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sábado, 27 de fevereiro de 2010

Segundo Domingo da Quaresma - Tibi dixit cor meum

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O Salmo 26, em seus versículos 8 e 9, fala da face e do semblante de Deus.

8. Fala-vos meu coração, minha face vos busca; a vossa face, ó Senhor, eu a procuro.
9. Não escondais de mim vosso semblante, não afasteis com ira o vosso servo. Vós sois o meu amparo, não me rejeiteis. Nem me abandoneis, ó Deus, meu Salvador.
Utilizo aqui a edição Ave Maria da Bíblia, peço que o leitor leia estes versículos também na sua boa versão preferida da Escritura. Este texto é utilizado no Introito da Festa da Transfiguração do Senhor, 6 de Agosto.

No Segundo Domingo da Quaresma é lida do Evangelho precisamente a passagem que narra este acontecimento maravilhoso presenciado pelos santos apóstolos. O Introito prescrito pela Igreja para esta data litúrgica, assim, é o mesmo da Festa da Transfiguração. Em latim seu nome é Tibi dixit.

O leitor talvez já tenha percebido que o “nome” dado aos Introitos (e também aos Ofertórios e Comunhões) é o da primeira ou primeiras palavras do seu texto (costume adotado também para documentos papais e conciliares).

Não há identificação do cantor deste vídeo; se alguém tiver essa informação, com prazer eu a adicionarei aqui.

O rapaz canta o antífona; adiciona um versículo do Salmo 26 (versículo 1); repete o antífona; canta o Gloria Patri (Glória ao Pai) e a antífona novamente. Abaixo do vídeo, um pequeno guia.



0:09 – 0:50 – a antífona.Tibi dixit cor meum, quaesivi vultum tuum, vultum tuum Domine requiram: ne avertas faciem tuam a me. São os versículos 8 e 9 do Salmo 26 (um pouco abreviados).

0:51 – 1:06 – aqui o cantor já adiciona um versículo do salmo 26, o versículo 1. Isto não é obrigatório, mas se trata de um costume já muito tradicional; com freqüência será conveniente adicionar um ou mais versículos para cobrir toda a ação da procissão de entrada. Se o cantor não souber cantar versículos adicionais, pode-se repetir a antífona. O versículo: Dominus illuminatio mea et salus mea: quem timebo? – o Senhor é minha luz e salvação; a quem temerei?

1:07 – 1:47 – a antífona é cantada novamente. Tibi dixit...

1:49 – 2:14 – a doxologia: Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo...

2:15 – final – a antífona é cantada novamente.

Certas sutilezas de interpretação e de afinação presentes nesta execução do canto que vemos no vídeo acima nos fazem pensar numa influência oriental, além da própria filiação oriental do canto gregoriano. Ele provavelmente seja derivado de música cantada na liturgia judaica de antes do Messias.

No vídeo abaixo, o professor Giovanni Vianini, de Milão, canta o mesmo Tibi dixit. Antífona, versículo e antífona de novo, sem o Gloria Patri.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Missa em rito bizantino, na paróquia pessoal dos russos católicos orientais do Brasil

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Texto e fotos do excelente blog: http://opulentiamonachicus.blogspot.com/

Essas fotos foram tiradas durante a Divina Liturgia, da solenidade da Natividade de Nosso Senhor Jesus Cristo, na capela Nossa Senhora da Anunciação, paróquia pessoal dos Católicos Russos, de Rito Bizantino.

Essa capela é a unica no Brasil destinada aos russos que professam a religião Católica.

A Igreja Russa, é um grande exemplo da correta inculturação dentro da liturgia, como por exemplo, o bom uso da lingua vernácula (o eslavônio), e dos ícones russos.






Procissão do Evangelho




Comunhão dos fiéis
Benção da agua

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Música Litúrgica - o Salmo Responsorial

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Dando seqüência às nossas sessões de compreensão do Próprio da Santa Missa, chegamos agora ao seu segundo item: o Salmo Responsorial. Se o primeiro item que vimos, o Introito, é desconhecido de muitos, o mesmo não pode ser dito do Salmo Responsorial que, bem ou mal, parece ser feito na maioria das igrejas.

O adjetivo responsorial deriva da palavra responsório, por sua vez ligada à palavra resposta. Esta “resposta”, entretanto, não é resposta à leitura bíblica que precede o Salmo Responsorial, e sim o refrão. A maioria dos fiéis sabe que o Salmo Responsorial possui um refrão que, geralmente, é cantado ou recitado pela assembleia.

Os salmos, em seu texto original, não trazem refrão; porém, na Liturgia um refrão é introduzido, selecionado entre os versículos do próprio salmo. Serve para sublinhar, por assim dizer, o caráter e o espírito daquele salmo específico.

Nos Domingos e solenidades sabemos que, além do Evangelho, são feitas duas leituras. O Salmo Responsorial, nestes casos, posiciona-se entre elas. Nos outros dias litúrgicos, além do Evangelho é feita somente uma leitura; quando é assim, o Salmo Responsorial posiciona-se depois dessa leitura única.

Assim, estamos habituados, nas Missas dominicais, a ter o Salmo Responsorial intercalado; quando ele termina, ainda temos a segunda leitura antes de ficarmos em pé para o Evangelho. Nos dias de semana, porém, terminado o Salmo Responsorial, já nos levantamos para o Evangelho – ou melhor: para o terceiro item do Próprio, comumente chamada “aclamação ao Evangelho”.

