Texto
originalmente publicado na página pessoal no Facebook de Dom Henrique Soares
da Costa, Bispo Auxiliar de Aracaju-SE.
As roupas utilizadas pelos ministros sagrados nas celebrações litúrgicas são derivadas das vestimentas gregas e romanas. Nos primeiros séculos, a forma de vestir das pessoas de uma determinada classe social (os honestiores) foi também adotada para o culto cristão, e esta prática foi mantida na Igreja, mesmo após a paz de Constantino. Como contado por alguns escritores eclesiásticos, os ministros sagrados usavam suas melhores roupas, provavelmente reservadas para a ocasião.
Enquanto que na antiguidade cristã as vestimentas
litúrgicas diferiam das de uso cotidiano não pela forma particular, mas apenas
pela qualidade dos tecidos e decoração particular, no curso das invasões
bárbaras, os costumes, e com eles também a forma de vestir dos novos povos,
foram introduzidos no Ocidente, levando a mudanças na moda profana. A Igreja,
ao contrário, manteve essencialmente inalteradas as roupas usadas pelos sacerdotes
nos cultos públicos; foi assim que as vestimentas de uso cotidiano acabaram por
se diferenciar das de uso litúrgico. Na época carolíngia, finalmente, os
paramentos próprios de cada grau do sacramento da ordem foram definitivamente
definidos, assumindo a aparência que conhecemos hoje.
Além
das circunstâncias históricas, os paramentos sacros têm uma função importante
nas celebrações litúrgicas: primeiramente, o fato deles não serem usados no
cotidiano, tendo assim um caráter cultual, ajuda-nos a romper com o cotidiano e
suas preocupações, no momento da celebração do culto divino. Além disso, as
formas largas das vestimentas, como por exemplo da casula, põem em segundo
plano a individualidade de quem as veste, enfatizando seu papel litúrgico.
Pode-se dizer que a “ocultação” do corpo do ministro sob as vestes, em certo
sentido, despersonaliza-o, removendo o ministro celebrante do centro, para
revelar o verdadeiro Protagonista da ação litúrgica: Cristo. A forma das
vestes, portanto, lembra-nos que a liturgia é celebrada in persona Christi, e
não em próprio nome.
Aquele que exerce uma função de culto não atua como
indivíduo por si mesmo, mas como ministro da Igreja e como instrumento nas mãos
de Jesus Cristo. O caráter sagrado dos paramentos provém também do fato de que
são vestidos conforme prescreve o Ritual Romano.
1) À
lavagem das mãos se segue a vestidura propriamente dita.
2) Inicia-se com o amito, um pano retangular de linho
dotado de duas fitas, que repousa sobre os ombros junto ao pescoço. O amito destina-se
a cobrir, ao redor do pescoço, a vestimenta utilizada diariamente, ainda que se
trate do hábito do sacerdote. Nesse sentido, é preciso lembrar que o amito
também é usado quando se está vestido com roupas
de estilo moderno, que muitas vezes não apresentam uma grande abertura em torno
do pescoço. De qualquer forma, portanto, as roupas comuns permanecem visíveis e
por isso é preciso cobri-las também, nestes casos, com o amito.
No Rito Romano, o amito é vestido antes da alva
(túnica). Ao vesti-lo, o sacerdote recita a seguinte oração:
Impone, Domine, capiti meo galeam salutis, ad
expugnandos diabolicos incursus.
(Colocai, Senhor, na minha cabeça o elmo da
salvação para que possa repelir os golpes de Satanás)
Com referência à carta de São Paulo aos Ef 6,17, o
amito é interpretado como "o elmo da salvação”, que deve proteger o
portador das tentações do demônio, em especial de pensamentos e desejos
malévolos durante a celebração litúrgica. Este simbolismo é ainda mais evidente
no costume seguido desde a Idade Média pelos monges beneditinos, franciscanos e
dominicanos, entre os quais o amito era posicionado sobre a cabeça e deixado
recair sobre a casula ou a dalmática.
3)
A alva consiste na veste longa e branca utilizada por todos os ministros
sagrados, e que representa a nova veste imaculada que todo cristão recebe
mediante o batismo. A alva é portanto um símbolo da graça santificante recebida
no primeiro sacramento, e é considerada também um símbolo da pureza de coração
necessária para o ingresso na graça eterna da contemplação de Deus no céu (cf.
Mt 5,8). Isso é expresso na oração recitada pelo sacerdote enquanto
veste a peça, oração que se refere ao Ap 7,14:
Dealba me, Domine, et munda cor meum; ut, in
sanguine Agni dealbatus,
gaudiis perfruar sempiternis.
(Revesti-me, Senhor, com a túnica de pureza, e
limpai o meu coração, para que, banhado no Sangue do Cordeiro, mereça gozar das
alegrias eternas).
4)
Sobre as vestes, na altura da cintura, é colocado o cíngulo, um cordão de lã ou
outro material apropriado, que é usado como cinto.
Todos os oficiantes que portam a alva devem também
portar o cíngulo (esta prática tradicional é hoje frequentemente ignorada).
