Entenda o que está sendo julgado, e porque nos importamos.
Este não é um blog sobre liturgia? Porque estamos postando sobre o julgamento do caso dos fetos anencéfalos?
Em um texto aqui publicado em 2010, podemos ler:
“A liturgia que é bem vivida em si mesma deve favorecer, impulsionar a que seja bem vivida também nos outros aspectos. O homem que vive bem a Missa, vive bem seu trabalho, deveres de estado, ocupações familiares, diversões etc. Em todos esses locais e ambientes devemos, a partir da liturgia, agir como Cristo, pensar como Cristo, amar como Cristo, sentir como Cristo.” (Liturgia e Vida).
O Católico deve guardar a coerência de vida, pelo que precisa empenhar-se na defesa dos valores do Evangelho. Quando a cultura de morte busca instalar-se, precisa estar a postos para defender a vida dos mais frágeis, dos que não podem falar por si mesmos, e que se possa dizer à Igreja do Brasil : “Verás que um filho teu não foge à luta”.
- O que é uma ação de descumprimento de preceito fundamental?
O jurista Celso Ribeiro Bastos inclui, entre as funções da ADPF, ‘a proteção à criança, à velhice, aos menos afortunados’ (in Comentários à Constituição do Brasil (1988), 4° vol., Tomo III, p.235). [...] Celso Ribeiro Bastos, na obra citada, p. 237, ainda escreve: ‘Pode-se concordar que o objeto desse instituto seja a defesa de preceito fundamental. Por preceito fundamental entendem-se os princípios constitucionais. Sabe-se o órgão competente a examinar essa arguição: O Supremo Tribunal Federal.[...]’Imprescindível é, na arguição em exame, que o requerente venha a apontar o preceito fundamental que tenha por lesado e este, efetivamente, seja reconhecido, como tal, pelo Supremo Tribunal Federal. Cuida-se, aí, de instrumento de defesa da Constituição, em controle Concentrado. "
Em termos leigos, é uma ação proposta diretamente perante o Supremo Tribunal Federal que questiona ato ou omissão que viole um ou mais preceitos fundamentais garantidos pela nossa Constituição. Esta ação só é cabível se não houver nenhum outro instrumento jurídico capaz de sanar o ato ou omissão em questão (subsidiariedade).
- Histórico da ADPF 54:
Em abril de 2005, foi trazida ao plenário a ADPF 54, acerca do aborto de fetos anencéfalos, em que é relator o Min. Marco Aurélio, arguida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS, contra suposta lesão aos preceitos fundamentais da dignidade da pessoa humana, da saúde, liberdade, autonomia da vontade e da legalidade perpetrada pela interpretação dos artigos 124, 126 e 128, I e II do Código Penal de forma a alcançar aqueles que participam de interrupção de gravidez em caso de anencefalia do feto. A arguente requer, do STF, pronunciamento formal, com a interpretação conforme a constituição dos aludidos dispositivos.
Em poucas palavras, os profissionais da saúde querem poder realizar abortos nesses casos sem correrem o risco de serem presos e processados.
O pedido principal da ação é de que se reconheça o direito subjetivo da gestante a se submeter à “antecipação terapêutica do parto” no caso de detectada a anencefalia do feto, sem necessidade de autorização judicial ou de qualquer outra forma de permissão específica do Estado”.
Naquela ocasião, o Tribunal julgou cabível a ADPF para fins de interpretação conforme a constituição de texto legal pré-constitucional, e, considerou preceitos fundamentais os princípios tidos como violados: dignidade da pessoa humana, da saúde, liberdade, legalidade e autonomia da vontade.
O pleno revogou a medida liminar concedida pelo Min. Marco Aurélio e suspendeu os processos criminais em curso relativos à interrupção de gravidez em caso de anencefalia até o julgamento final da arguição.
Em 2008, foi realizada Audiência Pública, com a participação de diversas Associações e pessoas credenciadas, para apresentar as diversas opiniões sobre o tema.
Um resumo dos argumentos pró-vida, como publicado no site do STF, encontra-se a seguir:
“O Assessor Nacional da Comissão Episcopal para a Vida e a Família da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, padre Luiz Antônio Bento, doutor em Bioética, destacou que a igreja católica defende a humanidade ainda que o ser humano esteja com má formação. “Somos a favor da cultura da vida, ninguém pode autorizar que se dê a morte a ser humano em nenhuma fase de sua existência. Sua expectativa de vida não nega seus direitos, não diminui sua dignidade. Quando a vida não é respeitada todos ou demais direitos são menosprezados”, analisou.