No Brasil os textos usados para o Salmo Responsorial, impressos no Lecionário, são metrificados. É muito importante que o caro leitor compreenda o que significa isto. A quantidade de sílabas é medida, assim como os seus acentos. Isto não acontece num texto como, digamos, as Cartas de São Paulo, ou uma notícia de jornal, ou este artigo. Estas quantidades medidas são características da poesia. Em sua infância o leitor certamente aprendeu estes versos:

Batatinha quando nasce / se esparrama pelo chão

Mesmo que tenha sido na versão espalha a rama pelo chão. Intuitivamente, o leitor aprendeu que esses versos não podem ser proferidos de qualquer jeito. É necessário fazer a correta acentuação; não só a correta acentuação de cada palavra, mas a correta acentuação de um verso inteiro. Portanto, posso apostar em que o leitor pronuncia com ênfase as sílabas que coloco em destaque:

Batatinha quando nasce / se esparrama pelo chão

Qualquer outra acentuação fica antinatural. Os acentos e as quantidades são um aspecto musical da poesia – pois bem; falei do acento, mas ainda não da quantidade. Então repare o leitor que os acentos caem precisamente na terceira e na sétima sílabas de cada verso.

Ba-ta-ti-nha quan-do nas-ce / s’es-par-ra-ma pe-lo chão

Veja que no início do segundo verso juntei duas sílabas (“se es-...”) em uma (“s’es”), que é como pronunciamos.

Lembrando também que as sílabas poéticas devem ser contadas somente até a última sílaba tônica, temos ali versos de sete sílabas.

Mas que tem isso a ver com o Salmo Responsorial? Tudo, pois usamos uma versão metrificada do Saltério (o livro dos Salmos), impressa, a propósito, com o nome de Saltério Litúrgico, pelas Edições Lumen Christi. É a tradução oficial da CNBB. Ainda que o Salmo Responsorial seja só recitado, na Missa (e não cantado), este conhecimento é importante para proferi-lo com beleza.

Para mostrar um exemplo ao leitor, tomo o Salmo 1. Seu primeiro versículo é assim traduzido pela Bíblia Ave Maria:

Feliz o homem que não procede conforme o conselho dos ímpios, não trilha o caminho dos pecadores, nem se assenta entre os escarnecedores.

Não é um texto metrificado. Nem precisa ser, isto é importante lembrar. Na Liturgia, a princípio, também não existe esta obrigatoriedade. Entretanto, em alguns países existe este hábito de metrificar os salmos, e este hábito não é novo. É uma escolha tão legítima quanto não metrificar.

O Saltério Litúrgico, cujas traduções metrificadas são as utilizadas pelo Lecionário, traduz assim o primeiro versículo do Salmo 1:

Feliz é todo aquele que não anda
Conforme os conselhos dos perversos
Que não entra no caminho dos malvados
Nem junto aos zombadores vai sentar-se.

Quando o Salmo 1 é o Salmo Responsorial da Missa, é isto mesmo que vemos. Cada verso tem dez sílabas poéticas, com acentos na segunda, na sexta e na décima sílabas (o terceiro verso tem onze sílabas, basta considerá-lo como verso de dez sílabas com uma sílaba extra no início).

O mesmo que transcrevi acima escrevo de novo, marcando as sílabas fortes, acentuadas, de cada verso.

Feliz é todo aquele que não anda
Conforme os conselhos dos perversos
Que não entra no caminho dos malvados
Nem junto aos zombadores vai sentar-se.

Os livros litúrgicos costumam imprimir os Salmos com as sílabas fortes de cada verso em negrito. No meu exemplo também sublinhei, para chamar mais atenção.

É comum que me perguntem por que nos livros da Liturgia das Horas existem essas sílabas impressas em negrito. É justamente por isso. Posicionar corretamente os acentos na recitação do salmo é fundamental para uma realização bela da Liturgia.

Outra pergunta comum a respeito destes salmos metrificados faz menção a alguns símbolos que costumam ser usados nelas. Um deles é o asterisco, que aparece no fim de alguns versos.

Feliz é todo aquele que não anda *
Conforme os conselhos dos perversos
Que não entra no caminho dos malvados *
Nem junto aos zombadores vai sentar-se.

Neste tipo de tradução os versos dos salmos são agrupados de dois em dois e, às vezes, de três em três. O asterisco indica o final do primeiro verso de um grupo de dois versos; no exemplo acima, são dois grupos de dois versos.

Quando aparece um grupo de três versos, o asterisco indica o final do segundo, e uma cruz indica o final do primeiro. No Salmo 58, os versículos 3 e 4 são traduzidos como uma estrofe de cinco versos: um grupo de dois e um grupo de três:

Eis que ficam espreitando a minha vida, *
Poderosos armam tramas contra mim.
Mas eu, Senhor, não cometi pecado ou crime;
Eles investem contra mim sem eu ter culpa: *
Despertai e vindo logo ao meu encontro!

Esses símbolos ajudam o salmista a cantar o salmo segundo as fórmulas gregorianas. Ao ver o asterisco, ele sabe que cantará a terminação de um grupo de dois versos; ao ver a cruz, ele sabe que cantará a terminação do primeiro verso de um grupo de três versos.

As “fórmulas gregorianas” a que me refiro são também chamadas de tons salmódicos; são “clichês” melódicos (sem conotação negativa da palavra “clichê”) utilizados, por exemplo, para cantar versos adicionais do Introito e de outras partes do Próprio da Missa. Na Liturgia das Horas, pode-se usar uma dessas fórmulas para todo um salmo; elas são também apropriadas para o Salmo Responsorial da Missa, tanto para o refrão como para os versos. Não são, entretanto, a única possibilidade.

Pode-se perfeitamente compor música para o Salmo Responsorial. O mais comum é que se utilize uma melodia para o refrão e, para os versos, algum tipo de fórmula gregoriana ou parecida com as fórmulas gregorianas. Em alguns lugares existe a prática de a assembleia cantar o refrão e o salmista ler os versos. Pessoalmente, não gosto, mas a IGMR parece aprovar: (...)De preferência, o salmo responsorial será cantado, ao menos no que se refere ao refrão do povo. (...) (IGMR, 61). De qualquer modo, a IGMR fala em “preferência”, o que indica um ideal, mas não uma obrigação.

