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sábado, 14 de agosto de 2010

Beato Cardeal Schuster: A Santa Liturgia, suas divisões e suas fontes, parte III

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Estamos publicando, em quatro partes, o primeiro capítulo do primeiro tomo do Liber Sacramentorum do Beato Ildefonso [Alfredo Ludovico] Cardeal Schuster, OSB

A segunda parte deste texto se encontra neste link. Hoje publicamos a terceira. A quarta e última parte será publicada no próximo Sábado. Até lá, não deixe acompanhar nossas novidades diárias.

*

Sacramentário gregoriano. Este é o nome atribuído pelo papa Adriano I (772-795) a uma coleção de Missas estacionais, da qual uma parte é, sem dúvida, anterior ao pontificado de São Gregório Magno, mas que compreende também numerosos elementos posteriores a ele. O compilador adotou, certamente, como base de seu trabalho, um sacramentário cujo nome era o do santo Pontífice, mas como ignoramos o critério de suas modificações, talvez fosse mais exato dar à coleção o nome do papa Adriano I. Este sacramentário contém apenas as Missas estacionais às quais o papa tomava parte do ordinário, e omite todas as outras festas e solenidades nas quais não se celebrava o tempo litúrgico.

Sacramentário gelasiano. Este nome foi atribuído na França a uma coleção litúrgica romana, importada pelos gauleses entre 628 e 731, bem depois de São Gregório Magno, mas bem antes do pontificado de Adriano I. O original romano sofreu na França grandes modificações, e por esta razão que esta coleção exige uma crítica e uma seleção bem cuidada, a fim de que seus documentos possam testemunhar os usos litúrgicos de Roma anteriores a Carlos Magno. A introdução do sacramentário gregoriano na França ameaçou, por um instante, obscurecer o renome da coleção gelasiana, mais tendo-se mostrado o livro de São Gregório insuficiente para o uso cotidiano das igrejas, ele foi aumentado e enriquecido com elementos emprestados àquele atribuído ao papa Gelásio, o qual, graças a esta fusão, deixou numerosos traços mesmo na atual liturgia romano-franca.

Missale Francorum. É representado por um único manuscrito uncial fragmentário do século VII, conservado antigamente na abadia de Saint-Denis, e atualmente na Biblioteca Vaticana. As onze Missas que compreende são todas de estilo romano, mas a coleção não está isenta de interpolações galicanas, especialmente nas rubricas.

Sacramentário leonino. É o mais antigo e copioso dos sacramentários, mas infelizmente a estranha desordem e a própria natureza dos materiais litúrgicos empregados pelo compilador impedem que esta coleção tenha algum dia um caráter verdadeiramente oficial. Encontram-se nele, por exemplo, violentas declamações contra os falsos devotos que, sub specie gratiae, enganam os simples, e se insiste sobre a necessidade de se precaver contra sua malícia. Algumas Missas parecem inspirar-se na angústia e na dor dos Romanos durante o cerco dos ostrogodos (537-539); uma coleta fúnebre se reporta à sepultura do papa Simplício (morto em 483); mas, em todo caso, esta recolha é anterior a São Gregório e parece a única fonte romana ao abrigo de interpolações estrangeiras. Talvez a feliz conservação do texto se deva ao caráter privado da coleção, que não saiu dos estreitos limites da basílica e do título ao qual era destinada. Os materiais empregados pelo redator apresentam todas as características de autenticidade, mas não se pode excluir a hipótese de que a coleção nunca tenha tido caráter oficial nem de uso prático, não tendo nunca sido usada. De acordo com alguns, a inteção do compilador teria sido apenas bibliográfica.

Rolo de Ravena. Assim é chamado um rolo opistográfico em grandes caracteres unciais que pertencia, muito provavelmente, aos arquivos metropolitanos de Ravena. Compreende ao todo quarenta orações de tipo romano, em preparação para a Solenidade do Natal, mas é bem difícil determinar sua data, podendo remontar ao tempo de São Pedro Crisólogo.

