquecido. No que se refere aos Salmos, por exemplo, o título de alguns deles (como o 86) e o versículo do Novo Testamento que os acompanha foram cuidadosamente escolhidos para incentivar a meditação. O mesmo se diga da manutenção das antífonas e da pausa opcional após a recitação de um Salmo. A oração que muitas vezes segue um Salmo acompanha esse esforço de incentivo a reflexão; ela tem origem numa prática dos monges orientais que, após a recitação, prostravam-se em silêncio, para adicionar a contemplação à sua oração vocal, o silêncio, então, era quebrado por uma pequena oração que vinculava o Salmo recitado ao Mistério de Cristo e/ou da Igreja.

Por fim, como novidades temos as orações de intercessão que acompanham as Laudes e as Vésperas e a oração do Pai Nosso ao final delas (com várias maneiras de ser introduzida), o que, junto com a oração na Missa, promove a repetição do Pai Nosso três vezes ao dia, uma prática da Igreja primitiva.

Comentário

A reforma pós-Conciliar do Ofício foi feliz em vários pontos, em especial na recuperação de um maior número de leituras dos Padres e da Escritura, perdidos pelas mudanças de João XXIII, e por buscar mecanismos que ajudam sua recitação pelo fiel comum (eu, particularmente, acho que ela podia ainda ser mais simples).

Por outro lado, a crítica histórica na vida dos Santos, a tradução da Neo Vulgata (que, mesmo em latim, para muitos, tornou o texto de vários Salmos efeminados e politicamente corretos) e o ciclo mensal do Saltério são modificações que, no mínimo, devem ser melhor discutidas.

Conclusão

Ao longo da História vimos como, na "consciência da Igreja", a importância do Ofício nunca deixou de ser lembrada (mesmo quando isso só tinha um valor formal) e também notamos como certos problemas se repetem pelos séculos.

Agora, com a convivência, no Ocidente, de duas grandes versões Ofício adaptadas à mentalidade moderna (a tradicional, segundo as rubricas de João XXIII, e a pós-Vaticano II - pelo menos oficialmente pois, como disse, o Breviário de São Pio X tem muitos entusiastas), acho que não há desculpa para que um trabalho pastoral que vise sua divulgação não seja feito.

Bibliografia

Só para se ter uma idéia, sem seguir nenhuma regra da ABNT:

Breviarium Romanum ex decreto Sacrosancti Concilii Tridentini Restitutum Summorum Pontificum cura Recognitum, edition iuxta typica, pars aestiva, 1922 (Ratisbonae).

Liturgia Horarum iuxta ritum romanum. Officium Divinum ex Decreto Sacrosancti Oecumenici Concilii Vaticani II Instauratum Auctotitate Pauli PP. VI Promulgatum, editio typica altera


A Liturgia na Igreja, Julian Lopez Martin (Paulinas).

Liturgical Revolution, Pe. Francesco Ricossa (The Roman Catholic, February–April 1987 in http://www.traditionalmass.org/articles/article.php?id=37&catname=6).

Enciclopédia Católica 1917 (edição eletrônica - http://www.newadvent.org/cathen/ ): verbete Breviary e Reform of the Roman Breviary.

Enciclopédia Católica 1967: verbetes Quinõnes, Francisco; Roman Divine Office e Roman Breviary.

Missal Quotidiano e Vesperal D. Gaspar Lefebvre, 1936 (Desclée de Brouwer & Cie).

The Saint Mark´s Lion (unofficial news letter of Saint Mark´s Parish, Denver, Colorado – uma paróquia ortodoxa de rito ocidental pertencente à Igreja Ortodoxa Antioquena ) maio de 2003, volume CXXVIII, nº 5: http://www.westernorthodox.com/stmark/lion/lion2003-05.pdf

Historia de la Liturgia, Tomo I, M. Righetti, 1955 (BAC) in Enciclopédia Franciscana (versão eletrônica - http://www.franciscanos.org/enciclopedia/menud.html): verbete Francisco de Quiñones.

