Mons. Athanasius SCHNEIDER
15 de janeiro de 2012
(em “L’Homme Nouveau”, n° 1511 de 11.2.2012)
(traduzido em português de Portugal)
Para falar correctamente da nova evangelização, é indispensável lançar primeiro o nosso olhar sobre Aquele que é o verdadeiro Evangelizador, isto é, Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, o Verbo de Deus feito Homem.
O Filho de Deus veio a esta Terra para espiar e resgatar o maior pecado, o pecado por excelência. E este pecado, por excelência, da humanidade consiste na sua rejeição de adorar a Deus, na sua rejeição de Lhe reservar o primeiro lugar, o lugar de honra. Este pecado dos homens consiste no facto de se não prestar já atenção a Deus, no facto de se não ter já o verdadeiro sentido das coisas, isto é, nos pormenores ou pontos de vista que elevam ou nobilitam Deus e a adoração que Lhe é devida, no facto de se não querer já ver Deus, no facto de se não querer já ajoelhar diante d’Ele.
Perante uma tal atitude, a Incarnação de Deus é incômoda ou embaraçosa, como embaraçosa é também, por conseqüência, a presença real de Jesus no mistério Eucarístico, e embaraçosa é também a centralidade da presença Eucarística de Deus nas igrejas. Com efeito, o homem pecador quer pôr-se no centro, tanto no interior da igreja como na celebração Eucarística: quer ser visto, quer ser notado. E é esta a razão pela qual Jesus Eucaristia, Deus Incarnado, presente no Sacrário sob a forma eucarística, se prefere colocar de lado. A própria representação do Crucificado, na Cruz, ao centro do altar, na celebração virada para o povo é embaraçosa, porque então, o rosto do sacerdote passaria a ficar ocultado. Por conseguinte, a imagem do Crucificado, no centro, tal como Jesus Eucaristia, no Sacrário, igualmente no centro, são embaraçosos ou incômodos.
E deste modo, a Cruz e o Sacrário são pura e simplesmente postos de lado. Durante o Ofício, os assistentes devem poder ver ou observar permanentemente o rosto do sacerdote e este tem todo o prazer em se colocar literalmente no centro da Casa de Deus. E se por acaso Jesus Eucaristia é mantido no seu Sacrário, no centro do altar, porque o Ministério dos Monumentos Nacionais, mesmo sob um regime ateu, proibiu, por razões de simples conservação do patrimônio artístico, deslocá-Lo, o sacerdote, muitas vezes, ao longo de toda a celebração litúrgica, volta-Lhe às costas sem escrúpulo algum.
JESUS NO CENTRO
Quantas vezes, maravilhados, os fiéis adoradores de Cristo, na sua simplicidade e humildade se terão visto a clamar: “Abençoados sejais vós, os Monumentos Nacionais! Vós mesmos, pelo menos, nos tereis deixado Jesus no centro da nossa igreja.”
Só a partir da adoração e da glorificação de Deus e dá Igreja se poderá anunciar, de uma forma adequada, a Palavra da Verdade, isto é, evangelizar. Antes que o mundo ouvisse Jesus, o Verbo eterno feito carne, pregar e anunciar o Reino, Jesus calou-se e adorou durante trinta anos. E isso mesmo fica sendo para sempre a lei da vida e acção da Igreja, assim como a de todos os evangelizadores.
“É na forma de tratar a liturgia que se decide a sorte da fé e da Igreja”, afirmou o Cardeal Ratzinger, nosso actual Santo Padre, o Papa Bento XVI. O Concílio Vaticano II, quis lembrar a Igreja que realidade e acção deveriam tomar o primeiro lugar na sua vida. E foi justamente para isso que o primeiro documento conciliar foi consagrado à Liturgia. A respeito disso, o Concílio dá-nos os seguintes princípios:
Na Igreja, e por conseguinte na Liturgia, o humano se deve ordenar ao divino, o visível ao invisível, a acção à contemplação e o presente à Cidade futura a que todos nós aspiramos (cf. Sacrosanctum Concilium, n. 2).
Por isso, tudo, na Liturgia da Santa Missa, deve servir para que se exprima da mais nítida forma, a realidade do Sacrifício de Cristo, isto é, as orações de adoração, de acção de graças, de expiação, de petição, que o Eterno Sumo Sacerdote apresentou a Seu Pai.
