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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O Dies Irae na última semana do ano litúrgico


O poema latino Dies Irae foi adotado, pela Liturgia do Rito Latino, para a Missa dos Fiéis Defuntos. Este famoso texto se lê ou canta logo antes do Evangelho na Forma Extraordinária do Rito Romano. A reforma litúrgica de 1969-1970 o retirou da Missa, de modo que, assistindo à celebração da Forma Ordinária da Missa dos Fiéis Defuntos, o fiel vivo não o ouvirá.

Não é minha intenção, neste texto, discutir se a reforma litúrgica fez bem em tirar o Dies Irae da Missa dos Mortos; discussão, aliás, que os católicos podem empreender, certamente, dentro dos justos limites. Sabemos que muitos conhecedores da Liturgia advogam a introdução deste texto na Forma Ordinária.

O Dies Irae está ausente da Forma Ordinária da Missa, mas continua presente na Liturgia, e não apenas na Missa dos Fiéis Defuntos da Forma Extraordinária. A reforma litúrgica aprovada pelo papa Paulo VI o transferiu para o Ofício Divino, a que chamamos também Liturgia das Horas. Tornou-se um hino utilizado na última semana do Tempo Comum, e somente nela.

Se isto foi um “rebaixamento” do Dies Irae, também não me preocupa discutir, neste momento. O que nos interessa é que a sua presença na última semana do Ano Litúrgico está longe de ser arbitrária. O fim do Ano Litúrgico nos faz pensar também no fim dos tempos, e ao fim dos tempos está também ligado o Dies Irae, cujas palavras não se limitam simplesmente à meditação do tempo imediato da morte de um indivíduo, mas referem-se também à sua ressurreição, no futuro, ao juízo, e ao fim do mundo.

Já na Solenidade de Jesus Cristo, Rei do Universo, no Domingo, a primeira leitura do Ofício das Leituras é tomada do Livro do Apocalipse (Ap 1, 4-6. 10. 12-18; 2, 26. 28; 3,5b. 12. 20-21). Nessa mesma data, e nesse mesmo Ofício, ambos os Responsórios têm temas escatológicos, sugerindo também a primeira vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Primeiro Responsório do Ofício das Leituras da Solenidade de Jesus Cristo, Rei do Universo – Mc 13, 26-27; Sl 97 (98), 9b
R. Verão o Filho do Homem descer,
Das nuvens, com glória e poder
E Ele há de enviar anjos seus,
* E congregará seus eleitos de todos os cantos do mundo,
Dos confins mais distantes da terra
Aos extremos mais altos dos céus.
V. Julgará o universo com justiça,
Regerá as nações com eqüidade.
* E congregará seus eleitos de todos os cantos do mundo,
Dos confins mais distantes da terra
Aos extremos mais altos dos céus.
Segundo Responsório do Ofício das Leituras da Solenidade de Jesus Cristo, Rei do Universo – Ap 11, 15b; Sl 21 (22), 28b-29a
R. Instalou-se sobre o mundo a realeza,
A realeza do Senhor e de seu Cristo;
* E ele reinará na eternidade.
V. Pois ao Senhor é que pertence a realeza,
Ele domina sobre todas as nações;
Todos os povos e famílias das nações
Se prostrem adorando diante dele.
* E ele reinará na eternidade.
A meditação mais específica sobre a morte aparece nesta semana, na Liturgia das Horas, também por meio da impressionante segunda leitura do Ofício das Leituras da Sexta, um trecho do Tratado sobre a morte, de São Cipriano:
Lembremo-nos de que devemos fazer a vontade de Deus, e não a nossa, de acordo com a oração que o Senhor ordenou ser rezada diariamente. Que coisa mais fora de propósito, mais absurda: pedimos que a vontade de Deus seja feita e quando Ele nos chama e nos convida a deixar este mundo, não obedecemos logo à sua ordem!
O leitor pode conhecer o texto inteiro na segunda página deste documento.

Certamente que a realeza de Cristo está presente em toda essa semana litúrgica, sejam o fim dos tempos e a morte mencionados ou não.