Fica claro, pela instrução do Missal, que o refrão cabe à assembleia. Ao mesmo tempo, a natureza do Salmo Responsorial permite concluir que a música composta para esse mesmo refrão deve ser relativamente simples. Com “relativamente” tento dizer que precisa ser compreensível para os fiéis, de modo que possam repeti-lo imediatamente. É costume que o Salmo Responsorial comece com o refrão cantado pelo cantor sozinho, após o que os fiéis o repetem. Parece-me ideal que este refrão não precise ser “ensaiado” antes da Missa, mas devo enfatizar que isto se trata de uma opinião pessoal. Uma assembleia que tenha noções de escrita musical pode aprender um refrão menos óbvio com mais rapidez, situação que acontece em alguns países. Porém, mesmo sem este conhecimento, há inúmeras fórmulas e melodias simples que dispensam ensaios com os fiéis.

Com base em situações que já presenciei, eu gostaria também de dizer que me parece ideal que o salmista, ao proceder ao canto ou à leitura do Salmo Responsorial, limite-se a este encargo. São péssimas quaisquer outras falas como “vamos cantar o Salmo”, ou “nossa resposta ao salmo é...”, ou “todos deverão repetir...” etc.

No mais, convém observar o nº102 da IGMR: Compete ao salmista proclamar o salmo ou outro cântico bíblico colocado entre as leituras. Para bem exercer a sua função é necessário que o salmista saiba salmodiar e tenha boa pronúncia e dicção. “Saber salmodiar” inclui conhecer (mesmo que intuitivamente, em certos casos) as questões métricas de que falei anteriormente e, no caso do canto, conhecer as fórmulas gregorianas e, sendo possível outras fórmulas e melodias.

Por que o nº102 da IGMR fala em “salmo ou outro cântico bíblico”? Em alguns casos, o Salmo Responsorial toma seu texto não dos salmos, mas de algum cântico como o Magnificat (do Evangelho segundo São Lucas), de um dos vários cânticos do Livro do Profeta Isaías etc. E aqui falo da Missa: na Liturgia das Horas são usados muitos cânticos bíblicos que não são salmos, e sua tradução também aparece no Saltério Litúrgico, sendo em número de setenta e cinco!

Vários compositores de música litúrgica se têm debruçado sobre a tarefa de compor refrãos de Salmo Responsorial. Mostro aqui vídeos de dois exemplos. O primeiro é do padre francês Joseph Gelineau (1920-2008), cujo trabalho foi adaptado em outras línguas. Aqui vemos seu uso numa igreja da Carolina do Sul; trata-se do tão conhecido Salmo 22 (ou 23).



No vídeo seguinte, o mesmo salmo, desta vez com refrão de Jeff Ostrowski (nascido em 1981). Jeff conduz o projeto Chabanel Psalms, para o qual compôs e reuniu refrãos de Salmo Responsorial para todos os Domingos e festas do ano litúrgico. Num momento oportuno falarei deste importantíssimo projeto de música litúrgica, com o qual tenho contribuído com algumas peças; por outro lado, também tenho adaptado algumas composições de Jeff para o português. O vídeo é demonstrativo, e não foi feito durante a Missa.



Estou certo de que há no Brasil igrejas em que o Salmo Responsorial é bem realizado, mas não tenho encontrado vídeos. Minha ideia era a de encontrar também vídeos de Salmos Responsoriais em outros idiomas (que não português nem inglês) para trazer variedade, mas também não os tenho encontrado.

*

No lugar do Salmo Responsorial pode ser usado o Gradual. Falarei dele na próxima vez.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O rito extraordinário e a reforma da reforma

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Com o Motu Proprio Summorum Pontificum, Papa denominou o rito romano antigo de “forma extraordinária do rito romano”. Qual o sentido dessa expressão?

Antes de tudo, cumpre salientar que a forma extraordinária, ou rito antigo, ou rito tradicional, ou Missa tridentina, está em pé de igualdade com a forma ordinária, assegura o mesmo Papa. Segundo a Cúria Romana e pronunciamentos do Pontífice, ela deve ser amplamente promovida e difundida, os Bispos não lhe podem empecilhos, todos são convidados a celebrá-la ou assisti-la etc.

É lícito, ademais, argüir que essa forma extraordinária contém elementos que talvez não devessem ter sido removidos quando da reforma litúrgica de Paulo VI, ou que ela representa melhor a nossa cultura que não é puramente romanas, mas mesclada com os elementos culturais galicanos e, enfim, se encaixa mais perfeitamente na esteira do desenvolvimento harmônico da liturgia...

Todavia, esse modo de celebrar o rito romano como celebrava a Igreja latina até 1970 é hoje uma forma extraordinária, não a ordinária. O que quer dizer o Papa com isso?

Podemos difundir a forma extraordinária. Podemos amar a forma extraordinária. Podemos querer que a forma extraordinária esteja em todas as dioceses. Mas, além disso, é preciso promover a forma ordinária bem celebrada, justamente porque ela é, ordinária, comum, usual, majoritária. Aliás, o Papa fala de mútua influência entre as formas, e um dos modos disso acontecer é justamente popularizando a Missa antiga para que aqueles que celebram mal a Missa nova possam fazer uma comparação e se empenhar na correta celebração também dessa nova.

