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domingo, 22 de agosto de 2010

Missa na Capela privada do Papa

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Segue abaixo um vídeo, trecho de um documentário, que mostra como é uma Missa celebrada pelo Papa na capela privada do Palácio Apostólico. O papa celebra Missa nessa capela todas as manhãs. Atente-se para a sobriedade litúrgica e pelo decoro desta celebração simples. Note-se também a beleza da capela, que é um exemplo de arte sacra moderna decente, sem modernismos e estéticas de ruptura.

sábado, 21 de agosto de 2010

Beato Cardeal Schuster: A Santa Liturgia, suas divisões e suas fontes, parte IV, final

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Publica-se hoje a quarta e última parte de A Santa Liturgia, suas divisões e suas fontes, primeiro capítulo do primeiro tomo do Liber Sacramentorum do beato Ildefonso Cardeal Schuster, OSB. A terceira parte está publicada neste link. Esperamos que esta leitura tenha sido útil aos nossos leitores, e mais uma vez desculpo-me, pessoalmente, pelas imprecisões e insuficiências da tradução.

Planejo colocar aqui, em breve, um arquivo PDF com o texto completo deste capítulo em português.

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Como estamos falando de missais, devemos advertir que este nome, assim como a obra litúrgica designada por ele, data somente da Idade Média, no período carolíngio; os antigos conheciam os sacramentários, que não correspondem, a não ser parcialmente, ao conteúdo do Missale plenarium. Para se entender melhor, é preciso ter presente o caráter especial da sinaxe religiosa na Igreja primitiva. Diferentemente dos modernos que, na Igreja, sem nada compreender, se contentam em se unir em espírito ao padre que reza, os antigos queriam que a actio fosse verdadeiramente social, coletiva, eminentemente dramática, de modo que não apenas o bispo, mas os padres, os diáconos, os clérigos, os cantores, o povo, cada um tinha seu papel específico a desempenhar. Daí surge a necessidade de ter separadamente os textos destas diferentes partes, de modo que o bispo e o padre tenham para seu uso o Liber Sacramentorum, o solista tenha o responsorial, os membros da Schola o antifonário, o subdiácono o epistolário e assim por diante.

O sacramentário, ou Liber Sacramentorum, continha então todas as orações que recitava o padre ou o bispo, não apenas na Missa, mas na administração de todos os outros sacramentos que eram intimamente unidos à ação eucarística. Assim, as fórmulas do Batismo e da Confirmação faziam parte da Liturgia da Vigília Pascal; as da absolvição estavam compreendidas nos ritos da reconciliação dos penitentes na Quinta-feira Santa; as orações da Extrema Unção seguiam a absolvição dos enfermos ad succurrendum, antes da Missa e do Viático; as ordenações se fundiam com as cerimônias da estação noturna em São Pedro no Sábado das Quatro Têmporas, e as bênçãos nupciais faziam parte de uma espécie de apêndice, no qual estavam contidas as Missas de ocasião, para as bodas, por exemplo, para os funerais, dedicações de igrejas, aniversários de consagrações de bispos ou de padres etc. O todo com uma ligação, uma ordem, um nexus íntimo que, até em sua disposição bibliográfica, fazia ver como a Eucaristia é o verdadeiro centro do culto cristão, de modo que todos os outros sacramentos são a ele coordenados, preparando a alma para dele participar, ou conservando a graça recebida.

Do sacramentário estão então excluídos os introitos, as leituras, as antífonas e os graduais, porque todas estas partes éram destinadas aos ministros inferiores; tudo o que, ao contrário, pertencia ao padre na administração dos sacramento, e que agora aparece esparso no Missal, no pontifical e no ritual romanos, estava compreendido no sacramentário e justificava plenamente o título antigo de Liber Sacramentorum que lhe era dado.

