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segunda-feira, 15 de março de 2010

Os franciscanos na Liturgia e na Piedade popular (Parte I)

Um dos serviços providenciais dos Minoritas foi estender uma ponte estreita entre a vida litúrgica tradicional, encerrada nos mosteiros e colegiados, e as exigências religiosas da nova sociedade que vinha se estruturando. A mobilidade e os novos rumos do apostolado, junto com a intensidade dos estudos, não se ajustavam com as longas horas diárias da liturgia laudatória desenvolvida pelo monaquismo. Não é, pois, de estranhar que, usando a faculdade de que no século XIII gozava todo instituto religioso de ordenar livremente sua vida litúrgica, os Franciscanos fossem evoluindo para um culto mais abreviado e, ao mesmo tempo, mais próximo à piedade individual.

Prosseguindo nesta tendência de abreviar o tempo das horas canônicas, com a autorização de Gregório IX, a Ordem promoveu para si uma primeira reforma, e uma segunda, tempos mais tarde; consistiam, sobretudo, em abreviar as orações extraordinárias, como o Ofício dos Defuntos e o Pequeno Ofício da Virgem; o autor delas, foi Frei Haymo de Faversham. Ainda assim, havia um setor da Ordem que achava excessivamente longo e pesado o ofício diário e dessa queixa, São Boaventura faz menção em um dos seus opúsculos; entretanto, os adversários de fora acusavam os Franciscanos de revolucionar a liturgia eclesiástica. Nicolau III (1277-1280) estendeu a todas as igrejas de Roma o Breviário Franciscano reformado, que no decorrer do século XIV se estendeu a toda a Igreja latina.
Até na evolução do Missal Romano, isto é, o que era usado pela Cúria Romana, também adotado pela Ordem, influíram os Franciscanos. Frei Haymo fez uma nova relação das rubricas da missa. É difícil determinar com precisão, até que ponto foi obra dos Franciscanos o predomínio definitivo das rubricas e fórmulas próprias da missa no século XIII, como as do ofertório e as que precedem a comunhão: o que se constata é que várias das rubricas atuais aparecem pela primeira vez nos decretos litúrgicos dos Capítulos Gerais da Ordem; isso sem tomar em conta as seqüências e festas novas que dos códices franciscanos passaram ao missal romano para toda a Igreja.
Da convivência extra-litúrgica com os mistérios revelados por meio da meditação pessoal e do contato pastoral com o povo cristão, para quem o ciclo litúrgico já dizia muito pouco, originou-se uma notável mudança no calendário litúrgico: muitas das “devoções” que se foram impondo sob a influência franciscana passaram à categoria de solenidades. Cada decisão Capitular dos Franciscanos, neste ponto, deixou marca imediata no ano eclesiástico.
Em 1260, inclui-se no calendário franciscano a festa da Santíssima Trindade, que já vinha sendo celebrada em algumas regiões; em 1334, João XXII a estendia a toda a Igreja. Tiveram maior difusão, por obra dos filhos de São Francisco, as festas e devoções relacionadas com a vida de nosso Senhor Jesus Cristo. A representação plástica do “Nascimento” já existia anteriormente, porém, os franciscanos deram-lhe grande impulso, orientados por São Francisco desde a celebração em Greccio (1223).
O culto da Paixão do Senhor foi o que mais se destacou na piedade difundida pelo exemplo e pregação dos Franciscanos, sobretudo, a prática da Via Crucis, que tanta difusão alcançou. Em São Francisco o amor à Paixão era inseparável da Sagrada Eucaristia, promovida ardentemente por cartas e exortações.
No século XV, São Bernardino de Sena tomou como bandeira de seu apostolado o Santíssimo Nome de Jesus, secundado por São João de Capistrano e outros pregadores.
Na piedade franciscana, a humanidade de Cristo não podia deixar de estar ligada à Santíssima Virgem Maria. Não falamos do entusiasmo com que se promoveu a devoção à Imaculada Conceição, considerada desde o início do século XIV, como insígnia e glória da Ordem. A festa da Visitação, introduzida no calendário minorítico, estendeu-se a toda a Igreja, no século XV. Aos Franciscanos deve-se a adição das palavras “Rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte”, na Ave-Maria. O toque dos sinos e a oração do Angelus, que no início se faziam só para a “Oração da Noite”, em memórias da Assunção e, depois, três vezes ao dia; deve-se a uma iniciativa de Frei Bento de Arezzo (+1282), acolhida pelos Capítulos Gerais, desde meados do século XIII. Um decreto do Beato João de Parma introduziu, em 1254, as antífonas finais da Virgem no ofício divino, adotadas depois no breviário romano. Do mesmo modo que os dominicanos, também os franciscanos tiveram (e ainda têm) seu Rosário, chamado de “as sete alegrias da Virgem Maria”, grandemente propagado por São Bernardino e São João de Capistrano.
Da feliz união entre a Liturgia e religiosidade popular nasceram as “representações sagradas” – peças teatrais, altos – das quais os grandes impulsores foram os Franciscanos. Costumavam estar a cargo da Ordem terceira, hoje a OFS (Ordem Franciscana Secular).
