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domingo, 20 de novembro de 2011

A respeito de pretéritas particularidades hispanas do traje coral prelatício I

Do excelente blog histórico e litúrgico de Espanha Inter Vestibulum et Altare, trazemos o texto do seu fundador, Pablo Pomar, traduzido pela leitora e amiga Juliana F. Ribeiro Lima:
image  Hoje vemos nas atuais cerimônias papais em Roma uma uniformidade formal e cromática impressionante entre os trajes dos bispos, arcebispos e cardeais. Uniformidade apenas quebrada – como sendo a exceção a confirmar a regra – pelos prelados de ritos orientais, com suas sugestivas particularidades, que mantém quase como um sinal de identidade. Mas nem sempre foi assim. Às diferenças de cor que caracterizavam os prelados religiosos e que duraram até 1969 (NdT: data da reforma litúrgica de Paulo VI e que resultou no novo rito da missa além das mudanças nos trajes eclesiásticos como fala o autor) devemos acrescentar a carta “dos roxos” que suspenderia a assistência coral em qualquer cerimônia de bispos vindos de diferentes partes do mundo. Isso durou até que um decreto da Sagrada Congregação Cerimonial de 24 de junho de 1933 estabelecesse, com um pedaço de tecido, que qualquer um poderia ver, anexo às páginas da Acta Apostolicae Sedis, onde se reproduz o decreto, qual era o tom preciso do roxo episcopal de suas Excelências Reverendíssimas e que a partir daquele momento seria assimilado pelo paonazzo romano. É que como não se tratava de uma cor primária, como o vermelho dos cardeais, mas antes era uma combinação de azul e vermelho, isso havia propiciado haver tantos tons de roxo quantos bispos existiam na época.

Os bispos espanhóis haviam interpretado a cor violácea como uma composição cromática em que havia muito mais azul que vermelho, chegando a situações em que encontrávamos exemplos de que o tom das vestes era tão celeste como o céu de uma manhã primaveril. As galerias de retratos dos palácios episcopais, seminários e catedrais da Espanha estão cheios de exemplos assim. Agora, muito embora essa seja uma diferença notável em relação ao uso romano, isso não era uma particularidade dos bispos hispanos, já que vemos azuis semelhantes em batinas, capas, manteletas e murças em prelados de outros países, como os franceses, por exemplo. E ainda existiam na Espanha interessantes particularidades no corte e uso entre as muitas peças que compõem o traje coral episcopal e cardinalício. Vamos por partes.
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Enquanto a batina, a faixa e a murça tem-se pouco ou nada a dizer, com exceção do amplo uso da murça por todos os bispos, em conjunto com a manteleta, que ficava por baixo. Assim como faziam os cardeais em Roma sempre que a Sede não estivesse vacante, os bispos espanhóis se acostumaram a vestir por cima do roquete a manteleta e por cima dela, a murça. Então, se o uso romano e geral previa que o bispo usasse a murça dentro do território da sua jurisdição e a manteleta fora dele, na Espanha o costume era mais simples, já que todos usavam tudo, sendo que ambas as peças – uma sobre a outra – eram as que usavam também os bispos auxiliares, contrariamente ao uso geral de se usar só a manteleta. A colegialidade pátria avant la lettre.
image  A partir do Congresso Eucarístico Internacional de Barcelona se foi introduzindo na Espanha o já mencionado  costume geral, que seria logo consolidado no Concílio Vaticano II e que duraria bem pouco, já que desapareceria, pois na segunda sessão do concílio se pediu aos bispos que depusessem a manteleta e usassem a murça em sinal de jurisdição colegial e finalmente, quando em 1969, seu uso fosse ab-rogado pela revolucionária Ut sive sollicite. Por isso podemos qualificar de muito feliz e surpreendente a idéia do primaz espanhol de resgatar o uso simultâneo da murça e manteleta. Ele o fez ou por uma improvável queda pelas vestimentas tradicionais hispânicas ou simplesmente para combater o rígido frio pucelano.

Temos que dizer ainda, que o mantelete hispano difere do romano, pois enquanto este último deixava à vista o forro vermelho, o hispano não o fazia e contava com casas e botões decorativos, desconhecidos fora da Espanha e que também se foram perdendo por lá, ao longo do século XX, à medida que os prelados espanhóis iam se “romanizando”. Ainda que não houvessem regras fixas, como pudemos comprovar ao ver retratos históricos, como o do Cardeal Niño de Guevara, que sempre houveram prelados hispanos que preferiam adotar como traje coral o modelo romano.
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E por fim, a capa magna, essa soleníssima peça que já hoje os bispos não usam mais em suas dioceses, nem nas festividades mais solenes – na minha, não a vemos desde 1980 – seria o item que gozaria de maiores particularidades com relação ao modelo romano. Um bom conhecedor dessas peças disse que as diferenças eram que a romana era de proporções generosas, chegando ao cotovelo e, às vezes, ultrapassando-o. Não tem dobras laterais e nem alamares nos ombros e o capuz, que é bem menor, se abotoa no ombro direito. A capa hispana é mais curta que a romana, na frente se parece um grande babador , com os lados dobrados e mostrando parcialmente o forro, tem alamares e o capuz termina atrás do pescoço. O capuz romano é totalmente coberto de pelos na sua versão de inverno, o hispano é somente o babador e o interior do capuz. A capa romana é redonda e chega aos pés, como uma casula antiga larga, e o bispo tem que recolhê-la para caminhar. A capa hispana é uma capa aberta, com veios do forro à vista. Ambas terminam com uma larga cauda. Com certeza, ela é uma peça que, com exceção da cauda, é em tudo semelhante às antigas capas de coro dos nossos cônegos espanhóis, que sem dúvida a copiaram. Hoje podemos ver a cópia, mas não o original.


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