Este sistema, por um lado possível em Roma e nas grandes igrejas episcopais, onde um lugar especial era destinado, perto do presbyterium, aos livros litúrgicos, a fim de que estivessem à mão, apresentava, entretanto, graves dificuldades nas paróquias rurais e nas igrejas onde, por falta de clero ou recursos, a liturgia estacional romana tinha sido reduzida à sua expressão mais simples.

Imaginemo-nos um pobre padre de vila, idoso, assistido apenas por três ou quatro meninos turbulentos que fazem as partes dos lectores. Este sacerdote, para celebrar a Missa, terá necessidade de uma biblioteca inteira: sacramentário, evangeliário, epistolário, antifonário e responsorial, para não mencionar o trabalho de procurar aqui e ali, nos livros, as coletas, as perícopes escriturísticas, os cantos apropriados, as diferentes partes, em suma, de sua função. O mais simples teria sido juntar todas essas coleções, transcrevendo, diariamente, a Missa correspondente às diversas festas do ano. Tal é a origem do Missale plenarium da época carolíngia; plenarium, porque, diferentemente dos antigos sacramentários, continha inteira a liturgia eucarística, sem que houvesse necessidade de outro livro.

Se comparamos agora o Missal atual, depois da reforma do Concílio de Trento, com o Missal medieval e com o sacramentário gregoriano, a diferença não nos parece substancial. O nosso é mais rico e mais variado no que se refere ao ciclo hagiográfico; mas as missas estacionais dos Domingos, do Advento, da Quaresma, das festas e santos compreendidos no sacramentário de São Gregório, salvo pequeno número de diferenças, são quase as mesmas. Pode-se dizer, em suma, que nosso livro eucarístico (tendo em conta o desenvolvimento ocorrido no decurso dos séculos) é substancialmente o mesmo que aquele do qual se serviam os grandes doutores da Igreja na Idade Média, e que levavam no título o nome de Gregório Magno.

Dissemos que é substancialmente o mesmo, mas aqui não nos referimos a uma identidade absoluta. Há, com efeito, mudanças e acréscimos, e havia ainda mais antes da reforma do Concílio de Trento; mas, felizmente, os rígidos princípios nos quais se inspiraram os papas da segunda metade do século XVI desembaraçaram o Missal Romano de muitas adições, tropos, seqüências, coletas e Missas da Baixa Idade Média que desfiguravam a harmonia das linhas do grandioso monumento litúrgico erigido pelos pontífices do século IV ao século VII. Suprimiram-se as Missas dos auxiliatorum, as Missas para os julgamentos de Deus, o uso de celebrar, nos Domingos do ano, a Missa de Trinitate no lugar daquela marcada pelo Missal, as festas dos loucos, dos asnos e outras bobagens que haviam sido introduzidas no lugar santo.

Algumas coisas boas teriam, talvez, podido ser reinstituídas, mas não foram, certamente, por causa da insuficiência de material científico à disposição dos liturgistas do século XVI. Assim, entre as lacunas do Missal atual, é de se deplorar a supressão das diferentes praefationes, de que eram muito ricos os sacramentários leonino e gregoriano, de modo que cada festa do ano, cada Domingo um pouco mais importante tinha a sua própria. A Idade Média, por economia de papel e de tempo, desfez-se com facilidade excessiva de toda a bagagem romana, conservando apenas umas poucas praefationes especiais, para a Quaresma, Páscoa, Pentescostes etc. Para o restante foi considerado suficiente o praefatio communis, aquele se ainda hoje se recita cotidianamente. Será permitido esperar que, numa futura revisão do Missal, a Autoridade suprema honre uma tão bela e importante parte do venerável depósito litúrgico de Leão, de Gelásio e de Gregório Magno? É verdade que a tradição romana primitiva se mostrou contrária à admissão, em seu próprio Canon Missae, de todas aquelas partes móveis e variáveis que ficaram tão bem no gênio dos galicanos, mas é certo que a tradição das praefationes próprias remonta, em Roma, ao tempo de Leão I, pelo menos.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Teologia do sacrifício e da Aliança

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Mesmo afastada de Deus, a humanidade reconhece Sua dependência do Criador. O pecado original afetou o relacionamento do homem com Seu Senhor, privando a natureza humana de santidade e de justiça. Todavia, já os filhos de Adão e Eva sentiram a necessidade de aplacar a ira divina e tentar restituir a Deus pela ofensa causada pelo pecado. O capítulo 4 do livro do Gênese descreve Caim e Abel oferecendo sacrifícios ao Criador.

