Foi nessa ocasião que o Cardeal Morone sugeriu para generalíssimo dos
exércitos cristãos o nome do irmão bastardo de Filipe II, D. João
d’Áustria, o qual se havia distinguido extraordinariamente na guerra
contra os mouros no norte da África. Chegou-se enfim ao acordo de que o
Papa tomaria a iniciativa de convocar outros príncipes, e especialmente o
Imperador; que nenhum dos confederados poderia ajustar a paz; e que o
Pontífice deveria ser o supremo juiz nos litígios da Liga.
Fez-se então um esboço dos itens do acordo. Enquanto isso os espanhóis
consultavam seu Rei sobre se as três esquadras — espanhola, pontifícia e
veneziana — deviam ser unificadas num só corpo. Em fins de julho Veneza
aceitava D. João como generalíssimo, e dias depois era apresentado ao
Pontífice o projeto da Liga.
A perda de tempo com as reivindicações de vantagens e com as disputas
sobre pontos de vista divergentes já se fazia sentir. Enquanto a peste
dizimava a esquadra veneziana, em setembro os turcos atacavam a Ilha de
Chipre e sitiavam Nicósia, a qual caía depois de 48 dias de resistência
heróica.
O desânimo começava a espalhar-se pela Cristandade. Quando Granvela
chegou a dizer ao Papa que os turcos eram excessivamente fortes, e que
talvez só pudessem ser vencidos se atacados em diversas frentes,
incluindo a África, a Albânia e a Hungria, São Pio V, tomado de forte
emoção e com lágrimas nos olhos, retrucou-lhe que a culpa disso era dos
príncipes católicos, os quais deviam arrepender-se de sua atitude antes
que fosse tarde demais, e só expiariam sua falta se se resolvessem
afinal a unir-se na defesa da causa da Cristandade. Falou ainda de São
Ladislau e de Scanderbeg, na Polônia e na Albânia, como exemplos da
força dos que põem sua confiança na poderosa justiça do Altíssimo. Que
se armassem e se unissem, pois Deus os ajudaria: sua causa era a de
Deus.
No fim do ano o Papa resolveu escrever uma carta de próprio punho a
Filipe II. Nela o Pontífice traduzia suas mais amargas queixas. Dizia
que, depois que se tinha conseguido contornar as últimas dificuldades
com os venezianos, eram os comissários espanhóis que procuravam entravar
a conclusão da aliança. Qualificava essa atitude de estranha e
suspeita. Tendo intimado o Núncio de Madrid — o qual devia entregar a
missiva — a não aceitar evasivas do Rei, Pio V aguardou com sublime
paciência a resposta. Enquanto isso, chegavam as piores notícias: Os
turcos sitiavam Famagusta, ameaçavam Corfu e Ragusa; o Núncio em Veneza,
Facchinetti, anunciava em fevereiro de 1571 que, se não se ultimasse
imediatamente a Liga, havia perigo de que a Senhoria ajustasse as pazes
com a Sublime Porta, ainda que à custa da perda de Chipre.
"Qui seminant in lacrimis, in exsultatione metent"
"Quem semeia nas lágrimas, colhe na alegria" — diz o Salmo do real
Profeta (Sl.125,5). Os sofrimentos morais do Santo Padre iriam encontrar
o consolo merecido.
Em março chegaram, com diferença de dias, as respostas do Rei da Espanha
e do Doge de Veneza. Havia ainda algumas graves discordâncias, mas um
último esforço dos auxiliares do Papa superou-as. Afinal, em meados de
maio, do rigoroso segredo em que se desenvolviam as tratativas emergiu a
boa nova: estava concluída a Santa Liga. A aliança ajustada entre o
Papa, o Rei da Espanha e a República de Veneza devia ser estável, ter
caráter ofensivo e defensivo e dirigir-se não somente contra o sultão,
mas também contra seus Estados tributários: Argel, Túnis e Trípoli.
A tríplice aliança contaria com duzentas galeras, cem transportes, 50
mil infantes espanhóis, italianos e
alemães, 4.500 cavalos ligeiros e o
número de canhões necessário. Em cada outono se celebraria um convênio
em Roma, sobre a campanha do ano seguinte. Espanha e Veneza deviam
defender-se mutuamente em caso de ataque. O Papa arcaria com uma sexta
parte dos gastos, a Espanha com três sextos, e Veneza com o restante. O
generalíssimo D. João d’Áustria aconselhar-se-ia com os comandantes das
tropas venezianas e pontifícias, e nas deliberações decidiria a maioria
dos votos. O lugar-tenente de D. João seria o Príncipe Colonna. Era
facultado ao Imperador e aos demais príncipes católicos ingressar na
Liga.