UM CÍRCULO ABERTO
O rito e todos os pormenores ou detalhes do Santo Sacrifício da Missa devem estar orientados no sentido da glorificação e da adoração de Deus, insistindo-se, sobretudo, na centralidade da Presença de Cristo, quer no sinal e na representação do Crucificado, quer na Presença Eucarística no Sacrário, e sobretudo, no momento da Consagração e da Sagrada Comunhão. Quanto mais isto mesmo for respeitado, tanto menos o homem se coloca no centro da celebração, tanto menos a celebração se assemelha a um círculo fechado, mas sim pelo contrário está aberto, mesmo de uma forma exterior, para Cristo, como numa verdadeira procissão que se dirige para Ele, com o sacerdote à cabeça; e quanto mais uma celebração litúrgica reflectir, de uma forma verdadeira, o sacrifício de adoração de Cristo na cruz, tanto mais ricos serão os frutos que os participantes irão receber na sua alma, que vêm da glorificação de Deus, tanto mais o próprio Deus os honrará.
Quanto mais o sacerdote e os fiéis procurarem em verdade, nas celebrações Eucarísticas, a glória de Deus e não a glória dos homens, e não procurarem receber a glória uns dos outros, tanto mais Deus os honrará, deixando, então, que a sua alma participe, de uma forma bem mais intensa e mais fértil, na glória e na honra de Sua vida divina.
Na hora actual e em diversos lugares da Terra, muitas são as celebrações da Santa Missa, em que se poderia dizer a seu respeito as palavras seguintes, invertendo deste modo as palavras do Salmo 113 B, versículo 1: “A nós, ó Senhor, e a nosso nome, dai glória” e por outro lado, o propósito de tais celebrações se aplicam as palavras de Jesus: “Como podeis acreditar, vós que tirais a glória uns dos outros e não buscais a glória que vem de Deus?” (Jo. 5, 44). O Concílio Vaticano II emitiu, a respeito de uma reforma litúrgica, os princípios seguintes:
1 – O humano, o temporal, a actividade devem, durante a celebração litúrgica, orientar-se pelo divino, pelo eterno, pela contemplação, e ter um papel subordinado, relativamente a estes últimos (cf. Sacrosanctum Concilium, n. 21).
2 – Durante a celebração litúrgica, dever-se-á encorajar ou estimular a tomada de consciência de que a liturgia terrestre participa da liturgia celeste (cf. Sacrosanctum Concilium, n. 8).
3 - Não deve haver nela absolutamente nenhuma inovação e, por conseguinte, nenhuma criação nova de ritos litúrgicos, sobretudo no rito da Missa, a não ser que seja para um proveito verdadeiro e certo a favor da Igreja e sob a condição de que se proceda com prudência e de que eventualmente formas novas substituam formas já existentes de maneira orgânica (cf. Sacrosanctum Concilium, n. 23).
4 – Os ritos da Missa devem ser de tal forma, que o sagrado seja expresso mais explicitamente (cf. Sacrosanctum Concilium, n. 21) .
5 – O latim deve ser conservado na liturgia, e sobretudo na Santa Missa (cf. Sacrosanctum Concilium, n.os 36 e 54).
6 – O canto gregoriano tem o primeiro lugar na liturgia (cf. Sacrosanctum Concilium, n. 116).
Os Padres conciliares viam as suas propostas de reforma como a continuação da reforma de São Pio X (cf. Sacrosanctum Concilium, n. os 112 e 117) e do servo de Deus Pio XII, e com efeito, na constituição litúrgica, é a encíclica Mediator Dei do Papa Pio XII que mais é citada.
O Papa Pio XII deixou à Igreja, entre outros, um princípio importante da doutrina sobre a santa liturgia, isto é, a condenação daquilo que se chama o arqueologismo litúrgico, cujas propostas coincidiam largamente com as do sínodo jansenista e protestantizante de Pistóia, de 1786 (cf. Mediator Dei, n. os 63 e 64). E que de facto lembra os pensamentos teológicos de Martinho Lutero.
UM SACRIFÍCIO E NÃO UM BANQUETE
Eis porque já o Concílio de Trento condenou as idéias litúrgicas protestantes, notavelmente a acentuação exagerada da noção de banquete na celebração Eucarística em detrimento do carácter sacrificial, a supressão dos sinais unívocos de sacralidade como expressão do mistério da liturgia (cf. Concílio de Trento, seção XXII).