Liturgy of the Hours, http://en.wikipedia.org/wiki/Divine_office dia 2 de outubro, 3:23h

The Divine Office --Its History and Development,
http://www.anglicanbreviary.net/office.html

Some Essential Elements of the Vatican II Renewal of the Liturgy of the Hours, Rev. Sam Anthony Morello, O.C.D., STL, 1983:
http://www.ourgardenofcarmel.org/renewloh.html

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Missa no rito novo versus Deum celebrada por Arcebispo no Canadá

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O Ir. Michael Eades, da Congregação do Oratório de São Filipe Néri, foi ordenado sacerdote em maio último.

A Missa de ordenação foi celebrada pelo Senhor Arcebispo de Toronto, Canadá, D. Thomas Collins. No rito novo, atual, pós-conciliar (ou forma ordinária do rito romano), e em vernáculo. Mas VERSUS DEUM!








































sábado, 5 de setembro de 2009

A beleza e a dignidade na Liturgia Eucarística

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Por Matheus Roberto Garbazza Andrade
http://www.sociedadecatolica.com.br/modules/smartsection/item.php?itemid=425

“Senhor, amo a beleza de vossa casa, e o tabernáculo onde reside a vossa glória” (Sl 25,8)

A Igreja está fundamentada sobre o ‘Tríduo Sacro’, sobre a total entrega de Jesus aos seus. Destes dias de grande tensão, emana todo o mistério eclesial e se consuma a obra da salvação humana, planejada por Deus desde o início dos tempos. Dividido em diversos ‘acontecimentos’, que são intimamente interligados, esse tríduo é também a síntese do amor divino. Deus é amor, e por esse grande amor pelo gênero humano Ele aceitou se entregar por nós.

Na quinta-feira, antes de Seus braços abertos traçarem entre o céu e a terra o sinal da nova aliança, sabendo que iria reconciliar todas as coisas pelo sangue a ser derramado na Cruz (Cf. Missal Romano, Oração Eucarística VII -Sobre a reconciliação I), Cristo tomou pão e vinho, e instituiu o sacrifício do seu corpo e sangue. Em seguida, ordenou que os apóstolos o perpetuassem até que Ele voltasse. Desse mesmo modo, Jesus cumpria a promessa que havia feito: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 20).


Mais tarde, naquela mesma noite, Ele foi entregue aos seus algozes. Sexta-feira, na Cruz, enquanto se entregava como vítima imaculada, Jesus reordenou todas as coisas, efetuando realmente o sacrifício que na noite anterior estabelecera. Pela sua morte na cruz, criatura e Criador foram reconciliados. Num gesto de humilhação, o Rei do universo deixar-se morrer, o Verbo encarnado realiza a salvação dos homens. A cruz é o coração da fé católica, e “pelo poder radiante da Cruz, vemos com clareza o julgamento do mundo e a vitória de Jesus crucificado” (Missal Romano, Prefácio da Paixão do Senhor, I).

Somente a noite sabe a hora em que Cristo ressurgiu dos mortos, no Domingo. Os apóstolos, de certa forma desiludidos com o aparente fracasso de seu mestre, estavam recolhidos, com medo dos judeus e dos romanos. Cristo, entretanto, venceu a morte. Ressuscitou ao terceiro dia, como havia dito. A ressurreição é a ‘coroa’ da missão de Jesus, e por ela o Pai abraça Jesus novamente, acolhendo-o na glória celeste. Pela ressurreição, os homens são renovados na esperança, porque a glória celeste é prometida também à raça de Adão. Sem a glorificação de Cristo, todo o seu tempo teria sido, de certa forma, perdido. Entretanto, triunfou sobre a morte e venceu o mal, trazendo a alegria aos seus apóstolos.

“Ó Deus, quão estupenda caridade,/ Vemos no vosso gesto fulgurar:/ Não hesitais em dar o próprio filho,/ Para a culpa dos servos resgatar” (Missal Romano, Precônio Pascal).

De toda a obra sacerdotal de Cristo, resulta o mais precioso tesouro da Igreja: A Sagrada Eucaristia. “A Eucaristia constitui, de fato, o ‘tesouro’ da Igreja, a preciosa herança que seu Senhor lhe deixou” (Sua Santidade, Bento XVI – intervenção no Ângelus de 19/06/2006). O dom do Corpo e Sangue do Senhor é um dom inestimável, porque “neste sacramento, se condensa todo o mistério da nossa salvação” (Santo Tomás de Aquino – Summa Teologiae, III, q. 83, a. 4c).

