Vale ressaltar que foram 400 jovens em um acampamento assistindo a uma Missa celebrada na Forma Extraordinária, ou seja, o Belo também atrai os nossos jovens.
Segue a transcrição adaptada da homilia:
“O Salmo 42, que rezamos no início desta Santa Missa, é aquele que os sacerdotes antigamente rezavam todos os dias quando se aproximavam ao pé do altar: “Subirei ao altar de Deus. Do Deus que é a alegria da minha juventude”. E assim passavam-se anos e anos e aqueles sacerdotes, já com seus cabelos brancos, continuavam a subir ao altar de Deus, dizendo o mesmo refrão: “Subirei ao altar de Deus. Do Deus que é a alegria da minha juventude”. O altar de Deus nos renova. O altar de Deus nos mantém nessa juventude sempre viva e sempre atual. É a fonte da nossa vida. A que nos alegramos infinitamente porque toda alegria do Céu é derramada sobre nós. E nos impressiona ver aqui, nessa manhã de domingo, essa nossa “Igreja”, por que não dizer, (A Santa Missa foi celebrada no Centro de Evangelização da Canção Nova) cheia de almas que querem experimentar aqui na Terra um pouco daquilo que nos espera no Céu! Isto é Liturgia: Viver essa comunhão de oração com todos aqueles que contemplam o Senhor face a face no Céu, diante do trono do Cordeiro, e aqueles que estão aqui na Terra pelejando, lutando, para que um dia contemplemos ao Senhor, face a face.
Mas teria sentido celebrar no meio de um acampamento de jovens uma Missa Tridentina? Uma Missa que nossos avós participavam no seu tempo…! Será que isso não é um pouco anacrônico? Será que isso não é um pouco fora do tempo? Não deveríamos ter uma missa mais adaptada aos nossos tempos? Qual o sentido de celebrar esta Santa Missa aqui, hoje, precisamente nesse lugar? Por que o Senhor permitiu que isso acontecesse? Vamos tentar responder a essa pergunta no final.
Fala-se muito hoje em Liturgia, discute-se muito acerca da Liturgia, e isso não é algo acidental, por mais que pareça ser. A tentação que dá é fazer entrar também em nossas discussões aquilo que o Papa Bento XVI condenava como ditadura do relativismo: cada um celebra do jeito que quiser e todo mundo encontra o seu lugar, todo mundo tem o seu posto na Igreja. Mas será que é assim? Será que somos nós, os homens, que determinamos como deve ser a oração da Igreja?
O mesmo Papa Bento XVI, como comentava nas suas catequeses sobre a oração, dizia, citando o Catecismo da Igreja Católica, que uma das fontes da nossa oração é a Sagrada Liturgia. O Papa mencionava ali uma expressão da Regra de São Bento, que dizia assim: “mens concordet voce”: “A alma concorde com a voz”. E o Papa utilizava essa expressão para falar como deve ser a oração litúrgica, a fonte da nossa oração, a fonte da nossa vida interior. Ele dizia que na oração acontece aquilo que é contrário ao que acontece cotidianamente, nos nossos diálogos comuns com os homens. O que acontece com nossos diálogos comuns com os homens? Primeiro nós pensamos aquilo que vamos falar. Geralmente a maioria das pessoas faz isso, embora nem todas pensem antes de falar. Mas o normal é que a pessoa pense e, depois, fale. Ela imagina aquilo que quer falar. A sua alma forja o conteúdo que ela quer falar, e a voz concorda com a alma: isso é o comum. Mas na Liturgia passa o contrário, é o revés: a alma concorda com aquilo que nós pronunciamos. E o que nós pronunciamos não é o que queremos pronunciar, mas é o que a Igreja coloca em nossos lábios.
Por que é que nós chegamos aqui e já temos uma Liturgia pronta? Será que isso não fere a espontaneidade que nós queremos ter no trato com Deus?
Certamente não. Todas essas orações que nós estamos pronunciando são orações que a Igreja não criou de um dia para o outro. São orações que a Igreja veio forjando, ela, que é esposa do Cordeiro, ao longo de muitos séculos. Foi preparando, através da vida de muitos santos, de muitos mártires. Temos aqui no altar relíquias de mártires que deram sua vida pelo Senhor. Celebramos em cima das relíquias desses homens que morreram derramando seu sangue por Cristo. Toda uma história, todo um peso de dois mil anos de Igreja em cada palavra pronunciada. E a nossa alma é chamada a adaptar-se àquilo que nossa boca pronuncia. Se a nossa boca pronuncia o que a nossa alma não concorda, vivemos uma hipocrisia. Nosso corpo diz algo e nossa alma está em outro lugar. Daí é necessário aprender a mergulhar fundo no mistério de Deus, e eu penso que essa Santa Missa pode nos ajudar muito.