As declarações litúrgicas doutrinais do magistério, como neste caso do Concílio de Trento e da Encíclica Mediator Dei, que se reflectem numa práxis litúrgica secular, isto é, de mais de um milênio, constante e universal, estas declarações, por conseguinte, fazem parte deste elemento da santa Tradição que se não pode abandonar, sem correr graves riscos no plano espiritual.
Estas declarações doutrinais sobre a liturgia, retomou-as o Vaticano II, como se pode constatar ao ler os princípios do culto divino na constituição litúrgica Sacrosanctum Concilium.
Como erro concreto no pensamento e agir do arqueologismo litúrgico, o Papa Pio XII cita a proposta feita de dar ao altar a forma de uma mesa (cf. Mediator Dei, n. 62). Se já o Papa Pio XII recusava o altar com uma forma de mesa, imagine-se como ele teria a fortiori, com maior força de razão rejeitado a proposta de uma celebração como ao redor de uma mesa “versus populum” (virada para o povo)!
Se o Sacrosanctum Concilium ensina no n. 2 que, na liturgia, a contemplação deve ter a prioridade e que toda a celebração da Santa Missa deve ser orientada para os mistérios celestes (cf. itens n. os 2 e 8), nele se encontra um eco fiel da seguinte declaração do Concílio de Trento que dizia:
“uma vez que a natureza do homem está feita de tal modo, que se não deixa facilmente erguer para a contemplação das coisas divinas sem ajudas exteriores, a Mãe Igreja, na sua benevolência, introduziu ritos preciosos; e recorreu, apoiando-se no ensinamento apostólico e na tradição, as cerimônias tais como bênçãos cheias de mistérios, velas ou círios, incenso, vestes litúrgicas e muitas outras coisas; tudo isso deveria incitar os espíritos dos fiéis, graças a sinais visíveis da religião e da piedade, à contemplação das coisas sublimes.” (Sessão XXII, cap. 5)
Os ensinamentos citados do magistério da Igreja, e sobretudo o da Mediator Dei , foram sem dúvida alguma reconhecidos pelos Padres conciliares como plenamente válidos; por conseguinte, eles mesmos devem continuar hoje ainda a ser plenamente válidos para todos os filhos da Igreja.
Na sua carta dirigida a todos os bispos da Igreja católica, que Bento XVI juntou ao motu próprio Summorum Pontificum de 7 de julho de 2007, o Papa faz esta declaração importante: “Na história da liturgia, há crescimento e progresso, mas não ruptura. Aquilo que foi sagrado para as gerações passadas, deve permanecer sagrado e grande para nós.”
Dizendo isto, o Papa exprime o princípio fundamental da liturgia que o Concílio de Trento, o Papa Pio XII e o Concílio Vaticano II ensinaram.
PRINCÍPIOS NÃO SEGUIDOS
Se olharmos agora, sem preconceitos e de uma forma objectiva, para a prática litúrgica da esmagadora maioria das Igrejas em todo o mundo católico, em que a forma ordinária do rito romano está em uso, com toda a honestidade, ninguém poderá negar que os seis princípios litúrgicos mencionados pelo Concílio Vaticano II não são respeitados ou apenas o serão bem pouco; muito embora se declare, erroneamente, que essa prática da liturgia foi sonhada pelo Vaticano II.
Há um certo número de aspectos concretos, na prática dominante actual, no rito ordinário que representam uma verdadeira ruptura ou contradição com uma prática litúrgica constante, desde há mais de um milênio. Trata-se dos seguintes usos litúrgicos, que bem se poderão designar como sendo AS CINCO CHAGAS DO CORPO MÍSTICO LITÚRGICO DE CRISTO.
Trata-se de chagas, porque elas representam uma violenta ruptura com o passado; porque na realidade elas põem um bem menor acento no carácter sacrificial, que entretanto é extraordinariamente belo e que é justamente o carácter central e essencial da Santa Missa, e sublinham acima de tudo a idéia de banquete. E tudo isso diminui os sinais exteriores da adoração divina, porque põem em muito menor relevo o carácter do mistério, naquilo que ele tem de celeste e eterno.
Quanto às cinco chagas, trata-se daquelas que, com excepção de uma delas (as novas orações do ofertório), não estão previstas na forma ordinária do rito da Santa Missa, mas foram INTRODUZIDAS PELA PRÁTICA DE UM MODO BEM DEPLORÁVEL.
