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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Batalha de Lepanto: a origem da festa de Nossa Senhora do Rosário

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Quando, no ano da Redenção de 1566, o Cardeal Ghislieri foi elevado ao trono pontifício com o nome de Pio V, a situação da Cristandade era angustiante. Com efeito, fazia aproximadamente um século que os turcos avançavam sobre a Europa, por mar e através dos Bálcãs, no intuito insolente de sujeitar à lei de Mafoma as nações católicas, e sobretudo de chegar até Roma, onde um de seus sultões queria entrar a cavalo na Basílica de São Pedro.

Mas o pior dos males não vinha de fora. O flagelo do protestantismo fizera apostatar a Inglaterra (subjugando a Irlanda e ameaçando a Escócia), continuava a alastrar-se pela Alemanha e convulsionava a França. A esse quadro de desgraças somava-se a cobiça dos reis e príncipes católicos, que já não eram movidos por aquele zelo da Fé e adesão à Igreja, que levara seus antepassados a atender à convocação da cruzada aos brados de "Deus o quer!". Alguns não hesitavam ante vergonhosas e espúrias alianças com os próprios turcos, para investir contra outras nações católicas, visando conquistas territoriais, glória mundana e poder.

O poderio otomano atinge seu ápice
 
Em 1457 caíra Constantinopla. Transposto o Bósforo, os infiéis avançaram sobre as regiões balcânicas, subjugando a Albânia, a Macedônia, a Bósnia. Ao mesmo tempo iam tomando uma a uma as ilhas do arquipélago grego. Nos primeiros anos do século XVI, o sultão Selim I aumentou seu poderio conquistando a Pérsia e o Egito. O ano de 1522 viu cair a fortaleza de Rhodes, defendida heroicamente pelos monges cavaleiros da Ordem de S. João de Jerusalém, como o bastião avançado da Cristandade, para onde se haviam retirado após a perda de seu último reduto na Palestina, o forte de São João d’Acre. Em 1524 o novo sultão Solimão II, chamado o magnífico, ocupava e tratava duramente Belgrado. Seis anos mais tarde, 300.000 otomanos chegaram às portas de Viena. Não conseguindo tomar a cidade depois de quinze violentos assaltos, retiraram-se, levando cativos 3.000 cristãos.

A crônica anônima publicada em 1573 registra com espanto que em setembro de 1534 o senhor de Túnis, Barba Ruiva, terrível corsário do Sultão, "atacou uma cidade através de uma praia marítima romana", apanhando os habitantes de modo tão imprevisto, que estes não puderam resistir. A cidade foi saqueada e queimada, e todos os seus moradores de 10 a 30 anos foram levados como escravos. Pouco depois o mesmo pirata assaltava Fondi, senhorio dos príncipes Colonna e Itri, desta vez sem grande êxito. Roma não estava longe...

No litoral dalmático os turcos não cessavam de atacar, saqueavam e destruíam as cidades que estavam debaixo da tutela da sereníssima república de Veneza: Clissa, Prevesa, Castelnuovo e as ilhas mais ao sul, próximas à Grécia. Enquanto a Espanha engajava-se individualmente numa guerra contra a Tunísia e a Argélia, em 1541 as hostes do Crescente investiam novamente contra Viena. Em junho de 1552 tomavam elas parte da Transilvânia, onde os cristãos perderam em três batalhas 25 mil homens. No ano seguinte o sultão alia-se ao Rei Cristianíssimo, Henrique III da França, para a conquista da Córsega, domínio do rei da Espanha, Imperador Carlos V.

Nesse ínterim os bravos cavaleiros da Ordem de São João de Jerusalém, que haviam perdido Rhodes mas não queriam abandonar a luta contra o Crescente, transferiram-se para a Ilha de Malta, ao sul da Sicília. De sua nova fortaleza faziam incursões marítimas, que representavam um grande entrave à expansão turca, pois esses "escorpiões do Mediterrâneo" — como os chamavam com ódio os infiéis — atacavam toda e qualquer embarcação inimiga, incorporando à própria frota as naus que apresavam. As riquezas que estas estivessem transportando eram confiscadas para o Comum Tesouro da Ordem, e os prisioneiros postos a remar nas galés. Em 1565 Solimão II enviou uma poderosa armada contra a ilha, mas os monges-cavaleiros resistiram com tal denodo, que o sultão teve que retirar-se, perdendo na empresa um de seus melhores generais, Dragut Rais, e mais de trinta mil homens.

Apesar desta derrota, o poderio turco atingia o seu auge. Dispondo de um exército numeroso e aguerrido, cuja sanha anticatólica era liderada por um corpo de renegados, os janízaros, gozavam de uma situação econômica florescente. Solimão o Magnífico reinava sobre um império imenso, que se estendia de Belgrado a Aden, de Bagdad à Argélia. Ansiava conquistar a Itália para aniquilar o Papado, fundamento da Religião inimiga, e o projeto já não parecia uma quimera. De resto, a atitude omissa do Imperador Maximiliano e as perpétuas querelas entre as nações católicas mais poderosas — a Espanha, a França e Veneza — só podiam augurar bom termo ao avassalador avanço turco.

São Pio V convida os príncipes a unirem suas forças
 
Pio V, o dominicano que havia sido Grande Inquisidor, era como um raio de luz da Idade Média a fulgurar sobre aquela Europa imersa nas sombras da heresia protestante e do neopaganismo humanista. Escrevia o grande São Carlos Borromeu ao Rei de Portugal, a respeito do recente conclave: "Desde que o conheci, julguei que a Cristandade não podia ser melhor governada que por ele, e consagrei-lhe todos os meus esforços". E o Rei da Espanha, Filipe II, expressa seus sentimentos em carta ao Arcebispo de Sevilha: "Dou graças infinitas a Deus por esta eleição. Ele se dignou dar-nos um Pontífice de uma vida tão exemplar, que disso se pode esperar um grande bem para a conservação de nossa santa Fé". Devoto insigne da Virgem, penetrado de zelo pela causa de Deus, ardia na alma do novo Pontífice o desejo de soerguer a Cristandade para um duplo combate: contra o protestantismo e contra o adversário otomano.

No próprio ano de sua elevação ao pontificado, comunicou ele ao Rei da Espanha e ao Imperador seu intento de promover uma aliança dos príncipes contra o sultão. Em março, escreveu vigorosa carta ao Grão-Mestre da Ordem de São João de Jerusalém, Jean de La Valette, que tencionava abandonar a Ilha de Malta com seus cavaleiros, por lhe parecer impossível continuar enfrentando a ameaça dos turcos, que derrotara gloriosamente no ano anterior. Depois de enaltecer o heroísmo de que o Grão-Mestre dera mostras naquela ocasião, o Papa censura e repele o seu projeto de retirada e o exorta paternalmente: "Ponde de lado a idéia de abandonar a ilha. Permanecei aí com vossa Ordem bem unida. Vossa simples presença em Malta inflamará a coragem dos cristãos e imporá respeito ao otomano, pelo terror do nome que o fulminou no ano passado. Sabei que ele teme vossa pessoa, mais que todos os vossos soldados reunidos". La Valette leu a carta do Papa diante do Conselho da Ordem, beijou respeitosamente o documento pontifício, e depois o solo da ilha, e exclamou: "A voz de vosso Vigário, ó Jesus, indica o meu dever. Ficaremos aqui, e aqui morreremos".

No mês de maio desse ano, cai mais uma ilha do arquipélago jônico, Quios, e em setembro a cidade de Szigethvar, na Hungria. De todos os lados afluem notícias da aproximação de forças turcas: de Tarento, de Corfu, de Veneza...

Em Roma, São Pio V vigia e procura obter todas as informações possíveis sobre a marcha dos acontecimentos. Chega-lhe então a boa nova de que Solimão II morrera enquanto era travada a batalha de Szigethvar, e que deixara o trono para seu filho Selim II, mole, sensual e sem a fibra do pai.
Animado pelo desaparecimento de um inimigo tão temível como fora Solimão, nem por isso São Pio V se deixa levar pela idéia de que todo o risco era passado. Em março, publicara uma bula na qual descrevia com palavras cheias de dor o perigo turco e afirmava que somente com muita penitência poderia o povo fiel aplacar a ira de Deus e esperar seu poderoso auxílio. No mês seguinte, encarecia a necessidade de o clero ter costumes puros, pois ao armar-se a Cristandade contra o Crescente, só lhe podiam valer as preces dos ministros de Deus que levassem uma vida sem mácula. Em julho era publicado um Jubileu extraordinário pelo bom êxito da guerra contra os turcos, e pôde-se ver o próprio Sumo Pontífice participando de uma procissão rogatória para afastar a ameaça que pesava sobre a Europa.

Em dezembro, o Papa dirige às nações católicas novo brado de alarma e o convite a se unirem numa liga em defesa da Cristandade. Mas ninguém quer ouvi-lo. Veneza, por suas desconfianças para com os Habsburgos e por seus interesses econômicos, preferia conservar-se numa perigosa e dispendiosa neutralidade armada, mantendo relações pacíficas com os turcos. Filipe II mostra-se também pouco inclinado a formar uma coligação, alegando que necessitava de todas as suas forças para enfrentar a revolta dos protestantes nos Países Baixos. O Imperador Maximiliano II pensava antes de mais nada em socorrer a Hungria. O Rei de Portugal igualmente se omitia. Na França estalavam as guerras de religião, e pouco se podia esperar das intrigas da Rainha-Mãe.

O projeto da Liga ficou estacionário por três anos, durante os quais o Papa procurava ajudar o Imperador contra os turcos na Hungria, buscava socorro para a Ordem de Malta e erguia fortificações nas costas dos Estados Pontifícios.

Ameaçada pelo sultão, Veneza aceita a idéia da Liga
 
Um fato inesperado veio precipitar os acontecimentos e quebrar a atonia dos príncipes católicos em face dos apelos do Papa.

Em fins de 1569 chegava a Constantinopla a notícia de que o arsenal veneziano fora destruído pelo golfo, e devido a uma má colheita a Península toda estava ameaçada pela fome. Essas informações vinham com cores exageradamente fortes, fazendo crer que Veneza estava reduzida à impotência. Diante disso, Selim II decidiu romper a paz antes ajustada com a Sereníssima República e enviar-lhe na primavera um ultimato: ou Veneza entregava uma de suas possessões preferidas, Chipre, ou era a guerra.

A República de São Marcos, que ao longo dos últimos trinta anos mantivera relações amistosas com a Sublime Porta, compreendeu que, pelo menos a bem de seus interesses, era preciso não alimentar mais ilusões, e urgia buscar o auxílio das outras potências católicas.

Não podia ela contar com a Alemanha nem com a França, empenhadas em aquietar graves turbulências internas. Restavam a Espanha e a Santa Sé. Da parte do Papa, a acolhida foi benévola. Quanto à Espanha, então a maior potência do continente — cujos vice-reis governavam Nápoles, a Sicília, a Sardenha e Milão, e de quem dependiam ainda Gênova, a Sabóia e a Toscana — não eram das melhores as suas relações com os venezianos.

Para o Pontífice Romano, cujos olhos nunca se haviam desviado do plano de uma confederação anti-otomana, as circunstâncias pareciam tornar-se favoráveis para uma aproximação entre as duas potências católicas. Os primeiros passos dados nesse sentido pelo Núncio Apostólico em Veneza não encontraram, porém, ambiente receptivo. A Senhoria queria apenas a mediação do Papa junto aos demais Estados, para obter dinheiro, mantimentos e tropas, e assim fortalecer-se a si mesma. Mas não desejava uma aliança com sua rival, a Espanha, que lhe acarretasse muitos compromissos.

Entretanto, poucas semanas mais tarde o Núncio Facchinetti informava o Papa de que Veneza, ante o inevitável da guerra, estava propensa a aceitar a idéia de uma coalizão das potências católicas. Poucos dias depois, um emissário turco apresentava-se à entrada de Veneza para transmitir o ultimato do Sultão. Conduzido por uma escolta, foi recebido em uma audiência de apenas um quarto de hora pelo Senado, que o despediu com "palavras frias e cheias de dignidade", contendo uma rotunda negativa: com esperança na justiça de Deus, a República defenderia pelas armas a Ilha de Chipre, da qual era legítima senhora.

Também a Espanha procura seus próprios interesses

  A reação da Espanha ante o apelo de S. Pio V, para que entrasse na Liga contra os turcos, traduziu-se na atitude de seus dois embaixadores em Roma, os Cardeais Zuñiga e Granvela. Para aumentar o mais possível o preço da adesão de seu governo, os dois diplomatas valiam-se de rodeios e subterfúgios, dando a entender que Filipe II não pensava em aderir à Liga, e sobretudo não aprovava uma aliança com Veneza. 