Em todas as civilizações do mundo antigo, vemos o homem procurando Deus, ainda que não O encontre em Sua plenitude. Isso se deve ao desejo por Deus, que está impresso em nossos corações. A vontade do homem em buscar o sobrenatural foi algo que o pecado original não afetou. Pela própria razão, diz São Tomás, podemos concluir que existe um Deus. O universo é simplesmente inexplicável sem Sua presença.
“O desejo de Deus está inscrito no coração do homem, já que o homem é criado por Deus e para Deus; e Deus não cessa de atrair o homem a si, e somente em Deus o homem há de encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de procurar.” (Catecismo da Igreja Católica, 27)
Apesar do pecado, continuou no homem, não só um desejo por Deus, mas também uma certa consciência do que é reto – ainda que não o pratique sem a ajuda da graça. Essa consciência é fruto da lei natural, “que permite ao homem discernir, pela razão, o que é o bem e o mal, a verdade e a mentira.” (Catecismo da Igreja Católica, 1954) Não se trata de uma revelação do Senhor ao homem, mas de algo que se encontra em seu próprio coração, e que não foi atingido pela queda original. Essa norma natural é uma verdadeira Lei Moral, universal e absoluta. Pertence ao campo da Ética, e a podemos encontrar, de formas mais ou menos perfeitas, em todos os povos e culturas do mundo, mesmo nas mais afastadas de Deus.

Essa Lei Moral manda ao homem que não cometa assassinato, que não roube nem furte, que não violente o próximo, que tenha senso de justiça, que adore um ser superior, que tenha práticas religiosas (das mais elaboradas às primitivas e anímicas), faça o bem etc.

A partir da consciência dessa Lei Moral, o homem deduziu, pela razão – e pelo impulso do seu coração desejoso de Deus –, que deveria encontrar-se com seu Criador. Para tanto, notou que seu afastamento da divindade devia-se a uma falta que deveria ser paga e satisfeita. Todo ato pecaminoso, diz a razão à luz da lei natural, necessita de algo que o extirpe: um sacrifício. É por isso que, em quase todas as religiões, vemos a noção de sacrifícios aos deuses. Inclinado que estava o coração do homem à Lei Moral, conhecia ele a exigência da mesma em relação ao relacionamento com suas deidades. Vemos nos filmes, nos livros e nas aulas de História no colégio e na faculdade, que essas religiões sempre sacrificavam aos seus deuses. Esses sacrifícios eram de animais e até de seres humanos, porque a mente dessas pessoas lhes dizia que algo deveria ser feito para purificá-los de seus erros e aplacar a ira dos espíritos.

Se essa norma universal pertence somente à Moral, nos povos da terra, foi tornada positiva nos vários ordenamentos jurídicos existentes ao redor do mundo. Tanto é que as legislações conceberam como Direito a proibição de várias daquelas coisas já condenadas pela Ética. Em um povo, entretanto, essa positivação (codificação, tornar algo como pertencente ao Direito, ao conjunto de normas jurídicas de um povo) foi feita pelo próprio Deus, e de maneira completa. Em Moisés, líder dos descendentes de Abraão cativos no Egito, Deus apresentou a Lei Moral em forma de dez artigos, que conhecemos como decálogo. Ao longo dos primeiros livros da Bíblia, encontramos a descrição desses mandamentos, bem como de outros dispositivos jurídicos, oriundos também da Lei Moral natural, alguns dos quais meros instrumentos interpretativos do resumo que é o decálogo.