1 – A primeira chaga e a mais evidente é a celebração do Santo Sacrifício da Missa, em que o sacerdote celebra virado para os fiéis, particularmente na Oração Eucarística e na Consagração, o momento mais alto e o mais sagrado da adoração que é devida a Deus. Esta forma ou posição exterior corresponde mais, pela sua natureza, à forma de que se faz uso no momento em que se partilha uma refeição. Estamos, pois, na presença de um círculo fechado. Ora, esta forma, não está de modo algum conforme com o momento da oração, e muito menos ainda com o da adoração. Esta forma, de modo algum foi sequer sonhada ou desejada e jamais foi recomendada pelo magistério dos Papas postconciliares. O Papa Bento XVI escreve, no seu prefácio ao primeiro tomo das suas obras completas:
“A idéia de que o sacerdote e a assembléia devem estar a olhar-se no momento da oração nasceu entre os modernos e é absolutamente estranha à cristandade tradicional. O sacerdote e a assembléia não se dirigem mutuamente uma oração, mas é ao Senhor que ambos se dirigem, eis porque, na oração, eles mesmos devem olhar na mesma direcção: ou para o Oriente, como sendo esta direção o símbolo cósmico do regresso do Senhor, ou então, onde isto não seja possível, para uma imagem de Cristo situada na ábside, para uma cruz ou muito simplesmente para o alto.”
VIRADOS PARA O SENHOR
A forma da celebração em que todos dirigem o seu olhar para a mesma direcção (conversi ad orientem, ad Crucem, ad Dominum – virados para o Oriente, para a Cruz, para o Senhor) é até mesmo evocada pelas rubricas do novo rito da Missa (cf. Ordo Missae, n. 25, nn 133 e 134). A celebração que se chama “versus populum” (virado para o povo) não corresponde evidentemente à dieia da santa liturgia, tal como ela é mencionada nas declarações do documento do Vaticano II (Sacrosanctum Concilium n. 2 e 8).
2 – A segunda chaga é a comunhão na mão, espalhada praticamente em toda a parte, no mundo.
A segunda chaga é a comunhão na mão, espalhada praticamente em toda a parte, no mundo. Não só esta forma de receber a comunhão não foi evocada ou citada de modo algum pelos Padres conciliares do Vaticano II, mas também é tristemente introduzida por um certo número de bispos em claríssima desobediência à Santa Sé, e no desprezo do voto negativo, em 1968, da maioria do corpo episcopal. Só depois o Papa Paulo VI a legitimou sob condições particulares, e bem contra a sua própria vontade.
O Papa Bento XVI, depois da festa do Santíssimo Sacramento de 2008, não mais distribuiu a Comunhão senão a fiéis de joelhos e na língua, exigindo sempre a chamada “mesa da comunhão”, e não apenas em Roma, mas também em todas as igrejas locais que visita. Com esta atitude, ele mesmo dá a toda a Igreja, um claro exemplo do magistério prático em matéria litúrgica. Se a maioria qualificada do corpo episcopal, três anos depois do Concílio, rejeitou ou recusou a Comunhão na mão, como algo de nocivo ou prejudicial, quanto mais os Padres conciliares o teriam igualmente feito!
3 – A terceira Chaga são as novas orações do Ofertório.
Elas são uma criação inteiramente nova e jamais foram usadas na Igreja. Estas orações exprimem muito menos a evocação do mistério do Sacrifício da Cruz, que a de um banquete, que lembra as orações da refeição sabática dos Judeus. Na tradição mais que milenária da Igreja, tanto do Oriente como do Ocidente, as orações do Ofertório tem sempre sido orientadas expressamente no sentido do mistério do Sacrifício da Cruz (cf. p. ex. Paul Tirot, História das orações do ofertório, na liturgia romana, do século VII ao século XVI, Roma, C.L.V., 1985).
Uma tal criação absolutamente nova está sem dúvida alguma em contradição com a formulação bem clara do Vaticano II que lembra: “Finalmente, não se introduzam inovações, a não ser que uma utilidade autêntica e certa da Igreja o exija, e com a preocupação de que as novas formas como que surjam a partir das já existentes” (Sacrosanctum Concilium, n. 23).
4 – A quarta chaga é o desaparecimento total do latim e do canto gregoriano, na imensa maioria das celebrações Eucarísticas de forma ordinária, na totalidade dos países católicos.
Está nisso uma infracção directa contra as decisões do Vaticano II.
5 – A quinta Chaga é o exercício dos serviços litúrgicos de Leitor e de Acólito por mulheres, assim como o exercício destes mesmos serviços em hábito civil, penetrando assim no coro durante a Santa Missa, vindos directamente do espaço reservado aos fiéis.