No consistório reunido em fevereiro de 1570, os Cardeais, em sua maioria, concordaram com o Pontífice quanto à iminência da queda de Chipre se a Espanha não interviesse sem demora. O Cardeal Granvela contestou, pedindo que não precipitassem seu rei e a Igreja numa empresa incerta e perigosa. Acrescentou que a República de São Marcos não era digna de confiança e não merecia apoio imediato; que melhor seria esperar, para ver se ela entrava mesmo em guerra com os turcos; e que sempre seria tempo para uma ajuda da Espanha. Acreditava que Deus queria castigar Veneza e dar uma lição à sua soberba e egoísmo. A estas considerações opôs-se o Cardeal Commendone, o qual lembrou todos os serviços prestados por Veneza à Cristandade e à Santa Sé, e que, além do mais, não era somente ela que estava em jogo, mas a honra e o bem da Cristandade.
Terminado o consistório com a quase unanimidade de opinião dos cardeais quanto a este último ponto, São Pio V ofereceu ao Doge valioso auxílio pecuniário (representado pelo dízimo do clero veneziano) para a defesa de Chipre, e ao mesmo tempo deu um passo decisivo para mover Filipe II a fazer uma aliança com Veneza.

Tendo-lhe a Senhoria confiado a direção das negociações com Madri, o Papa escolheu para encaminhá-las um de seus melhores diplomatas, de origem espanhola ademais, o clérigo da Câmara Apostólica, Luiz de Torres. O enviado do Papa devia realçar junto a Sua Majestade Católica que nenhum monarca poderia enfrentar sozinho o Grão-Turco, e que se impunha a união de todos os príncipes católicos para derrubar o inimigo comum. Filipe II era conjurado, pela misericórdia de Deus, a enviar o quanto antes à Sicília uma esquadra poderosa, para proteger Malta e garantir a rota que levaria socorros à Ilha de Chipre. A Liga entre a Espanha e Veneza deveria ter caráter defensivo e ofensivo e ajustar-se para sempre, ou pelo menos por um prazo determinado.

Em meados de maio, Filipe II acedeu em outorgar poderes a Granvela, Pacheco e Zuñiga para as negociações desejadas por Pio V. O Papa chorou de alegria ao saber disso. Em junho, nomeou Marco Antonio Colonna — pessoa grata a Filipe II, a quem servira outrora, e também a Veneza — como chefe da esquadra auxiliar pontifícia. No dia 11 o Príncipe Colonna dirigiu-se solenemente ao Vaticano. Depois de ouvir a Missa do Espírito Santo na capela pontifícia, ajoelhou-se aos pés do Papa, para prestar-lhe juramento e receber de suas mãos o bastão de comando e a bandeira de seda vermelha, na qual se viam Jesus Crucificado, o Príncipe dos Apóstolos, o brasão de Pio V e o lema "In hoc signo vinces".

O Príncipe tomou a peito o chamado do Papa, e apesar de ter recebido o comando de apenas doze galeras (o máximo que comportavam os recursos do tesouro pontifício), entregou-se por inteiro à tarefa de equipar a pequena esquadra. Colonna encontrou na nobreza romana as melhores disposições para tomar parte em tão gloriosa empresa. Dirigiu-se logo depois para Veneza, passando por Loreto, onde encomendou sua pessoa e sua esquadra à proteção de Maria Santíssima, pois sabia que teria diante de si não poucas dificuldades.

Seis meses perdidos em negociações
 
No mês de julho chegava a Roma Miguel Soriano, representante da República de São Marcos, para entabular com a Espanha as negociações da Liga, sob a égide e mediação do Pontífice Romano. Começaram elas em julho, com um inflamado discurso em que o Papa exortava todos para a nova cruzada.
As difíceis tratativas prolongaram-se desmedidamente, trazendo à tona os jogos de interesses às vezes mesquinhos de ambas as partes. Ora os espanhóis demonstravam desconfiança para com as intenções de Veneza, e receavam uma "combinazione" desta com a Sublime Porta; ora eles mesmos queriam dobrar e até triplicar o preço dos cereais que iriam de Nápoles para Veneza; por seu lado, os venezianos diziam-se impossibilitados de contribuir com mais de uma quarta parte dos gastos da guerra, quando eram sobejamente conhecidas as possibilidades do tesouro da Senhoria...

Apesar de seu temperamento fogoso, São Pio V intervinha com uma paciência e cordura heróicas. Aqui ele conciliava, ali aparava arestas, acolá estimulava. A discussão sobre o número de embarcações a serem fornecidas pelas duas partes foi causa de novas discórdias. Chegou-se afinal à questão do comando supremo, que a Espanha chamava a si, mas Soriano, embaixador de Veneza, interveio para lembrar que o pavilhão veneziano exerceria maior força de atração nos mares orientais, especialmente para levar a sublevarem-se os povos cristãos oprimidos pelo Crescente. 



Foi nessa ocasião que o Cardeal Morone sugeriu para generalíssimo dos exércitos cristãos o nome do irmão bastardo de Filipe II, D. João d’Áustria, o qual se havia distinguido extraordinariamente na guerra contra os mouros no norte da África. Chegou-se enfim ao acordo de que o Papa tomaria a iniciativa de convocar outros príncipes, e especialmente o Imperador; que nenhum dos confederados poderia ajustar a paz; e que o Pontífice deveria ser o supremo juiz nos litígios da Liga.

Fez-se então um esboço dos itens do acordo. Enquanto isso os espanhóis consultavam seu Rei sobre se as três esquadras — espanhola, pontifícia e veneziana — deviam ser unificadas num só corpo. Em fins de julho Veneza aceitava D. João como generalíssimo, e dias depois era apresentado ao Pontífice o projeto da Liga.

A perda de tempo com as reivindicações de vantagens e com as disputas sobre pontos de vista divergentes já se fazia sentir. Enquanto a peste dizimava a esquadra veneziana, em setembro os turcos atacavam a Ilha de Chipre e sitiavam Nicósia, a qual caía depois de 48 dias de resistência heróica.

O desânimo começava a espalhar-se pela Cristandade. Quando Granvela chegou a dizer ao Papa que os turcos eram excessivamente fortes, e que talvez só pudessem ser vencidos se atacados em diversas frentes, incluindo a África, a Albânia e a Hungria, São Pio V, tomado de forte emoção e com lágrimas nos olhos, retrucou-lhe que a culpa disso era dos príncipes católicos, os quais deviam arrepender-se de sua atitude antes que fosse tarde demais, e só expiariam sua falta se se resolvessem afinal a unir-se na defesa da causa da Cristandade. Falou ainda de São Ladislau e de Scanderbeg, na Polônia e na Albânia, como exemplos da força dos que põem sua confiança na poderosa justiça do Altíssimo. Que se armassem e se unissem, pois Deus os ajudaria: sua causa era a de Deus.

No fim do ano o Papa resolveu escrever uma carta de próprio punho a Filipe II. Nela o Pontífice traduzia suas mais amargas queixas. Dizia que, depois que se tinha conseguido contornar as últimas dificuldades com os venezianos, eram os comissários espanhóis que procuravam entravar a conclusão da aliança. Qualificava essa atitude de estranha e suspeita. Tendo intimado o Núncio de Madrid — o qual devia entregar a missiva — a não aceitar evasivas do Rei, Pio V aguardou com sublime paciência a resposta. Enquanto isso, chegavam as piores notícias: Os turcos sitiavam Famagusta, ameaçavam Corfu e Ragusa; o Núncio em Veneza, Facchinetti, anunciava em fevereiro de 1571 que, se não se ultimasse imediatamente a Liga, havia perigo de que a Senhoria ajustasse as pazes com a Sublime Porta, ainda que à custa da perda de Chipre.

"Qui seminant in lacrimis, in exsultatione metent"
 
"Quem semeia nas lágrimas, colhe na alegria" — diz o Salmo do real Profeta (Sl.125,5). Os sofrimentos morais do Santo Padre iriam encontrar o consolo merecido.

Em março chegaram, com diferença de dias, as respostas do Rei da Espanha e do Doge de Veneza. Havia ainda algumas graves discordâncias, mas um último esforço dos auxiliares do Papa superou-as. Afinal, em meados de maio, do rigoroso segredo em que se desenvolviam as tratativas emergiu a boa nova: estava concluída a Santa Liga. A aliança ajustada entre o Papa, o Rei da Espanha e a República de Veneza devia ser estável, ter caráter ofensivo e defensivo e dirigir-se não somente contra o sultão, mas também contra seus Estados tributários: Argel, Túnis e Trípoli.

A tríplice aliança contaria com duzentas galeras, cem transportes, 50 mil infantes espanhóis, italianos e
alemães, 4.500 cavalos ligeiros e o número de canhões necessário. Em cada outono se celebraria um convênio em Roma, sobre a campanha do ano seguinte. Espanha e Veneza deviam defender-se mutuamente em caso de ataque. O Papa arcaria com uma sexta parte dos gastos, a Espanha com três sextos, e Veneza com o restante. O generalíssimo D. João d’Áustria aconselhar-se-ia com os comandantes das tropas venezianas e pontifícias, e nas deliberações decidiria a maioria dos votos. O lugar-tenente de D. João seria o Príncipe Colonna. Era facultado ao Imperador e aos demais príncipes católicos ingressar na Liga.
O Sumo Pontífice transbordava de santa alegria. Publicou um Jubileu geral, para atrair as bênçãos do Deus das batalhas sobre o exército cristão. Tomou parte nas procissões rogatórias, que se realizaram ainda no mês de maio em Roma, e mandou cunhar uma medalha comemorativa.

Por tua mão será abatida a soberba do inimigo
 
Tratava-se agora de acelerar os preparativos da tríplice armada, acertar o ponto de encontro e os planos da batalha. Ao mesmo tempo o incansável São Pio V enviou legados ao Imperador e aos outros príncipes, a fim de instá-los a ingressarem na Liga.

Além disso, nomeara ele uma Congregação cardinalícia especialmente incumbida das providências da guerra. Um documento da época relata que naqueles dias só se viam soldados nas ruas da Cidade Eterna.
Em meados de junho a esquadra pontifícia fazia-se à vela para o sul, ancorando em Nápoles, onde devia encontrar-se com as naus espanholas. Já no mês anterior o Papa havia escrito uma carta a Filipe II, pedindo-lhe para apressar a partida de D. João, a fim de não se perder a boa ocasião.

Como os espanhóis tardassem para adiantar a empresa, os navios do Papa zarparam novamente em julho rumo a Messina, ponto convencionado para o encontro das três armadas. Poucos dias depois chegavam os venezianos, comandados pelo valoroso veterano Sebastião Veniero. Enquanto isso, vinham notícias de que o inimigo acuava Creta, Citera, Zanta e Cefalônia.

Como entre a nobreza de Roma, também entre os fidalgos da Espanha reinava vivo entusiasmo pela Cruzada, tendo-se alistado numerosos deles. Zarpando de Barcelona com 46 galeras, Dom João d’Áustria chegou a Gênova em meados de julho. Dali enviou um emissário a Veneza, a fim de comunicar que já estava a caminho de Messina, e outro ao Papa (o Rei Filipe II negara-lhe a permissão de passar por Roma), para agradecer a escolha para o posto de generalíssimo e escusar-se do atraso. Quando o representante do príncipe espanhol se despediu do Pontífice, este encarregou-o de dizer a D. João que se lembrasse sempre de que ia combater pela Fé católica, e de que por isso Deus lhe daria a vitória. Ao mesmo tempo o Papa enviou ao generalíssimo o estandarte da Liga.

O estandarte era de damasco de seda azul e ostentava a imagem do Crucificado, tendo aos pés as armas do Papa, da Espanha, de Veneza e de D. João. O Príncipe recebeu-o solenemente em Nápoles das mãos do Vice-Rei, o Cardeal Granvela, na Igreja de Santa Clara, com a presença de muitos nobres, entre os quais os príncipes de Parma e de Urbino. "Toma, ditoso Príncipe — disse-lhe o Cardeal — a insígnia do verdadeiro Verbo humanado. Toma o sinal vivo da santa Fé, da qual és o defensor nesta empresa. Ele te dará uma vitória gloriosa sobre o ímpio inimigo, e por tua mão será abatida sua soberba. Amém!" Um forte clamor ecoou da multidão que enchia a nave: "Amém! Amém!"

Vivamente angustiado ante as notícias do avanço turco, São Pio V mandou no dia 17 uma carta de próprio punho ao generalíssimo, exortando-o a sair sem demora ao encontro do inimigo. D. João zarpou então para Messina, onde foi recebido com júbilo indizível.

De uma formosura varonil, louro e de olhos azuis, no esplendor da juventude — tinha 24 anos de idade — profundamente aristocrático, o filho de Carlos V causou enorme impressão nos sicilianos que o estavam recepcionando. O porto, juncado de naus cristãs, assemelhava-se a uma floresta de mastros que balouçavam serenamente sobre o mar, à espera do momento em que deveriam singrar águas tintas de sangue. Era uma terrível ameaça para o inimigo e um irresistível chamado para aqueles novos cruzados.

Os soldados preparam-se por três dias de jejum
 
Nos primeiros conselhos de guerra, D. João empenhou-se em comunicar seu ardor aos setenta oficiais ali reunidos e em beneficiar-se, em troca, de sua prudência e maturidade. Mesmo aí, não deixou de haver alguns desentendimentos, que fizeram perder mais três semanas em deliberações.