O Sumo Pontífice transbordava de santa alegria. Publicou um Jubileu
geral, para atrair as bênçãos do Deus das batalhas sobre o exército
cristão. Tomou parte nas procissões rogatórias, que se realizaram ainda
no mês de maio em Roma, e mandou cunhar uma medalha comemorativa.
Por tua mão será abatida a soberba do inimigo
Tratava-se agora de acelerar os preparativos da tríplice armada, acertar
o ponto de encontro e os planos da batalha. Ao mesmo tempo o incansável
São Pio V enviou legados ao Imperador e aos outros príncipes, a fim de
instá-los a ingressarem na Liga.
Além disso, nomeara ele uma Congregação cardinalícia especialmente
incumbida das providências da guerra. Um documento da época relata que
naqueles dias só se viam soldados nas ruas da Cidade Eterna.
Em meados de junho a esquadra pontifícia fazia-se à vela para o sul,
ancorando em Nápoles, onde devia encontrar-se com as naus espanholas. Já
no mês anterior o Papa havia escrito uma carta a Filipe II, pedindo-lhe
para apressar a partida de D. João, a fim de não se perder a boa
ocasião.
Como os espanhóis tardassem para adiantar a empresa, os navios do Papa
zarparam novamente em julho rumo a Messina, ponto convencionado para o
encontro das três armadas. Poucos dias depois chegavam os venezianos,
comandados pelo valoroso veterano Sebastião Veniero. Enquanto isso,
vinham notícias de que o inimigo acuava Creta, Citera, Zanta e
Cefalônia.
Como entre a nobreza de Roma, também entre os fidalgos da Espanha
reinava vivo entusiasmo pela Cruzada, tendo-se alistado numerosos deles.
Zarpando de Barcelona com 46 galeras, Dom João d’Áustria chegou a
Gênova em meados de julho. Dali enviou um emissário a Veneza, a fim de
comunicar que já estava a caminho de Messina, e outro ao Papa (o Rei
Filipe II negara-lhe a permissão de passar por Roma), para agradecer a
escolha para o posto de generalíssimo e escusar-se do atraso. Quando o
representante do príncipe espanhol se despediu do Pontífice, este
encarregou-o de dizer a D. João que se lembrasse sempre de que ia
combater pela Fé católica, e de que por isso Deus lhe daria a vitória.
Ao mesmo tempo o Papa enviou ao generalíssimo o estandarte da Liga.
O estandarte era de damasco de seda azul e ostentava a imagem do
Crucificado, tendo aos pés as armas do Papa, da Espanha, de Veneza e de
D. João. O Príncipe recebeu-o solenemente em Nápoles das mãos do
Vice-Rei, o Cardeal Granvela, na Igreja de Santa Clara, com a presença
de muitos nobres, entre os quais os príncipes de Parma e de Urbino.
"Toma, ditoso Príncipe — disse-lhe o Cardeal — a insígnia do verdadeiro
Verbo humanado. Toma o sinal vivo da santa Fé, da qual és o defensor
nesta empresa. Ele te dará uma vitória gloriosa sobre o ímpio inimigo, e
por tua mão será abatida sua soberba. Amém!" Um forte clamor ecoou da
multidão que enchia a nave: "Amém! Amém!"
Vivamente angustiado ante as notícias do avanço turco, São Pio V mandou
no dia 17 uma carta de próprio punho ao generalíssimo, exortando-o a
sair sem demora ao encontro do inimigo. D. João zarpou então para
Messina, onde foi recebido com júbilo indizível.
De uma formosura varonil, louro e de olhos azuis, no esplendor da
juventude — tinha 24 anos de idade — profundamente aristocrático, o
filho de Carlos V causou enorme impressão nos sicilianos que o estavam
recepcionando. O porto, juncado de naus cristãs, assemelhava-se a uma
floresta de mastros que balouçavam serenamente sobre o mar, à espera do
momento em que deveriam singrar águas tintas de sangue. Era uma terrível
ameaça para o inimigo e um irresistível chamado para aqueles novos
cruzados.