Desde 2007, com o
Motu Próprio Summorum Pontificum, o Papa Bento XVI permitiu que todos os sacerdotes que quisessem poderiam celebrar a agora chamada
Forma Extraordinária do Rito Romano. Existem vários ritos na Igreja. Todos eles partiram da primeira Missa: a antecipação do Calvário, a última ceia do Senhor com seus discípulos. Daquela noite derradeira, onde o Senhor descia para o seu sacrifício na Cruz, e, a partir dali, como o Senhor diz: “Fazei isto em memória de Mim”, a Igreja obedeceu à voz do seu Senhor, e foi realizando todos os dias, ao longo desses dois mil anos, o mesmo sacrifício do Calvário, atualizando o seu sacrifício redentor. E ao longo do tempo, com a expansão da Igreja, essa oração que o Senhor confiou aos seus foi adquirindo expressões diferentes. Daí vão nascendo os diversos ritos, de acordo com as culturas por onde a Igreja vai se espalhando. E nós temos mais de 20 ritos na Igreja Católica.
O nosso rito é o Rito Romano, que agora tem duas formas: a forma ordinária, com a qual todos nós estamos talvez mais habituados, e a forma extraordinária, que é essa. Talvez alguns daqui presentes estejam participando pela primeira vez, e é uma riqueza extraordinária para cada um de nós. O Papa Bento XVI lembrava que esse rito nunca foi abolido da Igreja. E nós, quando realizamos esse rito, estamos querendo secundar esse desejo do Santo Padre, o Papa, de querer viver aquilo que ele chama de Hermenêutica da Continuidade, ou seja, que nós entendamos o Concílio Vaticano II, o vigésimo primeiro Concílio Ecumênico da Igreja, como continuidade de toda a tradição da Igreja. O Vaticano II não veio nos apresentar uma Igreja nova. Veio nos apresentar umas novidades, sim, mas dentro do grande tronco da Igreja, daquilo que o Espírito Santo vem suscitando, desde os primórdios, nos corações dos fiéis. E só entendendo esse Concílio e tudo o que veio depois, legitimamente, em continuidade com a tradição da Igreja, é que viveremos o espírito que a Igreja quer que nós vivamos, o espírito da continuidade. É o mesmo espírito que continuava antes do Concílio Vaticano II e continua depois. Não é uma nova Igreja; é a mesma Igreja Católica que nasce do lado aberto do Senhor morto na Cruz.
Existem alguns elementos que nos chamam a atenção logo à primeira vista quando a gente vem participar dessa missa. Não me toca aqui agora esgotar todos esses elementos, até porque nosso tempo é curto e não é ocasião, mas eu gostaria apenas de dar uma pincelada, sobretudo naqueles que saltam à nossa vista. Talvez não sejam os mais relevantes teologicamente, mas aqueles que chamam a nossa atenção.
Talvez o primeiro deles seja o fato de o padre estar de costas pra gente. E algumas pessoas, inclusive alguns dos liturgistas, falam “Nossa! Mas que coisa mal-educada! A gente vem participar da missa e o padre dá as costas pra gente!” Como entender isso? Como a Igreja viveu isso durante tanto tempo? Será que os padres eram pessoas mal-educadas, que davam as costas para os fiéis? Nada mais longe da realidade. O padre não está de costas para os fiéis: o padre está de frente para Deus, junto com os fiéis. A Igreja entendeu isso. Desde o princípio celebrava as suas Santas Missas virada ao Oriente: o Oriente de onde virá o Ressuscitado, o sol nascente que nos veio visitar. Toda a Igreja se volta na expectativa do Senhor que vem ao nosso encontro. “Maranathá, vem, Senhor Jesus!”. E o padre, como um grande capitão do navio, vai à frente dos seus. O pastor não é aquele que empurra as ovelhas por trás, mas é aquele que vai à frente dando a vida por elas. O pastor sobe ao Calvário e aí convida todas as suas ovelhas a subir o Calvário junto a si.