Para diáconos, sacerdotes e bispos, o cíngulo pode ser
de cores diferentes, de acordo com o tempo litúrgico ou a memória do dia. No
simbolismo das vestes litúrgicas, o cíngulo
representa a virtude do auto-controle, que São Paulo enumera entre os frutos do
Espírito (cf. Gl 5,22). A oração correspondente, como na 1Pd 1,13 diz:
Praecinge me, Domine, cingulo puritatis, et
exstingue in lumbis meis humorem libidinis; ut maneat in me virtus continentiae
et castitatis.
(Cingi-me, Senhor, com o cíngulo da pureza, e
extingui nos meus rins o fogo da paixão, para que resida em mim a virtude da
continência e da castidade)
5)
O manípulo é um paramento litúrgico usado nas celebrações da Santa Missa
segundo a forma extraordinária do Rito Romano; caiu em desuso nos anos da
reforma litúrgica, embora não tenha sido abolido. É semelhante à estola, mas de
menor comprimento, inferior a um metro, e é fixado por meio de presilhas ou
fitas como as da casula. Durante a Santa Missa em sua forma extraordinária, o
celebrante, o diácono e subdiácono o portam sobre o
antebraço esquerdo. É possível que este paramento derive de um lenço (mappula)
utilizado pelos romanos amarrado ao braço esquerdo. Uma vez que era utilizado
para enxugar as lágrimas e o suor da face, escritores eclesiásticos medievais
atribuíram ao manípulo um simbolismo associado às fadigas do sacerdócio. Esta
leitura também está presente na oração de sua vestidura:
Merear, Domine, portare manipulum fletus et
doloris;
ut cum exsultatione recipiam mercedem laboris.
(Fazei, Senhor, que mereça trazer o manípulo do
pranto e da dor, para que receba com alegria a recompensa do meu trabalho).
Como se vê, no início da oração mencionam-se as
lágrimas e a dor que acompanham o ministério sacerdotal, mas a segunda parte do
texto refere-se aos frutos do próprio trabalho. Não será fora de propósito
recordar a passagem de um salmo que pode ter inspirado esta segunda simbologia
referente ao manípulo, visto que a Vulgata assim apresentava o Sl 125,5-6:
" Qui seminant in lacrimis in exultatione metent; euntes ibant et flebant
portantes semina sua, venientes autem venient inexultatione portantes manipulos
suos".
6)
A estola é o elemento distintivo de um ministro ordenado e é sempre usada na
celebração dos sacramentos e sacramentais. É uma faixa de tecido, em geral
bordado, cuja cor varia de acordo com o tempo litúrgico ou o dia santo. Ao
vesti-la, o sacerdote recita a seguinte oração:
Redde mihi, Domine, stolam immortalitatis, quam perdidi
in praevaricatione primi parentis; et, quamvis indignus accedo ad tuum sacrum mysterium, merear tamen gaudium sempiternum.
(Restitui-me, Senhor, a estola da imortalidade, que
perdi na prevaricação do primeiro pai, e, ainda que não seja digno de me
abeirar dos Vossos sagrados mistérios, fazei que mereça alcançar as alegrias
eternas).
Dado que a estola é um paramento de suma
importância, indicando mais do que qualquer outro a condição de ministro
ordenado, não se pode deixar de lamentar o abuso, já largamente difundido, por
parte de alguns sacerdotes, que não a usam em conjunto com a casula.
7)
Finalmente, veste-se a casula ou planeta, a vestimenta característica daqueles
que celebram a Santa Missa. Os livros litúrgicos usavam as duas palavras, em
latim casula e planeta, como sinônimos. Enquanto o nome planeta foi usado em
particular em Roma e acabou por permanecer na Itália, o nome casula deriva da
forma típica da vestimenta, que originalmente circundava todo o corpo do
ministro sagrado que a portava. O uso da palavra “casula” também é
encontrado em outros idiomas: "Casulla”, em espanhol, “Chasuble” em
francês e em Inglês, "Kasel" em alemão. Oração para vestidura da
casula remete ao convite de Cl 3,14: “Sobretudo, revesti-vos do amor, que une a
todos na perfeição”. E, de fato, a oração com a qual se veste a casula cita as
palavras do Senhor contidas em Mt 11,30:
Domine, qui dixisti: Iugum meum suave est, et onus
meum leve: fac, ut istud portare sic valeam, quod consequar tuam gratiam. Amen.
(Senhor, que dissestes: O meu jugo é suave e o meu
peso é leve, fazei que o suporte de maneira a alcançar a Vossa graça. Amém).
"Em
conclusão, espera-se que a redescoberta do simbolismo associado aos paramentos
e suas orações incentive os sacerdotes a retomar a prática da oração durante a
vestição, de modo a se preparar com o devido recolhimento à celebração
litúrgica. Se é verdade que é possível rezar com diferentes orações, ou ainda
simplesmente elevando a mente a Deus, por outro lado, os textos da oração de
vestição trazem a brevidade, a precisão de linguagem, a inspiração da
espiritualidade bíblica e o fato de que são rezados pelos séculos por um número
incontável de ministros sagrados. Estas orações são recomendadas ainda hoje,
para a preparação da celebração litúrgica, e também realizadas de acordo com a
forma ordinária do Rito Romano".