Os soldados preparam-se por três dias de jejum
Nos primeiros conselhos de guerra, D. João empenhou-se em comunicar seu
ardor aos setenta oficiais ali reunidos e em beneficiar-se, em troca, de
sua prudência e maturidade. Mesmo aí, não deixou de haver alguns
desentendimentos, que fizeram perder mais três semanas em deliberações.
Alguns generais achavam que a campanha iria ser meramente defensiva,
dado o poderio do inimigo. Outros afirmavam que as naus turcas não eram
muito eficientes. O próprio D. João mostrou-se hesitante, até que o
Núncio Odescalchi, que viera distribuir partículas do Santo Lenho para
que houvesse uma partícula em cada nau, comunicou ao Príncipe que o
Pontífice lhe prometia em nome de Deus a vitória, por cima de todos os
cálculos humanos. Mandava dizer que, se a esquadra se deixasse derrotar,
iria ele mesmo à guerra, com seus cabelos brancos, para vergonha dos
jovens indolentes.
D. João tomou uma série de medidas para preservar o caráter sacral da
expedição. Proibiu a presença de mulheres a bordo e cominou pena de
morte para as blasfêmias. Enquanto se esperava o regresso de uma
esquadrilha de reconhecimento, todos jejuaram três dias, e nenhum dos 81
mil marinheiros e soldados deixou de confessar-se e comungar, o mesmo
fazendo os condenados que remavam nas galeras. Jesuítas, franciscanos,
capuchinhos, dominicanos, iam e vinham no meio daquela gente rude, para
purificar os corações e preparar um exército verdadeiramente de
cruzados.
Nos dias 16 e 17 de setembro, nos quais se deu a partida de Messina, o
espetáculo foi deslumbrante. As naus começaram a mover-se duas a duas,
encimadas por bandeiras cujas cores as distinguiam segundo a posição que
assumiriam na batalha. À frente tremulavam as bandeiras verdes de
Andrea Doria, o comandante dos espanhóis. Em seguida vinha a batalha ou
centro, com suas bandeiras azuis, e o gonfalão de Nossa Senhora de
Guadalupe sobre a nau de D. João d’Áustria. Os estandartes do Papa e da
Liga ficaram guardados para o momento do embate. À direita da batalha
vinha Marco Antonio Colonna na nau capitânia do Papa; à esquerda, o
veneziano Sebastião Veniero, grande conhecedor das lides do mar,
vigoroso com seus setenta anos, altivamente em pé na popa de sua nau.
A divisão de Veneza, comandada pelo nobre Barbarigo, seguia atrás, com
bandeiras amarelas; as bandeiras brancas de D. Álvaro de Bazán, Marquês
de Santa Cruz, fechavam aquele imponente cortejo naval. Uma figura toda
vestida de púrpura destacava-se de entre a multidão reunida no porto.
Era o Núncio papal, que dava a bênção a cada barco que passava, com seus
cruzados piedosamente ajoelhados na ponte: nobres revestidos de
armaduras refulgentes, soldados de variados uniformes, marinheiros de
roupas e gorros vermelhos. Os remos compassados e as velas que se iam
enfunando levavam-nos em demanda do inimigo da Fé. Na sua armadura
dourada, terrível como um anjo vingador, avultava a figura de D. João
d’Áustria, a quem o próprio São Pio V aplicaria depois da vitória o que o
Evangelho diz de São João Batista: "Fuit homo missus a Deo, cui nomen erat Ioannes" — Houve um homem enviado por Deus, cujo nome era João (Jo. 1,6).
O estandarte da Liga é içado na nau capitânia
Deixando o estreito de Messina, as naus da Liga costearam o litoral da
Calábria e da Apúlia, e de lá seguiram para a ilha de Corfu, depois para
Gomenitsa, nas costas da Albânia, onde aportaram no último dia do mês
de setembro.
Ao longo desse percurso foram encontrando sinais da passagem dos turcos:
restos carbonizados de igrejas e casas, objetos de culto profanados,
corpos dilacerados de sacerdotes, mulheres e crianças covardemente
assassinadas. A inconformidade com o crime e o desejo de uma santa
vingança faziam-se sentir no coração de todos os cruzados e revigoravam
neles a vontade de lutar.