Quando Bento XVI era ainda o Cardeal Ratzinger, no seu livro “Introdução ao Espírito da Liturgia”, falava do risco que se tem, quando a Missa é celebrada de frente para o povo, de darmos uma concepção de que a Missa é um diálogo entre o padre e o povo, um círculo fechado, como se a celebração fosse esse diálogo horizontal, onde o padre fala e o povo responde a ele. Essa concepção não é a concepção da Liturgia da Igreja. A Liturgia da Igreja é um diálogo, sobretudo, da Igreja com o Senhor. É um diálogo vertical. Quando o padre se volta para o crucifixo ou se volta para o Sacrário, quando temos a ocasião de tê-lo, toda a Igreja se volta para o seu Senhor. Isso nos mostra que a Liturgia se abre para o Céu, não é um círculo fechado aqui entre nós. Todos nós nos elevamos a Deus.
E pra remediar um pouco quando a missa é celebrada de frente para o povo, o Papa pediu que se colocasse - e demonstrava isso com seu exemplo - um crucifixo no altar. Aqui vocês já percebem isso nas Santas Missas. Em quantas paróquias isso tem sido realizado! E algumas pessoas acham que isso tapa a visão do padre, “queria ver o rosto do padre!”. Mas o mais importante não é o rosto do padre: o mais importante é o Senhor. E quando o padre olha pro Senhor ele lembra aos fiéis isso: o mais importante é Ele. É para Ele que nós devemos olhar.
Outra coisa que talvez chame a atenção, certamente chamará, é a língua. A língua latina, que é a língua da nossa Igreja. Que orgulho devemos ter dessa língua! Mesmo que não entendamos todas as palavras que o padre reza em latim ou que se canta, nem sempre a língua vernácula, a língua que nós entendemos e vivemos habitualmente, é a língua que todas as pessoas entendem. Hoje a missa é rezada em português e muitas pessoas não entendem nada, absolutamente nada da Santa Missa.
Pero Vaz de Caminha, quando narra a primeira missa realizada no Brasil, na Corte Portuguesa, diz que os índios ficavam pasmados ali olhando aquela missa. Não entendiam nada. Imagine os índios vendo a sua primeira missa ali, em latim! Uma missa como essa que nós celebramos hoje! E ficavam ali, maravilhados! E, de repente, durante a Santa Missa, aparece um outro grupo de índios, que chega atrasado. E aquele grupo de índios que chega depois começa a perguntar ao grupo anterior o que está acontecendo ali. Certamente os índios que aí estavam não iam explicar que estava acontecendo a atualização do sacrifício de Cristo no Calvário. Mas eles fizeram uma coisa: apontaram o altar, e apontaram o céu… Apontaram o altar, e apontaram o céu! Aqueles homens brutos, que não entendiam nada de teologia, sabiam, misteriosamente, pela ação do Espírito Santo, sem conhecer exatamente o que acontecia ali, que algo de misterioso unia a Terra ao céu! Sem entender absolutamente uma palavra do latim!
Outra característica que pode também nos ajudar bastante - certamente nos ajuda -, e nos choca, sobretudo na cultura barulhenta em que nós vivemos hoje, é o silêncio.
Aqui na Santa Missa nós somos chamados a participar vivendo no silêncio. O Concílio Vaticano II fala da necessidade de uma participação ativa na Liturgia, e nós frequentemente associamos participação ativa ao “fazer coisas”. Se eu não cantar, se eu não falar, se eu não me mover, parece que eu sou um sujeito passivo na Liturgia. O mesmo Papa Bento XVI lembrava que o silêncio é também uma participação ativa. Porque para fazer silêncio é necessário muito combate espiritual. Nós sabemos como é difícil fazer silêncio em nossa oração. Não tanto o silêncio exterior, que é um pouco mais fácil, mas silenciar as potências da nossa alma, para que Deus possa falar como falou outrora a Elias na mansidão da brisa. É assim que o Senhor quer falar aos nossos corações. E, se não aprendermos a silenciar diante do mistério de Deus, não vamos estar aptos para escutar sua voz. O silêncio é a atitude daquele que fica sem palavras diante de algo de extraordinário que acontece diante de si.