Segundo ele, o sofrimento da gestante e da família sensibiliza, pois não há como ser indiferente à dor e à angústia. “Mas o sofrimento não justifica nem autoriza o sacrifício do filho”. A posição do padre foi reforçada pelo Procurador do Estado do Rio de Janeiro e Presidente da União dos Juristas Católicos da Arquidiocese do Estado, Paulo Silveira Martins Leão Junior, que destacou que a morte cerebral e a anencefalia são situações distintas. “O feto anencéfalo tem algumas partes do cérebro formadas e se trata de um diagnóstico e a morte cerebral é um prognóstico”, disse.
Representando a Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, o doutor Rodolfo Acatauassú Nunes, professor do Departamento de Cirurgia Geral da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre e doutor em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, alegou que a medicina precisa avançar na pesquisa para determinar o real estado de consciência das crianças nascidas com deformações severas no cérebro antes de serem definidas políticas sobre a interrupção da gravidez. “A anencefalia não é o mesmo que morte encefálica, porque uma pessoa que respira sozinha e que é amamentada pela mãe sem precisar de aparelhos está viva”, descreveu. Segundo ele, há níveis diferentes da falta do cérebro, desde a ausência completa até a falta de algumas partes do encéfalo.
As médicas Irvênia Luiza de Santis Prada e Marlene Rossi Severino Nobre, da Associação Médico-Espírita do Brasil - AME, também se posicionaram contrárias à antecipação do parto nos casos de anencefalia. Dedicada ao estudo da evolução do cérebro humano, a doutora Irvênia fez uma apresentação técnica sobre o cérebro, de acordo com a neurociência. “Embora sejam utilizados como sinônimos, os termos cérebro e encéfalo não são sinônimos. O anencéfalo, a rigor, seria o indivíduo com a cavidade craniana completamente oca, mas não é isso o que acontece realmente nos casos de anencefalia, pois neles são preservadas, pelo menos, as partes mais profundas do encéfalo”, afirmou.
Segundo a médica, o feto anencéfalo tem consciência, mas não pode se expressar porque lhe faltam os instrumentos neurais compatíveis com essa forma de manifestação. Avaliou como equivocadas as opiniões que afirmam não haver possibilidade de vida do anencéfalo porque não há vida sem cérebro. “Essas opiniões não têm, metodologicamente, dentro do contexto da neurociência, nenhum embasamento. Pelo contrário, a neurociência vem demonstrar pelo seu conteúdo que o anencéfalo tem substrato neural para desempenho de funções vitais, o que contra-indica o aborto desse feto e contra-indica a disponibilização do anencéfalo recém-nascido para transplante de órgãos”.
Já a doutora Marlene Rossi reforçou a posição de garantia do direito à vida. “Não há direito da mulher quando se fala de um direito que se sobrepõe, que é o direito à vida, um bem fundamental”. Questionada pelo advogado Luís Roberto Barroso, a médica concordou com a evidência médica que em 100% dos casos a anencefalia leva à morte.
A bióloga Lenise Aparecida Martins Garcia, em nome do Movimento Nacional da Cidadania em Defesa da Vida - Brasil Sem Aborto, pediu prudência científica no trato da anencefalia e defendeu o direito à vida. “O único modo de um médico saber quando uma criança vai morrer é se ele próprio marcar a hora de matá-la. Quando a morte é natural, não temos como saber o dia e a hora da morte e os médicos admitem que não sabem quanto tempo cada um desses bebês viverá”, disse. Segundo ela, as crianças anencéfalas são deficientes, mas não mortas-vivas.
Autor de projeto de lei que visa retirar do código penal o direito de aborto nos casos de estupro, o deputado federal Luiz Bassuma, presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Vida - Contra o Aborto, argumentou que o Brasil não pode se utilizar da morte para resolver seus problemas de saúde e disse que o direito à vida é o mais claro entre os citados no texto constitucional: “sem ele não temos como exercer os demais direitos”. Bassuma rebateu a crítica de que o Supremo é levado a legislar sobre a questão dos anencéfalos por falta de atuação do Congresso Nacional e lembrou que tramitam hoje no Congresso mais de 30 projetos sobre o aborto, inclusive o PL 4.403/04, que dispõe sobre o caso de anencéfalos.”
