Conquanto a devoção ao Sagrado Coração tenha sólidos fundamentos nas fontes da Revelação, isto é, na Sagrada Escritura e Tradição, e conquanto o culto tributado ao amor de Deus Pai e de Jesus Cristo, através do símbolo do Coração transfixado do Redentor nunca esteve completamente ausente da piedade dos fiéis, só gradualmente tal devoção foi se difundindo, de modo público, entre o povo cristão e obtendo a aprovação oficial da Igreja.
Se é certo que essa devoção tomou forte impulso, sobretudo depois que o próprio Senhor revelou o mistério divino de seu Coração à Santa Margarida Maria, é igualmente certo que ao aprová-la, a Igreja não se fundamentou nas revelações particulares aos santos.
São Boaventura de Bagnoreggio foi quem teve a primeira visão do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria – foi quem cunhou estes nomes aos Corações ("Sagrado" e "Imaculado"). A tradição franciscana notou que na aparição, compôs a jaculatória usada ainda hoje: “Doce Coração de Jesus, faz com que eu te ame sempre mais!”
Mas é também um grande fato a célebre visão que teve Santa Margarida Maria Alacoque, em 4 de outubro de 1686, quando lhe apareceu nosso Senhor Jesus Cristo e lhe mostrou São Francisco, revestido de uma luz e de um esplendor inefável, elevado em um eminente grau de glória sobre os santos e unido àquela memorável palavra: “Eis o Santo mais unido ao meu Coração; toma-o como o teu guia!”
Em 1675 um padre secular (Eudes) obteve do Papa Clemente X a aprovação das confrarias do Sagrado Coração, e indiretamente a aprovação dessa devoção. Em 1765, o Papa Clemente XIII aprovou uma festa litúrgica do Sagrado Coração só para a Polônia e para Roma, mas os franciscanos já celebravam internamente na Ordem. Quase um século depois, em 1856, o Papa Pio IX prescrevia essa festa para toda a Igreja.
Na Ordem, durante o governo de São Boaventura, como Ministro Geral (1257-1274), no ano de 1263 recebeu da Santa Sé (do Papa Bento XII) a aprovação para a devoção. Porém, a consagração da Ordem só se deu em 1879. Dez anos mais tarde (1889), o Papa Leão XIII elevou à categoria de primeira classe (solenidade) a festa particular dos franciscanos e das confrarias, com a encíclica Annum sacrum.
Este mesmo Papa abriu a série das encíclicas sobre a devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Desde então, a voz dos Papas não cessou de enaltecê-la e recomendá-la: encíclicas, cartas apostólicas, discursos, vieram se sucedendo nos últimos tempos.
Assim, a Igreja vem oferecendo ao povo cristão um rico manancial de um profundo conhecimento de Cristo, a fim de despertar os fiéis para um amor mais sincero e ardente para o Coração do Verbo Encarnado, incitando-os, ao mesmo tempo, a imitar os sentimentos do divino Coração. O ato de desagravo ao Sagrado Coração de Jesus foi publicado, pela primeira vez, pelo Papa Pio XI, em 08 de Maio de 1928, com a carta Miserentissimus Redemptor.
Foi à Santa Margarida Maria que as promessas foram feitas e, por este mesmo motivo, mais estruturalmente organizada a solenidade. O motivo do tempo de comemoração remonta sempre à Santíssima Trindade e ao Mistério da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor, isto é, terceira sexta-feira (memorial da sexta-feira da Paixão) depois de Pentecostes e o terceiro sábado, que remonta ao Sábado Santo – dia da “grande espera”. Nesta ocasião é oportuna e recomendada a oração da Salve Regina, em que invocamos a Virgem Maria como “Advogada nossa”; o termo “Advogado”, em grego, é traduzido por “Paráclito”, que tanto para a Igreja do Oriente, como do Ocidente é a terminologia própria para a Terceira Pessoa da Trindade – o Espírito Santo – o que novamente remonta a Pentecostes.
Ou seja, numa linha de sucessão de solenidades e festas, desde pentecostes, passamos pelos mistérios da Santíssima Trindade, do Corpo e Sangue do Senhor e, finalmente, do seu Sacratíssimo Coração e do Imaculado Coração de Sua Mãe.