Na Eucaristia, os fiéis são inseridos, misteriosamente, nas realidades celestes. Realiza-se nela, realmente, a ligação entre céu e terra, entre a Igreja militante e a Igreja triunfante. “Para nós, o banquete eucarístico é uma antecipação real do banquete final, preanunciado pelos profetas (Is 25, 6-9) e descrito no Novo Testamento como ‘as núpcias do Cordeiro’ (Ap 19, 7-9) que se hão de celebrar na comunhão dos santos” (Sua Santidade, Bento XVI – Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis, 31). Essa antecipação sacramental das realidades vindouras serve como alívio dos tormentos da terra de exílio e, ao mesmo tempo, como força para a vida cotidiana. “A Eucaristia é verdadeiramente um pedaço de céu que se abre sobre a terra; é um raio de glória da Jerusalém celeste, que atravessa as nuvens da nossa história e vem iluminar o nosso caminho” (Sua Santidade, João Paulo II – Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, 19).

O Santíssimo Sacramento também é dotado de um intenso caráter cósmico, que envolve as realidades dos mais diversos lugares e está sempre em sintonia com toda a criação. A Eucaristia perpassa todas as realidades, todos os tempos. “Porque mesmo quando tem lugar no pequeno altar duma igreja da aldeia, a Eucaristia é sempre celebrada, de certo modo, sobre o altar do mundo. Une o céu e a terra. Abraça e impregna toda a criação. O Filho de Deus fez-Se homem para, num supremo ato de louvor, devolver toda a criação Àquele que a fez surgir do nada” (Idem, ibidem, 8).

A Eucaristia é em certo aspecto um sacramento ‘didático’. Através de sua celebração, o povo fiel recebe os ensinamentos da Igreja e do Evangelho. É força evangelizadora, porque “nela, o discípulo realiza o mais íntimo encontro com seu Senhor e dela recebe a motivação e a força máximas para a sua missão na Igreja e no mundo” (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, 67).

O mistério eucarístico é celebrado pela Igreja por meio da Divina Liturgia. Por seus ritos, a obra sacerdotal de Cristo crucificado-ressuscitado é continuamente perpetuada para as gerações cristãs. É por meio da Liturgia que o tesouro eucarístico vem até a Igreja.
Sendo o mistério eucarístico um dom tão grande, tão excelso, não admite descuidos, reduções e instrumentalizações. É justamente pela importância vital da liturgia eucarística que a Igreja sempre buscou salvaguardá-la com todas as forças, buscando sempre que o Santíssimo Sacramento fosse tratado com o devido decoro, o decoro que compete ao Cordeiro, o Rei do Universo. Pois “o Cordeiro que foi imolado é digno de receber o poder, a divindade, a sabedoria, a força e a honra. A Ele glória e poder através dos séculos” (Missal Romano, antífona de entrada da Solenidade de Cristo Rei, ano A).

A Igreja julga que a ela é dirigida a ordem de Jesus, quando ia celebrar a ceia derradeira com seus apóstolos: que preparassem uma sala ampla e mobiliada, como convinha à realização daquele ato. Por isso, ela estabelece como deve ser a preparação e a disposição das pessoas, dos lugares, dos ritos e dos textos para a celebração da Santíssima Eucaristia. Desse modo, ela garante que a nobreza e a dignidade necessárias sejam devotadas à Liturgia, donde emana toda a vida cristã.

A nobreza na Liturgia, porém, não tem um valor meramente estético. Por meio dela, revela-se o esplendor da verdade cristã, a verdade de Cristo. Assim como apareceu transfigurado perante os discípulos, revelando a sua glória celeste, Ele deve ser revelado na celebração eucarística, cercado de toda honra que o gênero humano Lhe pode devotar. O papa Bento XVI explica o valor da beleza na celebração litúrgica: “é necessário que, em tudo quanto tenha a ver com a Eucaristia, haja gosto pela beleza; dever-se-á ter respeito e cuidado também pelos paramentos, alfaias, os vasos sagrados, para que, interligados de forma orgânica e ordenada, alimentem o enlevo pelo mistério de Deus, manifestem a unidade da fé e reforcem a devoção” (Sua Santidade, Bento XVI – Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis, 41).