Nesse meio tempo os espias informaram que a esquadra inimiga estava
ancorada em Lepanto, um porto localizado pouco mais ao sul, no estreito
de igual nome, o qual liga o Golfo de Patras ao de Corinto. Tratava-se
agora de tomar a iniciativa da luta, indo ao encalço do inimigo.
Feitos todos os preparativos para a batalha, no dia 6 de outubro os
navios da Liga deixaram a costa da Albânia em direção a Cefalônia, ilha
do Arquipélago Jônico situada defronte ao Golfo de Patras, ao fundo do
qual se achavam os navios turcos. Foi aí que os católicos receberam a
notícia de que Famagusta, capital de Chipre, caíra em poder do
Crescente, e que o general Mustafá cometera as piores atrocidades com o
comandante da praça, Marco Antonio Bragadino, a quem mandara esfolar
vivo, e cuja pele cheia de palha fizera conduzir por toda a cidade. A
narração dessas crueldades acendeu o ódio da tropa cristã, que ansiava
por defrontar-se com os otomanos.
O embate já então era iminente, dada a proximidade em que se encontravam
os dois exércitos. O vento soprava do Levante, o céu estava encoberto e
o mar era cinzento e cheio de névoa naquele sexto dia do mês. Os
católicos não sabiam que o vento que os detinha era o mesmo que
convidava o inimigo a deixar seu refúgio em Lepanto, e assim tornava
possível a batalha. Com efeito, se os turcos não se resolvessem a sair,
seria muito difícil desalojá-los de seu reduto. O estreito de Lepanto
era protegido por duas fortalezas, cujos canhões fariam grande estrago à
armada da Liga. A noite caiu, envolta em um silêncio misteriosamente
cheio de prenúncios.
Às duas horas da madrugada do domingo, 7 de outubro, um vento fresco
vindo do poente limpou completamente o céu, prometendo um dia
ensolarado. Antes do amanhecer, D. João mandou levantar âncoras e soltar
as velas. Quando as naus cristãs, tendo passado pelo canal que ficava
entre a ilha de Oxia e o cabo Scrofa, desembocavam no golfo de Patras,
uma fragata ligeira mandada em reconhecimento veio ao seu encontro, com a
informação de que a esquadra turca estava a poucas milhas de distância.
A bandeira que devia sinalizar a presença do inimigo tremulou no mastro
da capitânia vanguarda. Depois de uma rápida deliberação com Veniero, o
generalíssimo ordenou que todos se dispusessem em ordem de batalha.
Fez-se ouvir o troar de um canhão, enquanto era içado o estandarte da
Santa Liga no mastro mais alto da galera capitânia.
"Aqui venceremos ou morreremos" — bradou D. João entusiasmado, ao acompanhar as evoluções da esquadra católica.
Seis pesadas galeras venezianas, comandadas por Francisco Duodo, rumaram
lentamente para seus postos, na vanguarda. Como que no desejo de
esmagar os otomanos num terrível amplexo, a esquadra católica procurou
estender-se o quanto pôde, desde o litoral até o alto mar. À esquerda o
veneziano Barbarigo, com 64 galeras, alargou seu flanco em direção ao
litoral, para evitar um envolvimento dos inimigos pelo norte. Dom João
comandava o centro, ladeado por Colonna e Veniero; o catalão Requeséns
vinha um pouco mais atrás. A esquadra espanhola de Andrea Doria, com 60
naus, formava a ala direita, em direção ao mar alto. As 35 embarcações
do Marquês de Santa Cruz aguardavam ordens à retaguarda, para uma
eventual intervenção.
Também o almirante otomano — Kapudan-Pachá Muesinsade Ali, que passou à
História como Ali-Pachá — dispôs sua esquadra para o combate. A ala
direita, que devia defrontar-se com Barbarigo, compunha-se de 55 galeras
e era comandada por Maomé Shaulak, governador de Alexandria; a ala
esquerda, à qual cabia opor-se a Andrea Doria, era formada por 73
unidades às ordens do temível corsário Uluch Ali (Occhiali), um renegado
calabrês que, segundo se dizia, fora frade; o centro, finalmente, com
96 galeras, estava sob o mando direto do próprio Ali-Pachá e constituía a
elite da armada infiel. Uma divisão de reserva ficara à retaguarda.