O uso de leitores leigos é perfeitamente lícito na forma ordinária do rito romano. Aliás, na forma extraordinária, já era comum, que leigos procedessem à leitura das lições bíblicas traduzidas, após os leitores instituídos (na época, chamados "ordenados") ou outros clérigos fazerem-nas em latim.
Todavia, pelo espírito da tradição litúrgica, e para dar maior dignidade à Liturgia da Palavra, é aconselhável que, em igualdade de condições, seja não um leigo, mas um clérigo ou um leitor instituído a fazer as leituras. Aliás, não é por outra razão que o Pontifical Romano, mesmo o atual, pós-conciliar, insiste na importância do leitor e prescreve um belo rito de instituição. Também a IGMR fala das leituras feitas por leitores instituídos, verdadeiros ministros a atuarem na Missa.
Essa popularização de leigos na liturgia pode ajudar às igrejas pequenas que não contam com leitores instituídos em um ministério oficial pelo Bispo, segundo o rito do Pontifical. Todavia, será que não estamos, na prática, deixando a norma que fala do ministério do leitor virar uma letra morta?Não se invoque o Vaticano II para advogar que os leigos façam as leituras ordinariamente.
Foi o rito romano renovado por Paulo VI, a partir do Vaticano II, que deu mais ênfase ao leitor instituído. Está, pois, na verdadeira esteira do Concílio o uso de leitores instituídos em um ministério, e não de leigos "comuns".O uso tão largo de leigos e leigas, deixando de lado o leitor instituído, não está de acordo com o ensino conciliar e com as características do rito romano moderno. Tanto o Pontifical quanto o Missal atualmente em uso falam de leitores instituídos. Claro que não estamos advogando a retirada sumária de leigos das leituras da Missa. Em igrejas pequenas, em dioceses onde os leitores instituídos não existem, é muito salutar esse ofício. É mais ou menos a mesma coisa que o latim. Não defendemos o latim contra o vernáculo, e sim contra o exagero do vernáculo que impede, na prática, o latim. Não defendemos, então, os leitores instituídos contra os leigos, porém contra a prática exagerada de quase não haver leitores instituídos na maioria das dioceses! E quando existem, são apenas conferidas essas instituições aos seminaristas, como um degrau ao sacerdócio, e não como um ministério estável!Por que não instituir leitores a tantos jovens e homens de família que já fazem regularmente as leituras?
Seria tão mais salutar que assim o fosse. Iríamos respeitar mais nossa tradição litúrgica de leituras feitas por clérigos e leitores. Iríamos obedecer mais as diretrizes do Concílio e do pós-concílio. Iríamos pôr em prática a IGMR e o Pontifical. E, enfim, iríamos contribuir para dignificar ainda mais a Liturgia da Palavra.Ora, não foi um dos pontos positivos da reforma litúrgica pós-conciliar justamente a maior valorização da Liturgia da Palavra, acrescentando leituras, inclusive? Não é um fator de maior embelezamento e sacralidade o lugar que a Liturgia da Palavra ocupa na forma ordinária do rito romano, comparando-se com a forma extraordinária?
Então, se na forma ordinária, no rito moderno, no uso pós-conciliar, a Liturgia da Palavra ocupa um lugar mais vivo, por que não damos plena efetividade a esse princípio fazendo com que leitores instituídos proclamem as lições?Se a Liturgia da Palavra renovada, na forma ordinária, tem um lugar de mais destaque do que na forma extraordinária (a ponto de ser chamada por tradicionalistas de "culto protestante"), não seria um contrassenso que usássemos leigos nas leituras de modo tão habitual? Se a Liturgia da Palavra moderna deve ser mais dignificada, conforme o desejo do Vaticano II e expresso nos livros litúrgicos reformados por Paulo VI e João Paulo II, nada mais "dignificador" do que o uso mais largo de leitores instituídos!Que isso comece em breve! Principalmente nas Missas mais solenes, nas Missas pontificais... O Papa tem dado o exemplo. Nas Missas feriais, leigos fazem leituras. Até em algumas dominicais. Todavia, nas solenidades e nas Missas pontificais, são leitores institúidos, vestidos com alva, amito e cíngulo.