Todos os povos, culturas e religiões sacrificavam aos deuses, buscando reatar o relacionamento com eles, e com o fim de expiar suas faltas, agradecer as bênçãos, pedir graças e adorar aqueles que consideravam seres superiores. A intenção desses homens era a mais correta possível, eis que fruto da Lei Moral inscrita em seus corações. Também, em parte, a forma era corretíssima, pois concluíram, pela razão, que o reatar do relacionamento com o Criador se daria através do sacrifício.

Oferecer um sacrifício, concluímos, é algo próprio da natureza humana, em vista da Lei Moral e do desejo de Deus inscrito no coração do homem. Contudo, Deus mostrou, no Antigo Testamento, como Ele queria que fosse celebrado tal sacrifício.

Deus revelou, pois aos hebreus, o Povo Eleito, como deveria ser adorado em vista da vinda do Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo.

Durante da História da Salvação, que antecedeu a vinda de Cristo, o Senhor Deus foi se revelando aos poucos, como que preparando seu povo para reconhecer seu Filho quando Ele viesse. Mediante símbolos e sinais que deveriam apontar para uma realidade perfeita em Jesus, quando Ele viesse à terra morrer pelos nossos pecados, Deus foi preparando o Povo de Israel.

Usando de uma pedagogia, Deus vai mostrando aos hebreus que realmente são necessários sacrifícios para que o relacionamento com Ele, afetado desde o pecado original, seja purificado, de tal forma que os pecados sejam apagados.

No Antigo Testamento, cremos que o que está descrito é histórico, realmente aconteceu. Entretanto, não é só esse sentido literal – ainda que verdadeiro – que nos interessa. Deus, que é o Autor da Sagrada Escritura, nos presenteia, pelo Espírito Santo, com a graça de entendermos a Bíblia conforme seus vários sentidos, todos complementares e submetidos ao juízo infalível da Santa Igreja fundada por Nosso Senhor. “Segundo uma antiga tradição, podemos distinguir dois sentidos da Escritura: o sentido literal e o sentido espiritual, sendo este último subdividido em alegórico, moral e anagógico. A concordância profunda entre os quatro sentidos garante toda a sua riqueza à leitura viva da Escritura na Igreja.” (Catecismo da Igreja Católica, 115)

Os acontecimentos históricos, descritos no Antigo Testamento, são, para os cristãos, como que sinais que apontam para o Novo. Assim, a passagem do Mar Vermelho a pé enxuto pelos hebreus, na fuga do Egito, é algo que realmente aconteceu. Mas, seu sentido não se esgota no histórico, em que podemos perceber o poder de Deus ao realizar tamanho milagre, bem como Sua disposição em fazer de tudo para preservar Seu Povo Eleito. Para nós, tudo isso é importante, mas encontramos, também, um sinal da vitória de Cristo sobre a morte, e um símbolo do Batismo. São Paulo mesmo já interpretava assim: “todos foram batizados em Moisés, na nuvem e no mar.” (1Co 10,2)

Dessa maneira, o sacrifício, como ordenado por Deus a Moisés e ao Povo de Israel, é como um símbolo, uma preparação de um sacrifício mais excelente que estava por vir. A lei é apenas “a sombra dos bens futuros.” (Hb 10,1) E mais: “o culto que estes celebram é, aliás, apenas a imagem, sombra das realidades celestiais.” (Hb 8,5)

O ânimo de sacrificar a Deus, para obter o perdão dos pecados e a remissão dos efeitos da queda original, permeia todo o Antigo Testamento, mesmo antes da Aliança com Moisés no Sinai, após a libertação do Egito rumo à Terra Prometida. Como dissemos, Caim e Abel preocupavam-se com isso, embora o primeiro tenha sacrificado de forma indigna (podemos perceber, desde já uma certa forma ritual que agrada a Deus, por ser de Seu desejo, e outra que o desagrada). “Pela fé Abel ofereceu a Deus um sacrifício nem superior ao de Caim, e merecer ser chamado justo, porque Deus aceitou as suas ofertas. Graças a ela é que, apesar de sua morte, ele ainda fala.” (Hb 11,4) Esse “ainda fala” refere-se não só ao seu covarde assassinato por seu irmão Caim, porém, num sentido espiritual, também ao testemunho de sua fé e de seu sacrifício, modelo para todos os cristãos.