O generalíssimo turco parecia querer investir resolutamente pelo centro,
e ao mesmo tempo envolver os cristãos, aproveitando-se da sua
superioridade numérica sobre estes (286 naus contra 208). O vento
soprava de leste, favorável aos infiéis, enquanto os católicos tinham
que se mover à força de remos. Decorreram quatro horas até que as duas
armadas estivessem prontas para o confronto. O vento amainara.
A essa altura, Doria chegava à nau de D. João d’Áustria para propor um
conselho de guerra, no qual se discutisse se convinha ou não dar combate
a um inimigo numericamente superior. O generalíssimo limitou-se a
responder-lhe: "Não é mais hora de falar, mas de lutar!" Doria voltou ao
seu posto, tendo antes proposto a D. João que mandasse cortar o enorme
esporão que pesava na proa das galeras. A vantagem desta medida,
indicada pelo astuto genovês, revelou-se enorme: aliviou as naus,
facilitando as manobras, e ademais permitiu que o canhão central, em vez
de atirar por cima, visasse diretamente o alvo, com maior impacto.
Os turcos procuravam dar a maior amplitude a seu deslocamento, para
envolver um dos flancos do adversário. Doria tenta impedir-lhes a
manobra, mas afasta-se demais da zona que lhe havia sido designada,
abrindo um perigoso vão entre a ala sob seu comando e o centro da
esquadra cristã.
Os 264 canhões de Duodo, abrindo fogo, conseguem romper a linha inimiga. Começam as abordagens.
O apóstata italiano Uluch Ali entra pelo vazio deixado por Doria. Com
suas melhores naves, lança-se no combate em que o centro dos cristãos
estava engajado, e com algumas galeras pesadas mantém Doria afastado.
Neste lance iam sendo aniquiladas as tropas de Doria, e a reserva do
Marquês de Santa Cruz não podia socorrê-las, pois estava empenhada em
auxiliar os venezianos da ala esquerda, junto ao litoral.
Ali-Pachá, reconhecendo pelos estandartes a galera de D. João,
abalroou-a com seu próprio navio, proa contra proa, e lançou sobre ela
toda uma tropa de janízaros escolhidos. Neste momento o conselho de
Doria provou sua eficácia: desembaraçada do esporão, a artilharia da nau
católica pôs-se a dizimar a tripulação da "Sultana", a nave de
Ali-Pachá. Em socorro desta acorreram mais sete galeras turcas, que
despejaram mais janízaros sobre a ponte ensangüentada da capitânia de D.
João. Duas vezes a horda turca penetrou nesta até o mastro principal,
mas os bravos veteranos espanhóis obrigaram-na a recuar. Dom João
contava agora com apenas dois barcos de reserva, sua tropa tinha sofrido
muitas baixas, e ele mesmo fora ferido no pé. A situação ia-se tornando
cada vez mais perigosa, quando o Marquês de Santa Cruz, tendo liberado
os venezianos, veio em socorro do generalíssimo e este pôde repelir os
janízaros.
A batalha chegara ao seu auge. As águas tingiam-se de sangue, ressoavam
gritos e gemidos dos que lutavam, dos feridos, mutilados e agonizantes. O
estrondo das armas de fogo entrecruzava-se com o tinir das lâminas de
aço, num concerto trágico e grandioso. Sucediam-se umas às outras as
proezas. O sangue nobre corria. Um após outro caíram Juan de Córdoba,
Fábio Graziani, Juan Ponce de León. O velho Veniero lutava de espada na
mão, à frente de seus soldados. O general veneziano Barbarigo tombara
ferido por uma flecha no olho, quando, para dar ordens a seus homens,
afastara o escudo que o protegia. "É um risco menor do que o de não
conseguir fazer-me entender numa hora destas!" — respondera a alguém que
o advertia do perigo. O jovem Alexandre Farnese, Duque de Parma, entrou
sozinho numa galera turca, e não morreu. De sua parte, o inimigo
tentava toda espécie de manobras e dava inegáveis provas de valor.
O momento era crítico, e ainda deixava muitas dúvidas quanto ao
desenlace da batalha, quando Ali-Pachá, defendendo a "Sultana" de mais
uma investida cristã, caiu morto por uma bala de arcabuz espanhol (ou
suicidou-se, segundo outra versão). Eram 4 horas da tarde.
O corpo do generalíssimo dos infiéis foi arrastado até os pés de D.