A Paróquia Bom Jesus dos Navegantes em Aracaju vem se destacando por um grande zelo pela Sagrada Liturgia e amor à Igreja. Desde janeiro o Padre Genário de Oliveira Junior está à frente da Paróquia.
Muito embora a construção seja muito moderna e a paróquia se localizar na Atalaia, região turística da cidade, temos nesta paróquia um belo exemplo de fidelidade às rubricas e ao Santo Padre.
Em preparação à Solenidade de Corpus Christi foi celebrado na paróquia um Tríduo Eucarístico, com Exposição do Santíssimo Sacramento, Vésperas Solenes com Benção do Santíssimo e Santa Missa em alusão ao Ano Eucarístico da Arquidiocese de Aracaju (que celebra o jubileu de 100 anos de diocese e 50 anos de arquidiocese).
Na Solenidade de Corpus Christi, aconteceu a Exposição do Santíssimo Sacramento e a oração das Laudes encerrando com as II Vésperas Solenes, em seguida a Santa Missa e a Procissão do Santíssimo Sacramento pelas ruas do bairro.
As fotos do Tríduo Eucarístico, Missas e Vésperas Solenes podem ser vistas aqui.
O responsável pela liturgia no Regional Centro-Oeste da CNBB também dá seu apoio ao Salvem a Liturgia:
Primeiramente eu quero agradecer a vocês, que cuidam deste sítio, que divulga a boa liturgia, pela necessidade de salvamos realmente a liturgia de todos os elementos estranhos que, às vezes, podem entrar, serem introduzidos na liturgia. Que Deus abençoe vocês, abençoe cada leitor, que busca neste sítio orientação, aprofundamento espiritual da vivência da liturgia e que todos vocês possam beber destas fontes maravilhosas da nossa Tradição eclesiástica e afervorar cada vez mais o coração com uma verdadeira e profunda espiritualidade litúrgica.
Deus esteja atrás de vós, para vos conduzir! Deus esteja à vossa frente para vos guiar! Deus esteja sobre vós para vos santificar e animar sempre no combate da fé! Em nome do Pai + e do Filho + e do Espírito + Santo! Amém.
Nela constam livros católicos selecionados por nossa equipe, obras essenciais nos dias de hoje e, muitas, não facilmente encontradas.
Tivemos um cuidado especial na seleção para não dar pedras a quem nos pede pães, para prover a melhor formação que conseguimos, na nossa limitada humanidade, divisar.
A entrega é feita por uma empresa de Campinas, idônea, que é a mantenedora da Ecclesiae.
Portanto, fica o convite: visite nossa loja e compre conosco. Passeie pelas categorias ou veja as obras em destaque (mais a fim de nosso apostolado). Querendo sugerir uma obra, fique à vontade para entrar em contato comigo!
Obrigado a todos pela presença constante, e esperamos que a nossa nova empreitada seja mais um benefício aos católicos do Brasil.
Sigamos, chegando ao último capítulo, nossa série de textos sobre o Próprio da Missa. Esta série começou no dia 14 de Fevereiro de 2010. Depois de quase quatro meses, chegamos à Comunhão, o último item.
A Santa Missa, celebrada em Rito Romano ou em qualquer dos ritos legítimos da Igreja, traz em si o estupendo milagre da presença real de Cristo nas espécies eucarísticas. O milagre não só impressiona por si mesmo, mas também por ocorrer em todas as vezes que a Missa é celebrada, desde há quase dois mil anos: um milagre tremendo se repetindo incessantemente, um incontável número de vezes ao longo da história desde a sua primeira ocorrência, pelas mãos do próprio Deus, quando sua celebração foi instituída.
Acredito não errar demais quando digo ser este o acontecimento mais impressionante da Santa Missa. Em segundo lugar, mas igualmente fenomenal à compreensão humana, está a ideia de receber o Corpo do próprio Cristo como alimento. Isto é a Comunhão. Se ela não existisse, a transformação do pão e do vinho em Corpo e Sangue de Cristo já seria suficientemente espantosa. Mas que os fiéis sejam alimentados por estes elementos torna tudo ainda mais grandioso.