Ordines Romani. Esta é uma importantíssima compilação de cerimoniais de diversas épocas, permitindo-nos seguir passo a passo, do século VIII ao século XV, todo o desenvolvimento progressivo da liturgia papal em Roma. O mais antigo destes Ordines, o primeiro, parece datar do século VIII, mas os elementos contidos nele não são sincrônicos, e nem todos podem reivindicar cidadania romana. Repete-se aqui o caso dos sacramentários, os quais, uma vez fora de Roma, foram modificados e adaptados ao uso de outras cortes episcopais, sem possuir, entretanto, nenhuma correlação com o desenvolvimento litúrgico que, por sua vez, seguia seu curso na Cidade Eterna. A este respeito, um caso singular ocorre com Amalhar: atribuía ao Ordo Romanus autoridade que entendia indiscutível. Ora, quando foi a Roma em 832, constatou, quase escandalizado, que o clero romano tinha perdido completamente a noção de tal Ordo.

Os documentos mais importantes da liturgia galicana são o Missale Gothicum da igreja de Autun, de fins do século VII; o Missale Gallicanum vetus, da mesma época; as onze missas descobertas por Mone num palimpsesto que pertencera a João II, Bispo de Constança (760-781); o lecionário de Luxeuil (século VII), as homilias de São Germano de Paris e o Missal de Bobbio (século VII).

A liturgia hispânica ou moçárabe deixou materiais documentais mais numerosos, mas ainda parcialmente inéditos. Dom Morin publicou em 1893 o Liber Comicus ou Comes, contendo as leituras da Missa com rubricas muito importantes; Dom Férotin publicou o Liber Ordinum, espécie de eucológio ou ritual, mas ainda falta realizar um estudo cuidadoso sobre o sacramentário e sobre o antifonário, pois o rito moçárabe, exumado por Ximénès no século XV para uso de uma capela na Catedral de Toledo, sofreu importantes interpolações de numerosos empréstimos feitos à liturgia romana; é por isso que o missal e o breviário moçárabes reproduzidos por Migne em sua Patrologia (t. LXXXV) não se prestam a finalidades verdadeiramente científicas.

A liturgia de Milão também possui suas fontes documentais próprias. Entre as mais importantes estão o Sacramentário de Biasca, do século X, e o de Bérgamo, do século XI. Os monges de Solesmes ajuntaram à publicação de um antifonário ambrosiano um estudo bem detalhado e profundo de Dom Cagin, e Magistretti publicou o Beroldus do século XII, demonstrando a grande importância histórica e litúrgica destas coleções de tradições cerimoniais; lembrando os Ordines Romani. Finalmente, Ceriano publicou o texto antigo do missal ambrosiano, e, depois de sua morte, Magistretti e Ratti, completando a obra do ilustre mestre, editaram o aparelho crítico deste insigne monumento da igreja milanesa.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Faça o vermelho / Leia o preto

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Os livros litúrgicos têm as rubricas (regras que o sacerdote deve seguir) escritas em vermelho e o texto a ser lido escrito em preto. Como infelizmente muitos sacerdotes desobedecem à Lei da Igreja que manda seguir as rubricas, o Prof. Carlos Ramalhete decidiu fazer esse adesivo, que deve ser impresso em uma folha de papel adesivo. Ele contém o texto (latino) do cânone do Código de Direito Canônico que manda seguir as rubricas sem nada acrescentar, modificar ou retirar e o texto "Faça o Vermelho / Leia o Preto". O adesivo está disponível como imagem JPG de baixa resolução (para ver na tela do browser clique aqui) e como arquivo PDF para impressão. Cada folha do arquivo PDF imprime três adesivos.

EDITADO em 21/05/2013: Atualizados os links da imagem e do PDF.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Convite para as ordenações diaconais dos legionários de Cristo no Rio de Janeiro

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A Missa é muito mais que uma reunião fraterna

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Encontrei este artigo de Dom Hilário Moser, SDB Bispo Emérito de Tubarão (SC), na home da Canção Nova! O artigo tinha sido publicado no blog do Professor Felipe Aquino, contudo foi publicada primeiramente no blog do Bispo. Grifei algumas partes que achei relevantes.