Este costume jamais existiu na Igreja ou, pelo menos, nunca foi bem-vindo. Um tal costume confere à celebração da Santa Missa católica o carácter exterior de algo informal, o carácter e o estilo de uma assembléia, mais profana que religiosa. O segundo concílio de Niceia já proibia, em 787, tais práticas, editando este cânone: “Se alguém não está ordenado, não lhe é permitido fazer a leitura do ambão, durante a santa liturgia.” (can 14)
Esta norma foi constantemente respeitada na Igreja. Só o subdiáconos ou os leitores tinham o direito de fazer a leitura durante e liturgia da Missa. Em substituição do subdiáconos e leitores ou acólitos que viessem a faltar, só homens ou jovens moços de hábitos litúrgicos as poderiam fazer, e não mulheres, uma vez reconhecido que o sexo masculino, no plano da ordenação não sacramental dos leitores e acólitos representa simbolicamente a última ligação com as ordens menores.
Nos textos do Vaticano II, não é feita de modo algum qualquer menção da supressão das ordens menores e do subdiaconado, nem da introdução de novos ministérios. Na Sacrosanctum Concilium n.28, o Concílio faz a diferença entre minister e fidelis durante a celebração litúrgica e estipula ou determina que um e outro tenham direito de não fazer senão aquilo que lhes compete segundo a natureza da liturgia. O n. 29 menciona os “ministrantes”, isto é, os servos do altar que não receberam nenhuma ordenação. Em oposição a esses “ministrantes”, haveria, segundo os termos jurídicos da época, os “ministros”, isto é, aqueles que receberam uma ordem, quer maior, quer menor.
UM APELO A UM ESPÍRITO MAIS SAGRADO
Pelo motu próprio “Summorum Pontificum”, o Papa Bento XVI estipula ou determina que as duas formas de rito romano são de considerar e de tratar com o mesmo respeito, porque a Igreja continua a ser a mesma antes e depois do Concílio. Na carta que acompanhou o motu próprio, o Papa deseja que as duas formas se enriqueçam mutuamente. Além disso, deseja que na nova forma “se verifique, mais do que tem acontecido até ao presente, o sentido do sagrado, que acaba por atrair muitíssimas pessoas para o rito antigo.”
As quatro chagas litúrgicas ou infelizes práticas (celebração virada para o povo (versus populum), comunhão na mão, abandono total do latim e do canto gregoriano e intervenção das mulheres no serviço da leitura e no de acólitos), não tem em si mesmas nada a ver com a forma ordinária da missa e estão ainda mais em contradição com os princípios litúrgicos do Vaticano II. Se se pusesse termo a estas práticas, voltaríamos ao verdadeiro ensinamento litúrgico do Vaticano II. E nesse momento, as duas formas do rito romano se viriam então a aproximar muitíssimo, de forma que, pelo menos exteriormente, em nada teríamos que reconhecer ruptura alguma entre essas duas formas e, por esse motivo, não haveria ruptura alguma entre a Igreja antes do Concílio e a Igreja depois do mesmo Concílio.
Naquilo que se relaciona com as novas orações do Ofertório, seria desejável que a Santa Sé a substituísse pelas orações correspondentes da forma extraordinária ou, pelo menos, que permitisse a sua utilização ad libtum. E deste modo, seria evitada a ruptura entre as duas formas, não apenas exteriormente, mas também interiormente.
A ruptura na liturgia é justamente aquilo que a maioria dos Padres conciliares jamais quis; e testemunham-no muitíssimo bem as Actas do Concílio, porque nos dois mil anos de história da Liturgia na Santa Igreja, jamais houve ruptura litúrgica e, por conseguinte, jamais a deve haver agora. Pelo contrário, deve haver nela uma continuidade, como convém que o seja para o próprio magistério. As cinco chagas no corpo litúrgico da Igreja aqui evocadas ou indicadas reclamam ou exigem uma verdadeira cura. Elas mesmas representam uma ruptura semelhante à do exílio de Avinhão.
A situação de uma tão nítida ruptura numa expressão da vida da Igreja, que está bem longe de ser sem importância (outrora, a ausência dos papas da cidade de Roma; hoje, a ruptura visível entre a liturgia de antes e de depois do Concílio), e, por conseguinte, esta situação exige cura.
