Por Dom Eugênio Cardeal de Araujo Sales.
Arcebispo Emérito do Rio de Janeiro
O mês de outubro é dedicado a uma antiga, tradicional e eficaz prática religiosa: a recitação do Rosário. O Papa Paulo VI, na Exortação Apostólica sobre “O Culto à Virgem Maria”, de 10 de fevereiro de 1974, afirmou que, segundo a tradição, o Rosário “foi acolhido e autorizadamente proposto pelo nosso Predecessor São Pio V”. Este, eleito após o Concílio de Trento (1566), tornou-se o grande restaurador. Quando Chipre, último baluarte, no Levante, caiu nas mãos do Islã, inimigo mortal da cristandade, o Papa apelou não só para a ação militar, mas para a oração. A extraordinária vitória em Lepanto, a 7 de outubro de 1571, foi atribuída pelos próprios soldados vencedores à oração do Rosário.
Muitos são os documentos pontifícios, exaltando suas benemerências e exortando os fieis a rezá-lo. Essa prática de piedade, é poderoso instrumento contra os inimigos, ostensivos ou velados, da Instituição fundada por Jesus Cristo.
Há abusos entre nós que nem sempre são devidamente corrigidos. As causas de sua permanência podem ser temor ou obediência à palavra do Evangelho: “Deixai-os crescer juntos (o joio e o trigo) até à colheita (…). Arrancai primeiro o joio e atai-o em feixes para ser queimado” (Mt 13,29-30).
Um elemento perturbador, sem dúvida fruto da semeadura do demônio, é a falsa doutrina de que na Igreja tudo depende das bases e que para qualquer ato elas devem ser consultadas. Ocorre que “base”, às vezes, significa simplesmente determinado grupo e “consulta”, o método de ação por parte de uma ditadura de minorias. A maioria do povo de Deus nem é escutada, nem respeitada.
Outro exemplo, ainda, é querer amparo religioso a direitos do operário mediante opção político-partidária fundamentalmente laica. O resultado de tal confusão compromete a missão evangelizadora que nos outorgou o Cristo.
O sagrado direito de governar a Igreja por Ele concedido aos Sucessores dos Apóstolos é inalienável. Nem a omissão em exercê-lo justificaria a intromissão de indivíduos estranhos nessa matéria. Ainda hoje pode haver quem, sem nenhum motivo válido, questione o Santo Padre no seu ministério supremo à frente da Igreja Universal. A autoridade do Bispo às vezes é contestada por grupos organizados e ativos, que chegam às vias de ameaças, caso não sejam acatados os seus desvios doutrinários e disciplinares. Como já possuem uma estrutura montada, é necessário ter coragem para enfrentá-la.
O Concílio Vaticano II, em “Gaudium et Spes” (nº 37), fala da luta que nos acompanha desde o início e, portanto, não devem causar estranheza os problemas, inclusive eclesiásticos, que podem, a qualquer tempo, nos afligir. Diz ele: “Um duro combate contra os poderes das trevas atravessa toda a história humana (…). Inserido nessa luta, o homem deve combater constantemente, se quer ser fiel ao bem”. Para haver paz, os cristãos devem respeitar as crenças dos judeus, dos muçulmanos, dos pagãos, mas também serem respeitados quando defendem sua crença e as consequências da mesma.
Para os discípulos de Jesus, é perene a fonte de esperança. Por isso, alimentados espiritualmente, o pessimismo jamais os dominará. Todos nós acreditamos no poder da prece e na vitória final do Salvador.
O mês de outubro nos estimula à oração do Rosário. Desde São Pio V, os Papas a ele têm recorrido nos momentos difíceis.
Após o Concílio Tridentino, quando a cristandade se encontrava dilacerada, surgiu uma renovação como poucas vezes antes acontecera. Inácio de Loyola com sua ascese, baseada na mística, a grande Teresa de Ávila, São João da Cruz, Francisco de Sales e outros mostraram a inesgotável força da graça, que não se limitou aos conventos ou apenas ao clero. O Terço despertou no meio do povo amplo movimento de espiritualidade. Também peregrinações e procissões, celebrações (hoje, diríamos “paraliturgias”) e cultos ao Santíssimo Sacramento, ao Deus Trino, a Cristo e a Maria, como também aos mais diversos santos, nossos mestres na caminhada para o Senhor.
Entre todas essas formas, tem lugar de destaque o Rosário. Ele é simples, todavia, e com suas imagens bíblicas (os mistérios) não só facilita a meditação, mas o amor concreto a Deus. Nossa intimidade com o Redentor é que elevou a uma dignidade tão alta a nossa pobre natureza humana.
O Papa Paulo VI, em “Marialis Cultus” (nº 42), cita o exemplo de si próprio: “Numa hora de angústia e de insegurança, publicamos a Carta Encíclica “Christi Matri” (15 de setembro de 1966) para que fossem dirigidas orações suplicantes à Bem-aventurada Virgem do Rosário para impetrar de Deus o supremo bem da paz”. Vamos encontrá-la, certamente, na recitação assídua do Terço de Nossa Senhora.
Poucas semanas após sua eleição ao Supremo Pontificado, João Paulo II, falando a cem mil pessoas na Praça de São Pedro, por ocasião do Ângelus do dia 29 de outubro de 1978, proclamou: “O Rosário é a minha oração predileta. Oração maravilhosa. Maravilhosa na simplicidade e na profundidade (…). A todos exorto cordialmente a que o rezem”. A 16 de outubro de 2002, publicou a Carta Apostólica “Rosarium Virginis Mariae” dedicada a este tema.
Também o Santo Padre Bento XVI manifestou sua devoção ao Rosário no seu discurso, em Pompeia a 19 de outubro de 2008, assim se expressando: “Essa popular oração mariana é um meio espiritual precioso para crescer na intimidade com Jesus e para aprender de Cristo, em união espiritual com Maria, a realizar sempre a vontade divina”.
Há uma palavra de garantia ao sucesso de nossa prece: “Pedi e recebereis” (Mt 7,7). No mês de outubro alcançaremos, na recitação do Rosário, o bem espiritual e material, como tantas vezes tem obtido a Igreja no decorrer da História.