Quando a Liturgia se corrompe, é toda a vida cristã que corre perigo de se corromper.
A Liturgia é a oração oficial da Igreja, do Povo de Deus, do Corpo Místico de Cristo.
Na Liturgia, é o próprio Jesus, junto com todos os que estão unidos a ele pelos laços da fé, do batismo e do Espírito Santo, que se apresenta ao Pai em sacrifício de salvação do mundo inteiro; que ora ao Pai, que lhe oferece louvor, adoração, agradecimento, pedido de perdão, pedido de ajuda...
O centro da Liturgia é JESUS.
Ela não é – não pode ser! – propriedade particular de nenhum celebrante, de nenhuma comunidade, de nenhum grupo de fiéis, de ninguém: cabe à Igreja – e só à Igreja – organizá-la, modificá-la, aperfeiçoá-la.
Infelizmente, em nome de uma criatividade mal entendida (e de um Concílio Vaticano II mal interpretado), a Liturgia tem sido muitas vezes manipulada a bel prazer.
Indo muito além da liberdade de ação que ela própria permite, tem-se visto de tudo em algumas celebrações litúrgicas.
O fato é que quando as pessoas se permitem certas liberdades no campo da Liturgia, violando suas normas e seus limites, as mesmas atitudes, aos poucos, vão sendo permitidas em outros campos da vida cristã, ou seja, na moral, nos mandamentos, na doutrina e por aí afora.
Tudo fica relativo, isto é, tudo depende do ponto de vista de cada um e cada um faz “do jeito que gosta”.
Corrompida a Liturgia, corrompe-se também a vida cristã e eclesial.
Sem entrar em detalhes, a Liturgia – sempre! – deve pôr em seu centro JESUS, sua vida, sua palavra, sua morte, sua ressurreição, sua presença no meio de nós.
Neste sentido, não é a comunidade o centro da Liturgia, menos ainda o celebrante.
A comunidade e o celebrante se reúnem em torno do Senhor.
É a Ele que deve ser orientada a participação da comunidade e a ação do celebrante.
O celebrante deve ter a consciência e a humildade de não pretender ser o centro das atenções; deve rejeitar todo tipo de exibicionismo.
Pelo contrário, a fé e a devoção do celebrante devem dar o tom da celebração.
A comunidade precisa ser informada e formada para que sua participação não se torne um “festival”, onde há muita “alegria e participação”, mas onde falta o silêncio, a concentração, a atenção à Palavra de Deus, o respeito pelo Corpo e Sangue de Cristo.
Sobre este ponto, no dia 15 de abril de 2010, ao receber em audiência os bispos do Regional Norte 2 da CNBB, Bento XVI dirigiu-lhes palavras muito oportunas.
É bom que você conheça as passagens principais e compreenda sua importância para que uma celebração eucarística seja autêntica.
– “Sinto que o centro e a fonte permanente do ministério do Papa estão na Eucaristia, coração da vida cristã, fonte e vértice da missão evangelizadora da Igreja. Podeis assim compreender a preocupação do Sucessor de Pedro por tudo o que possa ofuscar o ponto mais original da fé católica: hoje Jesus Cristo continua vivo e realmente presente na hóstia e no cálice consagrados. Uma menor atenção que por vezes é prestada ao culto do Santíssimo Sacramento é indício e causa de escurecimento do sentido cristão do mistério, como sucede quando na Santa Missa já não aparece como proeminente e operante Jesus, mas uma comunidade atarefada com muitas coisas em vez de estar recolhida e deixar-se atrair para o Único necessário: o seu Senhor”.
– “Ora, a atitude primária e essencial do fiel cristão que participa na celebração litúrgica não é fazer, mas escutar, abrir-se, receber… É óbvio que, neste caso, receber não significa ficar passivo ou desinteressar-se do que lá acontece, mas cooperar – porque tornados capazes de o fazer pela graça de Deus – segundo «a autêntica natureza da verdadeira Igreja, que é simultaneamente humana e divina, visível e dotada de elementos invisíveis, empenhada na ação e dada à contemplação, presente no mundo e, todavia, peregrina, mas de forma que o que nela é humano se deve ordenar e subordinar ao divino, o visível ao invisível, a ação à contemplação, e o presente à cidade futura que buscamos» (Const. Sacrosanctum Concilium, 2)”.
– “Se na liturgia não emergisse a figura de Cristo, que está no seu princípio e está realmente presente para a tornar válida, já não teríamos a liturgia cristã, toda dependente do Senhor e toda suspensa da sua presença criadora. Como estão distantes de tudo isto quantos, em nome da inculturação, decaem no sincretismo introduzindo ritos tomados de outras religiões ou particularismos culturais na celebração da Santa Missa (cf. Redemptionis Sacramentum, 79)”!
– “O mistério eucarístico é um «dom demasiado grande – escrevia o meu venerável predecessor o Papa João Paulo II – para suportar ambiguidades e reduções», particularmentequando, «despojado do seu valor sacrificial, é vivido como se em nada ultrapassasse o sentido e o valor de um encontro fraterno ao redor da mesa» (Enc. Ecclesia de Eucharistia, 10).
– "O culto não pode nascer da nossa fantasia; seria um grito na escuridão ou uma simples auto-afirmação. A verdadeira liturgia supõe que Deus responda e nos mostre como podemos adorá-Lo. «A Igreja pode celebrar e adorar o mistério de Cristo presente na Eucaristia, precisamente porque o próprio Cristo Se deu primeiro a ela no sacrifício da Cruz» (Exort. ap.Sacramentum caritatis, 14). A Igreja vive desta presença e tem como razão de ser e existir ampliar esta presença ao mundo inteiro”.
Até aqui as palavras de Bento XVI.
Reflita um pouco sobre elas.
Pelo que depender de você, ponha no centro da Liturgia, em particular da Eucaristia, o próprio Jesus e, junto com sua comunidade, volte-se para Ele e permita que Ele tome conta de sua vida.
Não faça da Liturgia um laboratório de experiências, que só na aparência seriam pastorais...
Respeite a Liturgia tal como a Igreja propõe: respeitar a Liturgia, em particular a Eucaristia, é respeitar a oração do próprio Jesus.
Faça da Eucaristia, celebrada e participada com fé, devoção e respeito, como o “fogo da lareira” que aquece toda a sua vida de discípulo/a de Jesus.
Particularmente a Eucaristia nos domingos e dias santos: sem ela, você “esfria” no seguimento do Mestre.
Sem Eucaristia, o mundo iria de mal a pior, pois a Eucaristia é Jesus.
E Jesus é o único que pode salvar o mundo.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Dedicação de Altar e Divina Liturgia Patriarcal em Taubaté