Alguns generais achavam que a campanha iria ser meramente defensiva, dado o poderio do inimigo. Outros afirmavam que as naus turcas não eram muito eficientes. O próprio D. João mostrou-se hesitante, até que o Núncio Odescalchi, que viera distribuir partículas do Santo Lenho para que houvesse uma partícula em cada nau, comunicou ao Príncipe que o Pontífice lhe prometia em nome de Deus a vitória, por cima de todos os cálculos humanos. Mandava dizer que, se a esquadra se deixasse derrotar, iria ele mesmo à guerra, com seus cabelos brancos, para vergonha dos jovens indolentes.

D. João tomou uma série de medidas para preservar o caráter sacral da expedição. Proibiu a presença de mulheres a bordo e cominou pena de morte para as blasfêmias. Enquanto se esperava o regresso de uma esquadrilha de reconhecimento, todos jejuaram três dias, e nenhum dos 81 mil marinheiros e soldados deixou de confessar-se e comungar, o mesmo fazendo os condenados que remavam nas galeras. Jesuítas, franciscanos, capuchinhos, dominicanos, iam e vinham no meio daquela gente rude, para purificar os corações e preparar um exército verdadeiramente de cruzados.

Nos dias 16 e 17 de setembro, nos quais se deu a partida de Messina, o espetáculo foi deslumbrante. As naus começaram a mover-se duas a duas, encimadas por bandeiras cujas cores as distinguiam segundo a posição que assumiriam na batalha. À frente tremulavam as bandeiras verdes de Andrea Doria, o comandante dos espanhóis. Em seguida vinha a batalha ou centro, com suas bandeiras azuis, e o gonfalão de Nossa Senhora de Guadalupe sobre a nau de D. João d’Áustria. Os estandartes do Papa e da Liga ficaram guardados para o momento do embate. À direita da batalha vinha Marco Antonio Colonna na nau capitânia do Papa; à esquerda, o veneziano Sebastião Veniero, grande conhecedor das lides do mar, vigoroso com seus setenta anos, altivamente em pé na popa de sua nau.

A divisão de Veneza, comandada pelo nobre Barbarigo, seguia atrás, com bandeiras amarelas; as bandeiras brancas de D. Álvaro de Bazán, Marquês de Santa Cruz, fechavam aquele imponente cortejo naval. Uma figura toda vestida de púrpura destacava-se de entre a multidão reunida no porto. Era o Núncio papal, que dava a bênção a cada barco que passava, com seus cruzados piedosamente ajoelhados na ponte: nobres revestidos de armaduras refulgentes, soldados de variados uniformes, marinheiros de roupas e gorros vermelhos. Os remos compassados e as velas que se iam enfunando levavam-nos em demanda do inimigo da Fé. Na sua armadura dourada, terrível como um anjo vingador, avultava a figura de D. João d’Áustria, a quem o próprio São Pio V aplicaria depois da vitória o que o Evangelho diz de São João Batista: "Fuit homo missus a Deo, cui nomen erat Ioannes" — Houve um homem enviado por Deus, cujo nome era João (Jo. 1,6).

O estandarte da Liga é içado na nau capitânia

 
Deixando o estreito de Messina, as naus da Liga costearam o litoral da Calábria e da Apúlia, e de lá seguiram para a ilha de Corfu, depois para Gomenitsa, nas costas da Albânia, onde aportaram no último dia do mês de setembro.

Ao longo desse percurso foram encontrando sinais da passagem dos turcos: restos carbonizados de igrejas e casas, objetos de culto profanados, corpos dilacerados de sacerdotes, mulheres e crianças covardemente assassinadas. A inconformidade com o crime e o desejo de uma santa vingança faziam-se sentir no coração de todos os cruzados e revigoravam neles a vontade de lutar.

Nesse meio tempo os espias informaram que a esquadra inimiga estava ancorada em Lepanto, um porto localizado pouco mais ao sul, no estreito de igual nome, o qual liga o Golfo de Patras ao de Corinto. Tratava-se agora de tomar a iniciativa da luta, indo ao encalço do inimigo.

Feitos todos os preparativos para a batalha, no dia 6 de outubro os navios da Liga deixaram a costa da Albânia em direção a Cefalônia, ilha do Arquipélago Jônico situada defronte ao Golfo de Patras, ao fundo do qual se achavam os navios turcos. Foi aí que os católicos receberam a notícia de que Famagusta, capital de Chipre, caíra em poder do Crescente, e que o general Mustafá cometera as piores atrocidades com o comandante da praça, Marco Antonio Bragadino, a quem mandara esfolar vivo, e cuja pele cheia de palha fizera conduzir por toda a cidade. A narração dessas crueldades acendeu o ódio da tropa cristã, que ansiava por defrontar-se com os otomanos.

O embate já então era iminente, dada a proximidade em que se encontravam os dois exércitos. O vento soprava do Levante, o céu estava encoberto e o mar era cinzento e cheio de névoa naquele sexto dia do mês. Os católicos não sabiam que o vento que os detinha era o mesmo que convidava o inimigo a deixar seu refúgio em Lepanto, e assim tornava possível a batalha. Com efeito, se os turcos não se resolvessem a sair, seria muito difícil desalojá-los de seu reduto. O estreito de Lepanto era protegido por duas fortalezas, cujos canhões fariam grande estrago à armada da Liga. A noite caiu, envolta em um silêncio misteriosamente cheio de prenúncios.

Às duas horas da madrugada do domingo, 7 de outubro, um vento fresco vindo do poente limpou completamente o céu, prometendo um dia ensolarado. Antes do amanhecer, D. João mandou levantar âncoras e soltar as velas. Quando as naus cristãs, tendo passado pelo canal que ficava entre a ilha de Oxia e o cabo Scrofa, desembocavam no golfo de Patras, uma fragata ligeira mandada em reconhecimento veio ao seu encontro, com a informação de que a esquadra turca estava a poucas milhas de distância. A bandeira que devia sinalizar a presença do inimigo tremulou no mastro da capitânia vanguarda. Depois de uma rápida deliberação com Veniero, o generalíssimo ordenou que todos se dispusessem em ordem de batalha. Fez-se ouvir o troar de um canhão, enquanto era içado o estandarte da Santa Liga no mastro mais alto da galera capitânia.

"Aqui venceremos ou morreremos" — bradou D. João entusiasmado, ao acompanhar as evoluções da esquadra católica.

Seis pesadas galeras venezianas, comandadas por Francisco Duodo, rumaram lentamente para seus postos, na vanguarda. Como que no desejo de esmagar os otomanos num terrível amplexo, a esquadra católica procurou estender-se o quanto pôde, desde o litoral até o alto mar. À esquerda o veneziano Barbarigo, com 64 galeras, alargou seu flanco em direção ao litoral, para evitar um envolvimento dos inimigos pelo norte. Dom João comandava o centro, ladeado por Colonna e Veniero; o catalão Requeséns vinha um pouco mais atrás. A esquadra espanhola de Andrea Doria, com 60 naus, formava a ala direita, em direção ao mar alto. As 35 embarcações do Marquês de Santa Cruz aguardavam ordens à retaguarda, para uma eventual intervenção.

Também o almirante otomano — Kapudan-Pachá Muesinsade Ali, que passou à História como Ali-Pachá — dispôs sua esquadra para o combate. A ala direita, que devia defrontar-se com Barbarigo, compunha-se de 55 galeras e era comandada por Maomé Shaulak, governador de Alexandria; a ala esquerda, à qual cabia opor-se a Andrea Doria, era formada por 73 unidades às ordens do temível corsário Uluch Ali (Occhiali), um renegado calabrês que, segundo se dizia, fora frade; o centro, finalmente, com 96 galeras, estava sob o mando direto do próprio Ali-Pachá e constituía a elite da armada infiel. Uma divisão de reserva ficara à retaguarda.

O generalíssimo turco parecia querer investir resolutamente pelo centro, e ao mesmo tempo envolver os cristãos, aproveitando-se da sua superioridade numérica sobre estes (286 naus contra 208). O vento soprava de leste, favorável aos infiéis, enquanto os católicos tinham que se mover à força de remos. Decorreram quatro horas até que as duas armadas estivessem prontas para o confronto. O vento amainara.
A essa altura, Doria chegava à nau de D. João d’Áustria para propor um conselho de guerra, no qual se discutisse se convinha ou não dar combate a um inimigo numericamente superior. O generalíssimo limitou-se a responder-lhe: "Não é mais hora de falar, mas de lutar!" Doria voltou ao seu posto, tendo antes proposto a D. João que mandasse cortar o enorme esporão que pesava na proa das galeras. A vantagem desta medida, indicada pelo astuto genovês, revelou-se enorme: aliviou as naus, facilitando as manobras, e ademais permitiu que o canhão central, em vez de atirar por cima, visasse diretamente o alvo, com maior impacto.































D. João quis passar uma última revista a suas tropas. Subiu a uma fragata e percorreu o corpo central e a ala direita da esquadra. Dom Luiz de Requeséns foi incumbido de visitar a outra ala. O comandante supremo apresentou-se aos nobres e à tripulação de cada nau, levando na mão um crucifixo e conclamando com ardor para o lance iminente: "Este é o dia em que a Cristandade deve mostrar seu poder, para aniquilar esta seita maldita e obter uma vitória sem precedentes". E mais adiante: "É pela vontade de Deus que viestes todos até aqui, para castigar o furor e a maldade destes cães bárbaros. Todos cuidem de cumprir seu dever. Ponde vossa esperança unicamente no Deus dos Exércitos, que rege e governa o universo". A outros, dizia: "Lembrai-vos de que combateis pela Fé; nenhum poltrão ganhará o Céu".
A resposta a essas palavras eram aclamações estrepitosas, e não havia quem não se mostrasse ao jovem general em atitude ufana e combativa. Enquanto isso, ele fazia distribuir escapulários, medalhas e rosários. O entusiasmo levou a tropa a tomar-lhe o chapéu e as luvas; por fim D. João voltou à sua capitânia, a fim de armar-se para o combate.

Ouvia-se do lado do inimigo um som fanhoso de cornetas, um crescendo de vociferações, o estrépito de címbalos e o sinistro percutir das cimitarras sobre os escudos. Os infiéis entretinham-se com danças, acompanhadas pelo crepitar de armas de fogo. Escachoam as gargalhadas, e a soldadesca escarnece da presunção dos que ousavam enfrentar o poderio imenso do sultão: "Esses cristãos vieram como um rebanho, para que os degolemos!" A ordem dada por Ali-Pachá era não fazer prisioneiros.

Reaparece D. João. Sua armadura e seu elmo brilham ao sol, que agora está a pino, sem nenhuma nuvem a toldar o céu. O Príncipe ajoelha-se e reza. Todos os seus homens fazem o mesmo. No meio de um silêncio grandioso, os religiosos davam a última bênção e a absolvição geral aos que iam expor-se à morte pela Fé. Do lado inimigo também tudo se aquietara. Anjos e demônios pareciam fazer sentir sua presença e a transcendência do fato que ia ocorrer.

A cabeça de Ali-Pachá na ponta de uma lança
 
As esquadras se aproximam. No momento azado, Ali-Pachá manda dar um tiro de canhão para chamar os cristãos à luta. Dom João d’Áustria aceita o desafio, respondendo com outro tiro. O vento mudara inesperadamente. Os estandartes do Crucificado e da Virgem de Guadalupe investem contra as bandeiras vermelhas de Maomé, marcadas com a meia-lua, estrelas e o nome de Alá bordado a ouro. Nesse momento o Céu já enviara um augúrio da vitória: o primeiro tiro que partira contra os infiéis lhes afundara uma galera. Aos gritos de "Vitória! Vitória! Viva Cristo!", os cruzados lançaram-se com toda a energia na batalha.














Os turcos procuravam dar a maior amplitude a seu deslocamento, para envolver um dos flancos do adversário. Doria tenta impedir-lhes a manobra, mas afasta-se demais da zona que lhe havia sido designada, abrindo um perigoso vão entre a ala sob seu comando e o centro da esquadra cristã.

Os 264 canhões de Duodo, abrindo fogo, conseguem romper a linha inimiga. Começam as abordagens.
O apóstata italiano Uluch Ali entra pelo vazio deixado por Doria. Com suas melhores naves, lança-se no combate em que o centro dos cristãos estava engajado, e com algumas galeras pesadas mantém Doria afastado. Neste lance iam sendo aniquiladas as tropas de Doria, e a reserva do Marquês de Santa Cruz não podia socorrê-las, pois estava empenhada em auxiliar os venezianos da ala esquerda, junto ao litoral.