Acusa-se a Igreja, entretanto, de triunfalismo e de certa soberba ao esmerar-se na nobreza da Liturgia. Para alguns, não é possível ver – ou talvez não queiram – a necessidade de se tratar com solenidade a Eucaristia. Pois, com tantas mazelas no mundo, seria realmente necessário dedicar ouro e outras riquezas ao altar do Senhor? O próprio Mestre, entretanto, já havia respondido a essas questões.

Quando Maria unge o Senhor em Betânia, os discípulos se escandalizam. “Para que este desperdício?”, perguntaram eles (Cf. Mt 26, 8). Frente às necessidades dos pobres, aquele gesto parecia um desperdício imperdoável. Jesus, porém, teve uma atitude diferente. “Ele pensa no momento já próximo da sua morte e sepultura, considerando a unção que Lhe foi feita como uma antecipação daquelas honras de que continuará a ser digno o seu corpo mesmo depois da morte, porque indissoluvelmente ligado ao mistério da sua pessoa” (Sua Santidade, João Paulo II – Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, 47). São JoseMaría Escrivá, meditando sobre essa mesma passagem, escreve: “Aquela mulher que, em casa de Simão, o leproso, em Betânia, unge com rico perfume a cabeça do Mestre, recorda-nos o dever de sermos magnânimos no culto de Deus. Todo o luxo, majestade e beleza me parecem pouco. E contra os que atacam a riqueza dos vasos sagrados, paramentos e retábulos, ouve-se o louvor de Jesus: ‘Opus enim bonum operata est in me’ - uma boa obra foi a que ela fez comigo” (São JoseMaría Escrivá, Caminho – 527).

Ademais, a nobreza da Liturgia de forma alguma é um ultraje aos mais necessitados. Pelo contrário, mesmo os mais pobres não exitam em dispor de seus bens para manter o culto divino. Pois o mandamento mesmo diz que é preciso amar – e honrar – a Deus sobre todas as coisas. “A riqueza litúrgica não é a riqueza de uma casta sacerdotal; é riqueza de todos, também dos pobres, que, com efeito, a desejam e não se escandalizam absolutamente com ela. Toda a história da piedade popular mostra que mesmo os mais desprovidos sempre estiveram dispostos instintiva e espontaneamente a privar-se até mesmo do necessário, a fim de honrar, com a beleza, sem nenhuma avareza, ao seu Senhor e Deus” (RATZINGUER, J/ MESSORI, V. – A Fé em Crise? O Cardeal Ratzinguer se interroga. São Paulo, EPU, 1985, pág 97).

Se a necessidade de se empregar a maior beleza e nobreza possível à Liturgia é tão visível, tão necessária, por que é preciso se ater a esse assunto? Pois, se o Magistério eclesiástico e os santos ensinam que é preciso honrar a Deus e sua casa com o melhor que se tem, que mais se tem a dizer sobre esse assunto?

Infelizmente, não faltam trevas a turvar a beleza litúrgica, e a privar o Sacramento das honras a ele devidas. Pois com o passar dos anos a Liturgia foi se limitando cada vez mais ao útil, ao meramente funcional. Nada que estivesse presente na celebração aparentemente enfeitando pôde, na maioria dos lugares, perseverar. Com esse afastamento da beleza, em muitos lugares se pode notar um empobrecimento da Liturgia. Isso se deve não somente à mentalidade moderna de tornar tudo mais fast, mais rápido e simples, mas também a uma perda do sentido da Santa Missa. Em alguns lugares, o mistério eucarístico, “despojado do seu valor sacrificial, é vivido como se em nada ultrapassasse o sentido e o valor de um encontro fraterno ao redor da mesa” (Sua Santidade, João Paulo II – Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, 10).

Essa triste realidade contribui muito para o afastamento da beleza nas celebrações. Passou a existir uma grande familiaridade com a celebração litúrgica (Cf. o comentário de J. Aldazábal na Instrução Geral Sobre o Missal Romano – Terceira Edição. São Paulo, Paulinas, 2007, pág 26). Tratando-se o mistério como se fosse ‘de casa’, muitos passaram a fazer concessões por conta própria. Assim, pouco a pouco, liturgistas fizeram uma liturgia acessível demais. Além de retirar todo – ou quase – valor artístico das celebrações, isso contribuiu para uma perda do caráter sagrado da Liturgia. “Certa Liturgia pós-conciliar, tornada opaca ou enfadonha por causa do seu gosto pelo banal e pelo medíocre, capaz de provocar calafrios” (RATZINGUER, J/ MESSORI, V. – A Fé... Pág. 91 [Citação do livro Das Fest des Glaubens, de Ratzinguer]).