Por sua vez, o Dies Irae aparece como hino do Ofício das Leituras, de Laudes e das Vésperas. Não inteiro em cada um deles, mas distribuído, cantando-se ou se recitando uma terça parte do texto completo em cada um desses ofícios. Ademais, sua presença ocorre nos dias de semana, de Segunda a Sábado, mas não no Domingo, Solenidade de Jesus Cristo, Rei do Universo, dotada de hinos próprios.

Três alterações foram realizadas no texto do Dies irae para inclusão na Liturgia das Horas:

  1. Foi retirada a última estrofe, "Pio Senhor Jesus, dai-lhe o descanso eterno", que havia sido originalmente acrescentada para se usar o Dies Irae na Missa dos Defuntos;
  2. Foi acrescentada uma estrofe com uma invocação à Trindade (Doxologia), maneira pela qual normalmente terminam os hinos: O tu Deus majestatis / alme candor Trinitatis / nos coniunge cum beatis. Amen. [Ó, Vós, Deus de majestade / esplendor da Trindade / contai-nos entre os eleitos];
  3. Modificou-se o verso Qui Mariam absolvisti [Vós, que absolvestes Maria], que se tornou Peccatricem qui solvisti [Vós, que absolvestes a pecadora].
O Beato Cardeal Schuster escreve que o Dies Irae, antes de ser associado à liturgia fúnebre, foi utilizado pela Igreja no Primeiro Domingo do Advento como seqüência, isto é, antes do Evangelho. O Primeiro Domingo do Advento se segue ao Domingo de Cristo Rei, depois da reforma litúrgica, e assim podemos constatar que a presença do Dies Irae na Liturgia da última semana do Tempo Comum tem raízes num uso antigo: o de associar este texto não apenas à liturgia dos falecidos, mas também à do fim do ano litúrgico e à de seu imediato início, momentos em que são mais numerosas as meditações sobre o fim do mundo e as vindas de Nosso Senhor Jesus Cristo, tanto a primeira como a segunda.

A versão do Dies Irae em português utilizada no Brasil, constante do livro litúrgico oficial da Liturgia das Horas, é assim:
Ofício das Leituras
Dia de ira, aquele dia, será tudo cinza fria: diz David, diz a Sibila.
Que temor será causado, quando o Juiz tiver chegado, para tudo examinar!
Correrão todos ao trono quando, em meio ao eterno sono, a trombeta ressoar.
Morte e mundo se espantam, criaturas se levantam e ao Juiz responderão.
Vai um livro ser trazido, no qual tudo está contido, onde o mundo está julgado.
Quando Cristo se sentar, o escondido vai brilhar, nada vai ficar impune.
Vós, ó Deus de majestade, vivo esplendor da Trindade, entre os eleitos nos contai.
Laudes
Eu, tão pobre, que farei? Que patrono chamarei? Nem o justo está seguro.
Rei tremendo em majestade, que salvais só por piedade, me salvai, fonte de graça.
Recordai, ó bom Jesus, que por mim fostes à Cruz, nesse dia me guardai.
A buscar-me vos cansastes, pela cruz me resgatastes, tanta dor não seja vã.
Juiz justo no castigo, sede bom para comigo, perdoai-me nesse dia.
Pela culpa, se enrubesce o meu rosto; ouvi a prece e poupai-me justo Deus.
Vós, ó Deus de majestade, vivo esplendor da Trindade, entre os eleitos nos contai.
Vésperas
A Maria perdoando e ao ladrão na cruz, salvando, vós me destes esperança.
Meu pedido não é digno, mas, Senhor, vós sois benigno, não me queime o fogo eterno.
No rebanho dai-me abrigo, arrancai-me do inimigo, colocai-me à vossa destra.
Quando forem os malditos para o fogo eterno, aflitos, entre os vossos acolhei-me.
Dum espírito contrito escutai, Senhor, o grito: tomai conta do meu fim.
Lacrimoso aquele dia, quando em meio à cinza fria levantar-se o homem réu.
Libertai-o, Deus do Céu! Bom Pastor, Jesus piedoso, dai-lhe prêmio, paz, repouso.
Vós, ó Deus de majestade, vivo esplendor da Trindade, entre os eleitos nos contai.