Esse testemunho propagou-se por sua descendência, de quem sairia Abraão e seu filho, Isaac, sinal da promessa cumprida. Após o dilúvio, Noé, como forma de agradecer a Deus pela sua sobrevivência na arca, como também para buscar o perdão dos pecados, celebrou um sacrifício. “E Noé levantou um altar ao Senhor: tomou de todos os animais puros e de todas as aves puras, e ofereceu-os em holocausto ao Senhor sobre o altar. O Senhor respirou um agradável odor, e disse em Seu coração: ‘Doravante, não mais amaldiçoarei a terra por causa do homem – porque os pensamentos do seu coração são maus desde a sua juventude –, e não ferirei mais todos os seres vivos como o fiz.’” (Gn 8,20-21) Em virtude do sacrifício oferecido por Noé, a ira divina foi aplacada, como pede a Lei Moral natural, e o benefício propiciatório das ofertas sacrificadas foi alcançado: o perdão e a misericórdia.

“Voltando Abrão da derrota de Codorlaomor e seus reis aliados, o rei de Sodoma saiu-lhe ao encontro no vale de Savé, que é o vale do rei. Melquisedeque, rei de Salém e sacerdote do Deus Altíssimo, mandou trazer pão e vinho, e abençoou Abrão, dizendo: ‘Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, que criou o céu e a terra! Bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus inimigos em tuas mãos!’ E Abrão deu-lhe o dízimo de tudo.” (Gn 14,17-19)

Melquisedeque, personagem misterioso, cuja história não é conhecida, é uma das primeiras figuras ou símbolos do Cristo que há de vir. Ele é o rei de Salém, primeiro núcleo da futura Jerusalém, como Cristo é o Rei dos Judeus, o Rei de Israel, que instalará Sua capital na Jerusalém Celeste (cf. Ap 21). Trazendo pão e vinho, simboliza Jesus que, por esses elementos, perpetuará a Eucaristia. Sacerdote que era, Melquisedeque, não era da linhagem do Povo Eleito, o que aponta para a Lei Moral que não se limitava aos descendentes de Abraão. Mais tarde, o salmista irá dizer, profeticamente, do Cristo: “Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque.” (Sl 109,4) O sacerdote, como veremos, é figura essencial em um sacrifício, que não se faz sem ele, sem altar e sem vítima.

Após o encontro com Melquisedeque, Abraão, na época chamado simplesmente Abrão, permaneceu firme em seu chamado por parte de Deus. Nele foram depositadas as promessas de que seria o patriarca de um grande povo, de onde sairia o Messias, o Salvador. Sendo sua mulher, Sara, idosa e estéril, só um milagre poderia fazer tal promessa ser cumprida. E foi o que aconteceu. A fidelidade de Deus, que não se deixa vencer em generosidade, permitiu-lhe contemplar as Suas maravilhas. “O Senhor visitou Sara, como Ele tinha dito, e cumpriu em seu favor o que tinha prometido. Sara concebeu e, apesar de sua velhice, deu à luz um filho a Abraão, no tempo fixado por Deus. Abraão pôs o nome de Isaac ao filho que lhe nascera de Sara.” (Gn 21,1-3)