Outro ponto que contribuiu, sem dúvida, ao empobrecimento da Liturgia, e até mesmo o seu ‘rebaixamento’ ao nível humano – deixando de se referir às realidades celestes para refletir ‘a vida do povo’ – é a instrumentalização a que se referia o papa João Paulo II. Em alguns lugares, grupos políticos passaram a se valer das celebrações para seus próprios propósitos, que quase sempre vão contra aos ensinamentos eclesiásticos. Com isso, a Liturgia passa a ser não mais um prenúncio do céu, mas um veículo de ideais políticos heterodoxos.

Por isso, é muito importante que se continue refletindo sobre o incomensurável valor da beleza na celebração eucarística. Cabe apresentar, portanto, alguns exemplos práticos da presença da beleza na Liturgia, expondo os ensinamentos emanados do Magistério sobre esse assunto. A Igreja deve ser a cidade da glória (Idem, ibidem, pág. 96), e isso transparece pela beleza de seu culto.

I – A beleza dos gestos e das atitudes: O santo padre João Paulo II exortava os cristãos a deixarem transparecer a fé por sinais exteriores. Por isso, toda a assembléia litúrgica deve demonstrar seu respeito e adoração a Deus pela dignidade de seus gestos e posturas. Principalmente o sacerdote celebrante, e os ministros que o auxiliam, devem agir sempre com deferência aos sagrados mistérios. Movimentos sóbrios, genuflexões e inclinações, conforme indicam as normas, demonstram o respeito às coisas sagradas e também o sentido de serviço à liturgia, pois ela não pertence ao celebrante e nem mesmo à comunidade.

O mistério eucarístico deve ser celebrado em clima de oração e reflexão, e não afoitamente. O Missal pede a dignidade dos gestos, para que exprimam a unidade dos fiéis e para que ajudem a entender melhor o sentido de cada parte da missa. “Os gestos e posições do corpo, tanto do sacerdote, do diácono e dos ministros como do povo, devem contribuir para que toda celebração resplandeça pelo decoro e nobre simplicidade” ( Instrução Geral sobre o Missal Romano [IGMR], 42).

II – Respeito às normas litúrgicas: O sínodo dos bispos de 2005, que refletiu sobre a Sagrada Eucaristia, dedicou atenção à ‘ars celebrandi’, a arte de celebrar retamente os santos mistérios. Respondendo aos anseios do sínodo, o papa Bento XVI escreve que a ars celebrandi está, primordialmente, na fiel obediência às normas litúrgicas propostas pela Igreja (Cf. Sua Santidade, Bento XVI - Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis, 38). “Normas litúrgicas ajudam a proteger a celebração dos mistérios sagrados, especialmente a Sagrada Eucaristia, de serem danificados por adições ou subtrações que danificam a fé e podem, por vezes, até tornar uma celebração sacramental inválida. O povo de Deus tem, assim, celebrações garantidas na linha da fé tradicional da fé Católica e não é deixado à mercê de idéias pessoais, sentimentos, teorias ou idiossincrasias” (ARINZE, Francis Cardeal. Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. Discurso para o “Gateway Liturgical Conference”, em 8 de abril de 2005).

III – A orientação da Liturgia: Durante a maior parte da vivência litúrgica da Igreja, o Santo Sacrifício foi celebrado em direção a Deus. Os altares eram primeiramente construídos buscando-se o oriente, na direção da Terra Santa. Isso era simbólico da presença divina. Mais tarde, o Sacrário ocupou esse lugar, na abside. Também os ritos orientais mantêm, até os dias atuais, tal orientação. Estando à frente do povo, voltado para o altar, o sacerdote manifesta claramente a sua função e sua dignidade inigualáveis.