Eis porque se tem hoje necessidade de novos santos, de uma ou de mais Santas Catarinas de Sena(2. Tem-se necessidade da “Vox populi fidelis” (voz do povo fiel) a reclamar a supressão ou desaparecimento desta ruptura litúrgica. Mas o trágico da história é que hoje, como outrora, no tempo do exílio de Avinhão, uma grande maioria do clero, sobretudo do alto clero, se satisfaz com este exílio, com esta ruptura. Antes que se possam esperar frutos eficazes e duradoiros da nova evangelização, é necessário primeiro que se instaure no interior da Igreja um processo de verdadeira conversão. Como poderemos nós chamar ou convidar os outros a converter-se enquanto entre aqueles que fazem este mesmo convite se não realizou ainda nenhuma conversão convincente para Deus, porque, na liturgia, eles mesmos se não viraram suficientemente para Deus, tanto interior como exteriormente? Celebra-se o Santo Sacrifício de Cristo, o maior mistério da fé, o acto de adoração mais sublime, num círculo fechado, olhando-se uns para os outros.
(2) Santa Catarina de Sena foi célebre nas suas famosas e bem determinantes cartas enviadas ao Papa, nesse tempo a viver em Avinhão e não em Roma, declarando-lhe o seu indiscutível dever de viver em Roma e não em Avinhão. Graças a Deus, a biblioteca desta nossa Fraternidade tem a oportunidade de possuir e conhecer muito bem estas famosas cartas e variados escritos espirituais de S. Catarina de Sena. (n.d.t.p.)
A CONVERSÃO PARA DEUS “CONVERSIO AD DOMINUM”
Falta a “Conversio ad Dominum” necessária, mesmo exteriormente, fisicamente. Uma vez que durante a liturgia se trata Cristo como se não fosse Deus, e que se lhe não manifestam sinais exteriores claros de uma adoração devida só a Deus, pelo facto de os fiéis receberem a Sagrada Comunhão de pé e, mais ainda, tomarem a Hóstia Consagrada nas suas mãos, como se tratasse de um ordinário alimento, agarrando-o com os dedos e metendo-o eles mesmos na boca. Há nisto o perigo de uma espécie de arianismo ou de um semiarianismo eucarístico. Uma das condições necessárias de uma frutuosa nova evangelização seria o testemunho seguido por toda a Igreja no plano de culto litúrgico público, que observasse pelo menos estes dois aspectos de culto divino, isto é:
1 – Que em toda a terra, a Santa Missa fosse celebrada mesmo na forma ordinária, com a “Conversio ad Dominum” interiormente e também de um modo necessário exteriormente. Virados para Deus e não para o povo (versus Deum e não versus populum).
2 - E que os fiéis dobrassem o joelho diante de Cristo, no momento da Sagrada Comunhão, como o próprio São Paulo o pede, ao invocar o Nome e a Pessoa de Cristo (Fil. 2, 10); e que os mesmos fiéis O recebessem com o maior amor e o maior respeito possível, como aliás Lhe convém, como verdadeiro Deus que é. Deus seja louvado pelo Papa Bento XVI, que encetou ou iniciou, com duas medidas concretas, o processo do regresso do exílio avinhonês litúrgico (exílio litúrgico de Avinhão), isto é, pelo motu próprio Summorum Pontificum e pela reintrodução do rito da comunhão tradicional (de joelhos e na boca).
Há ainda necessidade de muitas orações e talvez de uma nova Catarina de Sena, a fim de que se realizem todos os outros passos, de forma a curar as cinco chagas do Corpo Litúrgico e Místico da Igreja e que Deus seja venerado na liturgia com esse amor, com esse respeito, com esse sentido do sublime, que foram sempre as características da Igreja e do seu Ensinamento, notavelmente através do Concílio de Trento, do Papa Pio XII, na sua encíclica Mediator Dei, do Concílio Vaticano II, na sua constituição Sacrosanctum Concilium e do Papa Bento XVI, na sua teologia da Liturgia, no seu magistério litúrgico prático e no motu próprio já citado.
Ninguém poderá evangelizar, se não tiver primeiro adorado, e mesmo se não adorar permanentemente e não der a Deus, a Cristo Eucaristia, a verdadeira prioridade, na forma de celebrar e em toda a sua vida. Com efeito, para retomar as palavras do próprio Cardeal Joseph Ratzinger: “É na forma de tratar a liturgia que se decide a sorte ou destino da fé e da Igreja.