Na Santa Missa, daqui a pouco, no Cânon Romano, quando o padre consagrar o Corpo e o Sangue do Senhor, nós cairemos de joelhos. E as palavras emudecem, porque, diante do mistério de Deus, toda palavra é muito pobre, sempre fica aquém daquilo que nós gostaríamos de falar diante de Deus. Nos calamos, maravilhados, com aquilo que se realiza diante de nós. O padre, antes da missa, pede perdão dos seus pecados; o povo reza para que Deus perdoe o padre; depois, o povo pede perdão e o padre reza para que Deus perdoe o povo. Que bonita a vivência da intercessão dentro da Santa Missa! O povo rezando para que Deus tenha misericórdia do padre, o padre rezando para que Deus tenha misericórdia dos seus… Isso aconteceu agora a pouco, e, novamente, antes da comunhão, acontecerá. O padre só rompe o silêncio do Cânon Romano, o grande silêncio, pra dizer uma palavra: “e a nós, pecadores”. Tudo é em silêncio, mas quando o padre diz “e a todos nós, pecadores”, “nobis quoque peccatoribus”, o padre fala em voz alta, pra que todos se lembrem que aquele homem que sobe ao altar também é indigno de estar ali. Ele é um pecador, como todos os outros. E, se sobe ao altar do Deus que é a alegria da sua juventude, é por pura misericórdia de Deus. Essa Santa Missa também nos ensina a obedecer às rubricas litúrgicas, aquilo que a Igreja propõe para que nós rezemos. A Liturgia não é minha, a Liturgia não é do padre, eu não posso mudá-la a meu bel-prazer. Nós estamos vivendo uma antropocentrização da Liturgia: o homem tem sido colocado no centro. O mais importante torna-se o homem, que deveria ser colocado de lado. Em nome de uma suposta inculturação nós estamos fazendo uma verdadeira baderna litúrgica. E a Liturgia, ao invés de ser uma imagem da Jerusalém celeste, passa a ser uma imagem da nossa vida cotidiana, da nossa vida habitual. E não é isso que a Igreja quer para cada um de nós. Quando o padre coloca essas roupas tão distintas do nosso dia-a-dia (nós não usamos uma casula para sair andando por aí… Uma estola, uma alva…), o padre se reveste de paramentos sagrados fazendo a oração que cada paramento expressa para sua vida espiritual. Ele está dizendo com esse gesto “eu vou agora viver um momento que não é um momento habitual da minha vida. Eu vou viver agora um pedaço do Céu.” E as vestes sagradas, as músicas distintas das músicas populares que nós ouvimos, nos revelam que aquilo que é vivido aqui é muito diferente, é extraordinariamente superior àquilo que nós vivemos na nossa vida habitual na Terra. Isso aqui é o Céu, por isso tudo é diferente.
Nós não precisamos copiar as coisas que nós temos aí fora e trazê-las para a Liturgia, porque nós esvaziaremos o seu conteúdo. É a esposa que nos ensina como se deve rezar. Quando eu obedeço aquilo que a Igreja me pede, eu me aniquilo. Qualquer sacerdote que vier celebrar a missa, se ele celebrar conforme a Igreja pede, a sua personalidade desaparece, e aparece somente a Cristo, não importa se é o Pe. Demétrio, não importa se é o Pe. Roger, se é o Mons. Jonas… Se se segue a Liturgia da Igreja, aquele padre desaparece e só aparece Cristo nele. É isso que nós queremos! De um padre não se espera outra coisa senão Jesus Cristo, e, quando eu começo a inventar coisas, a colocar algo que é meu, Cristo desaparece e o que aparece é a minha personalidade. Está errado. O padre deve diminuir, para que só Cristo cresça, como ouvimos no Evangelho de ontem.
Bom, poderíamos enumerar várias características desta Missa e iríamos gastar horas e horas, mas, que ao menos, isso que nós ouvimos e aquilo que nós vamos ver, já nos dê um gostinho, já ajude a mudar a nossa concepção da oração da Igreja. Nos ajude a rezar como a esposa quer que nós rezemos, nos ajude a caminhar em sintonia com ela.
Tem sentido, então, celebrar uma Missa assim num acampamento pra jovens? Será que isso não aprisiona a nossa espontaneidade na vida de oração? Claro que não!
O mesmo Espírito Santo que suscita os carismas na Igreja, o mesmo Espírito Santo que suscita as diversas expressões lícitas que existem na Igreja, é o mesmo Espírito que guia o Magistério da Igreja. O Espírito Santo não poderia dizer para o Magistério propor uma série de normas litúrgicas e para os fiéis, dizer algo diferente. E, se há uma contraposição aqui, nós diríamos que é uma contradição com o próprio Espírito Santo. É o próprio Espírito que guia o Magistério e os carismas. No dia em que houver uma contraposição entre os carismas e o Magistério, não tenham dúvida, aqueles carismas são falsos. Porque é ao Magistério da Igreja que o Senhor confiou sua assistência infalível, Nós queremos acompanhar tudo aquilo que a Igreja nos ensina. Nós queremos ser um com ela, para que glorifiquemos a Deus como Ele quer ser glorificado. Do jeito que Ele nos ensinou, do jeito que Ele confiou à Sua Igreja, a Sua esposa.”
Transcrição: Cristiano Ramos.