“A abside orientada evoca o céu. Será reservada obrigatoriamente para uma imaginária celestial. Isto é válido não só para as igrejas do Oriente, mas para as absides de nossas igrejas românicas. O sacerdote, ao celebrar no altar, verá, se levantar os olhos, alguma representação simbólica da glória celestial, alguma evocação teofânica em relação com a Escritura. Celebrará verdadeiramente de frente para Deus. Quem não sente que tal disposição convém admiravelmente a tantos textos do Ofertório e do Cânon?” (FOUMÉE, Jean. A Missa de Frente para Deus. Tradução de Luís Augusto Rodrigues Domingues).

Manter essa orientação da liturgia é altamente significante, e contribui sumamente para manifestar a beleza da celebração, porque traduz certamente o sentido de certas partes da missa, que são voltadas para Deus, e não para os homens. Apesar de ser, em algumas ocasiões, útil que o sacerdote se volte para o povo durante a celebração.

IV – Valorização da língua latina: Há séculos o latim é a língua oficial da liturgia de rito romano. A Igreja sempre encontrou variadas razões para manter o uso da língua tradicional na celebração da Eucaristia, e mesmo dos outros sacramentos. O latim é uma língua imutável, visto que não sofre alterações normais a uma língua ‘viva’, o que o torna ideal como ‘guarda’ da doutrina cristã, mantendo sempre constante o significado de palavras e expressões. “O uso da língua latina, vigente em grande parte da Igreja, é um caro e nobre sinal de unidade e um eficaz remédio contra toda corruptela da pura doutrina” (Sua Santidade, Pio XII – carta encíclica Mediator Dei, 53).

Além de guarda da doutrina, o latim certamente contribui para enlevar os fiéis, uma vez que traduz um sentimento de se estar em um outro lugar durante a liturgia, manifestando certamente o caráter escatológico da celebração, conduzindo os presentes ao céu: Hic domus Dei est, et porta caeli! (Gn 28, 17) - Esta é a casa de Deus e a porta do céu. O Concílio Vaticano II ordenou: “deve conservar-se o uso do latim nos ritos latinos” (Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Sacrossanctum Concilium, 36), e também pede: “tomem-se providências para que os fiéis possam rezar ou cantar, mesmo em latim, as partes do Ordinário da missa que lhes competem” (Idem, 54).

V – O canto gregoriano: Um fator especial na liturgia é o canto. A execução cantada de algumas partes contribui especialmente para o enlevo espiritual dos fiéis e para uma mais frutuosa celebração, sendo o canto litúrgico é um verdadeiro ofício a ser desempenhado. Desde as épocas mais remotas foi preocupação dos Santos Padres formar escolas de canto, e com o desenvolvimento da liturgia surgiram muitos estilos musicais, de grande aproveitamento. Entretanto, o canto gregoriano ocupa lugar de destaque na Liturgia, por ser a síntese de todas as características que se esperam da música sacra.

As qualidades artísticas presentes no gregoriano são fatores importantes para a composição da beleza na celebração. Ele é uma arte verdadeira, sendo caracterizado pela santidade e pela coerência para com o momento celebrativo, especialmente por não causar uma sensação desagradável. “O canto gregoriano foi sempre considerado como o modelo supremo da música sacra, podendo com razão estabelecer-se a seguinte lei geral: uma composição religiosa será tanto mais sacra e litúrgica quanto mais se aproxima no andamento, inspiração e sabor da melodia gregoriana, e será tanto menos digna do templo quanto mais se afastar daquele modelo supremo” (Sua Santidade, Pio X – Motu Proprio Tra Le Sollicitude, 3).

O canto gregoriano faz-se mais necessário hoje, com a visível banalização da música litúrgica, sob a influência das correntes musicais modernas, tornando os cantos ‘litúrgicos’ de duvidoso gosto artístico. O gosto musical da geração atual, movido por uma certa mutação cultural, foi “corrompido e degenerado, a partir dos anos 60, pela música rock e por outros produtos semelhantes” (RATZINGUER, J/ MESSORI, V. – A Fé... Pág. 96). Aqui também o Concílio se pronuncia: “A Igreja reconhece como canto próprio da liturgia romana o canto gregoriano; terá este, por isso, na ação litúrgica, em igualdade de circunstâncias, o primeiro lugar” (Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Sacrossanctum Concilium, 116).