Tempos depois, o mesmo Deus que tinha lhe dado Isaac, pede a Abraão que o sacrifique em Sua honra. Na verdade, trata-se de uma prova, a qual Abraão passou. Amando mais a Deus que qualquer outra coisa, estava pronto a sacrificar seu filho para a remissão dos pecados. Por conhecer suas disposições, o Senhor deu-se por satisfeito e, no altar do Monte Moriá, mandou um anjo seu interromper a oferta que Abraão fazia de Isaac, indicando-lhe, outrossim, um cordeiro para o sacrifício. “Abraão, levantando os olhos, viu atrás dele um cordeiro preso pelos chifres entre os espinhos; e, tomando-o, ofereceu-o em holocausto em lugar de seu filho.” (Gn 22,13) Estamos diante de um outro símbolo messiânico, no qual um cordeiro é sacrificado no lugar de outros. O cordeiro substituiu Isaac, como se o próprio fosse sacrificado, e não o animal.

Presente em todos os povos, como vimos, a noção de sacrifício foi aperfeiçoada pelo povo de onde sairia o Messias. Apesar de alguns serem verdadeiros holocaustos (os realizados pelos legítimos adoradores do Deus único), Deus só foi revelar o ritual com o qual queria ser adorado mediante os sacrifícios, quando da libertação do Povo Eleito da terra do Egito. Isso pela vontade de Deus em estabelecer uma Revelação de caráter progressivo, para que o homem fosse entendendo os Seus desígnios em formar um povo santo, à Sua imagem e semelhança. Respeitando a própria limitação do homem, Deus usou de acontecimentos históricos, mandamentos, ordens e rituais, para apontar ao Messias, que viria quando chegasse a plenitude dos tempos.

De tal modo aconteceu, que Moisés, o legislador de Israel e guia do Povo Eleito em sua fuga e peregrinação pelo deserto rumo a Canaã, estabeleceu, por ter ouvido da boca do próprio Deus, as leis específicas quanto ao sacrifício. Encontramo-las, principalmente, no livro do Levítico.

Todo sacrifício requer um sacerdote, um altar e uma vítima. De todo o Israel, somente uma tribo, a de Levi, foi escolhida para, de seus membros, saírem os que ocupariam as funções afeitas ao sacerdócio. Os levitas eram os responsáveis pelo culto do Deus de Israel. Alguns desses levitas, quando descendentes do sacerdote Arão (irmão de Moisés), formariam a classe sacerdotal, que ofereceria diretamente o sacrifício.

O altar era, enquanto não havia o Templo, na Tenda da Reunião, no lugar chamado de Santo dos Santos, onde ficava a Arca da Aliança, contendo os Dez Mandamentos. Após a construção do Templo por Salomão, em Jerusalém, lá foi edificado o altar onde os sacerdotes, levitas descendentes de Arão, ofereceriam como sacrifício pelos pecados dos israelitas, vítimas tais como diversos animais, entre os quais, por excelência, figurava o cordeiro. Esse sacrifício era uma figura, um sinal, um símbolo do verdadeiro e único sacrifício que viria: o de Cristo.

Diz a Bíblia: “No dia seguinte, João viu Jesus que vinha a ele e disse: ‘Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.’” (Jo 1,29)

De fato, no Novo Testamento, por sua vez, o sacerdote era o próprio Cristo, Deus e Homem ao mesmo tempo, que ofereceu um sacrifício perfeito; a vítima também foi Jesus Cristo, o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo; o altar do novo sacrifício já não ficava no Templo de Jerusalém, mas era a Cruz do Calvário. Lá, Cristo ofereceu um sacrifício perfeito para, por sua morte, conquistar-nos novamente a graça de Deus e dar a vida eterna, a salvação nos céus e o perdão de todos os nossos pecados, reconciliando-se com o Criador, ao qual tínhamos traído em Adão e Eva. “Nesse Filho, pelo Seu Sangue, temos a Redenção, a remissão dos pecados, segundo as riquezas da Sua graça.” (Ef 1,7)