Com o tempo, por uma “reforma da reforma” que seja orgânica, é bem possível que elementos antigos da Missa e extirpados nos anos 70, hoje encontrados na forma extraordinária, sejam reincorporados ao rito usual de Paulo VI. Teríamos, assim, no futuro, um rito romano unificado, com textos, rubricas e cerimônias das duas formas: “o melhor” dos dois Missais, diríamos em linguagem popular.

Antes que isso acontece, e independentemente de acontecer, o indulto universal para a forma extraordinária deve, além de favorecer um espírito de tolerância entre os diversos grupos presentes na Igreja – tolerância essa que deve conduzir à caridade fraterna e aceitação plena –, criar condições para que o esplendor e a sacralidade – normais na forma extraordinária justamente porque, além de contar com rubricas mais precisas e detalhadas, ela é a procurada por católicos insatisfeitos com a verdadeira bagunça ritual na maioria das paróquias – sejam “populares” também na forma ordinária.

Quem vê a Missa celebrada pelo Papa, ou as Missas dos Legionários de Cristo, dos padres do Opus Dei, dos Cônegos Regulares de São João Câncio, dos Missionários Franciscanos do Verbo Eterno, dos Franciscanos da Imaculada, e de uma série de mosteiros beneditinos e cistercienses, encontra uma forma ordinária, moderna, do rito romano, bem celebrada, com sacralidade, respeito às rubricas, latim, incenso, padre eventualmente versus Deum, e o adequado esplendor litúrgico. Uma Missa assim não afasta os que procuram a forma extraordinária para fugir ao caos – ainda que possam torcer o nariz também para ela alguns mais radicais daqueles que preferem a Missa antiga por razões teológicas, criticando a nova por supostos defeitos. Também não afasta os que preferem a Missa antiga e a consideram mais adequadamente transmissora do ensinamento eucarístico, mas respeitam a nova e sabem-na não só válida, como lícita, legítima e santificante – como é o caso da Administração Apostólica, da Fraternidade São Pedro, do Barroux, dos redentoristas transalpinos de Papa Stronsay, do Instituto Cristo Rei etc.

Promover que a Missa, na forma ordinária mesmo, seja celebrada conforme as rubricas – e isso não deixa de ser uma aproximação externa entre as duas formas – é também fazer o que pede o Papa.

O rito extraordinário é isso: extraordinário. Façamos sua promoção! Mas não esqueçamos de promover o ORDINÁRIO, o comum que encontramos nas nossas paróquias, para que seja melhor celebrado. Pouco adianta termos, lado a lado, uma excelente e piedosa Missa tridentina, e uma Missa nova mal celebrada, desdenhosa do latim, do incenso, do versus Deum e do gregoriano, com padres sem casula, sem sacralidade e sem amor às rubricas... A Missa antiga não é a “versão da Missa para conservadores” e a nova também não é a “versão para os que aceitam a bagunça”. Se a forma extraordinária deve ser difundida, a forma ordinária, tal como celebrada hoje na imensa maioria do Brasil, deve ser reconduzida ao lugar em que figura no Missal. Se a extraordinária precisa ser promovida, o modo como se oferece a ordinária na grande maioria das paróquias brasileiras deve ser corrigido.

Queremos não só a Missa tridentina... Queremos, na Missa nova, na forma ordinária, nessa que temos nas nossas paróquias, a Missa do Missal! Não é só em Roma, ou só os legionários, ou só a Obra, ou só monges, que devem celebrar a forma ordinária com sacralidade e fausto....

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Introito do Primeiro Domingo da Quaresma

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A Liturgia da Missa do Primeiro Domingo da Quaresma começa com um Introito cujo texto faz uso de dois versículos do Salmo 90. E mais que isso: todo o Próprio do Primeiro Domingo da Quaresma utiliza o Salmo 90, se levarmos em conta o texto das melodias gregorianas do Gradual Romano (no Missal há pequenas diferenças).

São os versículos 15 e 16 que ouvimos no Introito. Em português:

Quando me invocar, eu o atenderei; eu o livrarei e o cobrirei de glória; eu o favorecerei com longos dias.
No latim original:

Invocabit, et ego exaudiam eum: eripiam eum, et glorificabo eum: longitudine dierum adimplebo eum.

Existe um antigo hábito, tanto no canto do Introito como de certas outras partes da Missa, de acrescentar alguns versículos do mesmo salmo ao texto principal. Os livros de canto gregoriano costumam indicar quais versículos podem ser utilizados. Se o texto do Introito (ou de outra parte) é tirado de livro que não o dos Salmos, os livros indicam um salmo, com seus versículos, que pode ser utilizado. No Post sobre o Introito o leitor pôde ver o Introito cantado em Westminster na Missa de Natal de 2009. Lá se cantam esses versículos adicionais.

Assim, ao Introito do Primeiro Domingo da Quaresma, podemos acrescentar o primeiro versículo do salmo: Quem habita no refúgio do Altíssimo permanecerá sob a proteção do Deus do Céu. É o que faz o professor Giovanni Vianini no vídeo que mostro aqui abaixo, no fim deste post. Até 1:07 o professor canta o Introito propriamente dito, a antífona. A partir de 1:09, utilizando uma fórmula melódica baseada em notas repetidas, ele canta o primeiro versículo (“quem habita...”). Em 1:31 o professor canta novamente a antífona.

Essa “fórmula melódica baseada em notas repetidas” é escolhida de acordo com o “modo” em que se encontra composta a melodia da antífona. O “modo” é a organização das notas musicais em que se baseia um canto específico, as hierarquias entre elas, quais podem iniciar ou terminar um canto, quais delas podem ter mais ou menos destaque numa composição. No canto gregoriano existem oito modos.