Ali-Pachá, reconhecendo pelos estandartes a galera de D. João, abalroou-a com seu próprio navio, proa contra proa, e lançou sobre ela toda uma tropa de janízaros escolhidos. Neste momento o conselho de Doria provou sua eficácia: desembaraçada do esporão, a artilharia da nau católica pôs-se a dizimar a tripulação da "Sultana", a nave de Ali-Pachá. Em socorro desta acorreram mais sete galeras turcas, que despejaram mais janízaros sobre a ponte ensangüentada da capitânia de D. João. Duas vezes a horda turca penetrou nesta até o mastro principal, mas os bravos veteranos espanhóis obrigaram-na a recuar. Dom João contava agora com apenas dois barcos de reserva, sua tropa tinha sofrido muitas baixas, e ele mesmo fora ferido no pé. A situação ia-se tornando cada vez mais perigosa, quando o Marquês de Santa Cruz, tendo liberado os venezianos, veio em socorro do generalíssimo e este pôde repelir os janízaros.

A batalha chegara ao seu auge. As águas tingiam-se de sangue, ressoavam gritos e gemidos dos que lutavam, dos feridos, mutilados e agonizantes. O estrondo das armas de fogo entrecruzava-se com o tinir das lâminas de aço, num concerto trágico e grandioso. Sucediam-se umas às outras as proezas. O sangue nobre corria. Um após outro caíram Juan de Córdoba, Fábio Graziani, Juan Ponce de León. O velho Veniero lutava de espada na mão, à frente de seus soldados. O general veneziano Barbarigo tombara ferido por uma flecha no olho, quando, para dar ordens a seus homens, afastara o escudo que o protegia. "É um risco menor do que o de não conseguir fazer-me entender numa hora destas!" — respondera a alguém que o advertia do perigo. O jovem Alexandre Farnese, Duque de Parma, entrou sozinho numa galera turca, e não morreu. De sua parte, o inimigo tentava toda espécie de manobras e dava inegáveis provas de valor.
O momento era crítico, e ainda deixava muitas dúvidas quanto ao desenlace da batalha, quando Ali-Pachá, defendendo a "Sultana" de mais uma investida cristã, caiu morto por uma bala de arcabuz espanhol (ou suicidou-se, segundo outra versão). Eram 4 horas da tarde.

O corpo do generalíssimo dos infiéis foi arrastado até os pés de D. João. Um soldado espanhol avançou sobre ele e cortou-lhe a cabeça. Esta, por ordem do Príncipe, foi então erguida na ponta de uma lança, para que todos a vissem. Um clamor de alegria vitoriosa levantou-se da capitânia católica. Os turcos estavam derrotados, e o pânico espalhou-se celeremente entre suas hostes, a partir do momento em que o estandarte de Cristo começou a drapejar sobre a "Sultana".

Uluch Ali ainda investiu sobre a ala direita comandada por Andrea Doria. Mas, atacado pelo Marquês de Santa Cruz, tratou de fugir.

O veneziano Girolamo Duodo conta que "uma grande parte dos escravos cristãos, que se encontravam nos navios inimigos, compreendeu que os turcos estavam perdidos. Apesar dos guardas, esses infelizes multiplicaram seus esforços para buscar a salvação na fuga e favorecer a vitória dos nossos. Em pouco tempo, ei-los combatendo em todos os setores onde há guerra, com uma coragem sem igual. Seu ardor é decuplicado pelos gritos que ecoam de todos os lados: "A vitória é nossa!". Nos navios da Liga, os galés — que tinham sido armados de espada — abandonavam os remos quando havia abordagem e lutavam valentemente contra os turcos.

Uma Senhora de aspecto majestoso e ameaçador

Os restos da esquadra inimiga batem em retirada e se dispersam, enquanto as trombetas católicas proclamam a todos os ventos a vitória da Santa Liga, na maior batalha naval que a História jamais registrara.

A tarde começava a cair e prometia um mar agitado. No crepúsculo daquele santo dia, os navios da Liga se reagrupavam e mal podiam navegar através dos restos da batalha: cadáveres, remos e mastros espalhados bizarramente pela água. As embarcações apresadas vinham à retaguarda das galeras católicas, arrastadas humilhantemente pela popa.

As perdas dos infiéis tinham sido enormes: 30 a 40 mil mortos, 8 ou 10 mil prisioneiros (entre os quais dois filhos de Ali-Pachá e quarenta outros membros das famílias principais do império), 120 galeras apresadas e cinqüenta postas a pique ou incendiadas, numerosas bandeiras e grande parte da artilharia em poder dos vencedores. Doze mil cristãos escravizados alcançaram a liberdade. A Liga perdeu doze galeras e teve menos de 8 mil mortos.

Soube-se depois que, no maior fragor da batalha, os soldados de Mafoma tinham avistado acima dos mais altos mastros da esquadra católica uma Senhora, que os aterrava com seu aspecto majestoso e ameaçador.

É hora de dar graças a Jesus Cristo pela vitória

Bem longe dali, o Papa aguardava ansioso notícias da esquadra católica. Desde a chegada de D. João a Messina, redobrara de orações e jejuns pela vitória das armas cristãs, e instava para que monges, cardeais e fiéis rezassem e jejuassem na mesma intenção. Confiava sobretudo na eficácia do rosário, para obter o socorro onipotente da Virgem.

No dia 7 de outubro ele trabalhava com seu tesoureiro, Donato Cesi, o qual lhe expunha problemas financeiros. De repente, separou-se de seu interlocutor, abriu uma janela e entrou em êxtase. Logo depois voltou-se para o tesoureiro e disse-lhe: "Ide com Deus. Agora não é hora de negócios, mas sim de dar graças a Jesus Cristo, pois nossa esquadra acaba de vencer". E dirigiu-se à sua capela.

As notícias do desfecho da batalha chegaram a Roma, por vias humanas, duas semanas depois, por um correio que vinha de Veneza. Na noite de 21 para 22 de outubro o Cardeal Rusticucci acordou o Papa, para confirmar a visão que ele tinha tido. No meio de um pranto varonil, São Pio V repetiu as palavras do velho Simeão: "Nunc dimittis servum tuum, Domine, in pace" (Luc.2,29). No dia seguinte, a notícia foi dada em São Pedro, após uma procissão e um solene "Te Deum".

Soube-se depois que, no maior fragor da batalha, os soldados de Mafoma tinham avistado acima dos mais altos mastros da esquadra católica uma Senhora, que os aterrava com seu aspecto majestoso e ameaçador. 

















A vitória foi por todos atribuída à intervenção da Virgem. O dia 7 de outubro ficou consagrado a Nossa Senhora da Vitória, e mais tarde ao Santo Rosário. Além disso o Santo Padre acrescentou à Ladainha Lauretana uma invocação que nascera pela "vox populi", no momento da grande proeza: "Auxilium Christianorum". Na Espanha e na Itália começaram a surgir igrejas e capelas com a invocação de Nossa Senhora da Vitória. O senado veneziano pôs debaixo do quadro que representava a batalha a seguinte frase: "Non virtus, non arma, non duces, sed Maria Rosarii victores nos fecit" — Nem as tropas, nem as armas, nem os comandantes, mas a Virgem Maria do Rosário é que nos deu a vitória. Gênova e outras cidades mandaram pintar em suas portas a efígie da Virgem do Rosário, e algumas puseram em seu escudo a imagem de Maria Santíssima calcando aos pés o Crescente. Poetas e músicos procuraram enaltecer com seu gênio o grande acontecimento.

Também ao Papa se prestaram as maiores homenagens, pela participação decisiva que tivera na luta e no seu desfecho.

Logo depois das solenes celebrações da vitória, o Pontífice recebeu os embaixadores e os cardeais para deliberar sobre a continuação e ampliação da Liga e o prosseguimento da guerra, de modo a se tirar todo o proveito da "maior vitória jamais obtida contra os infiéis". O plano de São Pio V era promover uma confederação européia e obter o concurso de certos régulos maometanos, rivais do sultão, para expulsar da Europa o Crescente, e afinal investir contra Constantinopla e retomar o Santo Sepulcro, aniquilando definitivamente o perigo muçulmano.

Mas, apesar de ingentes esforços, o Papa não conseguiu mover os príncipes católicos. A Liga se desfez. O Rei da França propôs ao sultão uma aliança contra a Espanha.

Chamando-o ao Céu em primeiro de maio de 1572, a Providência poupou a São Pio V o desgosto de ver que a vitória de Lepanto, depois de salvar a Cristandade, ficaria sem conseqüências estratégicas e políticas imediatas. Tanto maiores foram certamente os efeitos mediatos. A História é testemunha de que a lenta decadência do poderio naval dos otomanos começou com a jornada de Lepanto.

O último ato de governo do Santo Pontífice consistiu em entregar a seu tesoureiro um pequeno cofre com 13 mil escudos, dos quais costumava fazer suas esmolas particulares, dizendo-lhe: "Isto prestará bons serviços à guerra da Liga".

(Giovan Tinelli di Olivano, in "Catolicismo" nº 250, outubro de 1971)




Domsingknaben Limburg cantará a Missa das 19h, na Catedral de Novo Hamburgo, RS

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Informação do amigo e leitor Leandro Escher:

 O coro Domsingknaben Limburg (Meninos Cantores da Catedral de Limburg) estará cantando na Missa das 19 h na Catedral de Novo Hamburgo, RS, no próximo 9 de outubro. Após a Missa, o coro fará uma pequena apresentação do seu repertório de concerto.

O Domsingknaben Limburg foi fundado em 1967 pelo bispo Dr. Wilhelm Kempf e agora estão entre os melhores coros meninos da Alemanha. A principal tarefa do coro está no projeto da Missa Solene na Catedral de Limburg. Além disso, outras obrigações litúrgicas decorrentes de serviços nas paróquias da Diocese de Limburg.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O Próprio da Missa, antes e agora - por D. Mark Kirby, OSB

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Fonte: Rorate Coeli
Tradução de Alfredo Votta para o Salvem a Liturgia. Notas do tradutor aparecem entre colchetes: [ ]















O Próprio da Missa, antes e agora
e as palavras confusas do documento que introduziu a nova Missa, em 1969, a respeito do Graduale.
Conferência proferida por Dom Mark Kirby, OSB, no Simpósio Internacional: Concílio e Continuidade, realizado pela Diocese de Phoenix (EUA). Reprodução do texto integral autorizada pelo autor, disponível em Vultus Christi).

Introdução
Até a aprovação do Novo Missal Romano pelo Papa Paulo VI em 3 de Abril de 1969, existira durante quatrocentos anos uma unidade substancial entre os textos do Próprio da Missa contidos no Graduale Romanum e aqueles prescritos pelo Missal Romano. O Missal, com efeito, reproduzia os textos completos das partes cantadas da Missa, que no Graduale Romanum apareciam em notação musical completa.

Os Cantos do Próprio da Missa são tomados pelo Missal no Graduale Romanum, e não o contrário. O Missal, de fato, contém os mesmos textos encontrados no Graduale, mas no Missal eles aparecem impressos sem a notação musical que lhes permite existir musicalmente e, de certa forma, que os interpreta no contexto da Liturgia. A roupagem melódica dos textos funciona como uma hermenêutica litúrgica, permitindo que sejam cantados, ouvidos e recebidos à luz dos Mistérios de Cristo e da Igreja.

Originalmente a Missa era sempre cantada. Não foi antes dos séculos VIII ou IX que a chamada Missa Baixa ou Missa Privada veio a ser celebrada em altares laterais e capelas privadas das igrejas abaciais ou colegiadas. Os Cantos do próprio da Missa não eram omitidos nas Missas Baixas; eram recitados pelo sacerdote, sozinho. Tal fato sugere que bem antes do século VIII os Cantos do Próprio eram considerados elementos constitutivos da Missa, vistos como indispensáveis para a própria forma da Liturgia.

O que é o Próprio?
Revejamos, então, o que são os Cantos do Próprio da Missa:

Introito
Se abríssemos o Missal Romano na primeira página, encontrando nele a Missa do Primeiro Domingo do Advento, veríamos que o primeiro elemento do próprio desta Missa, e de todas as outras, é o Introito.

O Introito é composto de uma antífona; um versículo tomado de um salmo correspondente à antífona ou, às vezes, de outro salmo; o Gloria Patri [Glória ao Pai]; e a repetição da antífona.

O Introito, na forma apresentada no Missal Romano, aparece de forma um tanto truncada, embora todos os elementos essenciais – antífona, salmodia e doxologia – estejam presentes. Até o século VIII se cantava um salmo inteiro, ou pelo menos grande parte de um salmo, com a antífona repetida depois de cada versículo, e isto até que o celebrante chegasse ao altar, ponto em que os cantores entoavam o Gloria Patri e, depois de uma última repetição da antífona, terminavam o Introito.

O propósito do Introito na tradição do Rito Romano não é didático; é contemplativo. O Introito introduz a alma no mistério do dia não por meio de uma explicação, mas abrindo a Missa com uma palavra vinda do alto. O texto do Introito significa que, em todas as celebrações, a iniciativa é divina, e não humana; uma palavra recebida que desperta a Igreja em oração e a estimula a responder.

A respeito do Introito escreve Maurice Zundel:

A alma deve simplesmente ouvir, sua única preparação deve ser um grande desejo de luz, de alcançar a música interior das palavras, e entender que Alguém lhe fala, Alguém que estava à sua espera.