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Como anunciamos no Salvem a Liturgia, via Sinaxe, o Patriarca Melquita, Sua Beatitude Gregório III, está no Brasil para visitar seus fiéis da Eparquia. Uma celebração patriarcal é algo raro na Terra de Santa Cruz!

Nosso amigo Philippe, em seu blog, nos traz a seguinte informação e depois as fotos da Divina Liturgia (Santa Missa) celebrada por Sua Beatitude:

Neste dia 10 de agosto de 2010, nosso Patriarca Gregório III celebrou a Divina Liturgia na Igreja Melquita de Sant’Ana em Taubaté/ SP, e fez a cerimônia da dedicação do novo altar e do iconostácio, construídos graças ao trabalho do pároco, Pe. Dimitrios Bertani, que tanto tem se empenhado na renovação e adaptação da capela à arquitetura bizantina. A Liturgia foi televisionada pela TV Canção Nova.

Concelebraram com o Patriarca: o Arcebispo Melquita do Brasil, Dom Farès Maakaroun, o Arcebispo Emérito de Taubaté, Dom Antonio (nota do Salvem: ao que parece, pelas fotos, o Arcebispo de Taubaté, assistiu a Liturgia de veste talar, mas não concelebrou, pois estava sem paramentos), o Arquimandrita Antoine Dib, Chanceler Patriarcal, o pároco, Pe. Dimitrios, que já citamos, o Pe. Marcos, da Catedral de Taubaté, e o Frei José Moacyr Cadenassi, Franciscano Capuchinho, grande amigo da comunidade de Sant’Ana (e também amigo meu!). Havia a presença de seminaristas das Dioceses de Taubaté e de S. João da Boa Vista, dos subdiáconos e acólitos da comunidade local. Segundo o paroquiano e acólito Marcelo Debortoli, a visita do Patriarca foi “um momento de muita emoção vivido por todos nós”. Sua Beatitude, segundo ele, é “uma simpatia em pessoa e muito amoroso com todos!”.