João. Um soldado espanhol avançou sobre ele e cortou-lhe a cabeça. Esta,
por ordem do Príncipe, foi então erguida na ponta de uma lança, para
que todos a vissem. Um clamor de alegria vitoriosa levantou-se da
capitânia católica. Os turcos estavam derrotados, e o pânico espalhou-se
celeremente entre suas hostes, a partir do momento em que o estandarte
de Cristo começou a drapejar sobre a "Sultana".
Uluch Ali ainda investiu sobre a ala direita comandada por Andrea Doria.
Mas, atacado pelo Marquês de Santa Cruz, tratou de fugir.
O veneziano Girolamo Duodo conta que "uma grande parte dos escravos
cristãos, que se encontravam nos navios inimigos, compreendeu que os
turcos estavam perdidos. Apesar dos guardas, esses infelizes
multiplicaram seus esforços para buscar a salvação na fuga e favorecer a
vitória dos nossos. Em pouco tempo, ei-los combatendo em todos os
setores onde há guerra, com uma coragem sem igual. Seu ardor é
decuplicado pelos gritos que ecoam de todos os lados: "A vitória é
nossa!". Nos navios da Liga, os galés — que tinham sido armados de
espada — abandonavam os remos quando havia abordagem e lutavam
valentemente contra os turcos.
Uma Senhora de aspecto majestoso e ameaçador
Os restos da esquadra inimiga batem em retirada e se dispersam, enquanto
as trombetas católicas proclamam a todos os ventos a vitória da Santa
Liga, na maior batalha naval que a História jamais registrara.
A tarde começava a cair e prometia um mar agitado. No crepúsculo daquele
santo dia, os navios da Liga se reagrupavam e mal podiam navegar
através dos restos da batalha: cadáveres, remos e mastros espalhados
bizarramente pela água. As embarcações apresadas vinham à retaguarda das
galeras católicas, arrastadas humilhantemente pela popa.
As perdas dos infiéis tinham sido enormes: 30 a 40 mil mortos, 8 ou 10
mil prisioneiros (entre os quais dois filhos de Ali-Pachá e quarenta
outros membros das famílias principais do império), 120 galeras
apresadas e cinqüenta postas a pique ou incendiadas, numerosas bandeiras
e grande parte da artilharia em poder dos vencedores. Doze mil cristãos
escravizados alcançaram a liberdade. A Liga perdeu doze galeras e teve
menos de 8 mil mortos.
Soube-se depois que, no maior fragor da batalha, os soldados de Mafoma
tinham avistado acima dos mais altos mastros da esquadra católica uma
Senhora, que os aterrava com seu aspecto majestoso e ameaçador.
É hora de dar graças a Jesus Cristo pela vitória
Bem longe dali, o Papa aguardava ansioso notícias da esquadra católica.
Desde a chegada de D. João a Messina, redobrara de orações e jejuns pela
vitória das armas cristãs, e instava para que monges, cardeais e fiéis
rezassem e jejuassem na mesma intenção. Confiava sobretudo na eficácia
do rosário, para obter o socorro onipotente da Virgem.
No dia 7 de outubro ele trabalhava com seu tesoureiro, Donato Cesi, o
qual lhe expunha problemas financeiros. De repente, separou-se de seu
interlocutor, abriu uma janela e entrou em êxtase. Logo depois voltou-se
para o tesoureiro e disse-lhe: "Ide com Deus. Agora não é hora de
negócios, mas sim de dar graças a Jesus Cristo, pois nossa esquadra
acaba de vencer". E dirigiu-se à sua capela.
As notícias do desfecho da batalha chegaram a Roma, por vias humanas,
duas semanas depois, por um correio que vinha de Veneza. Na noite de 21
para 22 de outubro o Cardeal Rusticucci acordou o Papa, para confirmar a
visão que ele tinha tido. No meio de um pranto varonil, São Pio V
repetiu as palavras do velho Simeão: "Nunc dimittis servum tuum, Domine, in pace" (Luc.2,29). No dia seguinte, a notícia foi dada em São Pedro, após uma procissão e um solene "Te Deum".
Soube-se depois que, no
maior fragor da batalha, os soldados de Mafoma tinham avistado acima
dos mais altos mastros da esquadra católica uma Senhora, que os aterrava
com seu aspecto majestoso e ameaçador.