Ele chama o Introito de

… um arco triunfal no início de uma estrada romana, pórtico por meio do qual nos aproximamos do Mistério, uma mão estendida a uma criança em prantos, um companheiro amado no lamento do exílio. A Liturgia não é uma fórmula. É Aquele que vem ao nosso encontro.

Gradual
O Gradual recebeu seu nome da palavra latina gradus, que significa “degrau”, porque o cantor o cantava sobre um degrau que levava ao ambão. A estrutura do Gradual é uma frase inicial, quase sempre tomada do Saltério, seguida por um verso cantado por um ou mais cantores. A primeira parte pode ser repetida.

O tratamento musical do Gradual é melismático, isto é, pródigo, generoso, e caracterizado por grandes voos e cascatas de notas que aumentam e embelezam o texto sagrado.

Escreve Maurice Zundel:

O que realmente importa nas palavras não são seus significados definidos rigidamente conforme encontramos no dicionário, mas a aura imponderável na Presença indescritível, na qual todas as coisas estão mergulhadas, percebida palidamente.
É nos espaços silenciosos que a poesia e a música abrem em nós que as fórmulas doutrinais podem ser ouvidas em sua mais ampla ressonância.
Portanto, é natural invocar seu auxílio depois da leitura da Epístola. Pois se deve permitir que esta mensagem frutifique em nossa meditação pessoal até que façamos contato com a Presença da qual os textos estão imbuídos. Devemos ouvir esta única Palavra que é seu verdadeiro sentido e que nenhuma palavra humana consegue exprimir.
O canto do Gradual proporciona tal intervalo de silêncio e tempo de repouso no qual o ensinamento há pouco recebido pode se transformar em oração, no doce movimento da Cantilena destilando em neumas de luz um orvalho divino.

Alleluia
O Alleluia é um brado de júbilo à aproximação do Rei que há de chegar na proclamação do Santo Evangelho; canto cheio de mistério, deixando o território dos meros conceitos e palavras, planando pelas vocalizações extáticas de quem foi envolvido pelo mistério inefável.

São João relata que o Alleluia é um hino celestial. É o canto com que os santos glorificam a Deus e ao Cordeiro. O Alleluia é universal, encontrado em todas as Liturgias do Oriente e do Ocidente. Esta presença universal do Alleluia no culto cristão atesta sua grande antigüidade.

Um versículo ou frase, geralmente, mas nem sempre, do Saltério, segue o Alleluia. Depois do versículo, o Alleluia é repetido.

Seqüência
A seqüência prolonga o júbilo do Alleluia, juntando os neumas que dele jorram para os organizar em melodia silábica, abrindo espaço à expressão poética do mistério celebrado.

Cinco seqüências permanecem no Missal Romano: Victimae Paschali Laudes na Páscoa; Veni Sancte Spiritus em Pentecostes; Lauda Sion Salvatorem em Corpus Domini; Stabat Mater em 15 de Setembro [Nossa Senhora das Dores]; e o Dies Irae na Missa de Réquiem [pelos fiéis defuntos].

O Missal Romano de 1969 retém apenas quatro destas seqüências, tendo o Dies Irae sido removido para a Liturgia das Horas, na qual serve como hino para as duas últimas semanas do Tempo Comum.

Trato
Enquanto o Alleluia é a expressão de júbilo que desafia toda expressão, o Trato é característico de uma Liturgia marcada por dor e compunção. É encontrado na Missa, principalmente, da Septuagésima até a Páscoa.

Originalmente o Trato era cantado pelo diácono no ambão, à maneira de uma leitura. Era feito do início ao fim sem refrão coral; é deste modo de execução que seu nome parece ter derivado.

O Trato prepara a assembleia para a escuta do Evangelho; não convidando a levantar-se em júbilo, como na chegada do Esposo, mas convidando a uma profunda recordação. O Trato, mais do que qualquer outro Canto do Próprio da Missa, ilustra que o Rito Romano é uma escola de audientes, uma escola formando ouvintes do Verbo.

A substituição, na Quaresma, do Alleluia por uma aclamação dirigida a Cristo (um modo de expressar o Alleluia sem dizer esta palavra) empobrece o Rito Romano que, no usus antiquior [Forma Extraordinária do Rito Romano, "Missa Tridentina"], demonstra que é possível preparar-se para o Santo Evangelho no silêncio de um pio lamento e compunção, tanto quanto no júbilo.

Ofertório
A Antífona do Ofertório, já no tempo de Santo Agostinho, era cantada para acompanhar a oferta do pão e do vinho pelos fiéis e clérigos. O Papa São Gregório Magno deu ao canto do Ofertório uma forma semelhante à do Introito: uma antífona e vários versículos do Saltério. A antífona era repetida antes de cada versículo; o canto durava até que o sacerdote sinalizasse para os cantores que era o momento de terminar; após o que ele se voltava para os fiéis para o Oratre Fratres ["Orai, irmãos..."].

Mesmo depois que a procissão do Ofertório, como tal, caiu em desuso, a Antífona do Ofertório continuou a ser cantada, embora sem seus versículos. A Antífona do Ofertório, via de regra, se toma do Saltério, embora ocasionalmente provenha de outros Livros da Sagrada Escritura. Em alguns poucos casos, como na Missa de Réquiem, trata-se de uma composição eclesiástica.

Quanto a suas características musicais, o Ofertório é das peças mais ricas e mais expressivas do repertório Gregoriano. Dom Eugène Vandeus, monge beneditino da primeira metade do século passado, escreve:

Mais místico e profundo do que o Introito e o Gradual, dispõe nossas almas ao recolhimento, de modo a mais convenientemente assistirem ao Adorável Sacrifício prestes a se renovar. A Antífona do Ofertório, então, mais do que qualquer outra parte da Missa, é sublime e inspirada oração se elevando ao trono de Deus.

Comunhão
A Antífona de Comunhão com seu salmo, estruturada como o Introito, acompanha a distribuição da Sagrada Comunhão. Terminada a Comunhão dos fiéis, o Gloria Patri é cantado, depois do que a antífona é repetida.

Enquanto a maior parte das Antífonas de Comunhão se tomam do Saltério, algumas delas são retiradas do Evangelho do dia. Estas Antífonas de Comunhão particulares, cantadas especialmente durante a Quaresma e o Tempo Pascal, significam que o mesmo Senhor Jesus Cristo que fala e age no poder do Espírito Santo no Evangelho da Missa, dá-Se a Si mesmo aos comungantes para cumprir neles o que o Evangelho proclamou e anunciou.

O Missal Romano de 1965
A revisão de 1965 do Missal Romano manteve os Cantos do Próprio em sua integridade, tais como constam do Graduale Romanum. Mesmo enquanto a Constituição para a Sagrada Liturgia do Concílio Vaticano II, Sacrosanctum Concilium, estava sendo implementada, não se questionou o lugar do Próprio. Eles permaneceram elementos constitutivos da Missa, tendo função estrutural e teológica, e não decorativa ou didática, na arquitetura da Missa.

O Missal de 1969
Quatro anos mais tarde, entretanto, o destino dos Cantos do Próprio da Missa parecia selado. Com relação aos Cantos do Próprio, a Constituição Apostólica do Papa Paulo VI Missale Romanum (3 de Abril de 1969) é confusa. Ela diz:

O texto do Graduale Romanum não foi alterado no que se se refere à música. Para que possam ser melhor compreendidos, entretanto, o salmo responsorial (freqüentemente mentionados por Santo Agostinho e São Leão Magno), assim como as antífonas de entrada e de comunhão, foram revisados para uso nas Missas que não são cantadas.

Com todo o respeito ao Papa Paulo VI, a Constituição Apostólica deixa de dizer:

1. Que a forma do Introito foi alterada para corresponder à sentença de abertura comum nas formas protestantes de culto;

2. Que o próprio texto revisado da Antífona de Entrada não mais corresponderá ao teto do Graduale Romanum e, em alguns casos, será um texto inteiramente novo, suscetível de integração aos comentários didáticos de abertura que, no novo Ordo Missae, podem se seguir à saudação;

3. Que mesmo os vestígios de salmodia do Introito tradicional desaparecerão inteiramente do Missale Romanum reformado;

4. Que os textos tradicionais do Gradual, do Trato, dos versículos alleluiáticos serão encontrados apenas no Graduale Romanum e não mais aparecerão junto com o Salmo Responsorial como opção legítima no Lecionário reformado;

5. Que a Antífona do Ofertório desaparecerá completamente do novo Missal Romano e será encontrada apenas no Graduale Romanum;

6. Que a Antífona de Comunhão, assim como a Antífona de Entrada, se tornará algo parecido com uma Sentença de Comunhão, e com freqüência não corresponderá ao texto do Graduale Romanum.

Assim começou a radical desconstrução da Missa do Rito Romano. Se admitimos que os Cantos do Próprio da Missa não são apenas decorativos, mas constitutivos de sua arquitetura, é necessário admitir, então, que remendá-los ou removê-los significa enfraquecer os alicerces do edifício, e correr o risco de seu colapso.

A Instrução Geral do Missal Romano [IGMR], também promulgada em Abril de 1969, em uma única expressão (sive alius cantus) efetivamente convidou os cupins a vir e terminar o trabalho. Piadas à parte, o texto latino da Instrução Geral colocou três opções para os Cantos do Próprio da Missa. São elas:

1. A antífona com seu salmo como dados no Graduale Romanum.

2. A antífona com seu salmo como dados no Graduale Simplex.

3. Outro canto (alius cantus) adequado à ação sagrada e ao caráter do dia ou do tempo litúrgico, com texto aprovação pela conferência episcopal.

A adaptação americana da IGMR em 2002
A adaptação americana de 2002 da mesma Instrução Geral do Missal Romano alargou as opções e, ao fazê-lo, fez com que o texto dos Cantos do Próprio da Missa Romana pareçam acessórios remotos dispensáveis da arquitetura da celebração.

Nas dioceses dos Estados Unidos da América há quatro opções para o Canto de Entrada:

1. A Antífona do Missal Romano ou o Salmo do Gradual Romano com a música deste mesmo livro, ou com outra música

2. Antífona sazonal [uma antífona geral para todos os dias de um mesmo tempo litúrgico] e o Salmo do Gradual Simples.

3. Um canto de outra coleção de salmos e antífonas aprovada pela Conferência dos Bispos ou pelo Bispo Diocesano, incluindo salmos em formas responsoriais ou métricas.

4. Um canto litúrgico adequado similarmente aprovado pela Conferência dos Bispos ou pelo Bispo Diocesano.

As opções são dadas em ordem de preferência. O Gradual Romano, que até então havia sido a primeira referência, caiu para o segundo lugar. A primeira opção é o texto da antífona dada no Missal Romano revisado; os “adaptadores” americanos supunham que estes textos serão colocados em música.

A segunda opção é a antífona e salmo do Gradual Romano; a adaptação americana acrescenta, curiosamente, que a música pode ser a do canto gregoriano ou outra composição.

A terceira opção é o Gradual Simples. Os padres do Concílio haviam, de fato, em Sacrosanctum Concilium, artigo 117, ordenado a preparação de um Gradual Simples, mais adequado para uso em igrejas menores.

A quarta opção, uma coleção de salmos e antifonas aprovados pela Conferência dos Bispos ou pelo Bispo Diocesano, não existe, até onde sei, em qualquer lugar dos Estados Unidos ou dos países de língua inglesa.

A quinta opção – claramente o último recurso – é um canto litúrgico adequado (saímos aqui dos salmos e antífonas encontrados nas opções de 1 a 4) similarmente aprovado pela Conferência dos Bispos ou pelo Bispo Diocesano.

A Instrução Geral do Missal Romano continua:

48. Se não há canto na entrada, a antífona do Missal é recitada ou pelos fiéis, ou por alguns deles, ou por um leitor; ou então, é recitada pelo próprio sacerdote, que pode adaptá-la como uma explicação introdutória.

O artigo 48, ao sugerir cinco maneiras diferentes de recitar a antífona do Missal, incluindo sua transformação pelo sacerdote em explicação introdutória – note aqui a primazia da didática – dá toques finais à insidiosa operação pela qual os Cantos do Próprio da Missa, mesmo na forma minimalista de textos recitados pelo celebrante, vieram a ser comum e completamente omitidos. Os Cantos do Próprio, que em 1964 ainda eram considerados elementos constitutivos da Missa, indispensáveis à forma da Liturgia, estavam, já em 1969, a caminho de sua substituição por composições estranhas ao Rito Romano, apagados da memória litúrgica coletiva.
Conclusão
Permitam-me formular um princípio, ou mesmo uma lei de evolução litúrgica. Eis: elementos de um rito tendem a ser neligenciados e, finalmente, a desaparecer completamente, proporcionalmente ao número de opções pelas quais possam ser substituídos ou modificados.

A meu ver, uma das tarefas mais urgentes da chamada Reforma da Reforma é a supressão da possibilidade de alius cantus aptus, e a restauração dos textos tradicionais do Próprio da Missa, cuidando para que os textos do Missale Romanum correspondam àqueles do Graduale Romanum. (Também defendo a restauração do texto da Antífona do Ofertório na edição típica do Missale Romanum reformado) A substituição, no atual Missal Romano, dos veneráveis textos cantos do Graduale Romanum por textos destinados à leitura, foi uma inovação sem precedentes, e um erro de grande proporção com conseqüências perniciosas para o Rito Romano.