Se, por nossos primeiros pais, encontramos a desgraça, a morte eterna, o sofrimento, a separação de Deus e a inclinação ao mal (concupiscência), por Cristo, nos tornamos salvos. “Como efeito, todos pecaram e todos estão privados da glória de Deus, e são justificados gratuitamente por Sua graça; tal é a obra da Redenção, realizada em Jesus Cristo. Deus O destinou para ser, pelo Seu Sangue, vítima de propiciação mediante a fé.” (Rm 3,23-25)

Jesus, o Messias prometido e preparado no seio do Povo de Israel, viria, essencialmente, para morrer pelos nossos pecados. Na Cruz, se ofereceu por todos nós, sendo que éramos injustos e pecadores. Não merecíamos essa salvação, mas Deus enviou a Cristo por amor e misericórdia. “Com efeito, quando éramos ainda fracos, Cristo a seu tempo morreu pelos ímpios. Em rigor, a gente aceitaria morrer por um justo, por um homem de bem quiçá se consentiria em morrer. Mas eis aqui uma prova brilhante de amor de Deus por nós: quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por nós (...) Quando éramos ainda inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de Seu Filho.” (Rm 5,6-8.10a) “Porque aprouve a Deus fazer habitar nele toda a plenitude, e por Seu intermédio reconciliar consigo todas as criaturas, por intermédio daquele que, ao preço do próprio Sangue na Cruz, restabeleceu a paz a tudo quanto existe na terra e nos céus.” (Cl 1,19-20)

Em Jesus Cristo, temos a paz com Deus, e voltamos ao estado em que vivíamos antes do pecado original, eis que ele está definitivamente pago. “Por este motivo, o Pai Celestial, o Pai de Misericórdia e Deus Todo Poderoso e Todo Consolo, enviou aos homens, quando chegou aquela ditosa plenitude do tempo, Jesus Cristo, Seu Filho Manifestado e Prometido a muitos santos Padres antes da lei, e em seu tempo, para que redimisse os Judeus que viviam na Lei, e aos gentios que não aspiravam a santidade a conseguissem e para que todos recebessem a adoção de filhos. A seu filho, Deus nomeou como Reconciliador de nossos pecados, mediante a fé em sua paixão, e não somente de nossos pecados, mas também aqueles de todos os homens.” (Concílio Ecumênico de Trento, Decreto sobre a Justificação). Resta-nos, pois, apropriarmo-nos dessa salvação, conforme o ensinamento da Santa Igreja.

No culto levítico, estabelecido por Deus, víamos como que figuras que apontavam para Cristo. O Sumo-sacerdote da Antiga Aliança entrava no Santo dos Santos, para oferecer o sacrifício do cordeiro sobre o altar de Jerusalém. Jesus é o nosso Sumo-sacerdote (cf. Hb 4,14), aquele de quem os antigos eram apenas símbolos, e entra não num santuário terrestre, mas na própria glória de Deus, diante de Sua Divina Majestade (cf. Hb 8,1-2;9,11).

O sacrifício de Cristo, vítima e sacerdote, cordeiro e oferecedor, holocausto do qual todos os outros eram sinais que o preparavam, é suficiente para a remissão dos pecados. “Pois se o sangue de carneiros e de touros e a cinza de uma vaca, com que se aspergem os impuros, santificam e purificam pelo menos os corpos, quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu como vítima sem mácula a Deus, purificará a nossa consciência das obras mortas para o serviço do Deus vivo? (...) Se os meros símbolos das realidades celestes exigiam uma tal purificação, necessário se tornava que as realidades mesmo fossem purificadas por sacrifícios ainda superiores. Eis porque Cristo entrou, não em santuário feito por mãos de homens, que fosse apenas uma figura do santuário verdadeiro, mas no próprio céu, para agora se apresentar intercessor nosso ante a face de Deus.” (Hb 9,13-14.23-24)