Dom Fares, o Arquieparca Melquita do Brasil

O Patriarca















Colocando a mitra











Fotos por Marcelo Debortoli:

Telefones: (12) 3027-8504 / 9131-8361



Música litúrgica - o Gloria

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O Gloria, fazendo parte do Ordinário, é (ou deve ser) muito bem conhecido pelos fiéis, pois figura em todas as Missas dominicais. Todas? Bem – não exatamente em todas, mas já chegaremos lá. A maioria das Missas dominicais utiliza, sim, o Gloria, que vou escrever sem acento neste texto por usar a palavra latina.

Maioria das Missas Dominicais, isto é, não todas; donde já concluímos que o Gloria é uma daquelas partes do Ordinário que se omitem em certas datas litúrgicas. Não se trata de regra e exceção; a Missa com o Gloria não é a regra, e a Missa sem Gloria também não é a regra. A regra é, de acordo com a data, usá-lo ou não.

Acredito ser interessante começarmos com a distinção entre as datas litúrgicas conforme seu uso ou omissão do Gloria. Vamos pensar na Forma Ordinária. Nestes dias o Gloria não aparece:

1-) Dias de semana (Segunda a Sábado) de qualquer tempo. A não ser que ocorra uma Festa ou Solenidade.

2-) Todos os dias (inclusive Domingo) do Advento e da Quaresma. A não ser que ocorra Solenidade.

Solenidade que costuma ocorrer durante a Quaresma é a Solenidade de São José, em 19 de Março; a Missa tem o Gloria. No Advento sempre ocorre a Solenidade da Imaculada Conceição, em 8 de Dezembro; também então a Missa tem o Gloria.

O Gloria aparece em:

1-) Todos os Domingos. A não ser na Quaresma e no Advento.

2-) Festas e Solenidades.

O texto do Gloria se origina, como se pode notar, do canto dos anjos na noite do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Assim diz a Escritura em Lc 2, 14:

Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens, objetos da benevolência (divina) [Bíblia Ave Maria]

Gloria in altissimis Deo et in terra pax in hominibus bonae voluntatis [Vulgata]

Gloria in altissimis Deo, et super terram pax in hominibus bonae voluntatis [Neo Vulgata]

Com estas palavras a abri-lo, este texto foi composto em grego; era um dos inúmeros psalmi idiotici que se escreveram nos séculos II e III. Esta designação pode nos causar a nós, falantes de português, um certo estranhamento, por idiotici nos fazer lembrar da palavra idiota, que tem para nós significado bastante negativo. Entretanto, mesmo o nosso idiota vem do grego idiôtés, referindo-se ao homem privado, particular (e não público). Os psalmi idiotici são “salmos privados”, de composição nova, diferentemente dos poemas do Saltério hebraico.

Antes mesmo que São Jerônimo empreendesse a tradução da Bíblia Sagrada para a língua latina, o Gloria foi traduzido para esse mesmo idioma, embora não tão antes. Isto explica a diferença entre o Gloria in excelsis com que começa o Gloria propriamente dito e o Gloria in altissimis que São Jerônimo preferiu para traduzir o versículo evangélico.

Quando o Gloria foi introduzido na Santa Missa em Rito Romano, era exclusivo da celebração litúrgica do Natal do Senhor. A extensão do uso se deu lentamente, passando a ser usado nos Domingos, em algumas festas, mas sempre só pelos bispos; posteriormente, foi concedido aos padres usar o Gloria, embora apenas no dia de sua ordenação e na Páscoa.

No século XII, finalmente, pode-se dizer que estava pronta a configuração que conhecemos na Forma Extraordinária, que omite o Gloria desde a Septuagésima até a Semana Santa; e a introdução do caráter mais penitencial do Advento, do qual o Gloria passou a ser omitido também.

Infelizmente, já na Idade Média o texto do Gloria se submetia, com certa freqüência, a adições não previstas pela Liturgia. É verdade que a natureza de tais adições se mostra muito diferente daquelas que vemos em nossos dias; porém, tratam-se, da mesma maneira, de elementos novos colocados sem autoridade e sem autorização na celebração Litúrgica, cujas normas devem ser dadas somente pela Igreja. Aqueles tempos talvez pudessem, aqui, gozar de alguma complacência devido à existência de Missais diversos. A partir de 1570, entretanto, esta desculpa não existe; nesse ano, o Santo Padre, o papa São Pio V promulgou o que chamamos de Missal Tridentino e deixou mais claro ainda como devia ser a celebração da Liturgia. As regras para inclusão e omissão do Gloria continuam válidas para a Forma Extraordinária do Rito Romano em nossos dias, e para incluí-las neste texto me vem em socorro a Catholic Encyclopaedia:

(...) [o Gloria] é omitido nos dias de semana (exceto no Tempo da Páscoa), Têmporas, Vigílias, durante o Advento e da Septuagésima até a Páscoa, quando a Missa é de tempore. A festa dos Santos Inocentes, mas não sua oitava, é mantida com vestimentas roxas e sem o Te Deum ou Gloria. Tampouco se diz o Gloria nas Missas de Requiem ou votivas, com três exceções: Missas Votivas da Santíssima Virgem aos Sábados, dos Anjos e aquelas ditas pro re gravi ou por causa pública da Igreja, a não ser que as vestimentas sejam roxas. (...)
A menção ao Te Deum se refere ao Ofício Divino, e não precisamos nos preocupar com ela agora.

A tradução portuguesa do Gloria que utilizamos na Missa traz a curiosidade de inverter dois blocos de texto, quando a comparamos com o Gloria em latim. Não encontrei até hoje nenhuma explicação para esta ocorrência. Agradeço a quem puder esclarecer este fato. O quadro abaixo mostra a inversão, ao mesmo tempo em que coloca para o estimado leitor, lado a lado, o Gloria em latim e o Gloria em português. Para vê-lo maior, clique no quadro.


De qualquer forma, isto se encontra muito distante de ser o maior problema que temos com o Gloria. Esta simples inversão se conserta com a publicação de uma nova versão oficial; o que parece difícil de consertar é o uso de outros textos no lugar do Gloria.

ATUALIZAÇÃO [12.8.2010] Leia os comentários feitos a este texto. Lá o nosso leitor Irmão Tomás de Aquino e o Rafael Brodbeck nos explicam essa questão.
São dois pensamentos básicos que dão origem a abusos no Gloria. O primeiro é que, por se tratar de um hino de louvor, qualquer “hino de louvor” pode ser colocado neste momento. Engano gravíssimo. O Gloria faz parte do Ordinário da Missa e não dá lugar a nenhum outro texto. A IGMR diz, textualmente: o Glória é um hino antiquíssimo e venerável, pelo qual a Igreja, congregada no Espírito Santo, glorifica e suplica a Deus Pai e ao Cordeiro. O texto deste hino não pode ser substituído por outro.

O texto não pode ser substituído por nenhum outro. Isto exclui textos parecidos, paráfrases, extensões, abreviações etc. Tampouco vejo como seria possível admitir versões métricas.

O segundo pensamento é o de que o Gloria é um “louvor trinitário”. Pois bem; ainda que consideremos o Gloria como louvor à Trindade, não é nisto que ele se concentra; e mesmo que fosse o caso, o fato de ser um louvor trinitário não autoriza ninguém a substitui-lo por outro texto que seja considerado “louvor trinitário” por quem quer que seja.

Daí provêm canções, freqüentemente utilizadas em nossos dias no lugar do Gloria, cujo texto dedica uma estrofe para cada Pessoa da Santíssima Trindade, com as quais se alterna um refrão que costuma conter a palavra “Glória” – e estes simples elementos ficam considerados suficientes para que a tal canção seja colocada neste momento da Liturgia. Ainda que a música não fosse péssima, seria um erro litúrgico muito grave.

É urgente abolir essas canções. Certamente há muita música que precisa ser extirpada da Liturgia, atualmente, mas o Gloria realmente clama aos céus. Não é possível que se jogue no lixo um texto de mais de quinze séculos para pôr, em seu lugar, uns versos fraquíssimos de péssimo gosto musicados com o que há de mais medíocre na música. O que há algum tempo temos visto no Gloria é comparável ao uso de vasos de plástico no altar, comparável à substituição dos paramentos por bermudas e camisetas.

Em alguns fóruns da internet ainda se faz a pergunta: é permitido bater palmas no Gloria? Esta pergunta encerra um pensamento bastante curioso: seria permitido bater palmas na Missa, mas não em todas as partes. Tal assunto já foi bastante debatido, e a resposta definitiva é não; não se batem palmas em nenhum momento da Missa. E é especialmente desagradável que, indo a uma Missa, deparemo-nos com música que poderia ser acompanhada de palmas (mesmo que efetivamente não seja).

