O  mais recente tema pastoral tem sido a formação de “rede de  comunidades”. Entre os objetivos da estratégia pastoral estão a formação  de pequenos grupos eclesiais, a descentralização de serviços pastorais e  a criação de “comunidades” fisicamente mais próximas das casas das  pessoas. Supondo uma área pastoral extensa e populosa, teríamos dezenas  de núcleos ou pequenas comunidades eclesiais. Evidentemente os padres  não se multiplicariam, como que por encanto, na mesma proporção; logo,  tais comunidades formariam habitualmente um movimento dos sem missa.
Formar  pequenos grupos, sem que se perca de vista a unidade e a  indivisibilidade da Igreja de Cristo; descentralizar os serviços  pastorais, que nem sempre requerem a presença física ou contínua do  sacerdote; e aproximar a Igreja das pessoas parecem justificativas mais  do que razoáveis para um projeto de setorização, criação de células, ou  outro nome que se lhe queira dar. Mas e a Eucaristia? 
Não  se trata da “celebração dominical com a distribuição da Sagrada  Comunhão”, mas da Santa Missa, do Sacrifício que só o sacerdote pode  oferecer. Trata-se do Domingo, do Culto, da própria natureza da Igreja  de Cristo que não se confunde com a dos grupos protestantes. Pode uma  estratégia pastoral que se pretenda católica inspirar-se numa  protestante quando a concepção eclesial subjacente à ultima é  incompatível com as notas da Igreja fundada por Nosso Senhor?
As  comunidades surgem naturalmente e, na maioria das vezes, não podem  contar desde o início com Missas regulares, menos ainda com a Missa  Dominical. Tais comunidades, entretanto, privadas da Missa, estão sempre  na expectativa desta; sua situação está longe de ser considerada  normativa do ponto de vista católico. A criação artificial de  comunidades que antes se congregavam num único lugar de culto poderia  ter como consequência o afastamento gradual e definitivo da Santa Missa  Dominical. 
Já  em 1985, o então Cardeal Ratzinger falara indiretamente do tema numa  conferência dada em Essen (RATZINGER, J. Sul Significato della Domenica  per la preghiera e la vita del cristiano: Liturgia dominicali senza  sacerdote. In: ______. Opera Omnia: Teologia della Liturgia,  Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2011. p. 287-291). O  cardeal coloca questões que precisam ser consideradas na elaboração de  um plano pastoral que contemple a formação da chamada “rede de  comunidades” nas paróquias, pois seria frustrante se um projeto de  evangelização tão bem intencionado servisse à fragmentação social, à  descaracterização eclesial e à evasão sacramental.
Eis uma parte da conferência que interessa (tradução e negritos são meus):
LITURGIAS DOMINICAIS SEM SACERDOTE
São dois os princípios que, consequentemente às nossas reflexões, devem guiar o nosso agir na prática.
1. Vale a prioridade do Sacramento sobre a psicologia. Vale a prioridade da Igreja sobre o grupo.
2.  Com o pressuposto desta ordem hierárquica, as Igrejas locais devem  procurar a resposta correta para as respectivas situações, sabendo que  seu dever essencial é a salvação dos homens (salus animarum). Em tal orientação de todo seu trabalho se reencontram tanto o seu vínculo quanto sua liberdade.
Consideremos  agora ambos os princípios mais de perto. Nas terras de missão, na  diáspora, em situações de perseguição, não há nada de novo no fato de  que aos Domingos a Celebração Eucarística seja inacessível e que então  se deva tentar, na medida do possível, sintonizar-se interiormente com a  celebração dominical da Igreja. Entre nós a queda das vocações  sacerdotais suscita sempre mais sensivelmente situações de tal gênero  que até então eram em grande parte insólitas. Infelizmente, a busca da  solução justa é frequentemente ofuscada por ideologias de caráter  coletivista que servem mais de obstáculo que de ajuda para as reais  exigências. Diz-se, por exemplo: toda igreja que antes tinha um pároco  ou então uma regular celebração dominical deve continuar a ser lugar de  reunião festiva da comunidade local. Apenas assim a igreja permaneceria  sendo o ponto central do lugar; apenas assim a comunidade permaneceria  viva como comunidade. Por este motivo seria mais importante para ela  reunir-se exatamente ali ouvindo e celebrando a Palavra de Deus do que  aproveitar a oportunidade, que existe de fato, de participar da própria  Celebração Eucarística numa igreja situada na vizinhança.