Para concluir, eu defenderia que um uso mais amplo do Missal de 1962 e o exame cuidadoso dos Missais provisórios publicados antes de 1969, em todo ou em parte, estariam entre os meios mais eficazes de reabilitação e reapropriação dos Cantos do Próprio como elementos teológicos e estruturais indispensáveis da Missa de Rito Romano.

*

Comentário do tradutor
O diretor do nosso Salvem a Liturgia, o Rafael Vitola Brodbeck, me enviou este texto para traduzir e publicar. Ao lê-lo, compreendi bem seu interesse, que é também o meu, e que, estou certo, é também o de muitos dos nossos leitores.

Este interesse se deve ao fato de Dom Mark tocar num assunto ao mesmo tempo interessante e crucial. Além disto, consegue abordar pontos essenciais em poucas palavras, encontrando suas colocações nossa completa concordância. 

A livre escolha de música para a Liturgia, especialmente no Próprio, encontra-se atualmente em níveis extremos, particularmente no Brasil, onde vivemos e podemos observar. Os fóruns católicos e de músicos católicos estão repletos de debates, por exemplo, em que se pergunta se é certo ou errado usar música de bandas (ou cantores) protestantes na Missa. Que não nos enganemos: esta questão não tem nada a ver com protestantismo (a propósito, não são poucos os protestantes descontentes com a vulgarização e queda do nível da música utilizada nos cultos que freqüentam). A questão é litúrgica. A canção romântica composta e gravada pelo mais pio sacerdote encontra-se fora de lugar, se utilizada na Missa; um texto, ainda que do maior poeta do idioma, não pode substituir as palavras próprias da Liturgia. Como observa Dom Mark, o edifício corre o risco de desabar quando se enfraquecem seus alicerces.

A correção de rota precisa acontecer em todos os locais em que a Liturgia seja celebrada. Ajudará muito, também, se começar pelos lugares de maior visibilidade: as catedrais, grandes igrejas, santuários e locais cujas celebrações sejam regularmente transmitidas pela televisão; nesses lugares os problemas litúrgicos são óbvios, resultantes, na maior parte das vezes, de escolhas conscientes, e não de desconhecimento.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Santa Missa Semanal em Latim Forma Ordinária

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Todas as sextas-feiras é celebrada a Santa Missa em Latim na forma Ordinária do Rito Romano no Pontificio Collegio Internazione Maria Mater Ecclesiae em Roma de responsabilidade da Congregação dos Legionários de Cristo.

Postamos a seguir as fotos da Santa Missa do último dia 23/09/2011 celebrada pelo Pe. James Brooks, LC







terça-feira, 4 de outubro de 2011

Mons. Guido Pozzo: Ecclesia Dei, FSSPX, erros litúrgicos e reforma da reforma, via Fratres in Unum

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Do Fratres in Unum:


O chefe da Ecclesia Dei acerca dos colóquios com a FSSPX.

Entrevista de Gloria.TV a Mons. Guido Pozzo, Secretário da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei

Fonte: MessaInLatino |Tradução: Pale Ideas

- Monsenhor, o senhor participou do diálogo com a Fraternidade Sacerdotal São Pio X. Qual foi sua impressão pessoal dessas reuniões? Em que ponto estamos? Crê que chegaremos logo a uma reconciliação?

Minha impressão é substancialmente positiva quanto à cordialidade com que o diálogo, o colóquio se desenvolveu, e devo dizer que sempre foi um diálogo muito franco, sincero e, por vezes, vivaz, como era de se esperar, dada a problemática e a temática em discussão. Penso que chegamos a um ponto decisivo, mesmo que, certamente, não conclusivo deste caminho, e que serviu para esclarecer amplamente e de modo aprofundado as posições respectivas da Fraternidade São Pio X e dos especialistas da Congregação pela Doutrina da Fé; agora, trata-se justamente de passar a um patamar mais valorativo, a um nível valorativo dos pontos controvertidos, para verificar a possibilidade concreta de chegar à superação das dificuldades doutrinais que foram afrontadas.

- Existe um modus procedendi, caso o Preâmbulo doutrinal não venha a ser firmado?

Nesta fase, o texto do Preâmbulo doutrinal foi entregue a Mons. Fellay, aos superiores da Fraternidade, para que eles possam examiná-lo e dar uma resposta, que nós auspiciamos seja em substância favorável, positiva, afirmativa. Há sempre a possibilidade de pedir certos detalhamentos, certos esclarecimentos, que de nossa parte serão certamente dados, dentro de um lapso de tempo razoável [ou seja: algumas modificações no texto do Preâmbulo, NdR]. Questionar-se o que vai acontecer se as dificuldades viessem a ser consideradas graves, intransponíveis, parece-me que seja impróprio. Neste momento, não nos colocamos este problema.

- A Fraternidade não surgiu do nada, mas como resposta a uma gravíssima crise eclesiástica, sobretudo em países como a Alemanha, a França ou a Suíça. Esta crise persiste. Crê que, depois de um acordo feito em Roma, a Fraternidade possa coabitar nestes Países debaixo do teto da Igreja institucional?

Eu responderia simplesmente que quem é verdadeira e plenamente católico pode habitar plena e devidamente na Igreja Católica, onde quer que a Igreja Católica exista e se desenvolva. Não é apenas uma afirmação de princípio, é uma afirmação existencial que corresponde à realidade da Igreja Católica. Isto, naturalmente, não significa que não existam dificuldades, até por causa da situação crítica em que se encontram muitos católicos, o mundo católico, nestes e em outros países, mas não creio que na história não se verificaram casos análogos, e, portanto, a resposta é muito simples: quem é verdadeira e plenamente católico não apenas tem o direito, mas vive bem e se encontra bem dentro da Igreja Católica.

- Quais são as razões da hostilidade de muitos ambientes eclesiásticos contra uma liturgia que a Igreja e muitíssimos santos celebraram por um período tão longo e que foi o instrumento do crescimento espetacular da Igreja? [esta é a pergunta que muitos de nós se põem. Na realidade, não pode haver uma resposta satisfatória, pois a razão é visceral, não racional: uma inteira geração de sacerdotes sofreu uma capilar, penetrante, totalitarista lavagem cerebral, motivo pelo qual tudo o que se fazia até 1962 era retrógrado e errado; é quase impossível, agora, reparar os danos cerebrais causados por aquele condicionamento pluri-decenal, NdR].

É uma pergunta complexa porque acredito que muitos fatores intervêm para compreender este preconceito ainda tão difundido contra a liturgia da forma extraordinária do Rito Antigo. É de se ter em mente que, por muitos anos, não foi oferecida uma formação litúrgica verdadeiramente adequada e completa na Igreja Católica. Quis-se introduzir o princípio de uma ruptura, de um afastamento, de um distanciamento radical entre a reforma litúrgica proposta, instaurada, promulgada pelo Papa Paulo VI e a liturgia tradicional. Na realidade, as coisas são diferentes, porque é claro que há uma continuidade substancial na liturgia, na história da liturgia; há crescimento, progresso, renovação, mas não ruptura, não descontinuidade; e, então, estes preconceitos influenciam de maneira determinante na forma mentis das pessoas, dos eclesiásticos e também dos fieis [os fieis e os eclesiásticos não seriam pessoas? NdTª]. É necessário superar este preconceito, é necessário dar uma formação litúrgica completa, autêntica, e ver como, precisamente, uma coisa são os livros litúrgicos da reforma quista por Paulo VI e outra coisa são as formas de atuação que em tantas partes do mundo católico aconteceram na prática e que são autênticos abusos da própria reforma litúrgica de Paulo VI, e contêm inclusive erros doutrinais que devem ser corrigidos e rejeitados. É isto que, recentemente, no fim da primavera deste ano, em um discurso no Ateneo Anselmiano, o Santo Padre Bento XVI quis mais uma vez reafirmar. Uma coisa são os livros litúrgicos da reforma, outra as formas concretas de atuação que, infelizmente, em tantas partes se difundiram e que não são coerentes com os princípios que foram fixados e explicitados pela própria Constituição do Concílio Vaticano II, “Sacrosantum Concilium”, sobre a divina liturgia.

- O Preâmbulo confidencial foi entregue a Mons. Fellay em 14 de setembro. Um dia depois, Andrea Tornielli estava já informado a respeito. Por que as informações confidenciais do Vaticano chegam tão rapidamente à imprensa?

A habilidade dos jornalistas é muito conhecida, é uma habilidade de interceptar as notícias que é realmente admirável sob certo ponto de vista, mas diria que neste caso os jornalistas, não apenas o jornalista Tornielli mas outros também, no dia seguinte haviam capturado a essência [A. Tornielli não disse que capturou alguma essência, afirmou que recebeu informações intra muro, NdTª] do comunicado de imprensa que já informava sobre alguns elementos essenciais do Preâmbulo doutrinal, e, então, diria que os conteúdos profundos do Preâmbulo, em seus detalhes, não são conhecidos, pelo menos até agora não foram divulgados; e os jornalistas não falaram sobre eles, não descreveram em detalhes o desenvolvimento e a elaboração do Preâmbulo doutrinal; então, a discrição, substancialmente, neste caso, creio que foi mantida. Espero que continue assim.

- O senhor, antes de fazer parte de Ecclesia Dei, teve experiências pessoais com a Missa em latim? Como viveu as mudanças litúrgicas nos anos sessenta?

As perguntas são duas, e à primeira respondo que, antes do motu proprio Summorum Pontificum de 2007, eu não tive nenhum contato com a celebração da Missa no rito antigo, e comecei a celebrar a Missa no rito da forma extraordinária justamente com o motu proprio Summorum Pontificum, que permitiu que esta Missa pudesse ser celebrada desta forma.

Como vivi nos anos sessenta, nos anos setenta as mudanças? Bem, devo dizer que, conforme o modo como fui formado e preparado pelos meus educadores no Seminário, e, sobretudo, também na Pontifícia Universidade Gregoriana, pelos meus mestres de teologia, procurei sempre entender aquilo que o Magistério propunha através da leitura de seus textos, não através do que teólogos ou certa publicística católica atribuía ao Magistério. Portanto, eu nunca tive problema em aceitar a Missa pela reforma litúrgica de Paolo VI, mas logo percebi que, por causa desta grande desordem que se introduziu na Igreja depois de 1968, frequentemente a Missa de Paulo VI vinha sendo deformada e celebrada em modo absolutamente contrário às intenções profundas do legislador, isto é, do Sumo Pontífice; portanto, esta desordem, este colapso da liturgia de que falou o então Cardeal Ratzinger em alguns de seus livros e em algumas de suas publicações de liturgia, eu até o experimentei assaz diretamente e sempre quis manter separadas as duas coisas: uma coisa são os ritos, os textos do missal, outra coisa é o modo como é celebrada, ou era celebrada a liturgia em muitas circunstancias e em muitos lugares, sobretudo com base neste princípio da criatividade, uma criatividade selvagem que nada tem a ver com o Espírito Santo; pelo contrário, diria, que é exatamente o oposto do que o Espírito Santo quer.

- Porque vale a pena promover a Missa em latim?

Porque na Missa do Rito Antigo são explicitados, evidenciados certos valores, certos aspectos fundamentais da liturgia que merecem ser mantidos, e não falo somente da língua latina ou do canto gregoriano, falo do sentido do mistério, do sagrado; o sentido do sacrifício, da Missa como sacrifício; a presença real e substancial de Cristo na Eucaristia, e do fato de que há grandes momentos de recolhimento interior, como uma participação interior à divina liturgia. É isto, são todos elementos fundamentais, os quais na Missa do Rito Antigo são particularmente evidenciados. Não digo que na Missa da reforma de Paulo VI não existam estes elementos, mas falo de uma evidenciação maior, e isto pode enriquecer também quem celebra ou participa da Missa na forma ordinária. Nada proíbe de pensar que no futuro se possa chegar inclusive a uma reunificação das duas formas com elementos que se integram entre si, mas este não é um objetivo para se alcançar em curto espaço de tempo, nem, sobretudo, para se alcançar com uma decisão tomada levianamente, mas requer uma maturação de todo o povo cristão em compreender ambas as formas litúrgicas do mesmo rito romano.

Obs.: NdR é MessaInLatino. NdTª sou eu. Grifos [negrito] no textos são de Pale Ideas.
Os sublinhados são do Salvem a Liturgia. Outro detalhe é atentar para a impropriedade da expressão "Missa em latim" quando aplicada à forma extraordinária, de vez que a forma ordinária, de Paulo VI, também pode ser celebrada em latim, e o é frequentemente por vários sacerdotes, Bispos e pelo Papa.