Nos primeiros séculos franciscanos, a atividade litúrgica foi significativamente ampla e eficaz. A opção feita por São Francisco em sua Regra: “Os clérigos façam o ofício divino segundo a forma da Santa Igreja Romana”, levou a uma difusão sempre mais ampla dos livros litúrgicos romanos.
A fidelidade franciscana ao rito romano foi tamanha que a Ordem foi responsável pela disseminação dos livros litúrgicos da Sé de Roma entre os povos que ainda adotavam a liturgia galicana ou formas particulares do rito romano. Sem a Ordem franciscana, dificilmente a Europa adotaria em peso esse rito. Desse modo, diferentemente de outras Ordens (Carmelita, Cisterciense, Cartuxa, Premonstratense, Dominicana etc), os franciscanos sempre utilizaram o rito romano.
Ainda assim, particularidades litúrgicas foram aprovadas pelo Papa para os três ramos das Ordem primeira (OFM, OFMConv e OFMCap). Não se tratava de um rito próprio, nem de uma variação do rito romano, mas de uma adaptação simples ao espírito do franciscanismo.
Como dissemos, não é de calendário que falamos aos nos referir às particularidades litúrgicas da Ordem, e sim de costumes aprovados por Roma para serem inseridos no Missal e no breviário, de tal sorte que seus livros não são apenas romanos, mas verdadeiramente romano-seráficos.
Um dos costumes na Missa franciscana é o uso do amito sobre a cabeça, no lugar do barrete e celebrar a Missa de pés descalços ou de sandálias, mas nunca com sapatos. Tal costume surgiu somente no século XX, durante a segunda guerra mundial, em que os frades “disfarçaram-se” de Padres Seculares para não serem mortos. Na Europa em geral - e depois em todo o mundo - desde a Regra feita por São Francisco, “os frades podem usar calçados, de acordo com os lugares e regiões frias”, ou seja, apenas por questões de preservar a própria saúde física; mas em nenhum lugar ao longo da história houve o costume do uso de sapatos para as celebrações.
Outro costume, mas apenas da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos é a insersão, no Confiteor, do nome de São Francisco, após os demais santos. Tal provisão foi dada pelo Papa somente aos Capuchinhos, não aos frades da OFM nem aos Conventuais.
Ainda na OFMCap, usa-se, em sua particularidade litúrgica do rito romano, o incenso em algumas Missas de certas solenidades, mesmo que não seja uma Missa Solene nem uma Missa Cantada (lembrando que, na forma clássica do rito romano, o incenso só era usado nelas, nunca da Missa meramente rezada ou Missa baixa).
A Liturgia das Horas, entre os Capuchinhos, mas não entre os Menores nem entre os Conventuais, não era cantada com pautas gregorianas, mas em reto tom. Também comemoram, após as Completas, todos os dias, a Imaculada Conceição, São Francisco e Santo Antônio.
Todavia, essas particularidades litúrgicas franciscanas foram postas de lado quando todos os ramos da Ordem aderiram à reforma litúrgica de Paulo VI. O rito romano, que já era adotado, como vimos, ao ser reformado, continuou a ser observado. Mas se o rito romano anterior à reforma, entre os franciscanos, tinha certa adaptação, autorizada por Roma, o novo rito romano, de Paulo VI, pós-conciliar, não conservou essas particularidades.
Assim, o rito romano tradicional sofria certas derrogações na família franciscana, porém, com a reforma posterior ao Concílio Vaticano II, esse rito romano moderno passou a não mais contemplar tais variações.
Contudo, com o Motu Proprio Summorum Pontificum, de Bento XVI, dando liberação universal para os padres celebrarem o rito romano na forma tradicional – chamada pelo Papa de “forma extraordinária”, em contraponto à “forma ordinária” que é o rito romano moderno, pós-conciliar, levanta-se a questão da OFMConv, da OFM e da OFMCap. usarem suas particularidades quando celebram o rito antigo. Desse modo, um padre franciscano poderia utilizar a forma ordinária, a que está acostumado, vigente entre todos os padres latinos, contudo, se quiser utilizar a forma extraordinária, a “Missa tridentina”, cuidará de observar suas particularidades. Por exemplo, um padre capuchinho, celebrando a forma ordinária, seguirá o rito normal do Missal Romano, mas celebrando a forma extraordinária, seguirá o rito do Missal Romano-Seráfico, com a inserção do nome de São Francisco no Confiteor.
Outra questão que se poderia levantar, e isso mesmo antes do Summorum Pontificum, é a observância de certos costumes que não estavam nas rubricas e eram autorizados por Roma porque não feriam a unidade substancial do rito romano, como o celebrar descalços e o uso do amito na cabeça no lugar do barrete. Como o uso do barrete é facultativo no rito moderno, nada impede que se use um amito maior e cobrindo a cabeça, aliás, como era na Idade Média, dado que tal paramento era bem maior do que o que encontramos hoje. O celebrar descalços não pede autorização alguma, pois rubrica alguma determina o uso de tal ou qual sapato, além dessa ser uma tradição centenária da Ordem, que foi restaurada por certos grupos de espiritualidade franciscana não ligados à Ordem – como os Filhos da Pobreza e do Santíssimo Sacramento (Toca de Assis), os Franciscanos da Imaculada, os Franciscanos da Renovação, dentre outros.