Abaixo do vídeo se pode ver a partitura. O leitor verá que ela também indica o versículo adicional, marcado com Ps (“qui hábitat...”). Um pouco mais adiante verá também o Gloria Patri – é costume também adicionar o Glória ao Pai, que na partitura aparece abreviado porque se supõe que os cantores já saibam como cantá-lo inteiro. As vogais E U O U A E se referem a et in saecula saeculorum. Amen. (e pelos séculos dos séculos, amen).

Mesmo que o leitor não conheça este tipo de partitura, ouça o canto e acompanhe o subir e descer das notas... sem dúvida começará a perceber a lógica da notação musical.

Desejo que este vídeo possa contribuir com o início das meditações quaresmais dos leitores!



sábado, 20 de fevereiro de 2010

As mudanças na liturgia introduzidas por Bento XVI

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As mudanças na liturgia introduzidas por Bento XVI

Entrevista com Dom Mauro Gagliardi, consultor do Ofício de Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice
CIDADE DO VATICANO, segunda-feira, 21 de dezembro de 2009 (ZENIT.org).– Falamos com Dom Mauro Gagliardi, professor ordinário da Faculdade de Teologia do Ateneu Pontifício “Regina Apostolorum” de Roma, consultor do Ofício de Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice e responsável pela seção de teologia litúrgica “Espírito da Liturgia”, publicada quinzenalmente pela ZENIT.

- Ao ler o artigo de Luigi Accattoli, “O rito do silêncio segundo o Papa Ratzinger” (Liberal, 1° de dezembro, 2009, p. 10), fica evidente a ideia de um certo esforço, solicitado pelo próprio Papa, para tornar a liturgia papal mais alinhada à tradição. Como nos aproximamos do tempo das celebrações solenes das festas natalinas, que serão presididas em São Pedro por Bento XVI, gostaríamos de aproveitar a ocasião para falar destas alterações.

- Gagliardi: O artigo de Accattoli apresenta um panorama geral das alterações mais visíveis em matéria de liturgia pontifícia, embora haja outras, que talvez não tenham sido mencionadas por razões de espaço, ou porque são de compreensão mais difícil por parte do público em geral. Como enfatiza esse estimado vaticanista, tais alterações são iniciativa do próprio Santo Padre, o qual, como se sabe, é especialista em liturgia.

- Accattoli inicia seu artigo mencionando as vestes papais que caíram em desuso nas últimas décadas: o camauro, o saturno vermelho, a mozeta. Menciona também as mudanças referentes ao pálio.

- Gagliardi: Trata-se de elementos das vestes próprias do Pontífice, como também a cor vermelha dos calçados, não mencionada explicitamente pelo autor. Se é verdade que nas últimas décadas os Sumos Pontífices têm optado por não fazer uso destes itens, também é verdade que jamais foram abolidos, e portanto qualquer Papa os pode usar. Não se pode esquecer que, assim como a maior parte dos demais elementos visíveis na liturgia, também as vestes de uso extra-litúrgico atendem a necessidades práticas e simbólicas. Lembro-me que quando o Papa Bento XVI usou pela primeira vez o camauro, um gorro de inverno eficaz contra o frio, um jornal italiano publicou uma foto do sorridente Santo Padre, portando sobre a cabeça o camauro, com a legenda “e fez muito bem!”, referindo-se ao fato de que o Papa também tem o direito de se proteger do frio. Mas as razões para usá-lo não são apenas práticas. Não podemos nos esquecer quem é e qual é o papel da pessoa que faz uso dessas vestes: por isso, elas têm também um significado simbólico, que é expresso por meio de sua beleza e sua aparência magnânima.

Ao contrário, o pálio é um indumento litúrgico. João Paulo II usava um igual aos usados pelos metropolitas. No início do pontificado de Bento XVI, havia sido preparado um de feitio diferente, que retomava estilos antigos e que foi usado pelo Santo Padre por algum tempo.

Na sequência de um estudo meticuloso, percebeu-se que seria mais adequado voltar à forma utilizada por João Paulo II, ainda que com pequenas modificações que destacassem as diferenças do pálio usado pelos metropolitas daquele usado pelo Papa.

- O que pode ser dito da férula papal escolhida por Bento XVI em substituição ao crucifixo confeccionado por Scorzelli, utilizado por Paulo VI, João Paulo I e II e pelo próprio Bento XVI no início de seu pontificado?

- Gagliardi: Pode-se dizer que também aqui vale o mesmo princípio. Pode-se mencionar uma razão prática: a férula utilizada atualmente por Bento XVI pesa 590 gramas a menos que o crucifixo de Scorzelli, o que não é pouco. Além disso, em termos históricos, a férula em forma de cruz corresponde mais fielmente àquela típica da tradição romana, que sempre foi em formato de cruz e desprovida de crucifixo. Podemos, finalmente, mencionar razões de caráter simbólico e estético.

Accattoli também cita outras mudanças, que podemos definir com mais substância: os cuidados nos momentos de silêncio, a celebração voltada para o crucifixo, e a comunhão, administrada sobre a língua aos fies de joelhos.

- Gagliardi: Estes são elementos de significado profundo, que obviamente não pode ser analisado aqui em detalhes. O Institutio Generalis do Missal Romano publicado por Paulo VI estabelece preocupações que devem ser observadas durante o sacro silêncio. A atenção dada a esse aspecto na liturgia papal, portanto, não faz mais do que colocar em prática as normas estabelecidas.

Com relação à celebração voltada para o crucifixo, vemos que por norma o Santo Padre mantém o posicionamento ao altar chamado de “voltado para o povo”. Apenas em poucas ocasiões celebrou voltado para o crucifixo. Como toda celebração da Missa, qualquer que seja a posição física do celebrante, é voltada para o Pai através de Cristo no Espírito Santo e nunca voltada “para o povo”, não admira que quem celebre a Eucaristia possa estar voltado também fisicamente “em direção ao Senhor”.