Na Missa, a Comunhão se faz acompanhar por música. Para a Forma Ordinária, eis as instruções da IGMR:
86. Enquanto o sacerdote recebe o Sacramento, entoa-se o canto da comunhão que exprime, pela unidade das vozes, a união espiritual dos comungantes, demonstra a alegria dos corações e realça mais a índole "comunitária" da procissão para receber a Eucaristia. O canto prolonga-se enquanto se ministra a Comunhão aos fiéis. Havendo, porém, um hino após a Comunhão, encerre-se em tempo o canto da Comunhão.
Haja o cuidado para que também os cantores possam comungar com facilidade.
87. Para o canto da comunhão pode-se tomar a antífona do Gradual romano, com ou sem o salmo, a antífona com o salmo do Gradual Simples ou outro canto adequado, aprovado pela Conferência dos Bispos. O canto é executado só pelo grupo dos cantores ou pelo grupo dos cantores ou cantor com o povo.
Não havendo canto, a antífona proposta no Missal pode ser recitada pelos fiéis, por alguns dentre eles ou pelo leitor, ou então pelo próprio sacerdote, depois de ter comungado, antes de distribuir a Comunhão aos fiéis.
88. Terminada a distribuição da Comunhão, ser for oportuno, o sacerdote e os fiéis oram por algum tempo em silêncio. Se desejar, toda a assembléia pode entoar ainda um salmo ou outro canto de louvor ou hino.
Vemos que, assim como no Introito, toma-se a antífona do Graduale Romanum, ou a do Graduale Simplex; existe também a antífona do Missal, que nem sempre é a mesma do Graduale Romanum (nem é a mesma do Simplex). É interessante notar que a IGMR coloca a possibilidade de que essa antífona seja recitada pelos fiéis, ou por alguns fiéis, ou pelo leitor, ou pelo próprio sacerdote.
Desta forma, observamos mais uma vez que o Próprio da Missa, do qual a antífona da Comunhão faz parte, é essencial mesmo que a celebração não utilize música. O Próprio, de fato, é uma questão litúrgica antes de ser uma questão musical. Uma vez que o respeitemos e lhe demos a importância devida, ao utilizar música saberemos que ele não deve ser deixado de lado.
Já tivemos a oportunidade, aqui, especialmente no texto sobre o Introito, e mesmo em outros, de comentar a possibilidade de a assembleia não cantar determinadas partes da Missa (especialmente o Próprio). Normalmente, esta possibilidade não deveria causar controvérsia nem ser explicada de maneira especial, mas certos rumos tomados por algumas correntes de pensamento exigem que esta ideia seja explicada e defendida praticamente a cada vez que é mencionada.
A exigência de que a assembleia cante durante a Comunhão é especialmente sem sentido, já que a recepção do Santíssimo Sacramento não facilita o canto. Mesmo quando o fiel já tenha comungado e a espécie ou espécies não estejam mais em sua boca, é muito comum que deseje recolher-se em oração. Este espírito de recolhimento, que de outra forma permeia toda a Missa, faz com que música inadequada, prejudicial na Missa inteira, seja especialmente danosa durante a Comunhão.
Lembro-me especialmente de um conhecido canto de Comunhão, usado no Brasil em certo tempo litúrgico, que, desejoso de reproduzir as terças e notas repetidas de canções sertanejas, acaba criando uma atmosfera tão ruidosa durante este momento que muitos fiéis são colocados frente a mais um desafio: rezar e meditar apesar da música, e não com o auxílio dela.
Ocorre muito também que os fiéis se levantem para comungar e cantem até o momento em que recebem a Sagrada Comunhão; a partir de então, silenciam. Mesmo que depois voltem a cantar, existe uma inconstância no canto da assembleia, neste momento, que se coloca como mais um motivo para que, novamente, apenas o cantor ou grupo de cantores se encarreguem desta tarefa.
Terminada a Comunhão, tanto o silêncio sagrado como um canto devocional podem ser introduzidos. Na Quaresma, sem dúvida, é muito bom que se tenha o silêncio. O mesmo vale para outras celebrações com algum caráter penitencial, ou, quem sabe, Missas para Fiéis Defuntos, e mesmo no Advento. Fora dessas ocasiões, proceder a um canto devocional pode ser de grande ajuda aos fiéis. Acredito que isto varie conforme o lugar.
