Um dos serviços providenciais dos Minoritas foi estender uma ponte estreita entre a vida litúrgica tradicional, encerrada nos mosteiros e colegiados, e as exigências religiosas da nova sociedade que vinha se estruturando. A mobilidade e os novos rumos do apostolado, junto com a intensidade dos estudos, não se ajustavam com as longas horas diárias da liturgia laudatória desenvolvida pelo monaquismo. Não é, pois, de estranhar que, usando a faculdade de que no século XIII gozava todo instituto religioso de ordenar livremente sua vida litúrgica, os Franciscanos fossem evoluindo para um culto mais abreviado e, ao mesmo tempo, mais próximo à piedade individual.
Prosseguindo nesta tendência de abreviar o tempo das horas canônicas, com a autorização de Gregório IX, a Ordem promoveu para si uma primeira reforma, e uma segunda, tempos mais tarde; consistiam, sobretudo, em abreviar as orações extraordinárias, como o Ofício dos Defuntos e o Pequeno Ofício da Virgem; o autor delas, foi Frei Haymo de Faversham. Ainda assim, havia um setor da Ordem que achava excessivamente longo e pesado o ofício diário e dessa queixa, São Boaventura faz menção em um dos seus opúsculos; entretanto, os adversários de fora acusavam os Franciscanos de revolucionar a liturgia eclesiástica. Nicolau III (1277-1280) estendeu a todas as igrejas de Roma o Breviário Franciscano reformado, que no decorrer do século XIV se estendeu a toda a Igreja latina.
Até na evolução do Missal Romano, isto é, o que era usado pela Cúria Romana, também adotado pela Ordem, influíram os Franciscanos. Frei Haymo fez uma nova relação das rubricas da missa. É difícil determinar com precisão, até que ponto foi obra dos Franciscanos o predomínio definitivo das rubricas e fórmulas próprias da missa no século XIII, como as do ofertório e as que precedem a comunhão: o que se constata é que várias das rubricas atuais aparecem pela primeira vez nos decretos litúrgicos dos Capítulos Gerais da Ordem; isso sem tomar em conta as seqüências e festas novas que dos códices franciscanos passaram ao missal romano para toda a Igreja.
Da convivência extra-litúrgica com os mistérios revelados por meio da meditação pessoal e do contato pastoral com o povo cristão, para quem o ciclo litúrgico já dizia muito pouco, originou-se uma notável mudança no calendário litúrgico: muitas das “devoções” que se foram impondo sob a influência franciscana passaram à categoria de solenidades. Cada decisão Capitular dos Franciscanos, neste ponto, deixou marca imediata no ano eclesiástico.
Em 1260, inclui-se no calendário franciscano a
festa da Santíssima Trindade, que já vinha sendo celebrada em algumas regiões; em 1334, João XXII a estendia a toda a Igreja. Tiveram maior difusão, por obra dos filhos de São Francisco, as festas e devoções relacionadas com a vida de nosso Senhor Jesus Cristo. A
representação plástica do “Nascimento” já existia anteriormente, porém, os franciscanos deram-lhe grande impulso, orientados por São Francisco desde a celebração em Greccio (1223).
O culto da Paixão do Senhor foi o que mais se destacou na piedade difundida pelo exemplo e pregação dos Franciscanos, sobretudo, a prática da Via Crucis, que tanta difusão alcançou. Em São Francisco o amor à Paixão era inseparável da Sagrada Eucaristia, promovida ardentemente por cartas e exortações.
No século XV, São Bernardino de Sena tomou como bandeira de seu apostolado o Santíssimo Nome de Jesus, secundado por São João de Capistrano e outros pregadores.
Na piedade franciscana, a humanidade de Cristo não podia deixar de estar ligada à Santíssima Virgem Maria. Não falamos do entusiasmo com que se promoveu a devoção à Imaculada Conceição, considerada desde o início do século XIV, como insígnia e glória da Ordem. A festa da Visitação, introduzida no calendário minorítico, estendeu-se a toda a Igreja, no século XV. Aos Franciscanos deve-se a adição das palavras “Rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte”, na Ave-Maria. O toque dos sinos e a oração do Angelus, que no início se faziam só para a “Oração da Noite”, em memórias da Assunção e, depois, três vezes ao dia; deve-se a uma iniciativa de Frei Bento de Arezzo (+1282), acolhida pelos Capítulos Gerais, desde meados do século XIII. Um decreto do Beato João de Parma introduziu, em 1254, as antífonas finais da Virgem no ofício divino, adotadas depois no breviário romano. Do mesmo modo que os dominicanos, também os franciscanos tiveram (e ainda têm) seu Rosário, chamado de “as sete alegrias da Virgem Maria”, grandemente propagado por São Bernardino e São João de Capistrano.
Da feliz união entre a Liturgia e religiosidade popular nasceram as “representações sagradas” – peças teatrais, altos – das quais os grandes impulsores foram os Franciscanos. Costumavam estar a cargo da Ordem terceira, hoje a OFS (Ordem Franciscana Secular).
Nos primeiros séculos franciscanos, a atividade litúrgica foi significativamente ampla e eficaz. A opção feita por São Francisco em sua Regra: “
Os clérigos façam o ofício divino segundo a forma da Santa Igreja Romana”, levou a uma difusão sempre mais ampla dos livros litúrgicos romanos.