No que diz respeito, finalmente, ao modo de distribuir a Santa Comunhão aos fiéis, é preciso distinguir o aspecto de recebê-la sobre a língua daquele de recebê-la de joelhos. Na atual forma ordinária do Rito Romano (ou Missal de Paulo VI), os fiéis têm o direito de receber a Comunhão tanto de pé quanto de joelhos. Se o Santo Padre estabeleceu conferi-la de joelhos, penso – obviamente esta é apenas minha opinião pessoal – que ele considere esta posição mais adequada para expressar o sentimento de adoração que devemos sempre cultivar ao receber o dom da Eucaristia.

Na Sacramentum Caritatis, citando Santo Agostinho, o Papa lembrou que, ao receber o Pão Eucarístico, devemos adorá-lo, porque não adorando incorreríamos em pecado. Antes de distribuir a Comunhão, o próprio sacerdote realiza a genuflexão diante da Hóstia; porque não ajudar os fiéis a cultivar esse sentimento de adoração por meio do mesmo gesto?

No que diz respeito a receber a Comunhão sobre a mão, deve-se lembrar que essa prática é hoje possível em muitos lugares (possível, mas não obrigatória), mas permanece uma concessão, uma vez que a norma ordinária estabelece que a Comunhão é recebida somente sobre a língua.

Esta concessão foi feita às Conferências Episcopais que a requisitaram, e não partiu da Santa Sé promovê-la. Portanto, nenhum bispo membro de uma Conferência Episcopal que tenha requisitado e obtido essa licença está obrigado a aplicá-la em sua diocese; cada bispo tem liberdade para decidir aplicar a norma universal, que permanece vigente apesar de todas as licenças concedidas, e que estabelece que os fiéis devem receber a Santa Comunhão sobre a língua.

Assim, é importante que o próprio Santo Padre mantenha a regra tradicional, confirmada mais uma vez por Paulo VI, que proíbe os fiéis de receberem a comunhão sobre a mão.

- Em conclusão, qual sentido vê nas novidades introduzidas na liturgia papal no pontificado de Bento XVI?

- Gagliardi: Naturalmente, posso apenas expressar minhas opiniões pessoais, que não representam oficialmente a posição do Ofício de Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice. Me parece que o que se está tentando fazer é conciliar sabiamente coisas novas com coisas antigas, seguindo, ao máximo possível, as indicações do Vaticano II, e de agir de modo que as celebrações pontifícias sejam exemplares em todos os aspectos. Quem participa da liturgia papal deve poder dizer “é assim que se faz! É assim que devemos fazer em nossas dioceses e paróquias!”

Gostaria, ainda, de destacar que estas novidades não foram introduzidas de modo autoritário. Pode-se notar que foram frequentemente explicadas, por exemplo, na série de entrevistas concedidas pelo mestre de celebrações litúrgicas do sumo pontífice aoL’Osservatore Romano e outros veículos de comunicação. Também nós, consultores, publicamos, de tempos em tempos, artigos sobre o cotidiano da Santa Sé, a fim de explicar o significado histórico e teológico das decisões tomadas. Para usar uma palavra que está na moda, diria que há um modo “democrático” de proceder, significando com isso não que as decisões sejam tomadas em função da maioria, mas no sentido de que sempre se busca fazer compreender os motivos profundos que levaram às mudanças, os quais são sempre de caráter histórico, teológico ou litúrgico, e nunca meramente estético ou muito menos ideológico. Pode-se dizer que há um esforço permanente de tornar clara a ratio legis, e isso também representa uma “novidade” importante.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Uma perspectiva teológica para a práxis liturgica

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Nas livrarias italianas se encontra o livro de Mauro Gagliardi, Liturgia fonte di vita – Prospettive teologiche (Fede & Cultura).

Trata-se de um livro que tem o mérito de propor uma visão da liturgia principalmente em uma perspectiva teológica e que procura responder às perguntas sobre o fundamento da liturgia, indicando uma práxis celebrativa mais em consonância com os sagrados mistérios.

No prólogo do livro, Dom Mauro Piacenza, secretário da Congregação para o Clero, escreve que o autor “oferece uma aproximação teológica da liturgia consistente e ao mesmo tempo acessível”, também porque “o Concílio Vaticano II recorda que a aproximação da liturgia é, antes de mais nada, de cunho teológico”.

O arcebispo secretário da Congregação para o Clero indica que, “entre os principais elementos que qualificam o sacerdócio, está, sem sombra de dúvida, o serviço litúrgico e, de forma muito especial, o ministério do altar” e, por isso, “compreender teológica e espiritualmente o sentido da liturgia significa compreender verdadeiramente o próprio sacerdócio”.

“É nossa vocação – conclui Dom Piacenza – que o presente livro possa realmente contribuir para esta necessária descoberta do fato de que o sacerdote é, antes de mais nada, um homem escolhido pelo Senhor para estar diante d’Ele e servi-lo.”

Mauro Gagliardi, nascido em 1975, foi ordenado presbítero em 1999, na arquidiocese de Salerno. Doutor em Teologia (Gregoriana, Roma, 2002) e em Filosofia (L’Orientale, Nápoles, 2008), desde 2007 é professor na Faculdade de Teologia do Ateneu Pontifício Regina Apostolorum de Roma.

Desde 2008, é consultor do Ofício de Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice. Publicou vários livros, artigos e contribuições a miscelâneas, tanto na Itália como fora dela. Sobre a relação entre teologia e liturgia, ele concedeu esta entrevista a Zenit.

-Por que um professor de teologia como você decidiu escrever um livro sobre liturgia?