VI – O Altar: O altar, onde se torna presente o sacrifício da cruz, é símbolo do próprio Cristo, ‘sacerdote, altar e cordeiro’. Portanto, na Igreja, goza de alta dignidade, sendo o centro da ação litúrgica. O missal pede que, nas igrejas, haja sempre um altar fixo, que simboliza perenemente a pedra viva que é Jesus Cristo. Deve ser construído de forma que, espontaneamente, sejam voltadas para ele as atenções.
Como sinal da dignidade do altar, é louvável que seja ornamentado com flores, manifestando o caráter festivo da celebração. Entretanto, deve-se observar a moderação, sobretudo em tempos de penitência e espera, como o são a quaresma e o advento. O missal diz, ainda, que deve ser coberto com uma toalha branca. Ressaltando a necessidade de que o conjunto da celebração forme uma bela harmonia, diz que a toalha deve combinar em formato, tamanho e decoração com o altar.

VII – Os livros litúrgicos: Também merecem menção os livros litúrgicos utilizados na celebração. Entre eles, lecionário e evangeliário merecem destaque, por serem sinais da palavra de Deus. Portanto, requerem beleza na sua feitura e merecem sinais de veneração, como o beijo e a incensação. Os “livros de onde se tiram as leituras da palavra de Deus sejam verdadeiramente dignos, decorosos e belos” (Lecionário Dominical - Elenco das leituras da missa, 35).

VIII – A nobreza dos vasos sagrados: “Entre as coisas necessárias para a celebração da missa, honram-se especialmente os vasos sagrados e, entre eles, o cálice e a patena, onde se oferecem, consagram e consomem o vinho e o pão” (IGMR, 327). Devido a grande importância dos vasos que se utilizam na celebração, mormente os que ficam em contato com o Corpo e o Sangue do Senhor, devem ser feitos de material nobre e condizente com a dignidade da função que desempenham.

As normas litúrgicas são enfáticas ao destacar a necessidade de que os vasos litúrgicos sejam verdadeiramente artísticos, e que sejam feitos de material nobre: “Sem dúvida, requer-se estritamente que este material, de acordo com a comum valorização de cada região, seja verdadeiramente nobre, de maneira que, com seu uso, tribute-se honra ao Senhor e se evite absolutamente o perigo de enfraquecer, aos olhos dos fiéis, a doutrina da presença real de Cristo nas espécies eucarísticas. Portanto, reprove-se qualquer uso, para a celebração da Missa, de vasos comuns ou de escasso valor, no que se refere à qualidade, ou carentes de todo valor artístico, ou simples recipientes, ou outros vasos de cristal, argila, porcelana e outros materiais que se quebram facilmente. Isto vale também para os metais e outros materiais, que se corroem (oxidam) facilmente” (Congregação para o Culto Divino e a Disciplina Dos Sacramentos – Instrução Redemptionis Sacramentum, 117).

IX – As vestes sagradas: “A veste litúrgica usada pelo sacerdote durante a celebração eucarística deve, em primeiro lugar, demonstrar que ele não se encontra lá em privado, mas que está lá em lugar de alguém – de Cristo. O seu privado e individual devem desaparecer, a fim de ceder espaço a Cristo” (RATZINGUER, Joseph. Introdução ao Espírito da Liturgia. Prior Velho, Portugal. Paulinas, 2006. Pág 159). Cada veste que se utiliza na celebração eucarística possui simbolismo próprio, manifestando um caráter do mistério pascal. Portanto, é necessário que sejam feitas com qualidade, e que não sejam abandonadas mesmo aquelas que não são obrigatórias, mormente, no Brasil, a casula, que é uma veste própria do sacerdote que celebra a missa, simbolizando a Cruz de Cristo, o fardo que o sacerdote, também pelos fiéis, carrega em seus ombros. É uma veste muito simbólica do sacrifício de Cristo e do valor incomparável do sacerdote.

Segundo o missal, convém que a dignidade das vestes sacras transpareça não da ‘multiplicidade de ornatos’, de enfeites demasiados, mas principalmente da forma e do material dos quais são feitas. Convém, portanto, que sejam feitas conforme o modelo tradicional, aprovado pela Igreja, e não a partir da imaginação livre, embora a Sé romana reconheça a liberdade de cada região, desde que convenham ao uso sagrado (Cf. IGMR, 343-344).