A fidelidade franciscana ao rito romano foi tamanha que a Ordem foi responsável pela disseminação dos livros litúrgicos da Sé de Roma entre os povos que ainda adotavam a liturgia galicana ou formas particulares do rito romano. Sem a Ordem franciscana, dificilmente a Europa adotaria em peso esse rito. Desse modo, diferentemente de outras Ordens (Carmelita, Cisterciense, Cartuxa, Premonstratense, Dominicana etc), os franciscanos sempre utilizaram o rito romano.
Ainda assim, particularidades litúrgicas foram aprovadas pelo Papa para os três ramos das Ordem primeira (OFM, OFMConv e OFMCap). Não se tratava de um rito próprio, nem de uma variação do rito romano, mas de uma adaptação simples ao espírito do franciscanismo.
Como dissemos, não é de calendário que falamos aos nos referir às particularidades litúrgicas da Ordem, e sim de costumes aprovados por Roma para serem inseridos no Missal e no breviário, de tal sorte que seus livros não são apenas romanos, mas verdadeiramente romano-seráficos.
Um dos costumes na Missa franciscana é o uso do amito sobre a cabeça, no lugar do barrete e celebrar a Missa de pés descalços ou de sandálias, mas nunca com sapatos. Tal costume surgiu somente no século XX, durante a segunda guerra mundial, em que os frades “disfarçaram-se” de Padres Seculares para não serem mortos. Na Europa em geral - e depois em todo o mundo - desde a Regra feita por São Francisco, “os frades podem usar calçados, de acordo com os lugares e regiões frias”, ou seja, apenas por questões de preservar a própria saúde física; mas em nenhum lugar ao longo da história houve o costume do uso de sapatos para as celebrações.
Outro costume, mas apenas da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos é a insersão, no Confiteor, do nome de São Francisco, após os demais santos. Tal provisão foi dada pelo Papa somente aos Capuchinhos, não aos frades da OFM nem aos Conventuais.
Ainda na OFMCap, usa-se, em sua particularidade litúrgica do rito romano, o incenso em algumas Missas de certas solenidades, mesmo que não seja uma Missa Solene nem uma Missa Cantada (lembrando que, na forma clássica do rito romano, o incenso só era usado nelas, nunca da Missa meramente rezada ou Missa baixa).
A
Liturgia das Horas, entre os Capuchinhos, mas não entre os Menores nem entre os Conventuais,
não era cantada com pautas gregorianas, mas em reto tom. Também
comemoram, após as Completas, todos os dias, a Imaculada Conceição, São Francisco e Santo Antônio. Todavia, essas particularidades litúrgicas franciscanas foram postas de lado quando todos os ramos da Ordem aderiram à reforma litúrgica de Paulo VI. O rito romano, que já era adotado, como vimos, ao ser reformado, continuou a ser observado. Mas se o rito romano anterior à reforma, entre os franciscanos, tinha certa adaptação, autorizada por Roma, o novo rito romano, de Paulo VI, pós-conciliar, não conservou essas particularidades.
Assim, o rito romano tradicional sofria certas derrogações na família franciscana, porém, com a reforma posterior ao Concílio Vaticano II, esse rito romano moderno passou a não mais contemplar tais variações.
Contudo, com o Motu Proprio Summorum Pontificum, de Bento XVI, dando liberação universal para os padres celebrarem o rito romano na forma tradicional – chamada pelo Papa de “forma extraordinária”, em contraponto à “forma ordinária” que é o rito romano moderno, pós-conciliar, levanta-se a questão da OFMConv, da OFM e da OFMCap. usarem suas particularidades quando celebram o rito antigo. Desse modo, um padre franciscano poderia utilizar a forma ordinária, a que está acostumado, vigente entre todos os padres latinos, contudo, se quiser utilizar a forma extraordinária, a “Missa tridentina”, cuidará de observar suas particularidades. Por exemplo, um padre capuchinho, celebrando a forma ordinária, seguirá o rito normal do Missal Romano, mas celebrando a forma extraordinária, seguirá o rito do Missal Romano-Seráfico, com a inserção do nome de São Francisco no Confiteor.
Outra questão que se poderia levantar, e isso mesmo antes do Summorum Pontificum, é a observância de certos costumes que não estavam nas rubricas e eram autorizados por Roma porque não feriam a unidade substancial do rito romano, como o celebrar descalços e o uso do amito na cabeça no lugar do barrete. Como o uso do barrete é facultativo no rito moderno, nada impede que se use um amito maior e cobrindo a cabeça, aliás, como era na Idade Média, dado que tal paramento era bem maior do que o que encontramos hoje. O celebrar descalços não pede autorização alguma, pois rubrica alguma determina o uso de tal ou qual sapato, além dessa ser uma tradição centenária da Ordem, que foi restaurada por certos grupos de espiritualidade franciscana não ligados à Ordem – como os Filhos da Pobreza e do Santíssimo Sacramento (Toca de Assis), os Franciscanos da Imaculada, os Franciscanos da Renovação, dentre outros.
Continua...