São Francisco, modelo de amor eucarístico para os sacerdotes e os fiéis

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Do blog Subsídios Litúrgicos:

São Francisco de Assis, diácono, usando dalmática


por Frei Stefano Maria Manelli, FI
Fundador dos Franciscanos da Imaculada
Congregação para o Clero

São Francisco de Assis, «ardia com o fervor do mais profundo de todo o seu ser para com o sacramento do Corpo do Senhor, pois ficava absolutamente estupefato diante de tão amável condescendência e de tão digna caridade. Achava que era um desprezo muito grande não assistir pelo menos a uma missa cada dia, se pudesse. Comungava com freqüência e com tamanha devoção que tornava devotos também os outros. (...)

Certa ocasião quis mandar os frades pelo mundo com preciosas âmbulas para guardarem o preço de nossa redenção no melhor lugar, onde quer que o encontrassem guardado de maneira menos digna.

Queria que se tivesse a maior reverência para com as mãos sacerdotais, pelo poder divino que lhes foi conferido para a confecção do santo sacramento. Dizia freqüentemente: “Se e acontecesse de encontrar ao mesmo tempo um santo descido do céu e um sacerdote pobrezinho, saudaria primeiro o presbítero, e me apressaria a beijar as suas mãos. Até diria: ‘Espera, São Lourenço, porque as mãos deste homem tocam a Palavra da vida e têm algo de sobre-humano’”» [1].

Nesta excepcional página do Bem-aventurado Tomás de Celano, primeiro biógrafo de São Francisco de Assis, é resumida toda a sua vida Eucarística, rica de amor e de fé, de devoção e fervor. Não falta mesmo nada para que seja uma vida Eucarística exemplar, plena e perfeita para todos: tanto para os próprios sacerdotes como para os simples fiéis.

A Santa Missa, a Santa Comunhão, a adoração Eucarística, o decoro do altar e das Igrejas, a veneração pelos Sacerdotes, ministros da Eucaristia: em tudo isto São Francisco é de tal modo Mestre e modelo que se pode considerá-lo verdadeiramente não apenas como um Santo Eucarístico, mas como um serafim enamorado da Eucaristia.

Entre todos os seus filhos, veremos figuras admiráveis de serafins da Eucaristia, como Santo Antônio de Lisboa (de Pádua) e São Boaventura, que escreveram páginas de doutrina sublime e de comovente amor à Eucaristia; como São Pasqual Baylon, declarado patrono dos Congressos Eucarísticos; como São José de Copertino, que levitava num vôo estático na direção dos Ostensórios e Sacrários; como o Bem-aventurado Mateus de Gingenti e o Bem-aventurado Boaventura de Pontenza, que, depois de mortos, com seus próprios corpos cadavéricos, adoraram a Eucaristia; como São Pio de Pietrelcina, que por muitas horas, de dia e de noite, velava em oração diante do Altar Eucarístico.

Para São Francisco, a Santa Missa era um mistério de graça tão sublime que, na carta ao Capitulo geral e a todos os frades, escreveu esta exclamação de fogo: «pasme o homem inteiro, estremeça todo o mundo e exulte o céu quando, sobre o altar, na mão do sacerdote, está Cristo, Filho do Deus vivo». [2]

A coisa que impressiona São Francisco é o amor de Jesus, impelido a uma humildade inconcebível: «Ó admirável alteza e estupenda condescendência! Ó humildade sublime! Ó sublimidade humilde, pois o Senhor do Universo, Deus e Filho de Deus, de tal maneira se humilha que, por nossa salvação, se esconde sob uma pequena forma de pão!» [3]

Por isto, considerava grande falta de amor da nossa parte a ausência à Missa diária. Por isto ele assistia pelo menos uma Santa Missa por dia mas, quando estava doente, dentro de suas possibilidades, pedia que lhe celebrassem a Santa Missa em sua cela, ou pelo menos pedia para que lhe lessem o Evangelho da Missa do dia: «quando não podia ir à Missa, sempre queria ouvir o Evangelho daquele dia» [4]

Esta é uma lição para todos nós, que freqüentemente somos tão preguiçosos e criamos tantas dificuldades para participar da Missa dominical! Nem falemos da Missa diária, tão abandonada que, em muitas Igrejas, o Sacerdote deve celebrar a Santa Missa para os bancos ou para quatro velhinhas devotas.

Sobre a Santa Comunhão, São Francisco nos ensina como recebê-la como serafins ardentes de amor: «Comungava com freqüência e com tamanha devoção que tornava devotos também os outros» [5]. Eis a verdadeira devoção: aquela que edifica, que constrói, que impulsiona também aos outros à perfeição. São Boaventura, de fato, diz que era tão grande a devoção de São Francisco ao receber a Comunhão que «tornava os outros devotos». Basta pensar que logo após a Comunhão, ao «saborear o Cordeiro imaculado suavemente, como se estivesse ébrio no espírito, na mente era quase sempre arrebatado em êxtase» [6]. E Celano nos revela o íntimo de São Francisco, escrevendo que «ao receber o Cordeiro imolado, imolava o seu espírito com aquele fogo que sempre ardia no altar de seu coração» [7]. Este é o amor que se funde, a imolação de amor que não admite divisão: “quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue permanece em mim e eu nele” (Jo VI,56).

São Francisco se preparava para a Santa Comunhão com um cuidado atentíssimo: não apenas a sua vida santa, diariamente rica de heroísmo, mas também a Confissão sacramental devia preparar cada dia a sua alma para receber Jesus Eucarístico com a máxima candura da graça. Naquele tempo, não se podia comungar mais de três vezes por semana: então, São Francisco confessava-se três vezes por semana. Quando se ama, quer-se agradar a pessoa amada, dando-lhe tudo que possa fazê-la feliz. A alma purificada pelo Sacramento da Confissão se torna uma casa cheia de candor e de perfume para Jesus, Hóstia Imaculada. São Francisco não só sabia e fazia isto, mas recomendava-o a todos com fervor verdadeiramente seráfico. Na carta a todos os fiéis, São Francisco escrevia assim: Jesus «quer que todos nos salvemos por ele e o recebamos com coração puro e com nosso corpo casto, mas são poucos os que querem recebê-lo» [8].

Quando se ama, além disso, olha-se com olhos de amor não apenas a pessoa amada, mas também a tudo aquilo que diz respeito a ela. Neste sentido, São Francisco cultivou a atenção altíssima de amor seja à adoração Eucarística, seja à veneração por tudo que se refere à Eucaristia, como as Igrejas e os Sacerdotes.

A paixão de amor pela adoração Eucaristia foi tão ardente em São Francisco que não eram poucas as noites inteiras passadas por ele aos pés do Sacrário. E se, às vezes, o sono lhe assaltava, cochilava um pouco sobre os degraus do altar e depois recomeçava, incansável e fervorosamente. Quem o sustentava? A fé e o amor àquele “tão Sublime Sacramento”.

A sua fé e o seu amor à Eucaristia irradiam-se por sua vida e pelos seus escritos com um fulgor luminosíssimo. Escreveu uma vez aos frades: «rogo a todos vós, irmãos, com o beijo dos pés e com a caridade que posso, que manifesteis toda reverência e toda honra, tanto quanto puderdes, ao santíssimo corpo e sangue do Senhor nosso Jesus Cristo» [9].

Para São Francisco, a fé na Eucaristia forma um todo com a fé na Santíssima Trindade e no Verbo Encarnado. E assim queria que fosse para todos. Por isto, escrevia com vigor e calor: «o Filho, no que é igual ao Pai, é visto por al­guém diferentemente do Pai, diferen­temente do Espírito Santo. Por isso todos os que viram o Senhor Je­sus segundo a humanidade e não viram e creram segundo o espírito e a divindade que ele era o verdadeiro Filho de Deus, foram condenados; assim também agora todos os que vêm o sacramento que se consagra pelas palavras do Senhor sobre o altar por mão do sacerdote na forma de pão e vinho, e não vêem e crêem segundo o espírito e a di­vindade, que é verdadeira­mente o Santíssimo Corpo e Sangue de Nos­so Senhor Jesus Cristo, foram condenados». E, pouco depois, continua sua amonição com uma comparação muito apropriada: «como se mostrou aos santos após­tolos em Carne verdadeira, assim também a nós agora no Pão Sagrado. E como eles com a visão de sua Carne só viam a Carne dele, mas criam que era Deus contemplan­do com olhos espirituais; assim também nós, vendo o Pão e o Vinho com os olhos corporais, vejamos e creiamos firmemente que é seu santíssimo Corpo e Sangue vivo e verda­deiro» [10].

Esta fé e este amor chegarão ao ponto de fazê-lo exclamar muitas vezes que «nada vejo corporalmente neste século do mesmo Filho de Deus, senão o santíssimo Corpo e o seu santíssimo Sangue (...). E esses santíssimos mistérios sobre todas as coisas quero que sejam honrados, venerados e colocados em lugares preciosos» [11].

O amor à Casa do Senhor é inseparável do amor à Eucaristia. Não se pode amar a Jesus e não cuidar de sua Casa. São Francisco nos deixou uma lição estupenda de amor e correção também neste ponto. Pessoalmente, ele já se preocupava da limpeza da Igreja, dos cálices e dos cibórios, das toalhas e das hóstias, dos vasos de flor e das lâmpadas.

Exortava os ministros do Altar a serem fervorosos e fiéis ao circundar o Santíssimo Sacramento com todo decoro e reverência. Em uma carta aos Custódios, parece escrever de joelhos: «eu vos rogo, mais do que por mim mesmo, que, quando for conveniente e virem que é oportuno, supliqueis humildemente aos clérigos, que devam venerar sobre todas as coisas o santíssimo corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo (...). Devem ter preciosos os cálices, corporais, ornamentos do altar e tudo que pertence ao sacrifício. E se em algum lugar estiver colocado pauperrimamente o santíssimo Corpo do Senhor, que por eles seja posto em lugar precioso e fechado à chave, de acordo com o mandato da Igreja, e seja levado com grande veneração e administrado aos outros com discrição. (...) Quando é sacrificado pelo sacerdote sobre o altar e é levado a alguma parte, todas as pessoas, de joelhos, retribuam louvores, glória e honra ao Senhor Deus vivo e verdadeiro» [12].

Estas coisas São Francisco escrevia e vivia. Quando chegava em um lugar, depois de ter pregado ao povo, sempre reunia o clero à parte e falava destes problemas com fervor apaixonado, recorrendo até às ameaças das penas eternas: «Será que não somos movidos pela piedade de todas essas coisas se o próprio piedoso Senhor se apresenta em nossas mãos e o tratamos e recebemos todos os dias em nossa boca? Ou ignoramos que devemos cair em suas mãos? Portanto, emendemo-nos depressa e firmemente disso tudo e de outras coisas; e onde quer que esteja o santíssimo corpo de nosso Senhor Jesus Cristo ilicitamente colocado e abandonado, seja removido desse lugar e colocado e confiado a um lugar precioso» [13].

Mais concretamente ainda, São Francisco mesmo, indo a pregar pelas cidades e vilarejos, «carregava uma vassoura para varrer as Igrejas», como refere a Legenda perusina, «porque o bem-aventurado Francisco ficava muito sentido quando entrava numa igreja e via que não estava limpa», e isto o levava a recomendar aos sacerdotes «para que tivessem um cuidado solícito por conservar limpas as igrejas, os altares e tudo que serve para celebrar os divinos mistérios» [14].

Além disso, «uma vez, quis enviar alguns frades por todas as pro­víncias – diz o Espelho de perfeição –, para levarem muitas píxides, bonitas e limpas, e onde encontrassem o Corpo do Senhor indignamente guardado, o colocassem naqueles píxides de maneira honrosa. Quis também enviar alguns outros frades por todas as províncias com bons e belos ferros para fazer hóstias boas e limpas» [15].

Se a isto acrescentamos que São Francisco pedia a Santa Clara que fizesse corporais para que fossem doados a Igrejas pobres e que ele mesmo, às vezes, preparava os vasos de flores para o altar, podemos ter uma idéia mais completa do fervor Eucarístico de São Francisco.

* * *

O que dizer, em particular, da veneração de São Francisco pelos Sacerdotes do Altar? Basta que nos reportemos ao seu Testamento: «O Senhor me deu e dá tanta fé nos sacerdotes, que vivem segundo a forma da santa Igreja Romana, por causa de sua ordem, que, se me fizerem perseguição, quero recorrer a eles mesmos. E não quero considerar pecado neles, porque enxergo neles o Filho de Deus» [16].

Esta é a visão sobrenatural de São Francisco sobre os consagrados “in Persona Christi”, ou seja, os sacerdotes: «enxergo neles o Filho de Deus». Por isto ele queria que «fossem honrados de maneira particular os sacerdotes que tratam os venerandos e máximos sacramentos, a tal ponto que, onde os encontrassem, inclinando a cabeça, lhes beijassem as mãos (...) e em qualquer lugar que encontrassem um sacerdote, rico ou pobre, bom ou mau, inclinando-se humildemente faziam-lhe uma reverência» [17].