-Gagliardi: Eu diria que há vários motivos, alguns dos quais são circunstâncias e outros tocam mais o objeto de estudo teológico. Nos últimos anos, eu me dediquei, por uma série de acontecimentos ocasionais, a aprofundar no estudo na liturgia. No começo, meus estudos estavam dirigidos quase exclusivamente à teologia dogmática, que é meu principal campo de especialização e de ensino. Um dia, durante meu último ano de doutorado em teologia, caíram em minhas mãos alguns livros que me encheram de curiosidade: apresentavam o tema da liturgia de uma forma distinta daquela com que eu estava acostumado. Sua leitura foi apaixonante e, a seguir, a de outros análogos. Comecei, assim, a formar uma cultura litúrgica.

Resumindo, estas obras constituíam uma aproximação da liturgia não somente do ponto de vista histórico – que, no entanto, não se descuidava – mas também do teológico. O que eu nunca havia conhecido bem era uma teologia da liturgia e, quando esta saiu ao meu encontro, eu a acolhi com alegria, quase de forma natural.

Depois li e reli o excepcional livro do cardeal Ratzinger, Introdução ao espírito da liturgia, e outros ensaios seus em matéria litúrgica. Acho que li todos, várias vezes. Em 2007, publiquei um livro sobre a Eucaristia (Introduzione al Mistero eucaristico. Dottrina – Liturgia – Devozione), no qual desenvolvi tanto o aspecto dogmático como o litúrgico e o espiritual do grande Sacramento do Altar.

De fato, minha aproximação continuava sendo teológico-dogmática, mas agora, graças aos novos estudos, eu podia ver melhor o vínculo fecundo entre doutrina, liturgia e devoção. Por outro lado, o livro saiu quase ao mesmo tempo que a exortação apostólica Sacramentum Caritatis, que trata sobre a Eucaristia, precisamente desenvolvendo estas três dimensões. Isso foi, para mim, uma confirmação autorizadíssima do estudo que havia feito para escrever o livro.

Em 2008, fui nomeado consultor do Ofício de Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice. Também por este motivo, meu estudo no âmbito litúrgico continua e se aprofunda, ainda que tenha de dividir-se na prática com a pesquisa no âmbito dogmático, que obviamente devo continuar.

Expondo estas circunstâncias, penso ter explicado também por que um dogmático se interessou pela liturgia: acontecimentos concretos me levaram a isso, mas estes acontecimentos não faziam outra coisa que estimular em mim o interesse por aspectos ainda não desenvolvidos e que estão conectados com o próprio dogma.

No caso específico do meu último livro, a ocasião me foi proporcionada por um convite a dar um seminário monográfico intensivo, dentro do curso internacional para os formadores de seminários, uma importante iniciativa organizada há 20 anos pelo instituto Sacerdos, todos os anos, em Leggiuno, província de Varese (Itália). O curso oferece a reitores, professores, pais espirituais e formadores dos seminários do mundo inteiro um programa amplo e muito bem estruturado de formação e de atualização, sobre os temas relacionados à formação dos futuros sacerdotes.

Em julho de 2008, falei sobre a liturgia durante 3 dias a esses irmãos sacerdotes, procedentes dos cinco continentes, e também a um bispo oriental que participava do curso; e percebi o seu grande interesse pelo corte teológico que dava à minha exposição. Os dados bíblicos, históricos e filológicos certamente contam e eu tentava que não faltassem, junto às análises de casos concretos, mas o interesse era suscitado sobretudo pela compreensão teológica da liturgia. Após esta experiência positiva, decidi organizar minhas anotações e o livro nasceu.

-Em um mundo que parece cada vez mais secularizado, por que um livro sobre a liturgia?

-Gagliardi: Eu diria que é o contrário, que precisamente porque frequentemente o mundo moderno – pelo menos o mundo ocidental – parece cada vez mais afastado da fé e da religião, é necessário recordar alguns pontos firmes e, entre eles, certamente está o culto divino, a sagrada liturgia.

Às vezes, acredita-se que, diante dos desafios da “cidade secular”, também o cristianismo, se quiser ser aceito, deve se secularizar. Não posso aqui, obviamente, entrar em detalhes sobre um tema tão amplo. Mas para a liturgia vale um discurso semelhante.
Parece que, em muitos casos, existiu uma tendência a secularizar a liturgia, quase “desmistificá-la”, torná-la menos divina e mais humana, de forma que as pessoas pudessem reconhecer-se mais nela, de acordo com a mentalidade e a cultura típicas da nossa época. Está claro que a liturgia se forma e muda, através dos séculos, também com base na influência das culturas. É necessário, no entanto, verificar prudentemente quando se trata de mudanças homogêneas com a tradição e, portanto, positivas, falando em geral, e quando isso não acontece.

Também neste caso, é impossível entrar aqui em detalhes, mas à sua pergunta eu respondo que, precisamente em um mundo que parece com frequência afastado de Deus, é necessária ainda mais uma liturgia verdadeiramente divina e sagrada.
Não é correto dizer – como se fez frequentemente – que hoje os problemas da Igreja seriam outros. O culto que devemos dar publicamente a Deus, e a forma correta de fazer este culto, são de capital importância para o homem de toda época, sejam quais forem os problemas que ele tiver de enfrentar. E mais ainda, pensando bem, é difícil encontrar um problema que seja mais importante para o homem que sua relação com Deus, na qual a liturgia sagrada é o momento culminante.

-Quais são os temas relevantes tratados no livro? O que você pretende comunicar aos leitores? Que objetivos quer alcançar?

-Gagliardi: Começo pela última pergunta e respondo simplesmente que o que me proponho, quando estudo, leciono ou escrevo, é a busca pessoal da verdade e sua consequente difusão. Por isso, nunca me proponho idear algo novo, algo que ninguém soube ou disse antes. Tento dizer de forma clara e, na medida do possível, de forma nova, o que a Igreja sempre soube e continua incessantemente ensinando e aprofundando no desenvolvimento de sua vida.