Continua...

11 comentários:

  1. Caríssimo Frei Cleiton!

    Tenho uma pergunta sobre este assunto. Recentemente, li um questionamento feito à Congregação para a Doutrina da Fé se os ritos das Ordens religiosas anteriores à reforma de Paulo VI estavam novamente autorizados pelo Motu Proprio Summorum Pontificum, juntamente com o rito romano anterior à reforma.

    A resposta diz que a Santa Sé teria autoridade apenas para liberar o rito romano e que cabia aos superiores das ordens autorizar a utilização dos ritos antigos.

    Minha pergunta é: os franciscanos não tinham um rito propriamente dito, mas sim uma adaptação do rito romano, e por isso já estão autorizados pelo SP, ou mesmo adaptado, o rito era próprio e precisa da autorização do Ministro Geral?

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  2. Caríssimo Hugo,

    Não sou o Fr. Cleiton, mas posso lhe responder.

    Como bem intuído pelo amigo, os franciscanos não possuíam um rito próprio. A resposta da Santa Sé vale para os ritos próprios, como o dominicano, o carmelita e o cisterciense. O cartuxo pouco ou nada mudou após o Vaticano, II, não sofrendo reforma, e, pois, conservando-se sempre "na forma extraordinária", digamos assim.

    Não há um rito franciscano, mas um modo peculiar dos franciscanos em celebrar o rito romano. Essa peculiaridade não foi mantida no rito romano atual, mas nada impede que se a use, como explicado no texto. Com muito mais razão nada impede que o próprio rito romano antigo seja usado pelos franciscanos. O Summorum Pontificum liberou o rito romano antigo para todos os padres, e desde que os franciscanos não tinham rito próprio, mas apenas um modo especia de o celebrar, qualquer padre franciscano pode celebrá-lo, usando, como não poderia ser diferente, suas particularidades.

    Em Cristo,

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  3. Então as particularidades próprias dos franciscanos podem ser utilizadas tanto no rito ordinário como no extraordinário. Perfeito. Muito obrigado, Rafael.

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  4. Estimado frade!
    Quero parabenizá-lo pelo artigo e digo que estou surpreso, por ter sido escrito por um franciscano.Pois sabemos que esta congregação é uma das maiores adeptas a teologia da libertação. Quero fazer algumas perguntas ao senhor: 1. Você acredita mesmo, nessa piedade, ou melhor, pretende viver mesmo toda essa liturgia quando for ordenado? 2. Quando for padre, iras celebrar a missa no rito extraordinário? Você é adepto a TL? Obrigado, espero as vossas respostas. Mais uma vez, fico muito alegre com o artigo.