Aos próprios Sacerdotes ele diz com amor: «Vede vossa dignidade, irmãos sacerdotes, e sede santos, porque Ele é santo. E assim como o Senhor Deus os honrou acima de todos por causa desse ministério, assim também vós amai-o, reverenciai-o e honrai-o sobre todos» [18]. É realmente inefável a dignidade daquele que “re-presenta Cristo” e é chamado a ser, onde quer que seja, “presença de Cristo”, e a pensar, falar e agir em tudo “como Cristo”.

Por isto, São Francisco se preocupava de que os Sacerdotes possam sempre «celebrar a missa, puros com pureza façam com reverência o verdadeiro sacrifício do santíssimo corpo e sangue do Senhor nosso Jesus Cristo, com intenção santa e limpa» [19]. Tenham sempre a máxima devoção e o máximo candor de alma, com a perfeita obediência a todas as normas da Igreja e com toda a delicadeza ao tê-lo entre as mãos e ao distribuí-lo aos outros, fazendo assim admirarem-se os anjos que lhe assistem.

São Francisco não se cansa de recomendar aos sacerdotes sobretudo a humildade, fazendo referência ao exemplo do próprio Cristo, o qual «se humilha diariamente, como quando veio do trono real ao útero da Virgem; vem diariamente a nós ele mesmo aparecendo humilde; des­ce todos os dias do seio do Pai sobre o altar nas mãos do sacerdote» [20].

E as mãos do sacerdote deveriam ser puras como as mãos de Nossa Senhora, recomenda o Pai Seráfico, exprimindo-se com estas palavras sublimes: «ouvi, irmãos meus: Se a bem-aventurada Virgem é assim honrada, como é digno, porque o carregou em seu santíssimo útero; (...) como deve ser santo, justo e digno quem toca com as mãos, toma com o coração e com a boca e dá aos outros para tomar, aquele que já não há de morrer, mais vai viver para sempre é glorificado, em quem os anjos querem olhar». [21]

Por isto, considerando tais e tão sublimes deveres do sacerdote, São Francisco não pode deixar de fazer uma dolorosa e amarga constatação relativa a cada sacerdote: «grande miséria e miserável debilidade, quando o tendes tão presente e vós buscais alguma outra coisa em todo o mundo» [22]. Se cada sacerdote pudesse refletir sobre estes branos do Pai Seráfico!...

Podemos encontrar a conclusão de todo o discurso sobre a piedade e sobre a vida Eucarística segundo São Francisco de Assis nesta sua pequena exortação, que vale certamente para todos nós: «não retenhais nada de vós para vós mesmos, para que vos receba inteiros aquele que a vós se dá inteiro» [23]. Ser um do outro, ser um no outro: não seria este talvez o conteúdo das divinas palavras de amor do Sumo e Eterno Sacerdote: «Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue permanece em mim e eu nele» (Jo VI,56)?...
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[1] Celano, Tomás de. Segunda vida de São Francisco, cap. 152 in Fontes Franciscanas (FF), Ed. Mensageiro de Santo Antônio, Santo André 2005. O original latino diz: «Flagrabat erga sacramentum Dominici Corporis fervore omnium medullarum, stupori permaximo habens caram illam dignationem et dignantissimam caritatem. Missam vel unicam non audire quotidie, si vacaret, non parvum reputabat contemptum. Sæpe communicabat, et tam devote, ut alios devotos efficeret. (...) Diligebat propterea Franciam ut amicam Corporis Domini, atque in ea mori propter sacrorum reverentiam cupiebat. Voluit quandoque mittere fratres per mundum (cfr. Ioa 3,16) cum pretiosis pixidibus, ut ubicumque indecenter locatum pretium redemptionis adverterent, optimo reconderent loco. Sacerdotalibus manibus, quibus de ipso conficiendo tam divina collata auctoritas est, magnam volebat reverentiam exhiberi. Frequenter dicebat: “Si sancto cuiquam de cælo venienti (cfr. Ioa 3,31) et pauperculo alicui sacerdoti simul me contingeret obviare, praevenirem honore (cfr. Rom 12,10) presbyterum, et ad manus eius deosculandas citius me conferrem. Dicerem enim: “Oi! Exspecta, sante Laurenti! quia manus huius Verbum vitæ contrectant (cfr. 1Ioa 1,1), et ultra humanum aliquid possident!”». (NT)
[2] Francisco de Assis, S. Carta a toda a Ordem, n. 26 in FF. O original latino diz: «Totus homo paveat, totus mundus contremiscat, et cælum exsultet, quando super altare in manu sacerdotis est Christus, Filius Dei vivi». (NT).
[3] Ibidem. O texto latino diz: «O admiranda altitudo et stupenda dignatio! O humilitas sublimis! O sublimitas humilis, quod Dominus universitatis, Deus et Dei Filius, sic se humiliat, ut pro nostra salute sub modica panis formula se abscondat!». (NT).
[4] Legenda Perusina, 50,2 in FF. O original latino diz: «cum non posset audire missam, volebat audire Evangelium illius diei». (NT).
[5] Celano, T. Ibidem. O original latino diz: «Sæpe communicabat, et tam devote, ut alios devotos efficeret». (NT).
[6] Boaventura, S. Legenda maior de São Francisco, 9,2,5 in FF, ibidem. O original latino diz: «Saepe communicabat et tam devote, ut alios devotos efficeret, dum ad immaculati Agni (cfr. 1Pet 1,19) degustationem suavem, quasi spiritu ebrius, in mentis ut plurimum rapiebatur excessum». (NT).
[7] Celano, T. Ibidem, 152,3. O original latino diz: «Reverendum enim illud omni reverentia prosequens, membrorum omnium sacrificium offerebat, et agnum immolatum (cfr. 1Pet 1,19) recipiens, illo igne qui in altari cordis semper ardebat (cfr. Lev 6,12; Sir 23,22), spiritum immolabat ». (NT).
[8] Francisco de Assis, S. Carta II aos fiéis, nn. 14-15 in FF. O original latino diz: «Et vult ut omnes salvemur per eum et recipiamus ipsum puro corde et casto corpore nostro. Sed pauci sunt, qui velint eum recipere ». (NT).
[9] Francisco de Assis, S. Carta à toda a Ordem, n. 12 in FF. O original latino diz: «Deprecor itaque omnes vos fratres cum osculo pedum et ea caritate, qua possum, ut omnem reverentiam et omnem honorem, quantumcumque poteritis, exhibeatis sanctissimo corpori et sanguini Domini nostri Jesu Christi». (NT).
[10] Francisco de Assis, S. Admoestações, nn. 7-9.19-21 in FF. O original latino diz: «filius in eo, quod æqualis est Patri, videtur ab aliquo aliter quam Pater, aliter quam Spiritus Sanctus. Unde omnes qui viderunt Dominum Jesum secundum humanitatem et non viderunt et crediderunt secundum spiritum et divinitatem, ipsum esse verum Filium Dei, damnati sunt; ita et modo omnes qui vident sacramentum, quod sanctificatur per verba Domini super altare per manum sacerdotis in forma panis et vini, et non vident et credunt secundum spiritum et divinitatem, quod sit veraciter sanctissimum corpus et sanguis Domini nostri Jesu Christi damnati sunt (...). Et sicut sanctis apostolis in vera carne, ita et modo se nobis ostendit in sacro pane. Et sicut ipsi intuitu carnis suæ tantum eius carnem videbant, sed ipsum Deum esse credebant oculis spiritualibus contemplantes; sic et nos videntes panem et vinum oculis corporeis videamus et credamus firmiter, eius sanctissimum corpus et sanguinem vivum esse et verum». (NT).
[11] Francisco de Assis, S. Testamento, nn. 10-11 in FF. O original latino diz: «Et propter hoc facio, quia nihil video corporaliter in hoc sæculo de ipso altissimo Filio Dei, nisi sanctissimum corpus et sanctissimum sanguinem suum, quod ipsi recipiunt et ipsi soli aliis ministrant. Et hæc sanctissima mysteria super omnia volo honorari, venerari et in locis pretiosis collocari». (NT).
[12] Francisco de Assis, S. Carta I aos Custódios, nn. 2-7 in FF. O original latino diz: «Rogo vos plus quam de me ipso, quatenus, cum decet et videritis expedire, clericis humiliter supplicetis, quod sanctissimum corpus et sanguinem Domini nostri Jesu Christi (...). Calices, corporalia, ornamenta altaris et omnia, quæ pertinent ad sacrificium, pretiosa habere debeant. Et si in aliquo loco sanctissimum corpus Domini fuerit pauperrime collocatum, iuxta mandatum Ecclesiæ in loco pretioso ab eis ponatur et consignetur et cum magna veneratione portetur et cum discretione aliis ministretur. (...) Quando a sacerdote sacrificatur super altare et in aliqua parte portatur, omnes gentes flexis genibus reddant laudes, gloriam et honorem Domino Deo vivo et vero». (NT).
[13] Francisco de Assis, S. Carta aos Clérigos, nn. 8-11 in FF. O original latino diz: «Non movemur de his omnibus pietate, cum ipse pius Dominus in manibus nostris se præbeat et eum tractemus et sumamus quotidie per os nostrum? An ignoramus, quia debemus venire in manus eius?  Igitur de his omnibus et aliis cito et firmiter emendemus; et ubicumque fuerit sanctissimum corpus Domini nostri Jesu Christi illicite collocatum et relictum, removeatur de loco illo et in loco pretioso ponatur et consignetur». (NT).
[14] Legenda Perusina, 18,5 in FF. O original latino diz: «Et portabat scopam ad scopandas ecclesias. Nam multum dolebat beatus Franciscus, cum intraret aliquam ecclesiam et videret ipsam non mundatam, et propterea semper, postquam predicaverat populo, finita predicatione, faciebat congregari omnes sacerdotes, qui aderant ibi, in aliquo remoto loco, ut a secularibus non audiretur, et predicabat eis de salute animarum, et maxime ut curam et sollicitudinem haberent conservandi mundas ecclesias, et altaria et omnia, que pertinent ad celebranda divina mysteria». (NT).
[15] Espelho de Perfeição, 65,1-12 in FF. O original latino diz: «quodam tempore, voluit mittere fratres aliquos per universas provincias qui portarent multas pyxides pulchras et mundas, et ubicumque invenirent Corpus Domini inhoneste repositum, ipsum in illis pyxidibus honorifice collocarent. Quosdam etiam alios fratres voluit mittere per universas provincias cum bonis et pulchris ferramentis ad faciendum hostias bonas et mundas». (NT).
[16] Francisco de Assis, S. Testamento, nn. 6.9 in FF. O original latino diz: «Dominus dedit mihi et dat tantam fidem in sacerdotibus, qui vivunt secundum formam sanctæ ecclesiæ Romanæ propter ordinem ipsorum, quod si facerent mihi persecutionem, volo recurrere ad ipsos. Et nolo in ipsis considerare peccatum, quia Filium Dei discerno in ipsis». (NT).
[17] Legenda dos três companheiros, 57, 9; 59,11 in FF. O original latino diz: «Sacerdotes quoque qui tractant veneranda et maxima sacramenta voluit singulariter a fratribus honorari, intantum ut ubicumque illos invenirent caput coram eis flectentes oscularentur manus eorum (...) Ubicumque autem inveniebant sacerdotem, divitem vel pauperem, bonum vel malum, inclinantes se humiliter ei reverentiam faciebant». (NT).
[18] Francisco de Assis, S. Carta a toda a Ordem, nn. 23-24, in FF. O original latino diz: «Videte dignitatem vestram, fratres (cfr. 1Cor 1,26) sacerdotes, et estote sancti, quia ipse sanctus est (cf Lev 19,2). Et sicut super omnes propter hoc ministerium honoravit vos Dominus Deus, ita et vos super omnes ipsum diligite, reveremini et honorate». (NT).
[19] Ibidem, n. 14 in FF. O original latino diz: «celebrare voluerint, puri pure faciant cum reverentia verum sacrificium sanctissimi corporis et sanguinis Domini nostri Jesu Christi sancta intentione et munda». Existem variações na tradução de «puri pure», como «puros e cheios de pureza». (NT).
[20] Francisco de Assis, S. Admoestações, 1,16-18 in FF. O original latino diz: «quotidie humiliat se, sicut quando a regalibus sedibus venit in uterum Virginis; quotidie venit ad nos ipse humilis apparens; quotidie descendit de sinu Patris super altare in manibus sacerdotis». (NT).
[21] Francisco de Assis, S. Carta a toda a Ordem, nn. 21-22 in FF. O original latino diz: « Audite, fratres mei: Si beata Virgo sic honoratur, ut dignum est, quia ipsum portavit in sanctissimo utero; (...) quantum debet esse sanctus, iustus et dignus, qui non iam moriturum, sed in æternum victurum et glorificatum, in quo desiderant angeli prospicere, contractat manibus, corde et ore sumit et aliis ad sumendum praebet!». (NT).
[22] Ibidem, n. 25 in FF. O original latino diz: «Magna miseria et miseranda infirmitas, quando ipsum sic praesentem habetis et vos aliquid aliud in toto mundo curatis» (NT).
[23] Ibidem, n. 29 in FF. O original latino diz: «Nihil ergo de vobis retineatis vobis, ut totos vos recipiat, qui se vobis exhibet totum» (NT).
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