Com relação aos temas do meu livro, tratei, no relativo aos temas fundamentais e gerais, do conceito de liturgia, do papel do sacerdote ministro e dos fiéis na celebração, da forma como a liturgia é para nós fonte de vida, isto é, manancial de graça, da santificação litúrgica do tempo e do espaço, da dinâmica teológica da Eucaristia, da beleza litúrgica, assim como da relação entre liturgia e ética e liturgia e devoção, concluindo sobre a formação litúrgica. Além disso, propus um capítulo com uma breve história da reforma litúrgica a partir do Concílio de Trento até nossos dias. No livro, encontram-se também diversos temas específicos e concretos, como a orientação da oração litúrgica, a língua a ser usada na celebração, a melhor postura para receber a Santa Comunhão etc.

-Ainda existe muita polêmica sobre o êxito da reforma litúrgica pós-conciliar. Você poderia nos ilustrar os termos do debate e qual é seu parecer ao respeito?

-Gagliardi: Sobre os termos da questão, dito muito resumidamente: após o Vaticano II, uma comissão dedicada a isso trabalhou para levar a cabo a reforma geral da liturgia, pedida pelo Concílio. Os resultados concretos desta reforma, segundo admitiram o então cardeal Ratzinger e outros muitos especialistas, não correspondem em todos os detalhes concretos ao texto da Sacrosanctum Concilium.

Aqui, as posturas divergem: uns falam de traição ao Concílio e, ainda mais, à Igreja e à sua imemorial tradição litúrgica, e desejariam uma anulação completa da reforma, à qual seguiria uma restauração da liturgia à situação de 1962, quando não antes.

Outros, pelo contrário, tendem quase a fazer uma canonização da reforma, da maneira como se levou a cabo e dos resultados, e se mostram às vezes inclusive agressivos quando alguém lança a hipótese, certamente não de anulá-la, mas somente de revisá-la e corrigi-la.

Ambas as posturas, a meu ver, estão equivocadas. E estas perspectivas nos impedem também de avaliar de forma correta algumas importantes decisões que o Santo Padre tomou. Contudo, existe uma terceira via, que é a correta, e que consiste em favorecer o desenvolvimento homogêneo da tradição litúrgica da Igreja.

-Segundo uma sondagem recente, 2 de cada 3 praticantes iriam à Missa tridentina pelo menos uma vez por mês se a tivessem em sua paróquia, mas parece que vários bispos e párocos não gostam muito deste rito. É verdade? O que você pensa disso?

-Gagliardi: Eu li sobre esta sondagem recente, levada a cabo por Doxa, uma conhecida sociedade que trabalha no setor. Os resultados deveriam, portanto, corresponder à situação real, na medida em que isso é possível em uma sondagem.

Desde a publicação do motu próprio Summorum Pontificum, há mais de dois aos, muitas vezes os jornais, revistas e sites mostram notícias de declarações e/ou decisões de membros do clero, que parecem ir em uma direção diversa da desejada pelo documento pontifício. Neste sentido, pode-se dizer que uma parte, que eu não saberia quantificar, de bispos e sacerdotes parece não estar entusiasmada com a ideia de ver uma nova difusão da celebração da Missa segundo o uso mais antigo. Os motivos desta postura podem variar e está claro que aqui não podemos fazer uma análise profunda.

Minha opinião é que, se o Santo Padre decidiu favorecer, através da sua decisão, os que desejam celebrar ou participar da forma mais antiga do rito romano, aqueles que não amam especialmente esta forma – e, portanto, não desejam valer-se pessoalmente da faculdade concedida – não deveriam colocar obstáculos à realização de uma normativa que, tendo emanado da Suprema Autoridade, tem valor para toda a Igreja. Certamente, pode haver casos particulares, em que os amantes do rito de São Pio V tenham pretensões excessivas.

Estes casos devem ser avaliados individualmente por parte dos bispos, que continuam sendo, em suas dioceses, os principais responsáveis pela vida litúrgica (e é preciso recordar que compete a tais bispos velar não somente por estes casos, mas também pela observância estrita das normas fixadas nos livros litúrgicos pós-conciliares). Parece-me, contudo, que os casos de excessos por parte dos que valorizam o rito mais antigo são menos frequentes que as declarações e ações para desanimar a celebração deste rito. Brevemente, eu diria que é essencial que ninguém anteponha sua autoridade particular ou sua visão pessoal às decisões do Santo Padre, que é o centro da unicidade visível da Igreja.

-Muitos fiéis lamentam um empobrecimento da atual práxis celebrativa. Que conselhos você daria para renovar e tornar mais bela e intensa a liturgia?

-Gagliardi: Há muitos conselhos, que exponho em meu livro e, portanto, para responder à sua pergunta, o melhor que posso fazer é recomendar sua leitura. Contudo, posso dizer ao menos que na base das muitas coisas que se pode fazer ou renovar – tanto no âmbito mais geral quanto no mais detalhado -, penso que existe uma verdade teológico-litúrgica em torno da qual gira todo o resto: o protagonista da sagrada liturgia não é o indivíduo nem a comunidade – estes, no entanto, têm um papel relevante -, mas o Deus trinitário e seu Cristo. Tudo está aqui.

Isso é verdadeiramente essencial. Cada gesto, cada disposição, cada atitude do corpo e do espírito, cada objeto utilizado na liturgia devem ser uma manifestação deste fato: não celebramos nós mesmos ou nossa comunidade. Nosso culto está dirigido a Deus Pai, através de Jesus Cristo, no Espírito Santo. Este culto em espírito e verdade nos santifica e nos abre à vida eterna.

(Por Antonio Gaspari)

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