O julgamento do mérito iniciou-se ontem, 11/04/2012, e foi retomado hoje. O Ministro Marco Aurélio, relator, votou pela autorização do aborto em caso de fetos anencéfalos, assim como os ministros: Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Carmem Lúcia e Ayres Britto, até o fechamento deste texto, às 15:10 do dia 12/04/2012. O ministro Ricardo Lewandowski votou a favor da vida, contra o aborto dos fetos acometidos por anencefalia.
- Qual a consequência de um julgamento PROCEDENTE ?
Qualquer gestante, munida de um laudo médico constatando anencefalia do feto, poderá submeter-se ao aborto, inclusive pela rede pública de saúde, sem necessidade de autorização judicial ou qualquer outro ato permissivo estatal.
Além do fato óbvio de que uma anomalia não retira a dignidade humana do ser humano em gestação, ocorre que o diagnóstico da anencefalia é difícil e muitas vezes sujeito a erros, havendo casos de crianças assim diagnosticadas que sobreviveram por meses e até anos... vidas que têm valor e foram acolhidas por suas famílias.
O permissivo criado pelo STF cria o risco de aborto de crianças com qualquer anomalia cerebral, desde que um médico entenda tratar-se de anencefalia e emita laudo com este parecer. Trata-se da prática de eugenia, eliminação dos doentes, dos fracos, dos imperfeitos, totalmente incompatível com o princípio da dignidade humana, que deveria nortear os julgamentos de nosso Tribunal Constitucional.
É sempre bom lembrar que o Brasil é signatário do Tratado de São José da Costa Rica, que diz, em seu art. 4º:
"Artigo 4º - Direito à vida
Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente."
Ou seja, o Estado Brasileiro se comprometeu, na esfera internacional, em defender a vida desde o momento da concepção. O Supremo Tribunal Federal, ao permitir que se realize abortos de fetos anencéfalos, choca-se com os princípios pelos quais se defende a vida com dignidade, os mesmos valores que deveriam guardar.
- A decisão do STF impede que este assunto seja rediscutido ?
Sim, caso se decida pela “legalidade” do aborto de anencéfalos, essa decisão é definitiva e vinculante. Nada impede, no entanto, que a sociedade discuta o tema no legislativo. No momento, há um projeto de lei em tramitação no Congresso nacional, o "Estatuto do Nascituro" (PL 478/07) que torna o ser humano não nascido sujeito de direitos. Temos o dever de cobrar de nossos representantes que se posicionem a favor da vida.
-O que podemos fazer ?
Informe-se. Reze muito. Ofereça sacrifícios e mortificações. Esclareça sua família e amigos sobre o tema, pois o outro lado está manipulando a opinião pública com inverdades, falácias de lógica e dramas pessoais. Vote com consciência, em candidatos e partidos que abracem a causa pró-vida. Exija do governo investimentos em prevenção. A ingestão de uma dose de 2mg/dia de ácido fólico, por mulheres em idade fértil, previne os chamados Defeitos do Tubo Neural, entre eles a anencefalia. Como anda o atendimento pré-natal no SUS? Faz parte da cidadania cobrar essas providências. Ao participarmos ativamente do processo democrático, nós, católicos, levamos para a esfera política e administrativa os nossos valores, os valores do Evangelho.
Mesmo que percamos essa batalha judicial, podemos investir na evangelização das gestantes que passarem por uma gestação de feto anencéfalo, apoiando-as para que consigam levar a termo a gravidez e acolham a vida.
“Em uma carta enviada ao STF onde uma mulher que foi obrigada, por medida judicial, a manter a gravidez de um filho anencéfalo estava o seguinte depoimento: ‘Viver uma gravidez sem esperança é acordar e dormir no desespero. Nunca vou esquecer do caixão com a filha que me obrigaram a enterrar.’ (Jornal da Tarde, 26/8/2008). Prontamente o padre Luís Antônio Bento, representante da CNBB contestou a carta dizendo: ‘É melhor oferecer a um filho um caixão do que uma lata de lixo’”.
Sítio do Supremo Tribunal Federal:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaAdpf54
http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADPF&s1=54&processo=54
http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=339091&tipo=TP&descricao=ADPF%2F54 (Petição inicial escaneada).
Textos:
http://www.salvemaliturgia.com/2010/10/liturgia-e-vida.html
CAMILLO, Maria Thereza Tosta. O sentido e o alcance da expressão preceito fundamental: uma construção jurisprudencial. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2683, 5 nov. 2010 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17770>. Acesso em: 12 abr. 2012.
http://inmulieribus.blogspot.com.br/2012/04/bebes-anencefalos.html