Nesta  argumentação há muitos elementos plausíveis e, indubitavelmente, também  boas intenções. Mas são esquecidos critérios fundamentais da fé. Em tal visão, a experiência do estar juntos, o cuidado da comunidade local, está acima do dom do Sacramento. Sem  dúvida, a experiência do estar juntos é mais diretamente acessível e  mais facilmente explicável quando não há o Sacramento. Torna-se pois  espontânea a migração da dimensão objetiva da Eucaristia para a  subjetiva da experiência, da dimensão teológica àquelas sociológica e  psicológica. Mas as consequências de um tal antepor a condivisão  vivida à realidade sacramental são graves: a comunidade em tal caso  celebra a si mesma. A igreja torna-se um veículo para um objetivo  social; ademais, deste modo se torna escrava de um romantismo que na  nossa sociedade caracterizada pela mobilidade é no mínimo anacrônico.  É verdade que no início as pessoas, cheias de alegria, sentem-se  valorizadas pelo fato de que agora elas próprias celebram na sua igreja,  que podem “fazê-lo por si mesmas”. Mas logo percebem que agora não há  outra coisa senão aquilo que fazem elas mesmas; que não recebem mais  nada, mas celebram a si mesmas. Neste caso, porém, tudo se torna uma  coisa que se pode igualmente fazer um pouco menos, já que agora o culto  dominical, substancialmente, não vai além daquilo que se faz geralmente e  sempre. Não mais diz respeito a uma ordem diversa; é também ele agora somente “produção própria”.  É pois impossível que lhe possa ser inerente aquela “obrigação”  absoluta de que a Igreja sempre falou. Tal critério, porém, estende-se  depois com intrínseca lógica também à autêntica Celebração Eucarística. Uma  vez que a Igreja mesma parece dizer que a assembleia é mais importante  que a Eucaristia, então também a Eucaristia é, exatamente, somente  “assembleia” – de outro modo, de fato, a equiparação não seria possível;  e então a Igreja inteira se rebaixa ao nível do “faça por si mesmo” e  ao fim se dá razão à triste visão de Durkheim, segundo o qual religião e  culto não são outra coisa além de formas de estabilização social  através da autoapresentação da sociedade. Mas tão logo se tome  consciência disto, tal estabilização não funciona mais, já que ela  somente se realiza quando se pensa que esteja em jogo algo a mais. Quem eleva a comunidade a um fim direto, é exatamente aquele que lhe dissolve os fundamentos. Aquilo  que inicialmente parece tão piedoso e plausível, é na realidade uma  reviravolta dos critérios e das ordens, que toca as raízes, e com o  qual, depois de algum tempo, se obtém o contrário daquilo que se  desejava. Somente conservando o seu caráter totalmente incondicionado  e a sua absoluta prioridade sobre toda finalidade social e sobre toda  intenção de edificação espiritual, o Sacramento cria comunidade e  “edifica” o homem. Mesmo uma celebração sacramental psicologicamente  menos rica e, do ponto de vista subjetivo, privada de esplendor e  enfadonha, é incomparavelmente (se podemos exprimir de modo tão  utilitarista) também “socialmente” mais eficaz que a auto-edificação  psicológica e socialmente bem sucedida da comunidade. Trata-se, de fato,  da questão fundamental, se aqui acontece algo que não provém de nós  mesmos, ou se ao invés apenas estamos nós a projetar e a plasmar uma  atmosfera de comunhão. Se não existe “a obrigação” superior do  Sacramento, torna-se vazia a liberdade que agora se toma, porque  permanece privada de seu conteúdo.
As  coisas são completamente diversas quando se trata de um caso de  verdadeira necessidade. Então, de fato, não é que com uma celebração sem  sacerdote tudo se reduza à esfera somente humana; neste caso, esta  representa sobretudo o gesto comum com o qual cada um se projeta para o “dominicus”,  o Domingo da Igreja. Com esta ação, se vincula então ao comum dever e  querer da Igreja e, portanto, ao próprio Senhor. A pergunta decisiva é:  onde está o limite entre vontade pessoal e verdadeira necessidade? Este  limite não pode ser traçado de modo abstratamente unívoco e será sempre  flutuante também no detalhe. Ele deve ser encontrado nas situações  particulares pela sensibilidade pastoral dos interessados, em sintonia  com o Bispo. Existem regras que podem ser úteis. Que não seja lícito a  um sacerdote celebrar mais de três vezes aos Domingos, não é uma fixação  positiva do direito canônico, mas corresponde aos limites do que é  realmente exequível. Esta é uma disposição do ponto de vista do  celebrante; no que diz respeito aos fiéis, é preciso colocar-se a  questão da razoabilidade das distâncias a serem superadas e da  acessibilidade das celebrações em tempos convenientes. De tudo isto não  se deveria tanto construir uma casuística pré-fabricada, mas deixar  espaço à decisão conscienciosa em consideração das exigências. O  essencial é que se respeite a ordem justa do grau de importância e que a  Igreja não celebre a si mesma, mas o Senhor que ela recebe na  Eucaristia – ao qual vai ao encontro nas situações em que a comunidade sem sacerdote se projeta para o dom que Ele constitui.