X – Luzes, cheiros e sons: A liturgia, organicamente desenvolvida, envolve os sentidos corporais na celebração, contribuindo sobremaneira para comunicar as realidades celestes. Apesar de não fazerem parte, essencialmente, da celebração eucarística – e por isso mesmo vão sendo abolidos silenciosamente do culto – velas, incenso e campainhas agregam beleza e significado à liturgia.

São obrigatórios, pelas rubricas, apenas dois castiçais. Entretanto, permitem-se quatro ou seis, conforme a solenidade, e até sete quando é o bispo diocesano a celebrar. Apesar disso, em muitos lugares, utiliza-se apenas um, como ‘decoração’, não dando valor ao seu significado. “Os castiçais requeridos pelas ações litúrgicas para a celebração manifestem a reverência e o caráter festivo da celebração” (IGMR, 307).

A campainha é outro artefato litúrgico que, infelizmente, passou a ser considerado “antigo”, “sem sentido”, “retrógrado” e afins. O dispositivo com um conjunto de sinos, que recebe diversos nomes, possuiu lugar cativo na liturgia durante anos, sempre sinalizando o milagre eucarístico, os hinos de glória, a alegria das procissões. Hoje, infelizmente, o som marcante que multidões se acostumaram a ouvir enquanto Cristo, na hóstia santa, era elevado, está desaparecendo silenciosamente (literalmente) das igrejas. Sem dúvidas, esse belo som das campainhas concorre para a nobreza da celebração, salientando suas características.

Desde os tempos bíblicos, a incensação significa reverência e oração para as pessoas ou objetos. Significa também a adoração às espécies consagradas. “O modo suave, natural e materno como o turíbulo difunde o perfume do incenso pelos vários espaços do recinto sagrado é semelhante ao modo natural, suave e materno com que a Igreja fala a seus filhos. Ele se sentem conquistados pela maternalidade do turíbulo. (...) Tudo o que a Igreja faz, o faz com beleza” (Plínio Corrêa de Oliveira in Catolicismo, nº 544 – abril de 1996). Ademais, a IGMR prevê que “o incenso pode ser usado facultativamente em qualquer tipo de Missa” (nº 276). O modo tradicional de incensar, principalmente as oferendas – em forma de três cruzes e três círculos, traduz bem a reverência com as coisas sagradas.

“A liturgia não vive de surpresas ‘simpáticas’, de intervenções ‘cativantes’, mas de repetições solenes” (RATZINGUER, J/ MESSORI, V. – A Fé... Pág. 94). De modo algum, a beleza e a solenidade da liturgia são um problema para o povo fiel, e nem mesmo um empecilho à actuosa partcipatio de que fala o Concílio Vaticano II. Através da beleza e da solenidade da celebração eucarística se encontram as verdades celestes, e a força para continuar a caminhada na fé. A Liturgia é a identidade do católico, devendo ser reconhecível em todos os confins da terra. “Também por isso ela deve ser ‘predeterminada’, ‘imperturbável’, porque através do rito se manifesta a santidade de Deus. Ao contrário, a revolta contra aquilo que foi chamado ‘a velha rigidez rubricista’, (...) arrastou a liturgia ao vórtice do ‘faça-você-mesmo’, banalizando-a, porque reduzindo-a à nossa medíocre medida” (Idem, ibidem, pág. 95).

Sem dúvida, o maior e melhor exemplo para a beleza e solenidade das celebrações litúrgicas é a Virgem Maria, Tota Pulchra, Toda Formosa. Cheia da graça e da glória de Deus, Ela é a estrela a guiar a Igreja. “A beleza da liturgia celeste, que deve refletir-se também em nossas assembléias, encontra nela um espelho fiel” (Sua Santidade, Bento XVI - Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis, 96). Que a Mãe de Deus “renove na nossa vida o enlevo eucarístico pelo esplendor e a beleza que refulgem no rito litúrgico, sinal da própria beleza infinita do mistério santo de Deus” (Idem, Ibidem, 97). A liturgia terrena, a exemplo da Virgem Santíssima, possa deixar transparecer a liturgia celeste, manifestando a glória divina por sua nobre simplicidade, e como o deseja a Igreja, una e santa.

Bom Despacho, aos nove de novembro de 2008, solenidade da dedicação da Basílica do Latrão.



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