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  5. Caríssimo Ricardo,

    A OFM e a OFMCap estão cheias de TL, mas há muitos frades bons que querem romper com isso e voltar ao franciscanismo autêntico. Já a OFMConv, a que pertence o frade autor do artigo, é mais ortodoxa no Brasil.

    E não, não há membros TL no Salvem a Liturgia. Nossa equipe é formada por pessoas absolutamente fiéis ao Magistério da Igreja, que aceitam as duas formas do rito romano.

    Em Cristo,

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  6. Gostaria de deixar claro que a OFM e posso dizer também que a OFMcap, teve, ou tem alguns de seus membros como adeptos ou até mesmo, expoentes da TL somente aqui no Brasil ( e em poucos países da américa latina ), portanto, não se pode dizer em termos de Ordem, pois nossa Ordem tem aproximadamente de 15 000 frades professos solenes, espalhados praticamente em todos os países do mundo, somos responsáveis pelo cuidado e custódia dos lugares mais sagrados do cristianismo já há 8 séculos ( Custódia da Terra Santa ), na qual tive o prazer de estar por um breve tempo antes de retornar ao Brasil, é dispensável dizer que a Liturgia em tais lugares deva ser impecável, É da OFM a responsabilidade da penitenciára da Basílica do Latrão ( todos sabem da importância de tal Basílica ), e a guarda de TODOS os lugares mais importantes do franciscanismo: Santa Maria dos Anjos,Eremitério Carcere, La Verna( monte alverne ), São Damião, Monteluco, Foresta, Fonte Colombo, Poggio Bustone...etc.
    (o Sacro Convento, sob cuidado dos conventuais, foi construído obviamente, após a morte de S. Francisco e pra onde foi levado seus restos mortais), neste lugares a Liturgia impecavelmente romana, segue toda a tradição requerida do santos lugares , e é feita por nós, frades da OFM.
    Quanto aos irmãos capuchinhos, por exemplo, na itália, EUA e grande parte da Europa, como também no oriente médio, são muito fiéis, e demostram isto até mesmo exteriormente ( uso do hábito constante e barba longa )... conheço muitos , muitos frades jovens assim, e vale a pena lembrar a grande quantidade de Santos desta Ordem (ofmcap). Nossos confrades da OFM também da grande maioria das províncias da Ordem, tem os mesmos costumes. Espero ter esclarecido.Fraternalmente. Fr. Jean,ofm.

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  7. O senhor tem razão, Fr. Jean, OFM. Embora, no Brasil e América Latina, e uns poucos rincões dos EUA, certos frades OFM e OFMCap sejam TL ou, ao menos, progressistas, há incontável número de frades fiéis dessas duas ordens. A maioria, aliás!

    Todos esses exemplos do senhor são verdadeiros. Tomara que sejam não só a maioria, como totalidade um dia.

    Somos, no Salvem, grandes devotos do franciscanismo! Que as peculiaridades litúrgicas franciscanas aqui retratadas sejam mais e mais valorizadas!

    Obrigado pela visita!

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  8. aproveito a oportunidade para saudar a iniciativa do confrade fr.Cleiton, e esperamos sim, que todos os franciscanos, conforme a regra deixada pelo nosso Seráfico Pai ( cf. RB ), permaneçam sempre fiéis a Santa Igreja Católica e submissos ao Sumo Pontífice.

    "Salve, sancte pater, patriae lux, forma Minorum, Virtutis speculum, recti via, regula morum : Carnis ab exsilio duc nos ad regna polorum"

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  9. E quanto aos Franciscanos Capuchinhos? Seguiam o Missal Romano Seráfico? Pois, segundo o Wikipedia, há um uso próprio, cujo qual, não encontrei referência alguma... Agradeço mto se puderem me responder.

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  10. Amigos do Salvem, deixo a vocês o que eu acabei de encontrar:

    http://www.memoriadigitalvasca.es/handle/10357/1972

    Se vocês divulgassem, seria de grande valia!

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  11. Sou Postulante Capuchinho e gostei muito dessas informações, infelizmente a alguns que não seguem o verdadeiro Magistério e Tradição da Santa Igreja, mas assim como eu e outros irmãos defendem a causa de permanecer fieis ao Pontífice.

    Mas quero fazer aqui uma pergunta, o Frade que é Sacerdote que irá presidir a Santa Missa que está de habito religioso da ordem e com o torçal ou cordão Franciscano na cintura, quando vestir a Alfa para a celebração deve colocar também o cíngulo, mesmo por baixo já tendo o torçal?

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