*

Por ser um texto relativamente longo, no canto gregoriano o Gloria nunca é melismático, mantendo-se no silábico e se aventurando um pouco no neumático. Recordemo-nos: melismático, muitas notas para uma sílaba; neumático, algumas notas para uma sílaba; silábico, uma nota por sílaba.

O Gloria possivelmente mais simples é o Gloria chamado ambrosiano. O leitor pode ver na figura abaixo suas primeiras linhas, e poderá perceber que é bastante silábico. Somente na sílaba bi de tibi é que surge um melisma (de treze notas), o qual marquei em verde.


Assim ele continua, alternando muitas frases silábicas com ocasionais melismas. Seu Amen é melismático – dezenove notas na segunda sílaba!


Este Gloria ambrosiano é o quarto das melodias ad libitum, não fazendo parte dos dezoito ordinários do Kyriale. O Gloria colocado como primeira ilustração deste texto é o Gloria IV do Kyriale. Aquela imagem é de um livro mais antigo. Vejamos a mesma partitura (com a continuação, claro) impressa em 1961:


Este Gloria IV também é eminentemente silábico, com poucos melismas; mais numerosos, entretanto, que os do Gloria ambrosiano. Um aspecto do ambrosiano que o faz mais fácil é seu constante uso de notas repetidas, como se fosse um canto salmódico. Observe o leitor que o Gloria IV se move bem mais.

Na música polifônica sempre se deixou a primeira frase – Gloria in excelsis Deo – para o celebrante entoar, entrando o coro a partir de et in terra pax. Na verdade, isto acontece também no gregoriano, mas o efeito é mais forte na música polifônica, pois a primeira frase é cantada por um homem só e, de repente, se ouvem múltiplas vozes cantando a várias partes.

Aproveitando que no texto do Kyrie ouvimos o Kyrie da Missa Papae Marcelli, de Palestrina, vamos ouvir também seu Gloria. Se no começo o volume estiver baixo e o leitor não tiver ouvido bem o início, volte para perceber as primeiras palavras cantadas pelo solista e a entrada do coro todo em et in terra.

Veja o leitor, na partitura, que a música do coro começa com et in terra, e o Gloria in excelsis Deo ali escrito é meramente o título da composição. Na gravação abaixo, o solista canta o início do Gloria VIII.


A Missa Papae Marcelli, lembremo-nos, foi assim intitulada por Palestrina em homenagem ao papa Marcelo II, que em 1555 reinou por apenas 22 dias.

Palestrina (1525-1594), Gloria da Missa Papae Marcelli

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Novo Livro-Aula do Pe. Paulo Ricardo

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A Editora Ecclesiae acaba de lançar o novo livro-aula do Padre Paulo Ricardo, que se encontra à venda em nossa loja.

Na terceira aula do curso de “Introdução à Teologia” da Coleção Teologia das Fontes, o Pe. Paulo Ricardo completa os estudos sobre Teologia Fundamental e ainda nos traz um tocante depoimento sobre a sua conversão. Esta aula gira em torno do famoso trinômio da Igreja: Sagradas Escrituras, Tradição e Magistério. As explicações também abordam detalhes da tradição, com a apresentação do legado dos Santos Padres, mostrando em parte, a teologia desses que ajudam a formar a grande riqueza doutrinal da Igreja.

Capítulos
1. Sagradas Escrituras, Tradição e Magistério
2. Camadas de Interpretação das Sagradas Escrituras
3. Tradição e Escritura nas Primeiras Pregações
4. Riqueza do Magistério
5. A Geração Sub-Apostólica
6. Princípio da Tradição em São Basílio
7. Os Quatro Legados dos Santos Padres

Extra
Uma Tertúlia ao Cair da Tarde - Pe. Paulo nos conta sobre o seu processo de conversão.

Ficha Técnica:
  • Número de Páginas: 68
  • Editora: Ecclesiae
  • Idioma: Português (Brasil)
  • ISBN: 978-85-63160-02-7
  • Dimensões do pacote (Livro+DVD+CD): 13,5 x 19 x 2,2 cm
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