*
Para quem tenha lido os textos anteriores desta série, a Comunhão não apresenta grandes novidades. Apresenta, mesmo assim, algumas peculiaridades.
Assim como todos os outros itens do Próprio, a Comunhão tem seu texto específico para cada Santa Missa, a “antífona de Comunhão”. Muitas vezes esse texto é tomado do livro dos Salmos; numerosas antífonas, entretanto, utilizam texto dos Evangelhos. Um exemplo é a Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, cuja Comunhão traz as palavras de Jo 19, 34:
Um dos soldados abriu-lhe o lado com a lança e, imediatamente, saíram sangue e água.
Esta comunhão se chama Unus militum, e se usa nesta data litúrgica em ambas as formas do Rito Romano.
Comunhão Unus militum
da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus
em ambas as Formas do Rito Romano
Unus militum cantada por seminaristas da Diocese de Haarlem, Holanda
No vídeo a antífona é cantada do início até os 28 segundos. Segue um versículo, e aos 50 segundos a antífona surge novamente.
As melodias gregorianas para a Comunhão são de aprendizado menos difícil do que os Graduais e Ofertórios. Por esta razão, um lugar (paróquia, casa religiosa etc.) onde se deseje implantar o canto gregoriano, sem dúvida pode colocar a Comunhão entre os primeiros passos. Possivelmente o Ordinário da Missa deva ser abordado primeiro, mas não se demora muito até que se tenha habilidade para cantar também a Comunhão.
Cada Missa tem sua Comunhão própria. Entretanto, no Graduale Romanum publicado para o Rito Novo (a Forma Ordinária do Rito Romano), além de todas as Comunhões específicas, existe uma lista de sete, tomadas entre elas próprias, que são chamadas antífonas eucarísticas ad libitum. Elas podem ser cantadas em qualquer Missa.
Isto facilita muito o trabalho dos grupos de canto gregoriano. Se os cantores ainda não têm grande experiência, o fato de não poderem estudar uma Comunhão nova por semana poderia impossibilitar o uso do gregoriano nesta parte da Missa. A lista das sete antífonas é uma ajuda (e tanto!) do Graduale Romanum.
Um parêntese:
É verdade que às vezes alguns de nós reclamamos de certas imprecisões em documentos como a IGMR, o Missal, ou quaisquer outros. Com alguma freqüência constatamos que vários abusos litúrgicos encontram seu pretexto nessas lacunas (embora o simples bom senso os condene). Entretanto, não existe lacuna nem imprecisão, nos documentos da Igreja, que permita ao católico considerar, minimamente, que o canto gregoriano tenha perdido a sua honra e primazia no Rito Romano. Mesmo quem desconfia do Concílio Vaticano II pode verificar que ele mandou cultivar o gregoriano, mantendo a palavra que a Igreja sempre teve nesse aspecto. O papa Paulo VI mandou imprimir o livreto Jubilate Deo, em 1974, contendo o repertório gregoriano mínimo para toda paróquia. Foi compilado o Graduale Simplex, que até mesmo desagrada a alguns gregorianistas pela sua simplicidade, embora as fontes sejam tradicionais. O Graduale Romanum, prescrevendo a música específica de cada Liturgia, chega a um ponto quase extremo, em sua edição para o Rito Novo, de permitir que a música de qualquer dia, dentro de um certo tempo litúrgico, seja usada em outros dias do mesmo tempo litúrgico, eliminando uma dificuldade que poderia ser insuperável para alguns coros. Além disto, coloca também esta lista das sete antífonas eucarísticas ad libitum.
Fecho o parêntese.
Estas são as antífonas ad libitum:
1 – Ego sum vitis vera (Jo 15,5)
[Eu sou a videira]
Das sete antífonas eucarísticas ad libitum, quatro utilizam palavras do próprio Jesus Cristo. Esta é uma delas.
2 – Gustate et videte (Sl 33,9)
[Provai e vede]
3 – Hoc corpus (I Cor 11, 24-25)
[Isto é o meu corpo]
As palavras da consagração.
4 – Manducaverunt (Sl 77, 29-30)
[Comeram]
O salmo diz que os hebreus comeram até se saciarem, em clara aparição do maná como figura da Eucaristia.