Em Portugal se utiliza uma versão um pouco diferente:
I
Dia de ira, aquele dia, volve o mundo em cinza fria: diz David e a Sibila.
Que terror não há-de haver, quando Deus comparecer para julgar com rigor!
Nos sepulcros ressoando, vai a tuba convocando os mortos a tribunal.
A terra inteira estremece, quando o homem comparece para o juízo final.
Um livro será trazido em que tudo está contido para o mundo ser julgado.
Quando o Juiz Se sentar, tudo se há-de revelar: A justiça e o pecado.
Jesus, Deus de majestade, vivo esplendor da Trindade, contai-nos entre os eleitos.
Amen.
II
Pobre de mim, que direi, que patrono invocarei ao ver o justo em temor?
Rei de excelsa majestade, que salvais só por bondade, salvai-me no vosso amor.
Recordai-Vos, bom Jesus: por mim deixastes os Céus, não me condeneis então.
A buscar-me Vos cansastes, pela Cruz me resgatastes: tanta dor não seja em vão.
Justo Juiz do castigo, usai de graça comigo antes de chegar o fim.
Como réu envergonhado, sinto-me tremer, culpado: tende compaixão de mim.
Jesus, Deus de majestade, vivo esplendor da Trindade, contai-nos entre os eleitos.
Amen.
III
A pecadora absolvendo e o bom ladrão acolhendo, grande esperança me dais.
Embora não seja digno, vós me livrareis, benigno, dos tormentos infernais.
Entre os cordeiros contado, dos precitos separado, ponde-me à vossa direita.
Repelidos os malvados e a vivas chamas lançados, suba eu à pátria eleita.
Com profunda contrição imploro o vosso perdão: ajudai-me na agonia.
Quando nesse triste dia, das cinzas em que jazia, ressurgir o homem réu, perdoai-lhe, Deus do Céu.
Jesus, Deus de majestade, vivo esplendor da Trindade, contai-nos entre os eleitos.
Amen.
Os irmãos portugueses poderão me corrigir, se não for realmente este o Dies Irae de seu livro litúrgico; minha fonte é esta: http://www.liturgia.pt/lh/pdf/0635Sem34.pdf, do site www.liturgia.pt.

Ambas as versões em português utilizam o esquema de rimas AAB, diferente mas próximo do original AAA. Na versão usada em Portugal ocorrem diversas rimas entre os terceiros versos de estrofes contíguas. A métrica também está muito próxima, e fica possível cantá-las com a mesma melodia do Dies Irae gregoriano, feitos pequenos ajustes.

Por falar no Dies Irae gregoriano, não é demais lembrar que se trata de uma das melodias mais conhecidas deste gênero de música. Uma curiosidade é que, de tão marcada que ficou na cultura ocidental, foi utilizada por alguns compositores, em meio a suas obras, principalmente românticas, para simbolizar a morte; tal é o caso da Totentanz [Dança dos mortos] de Franz Liszt (1811-1886), que já no início faz ouvir o Dies Irae em atmosfera aterradora. Outra composição muito conhecida é a Sinfonia Fantástica de Hector Berlioz (1803-1869), cujo contexto é igualmente de romantismo um tanto mórbido.

Eis o Dies Irae gregoriano:



Em 2011 a última semana do ano litúrgico começou ontem, 20 de Novembro, com a Solenidade de Jesus Cristo, Rei do Universo. Assim, o Dies Irae seria utilizado na Liturgia das Horas entre os dias 21 e 26 de Novembro. Seria?

Sim; tal seria o caso se todos os dias desta semana fossem comuns. Entretanto, ocorrerão algumas celebrações litúrgicas de grau superior, levando precedência sobre os dias "normais". Hoje mesmo, 21 de Novembro, é a Memória da Apresentação de Nossa Senhora; amanhã, 22 de Novembro, ocorre a Memória de Santa Cecília; na Quinta-feira, 24 de Novembro, temos a Memória de Santo André Dung-Lac e seus companheiros. Todas essas celebrações são obrigatórias, possuindo seus próprios hinos. Em 2011, portanto, o Dies Irae será utilizado na Quarta-feira, na Sexta-feira e no Sábado, dias 23, 25 e 26 de Novembro. Sem nos esquecermos de que no fim da tarde do Sábado já se celebram as Primeiras Vésperas do Domingo, iniciando-se um novo ano litúrgico com o Primeiro Domingo do Advento.
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