5 – Panem de caelo (Sb 16, 20)
[O pão do céu]
No Livro da Sabedoria se fala do pão do céu, alimento dos anjos, que contém em si todas as delícias.
6 – Panis quem ego dedero (Jo 6, 52)
[O pão que eu hei de dar]
Palavras do próprio Jesus Cristo.
7 – Qui manducat (Jo 6, 57) [Quem come]
Novamente, palavras do próprio Jesus Cristo.
O leitor pode verificar que todos os textos destas sete antífonas são de temática eucarística, o que não necessariamente ocorre nas antífonas de Comunhão.
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Muitas antífonas de Comunhão prescritas pelo Graduale do Rito Novo coincidem com aquelas dadas pelo Graduale do Rito Tridentino. No entanto, o Graduale do Rito Novo, em muitas datas, traz antífonas específicas conforme o ano litúrgico seja A, B ou C (o que não existe no Rito Tridentino).
Por exemplo: no Sexto Domingo da Páscoa (Rito Novo), existem três antífonas de Comunhão, uma para cada ano do ciclo de três anos (a antífona do ano C é a mesma usada todos os anos neste mesmo Domingo do Rito Tridentino):
-ano A: Non vos relinquam orphanos (Jo 14, 18)
-ano B: Ego vos elegi (Jo 15, 16)
-ano C: Spiritus Sanctus (Jo 14, 26).
São abundantes exemplos como este – não somente em Domingos do Tempo Comum ou da Páscoa, mas também em festas e solenidades.
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Estou certo de que o leitor gostará muito de ouvir uma Comunhão polifônica. Já tivemos a oportunidade de ouvir o grande compositor padre Tomás Luís de Victoria, e desta vez nos voltamos para o flamengo Orlando di Lasso (1532-1594), cujo nome é citado de várias maneiras: Orlando di Lasso, Orlande de Lassus... Podemos ouvir no vídeo abaixo a Comunhão Lux aeterna, da Liturgia da Missa de Requiem. O texto:
Brilhe sobre eles a luz eterna, Senhor, na companhia de vossos santos, para sempre, pois sois bom.
em latim:
Lux aeterna luceat eis, Domine, cum sanctis tuis in aeternum, quia pius es.
... é o mesmo em ambas as formas do Rito Romano.
Comunhão Lux aeterna para Missa dos Defuntos, de Orlando di Lasso Cantada por Pro Cantione Antiqua
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Já concluída a série de textos sobre o Próprio da Missa, gostaria apenas de recapitular brevemente alguns pontos.
Como cada texto se devotou a uma das partes do Próprio, naturalmente certas questões deixaram de ser repetidas a cada nova parte. Mas é importante que as revejamos:
1
Obviamente, a menção ao latim não significa oposição ao vernáculo. A menção ao vernáculo não significa oposição ao latim. Desde o início, com a clareza de que ambas as opções são lícitas, não me preocupei mais em tocar neste assunto; mas agora, terminada a série, é importante sublinhar esta questão, já que às vezes ocorrem mal-entendidos.
2
Mesmo assim, convém reiterar que o latim é a língua oficial da Igreja, é a língua tradicional do Rito Romano e representa grau de solenidade maior do que o vernáculo.
3
As referências constantes ao gregoriano se devem ao fato de ele ser a música típica do Rito Romano. Falar dele não exclui outros tipos adequados de música. Falar dos outros tipos não exclui o gregoriano. Já escrevi aqui no Salvem a Liturgia sobre o status do gregoriano e da sua não-exclusividade. O texto é este.
4
Mesmo assim, a Igreja coloca que a música da Liturgia Romana deve ter parentesco com o canto gregoriano, mesmo quando não seja canto gregoriano.
5
Nenhuma das menções ao Rito Novo e ao Rito Tridentino importam em juízo de valor sobre qualquer um deles.
*
O "canto final" não faz parte do Próprio, não sendo previsto pela Liturgia, até mesmo porque neste momento a ação litúrgica já terminou. O canto final é uma prática devocional, e sua presença auxilia muito na beleza da Liturgia, a qual, utilizando música em tantos pontos, terminaria de modo muito estranho se não tivesse música também. O tipo de música utilizado, sem dúvida, merece todo o cuidado em sua avaliação. É comum, em muitos lugares, que se utilize música instrumental, ao órgão.