Nos antigos sacrifícios buscava-se a reconciliação do homem com Deus. Quando oferecidos ao divindades pagãs, não tinha valor propiciatório, porém ainda assim demonstrava-se que o desejo de buscar o absoluto estava no coração do homem, e este estava disposto a cumprir as exigências da Lei Moral natural, que ordenava que fossem celebrados sacrifícios. Todavia, oferecidos ao Deus Vivo, eram um sinal do legítimo sacrifício que viria, prova de amor do Criador que não hesita em matar Seu Filho em nosso lugar. Cristo é aquele cordeiro encontrado por Abraão entre os espinhos, e que é oferecido em lugar de Isaac. O Senhor Jesus se ofereceu em nosso lugar. Da mesma forma que Ele é o Cordeiro, somos como que à imagem de Isaac, substituídos pelo Filho de Deus. “Em verdade, ele tomou sobre si nossas enfermidades, e carregou os nossos sofrimentos: e nós o reputávamos como um castigado, ferido por Deus e humilhado. Mas ele foi castigado por nossos crimes, e esmagados por nossas iniqüidades; o castigo que nos salva estava sobre ele; fomos curados graças às suas chagas.” (Is 53,4-5)

O sacrifício de Jesus Cristo foi único e suficiente. Não como os feitos pelos sacerdotes do Antigo Testamento, que eram carentes de renovação periódica. “Cristo ofereceu pelos pecados um único sacrifício (...). Por uma só oblação Ele realizou a perfeição definitiva daqueles que recebem a santificação.” (Hb 10,12a-14) Já não é mais necessário novos sacrifícios. Jesus é “sacerdote eternamente, segundo a ordem de Melquisedeque” (Hb 5,6), e, portanto, não morre mais. Morreu uma só vez, e, sendo esta suficiente, ressuscitou ao terceiro dia, e hoje vive no céu, intercedendo por nós diante do Trono, e constantemente enviando o Seu Santo Espírito sobre nós, Ele que procede eternamente do Pai.

Jesus Cristo, Nosso Senhor, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, veio ao mundo para morrer por nossos pecados, assim pagando a dívida que tínhamos contraído em Adão para como Deus. Encarnou-se no seio da Virgem Maria, tornando-se verdadeiramente homem, igual a nós em tudo, exceto no pecado.

Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Essas Suas duas naturezas, divina e humana, estão intimamente unidas, aliás, hipostaticamente unidas, i.e., ligadas na única Hipóstase ou Pessoa divina. Sua Personalidade divina, essência que Lhe é comum ao Pai e ao Espírito Santo, manifesta-se na natureza divina, gerada pelo Pai, que não foi perdida quanto de sua união com a natureza humana, gerada pela Santíssima Virgem Maria.

Por nossos pecados, contraímos uma dívida para com Deus, que deve ser paga, resgatada. Ora, diante de uma ofensa de tal magnitude, uma ofensa a um Deus, só um resgate de igual valor teria mérito. É a lei da proporção e da justiça: a uma pequena ofensa, um pequeno preço a ser pago; a uma grande ofensa, um grande preço a ser pago; a uma ofensa de valor infinito, um preço de valor infinito a ser pago! “O salário do pecado é a morte!” (Rm 6,23) Esse é o preço do pecado. E se o pecado é uma ofensa contra Deus, portanto de valor infinito, a morte a ser oferecida também deve ter valor infinito. Diante de nossa condição humana, nunca nossa morte teria valor suficiente para satisfazer o preço do pecado. A justiça requer algo maior! Para tanto, era necessário que um Deus morresse! Por isso, Deus não mandou um profeta para morrer a fim de resgatar o mundo, mas Seu próprio Filho!

Por outro lado, quem ofendeu a Deus fomos nós, os homens. Não bastaria simplesmente a morte de Deus, de Cristo, para satisfazer a justiça. Nós precisaríamos oferecer um dos nossos para pagar o salário do pecado. Nesse pensamento, concluímos o motivo de Deus ter vindo Encarnar-Se, i.e., assumir nossa natureza humana!

Jesus Cristo, por ser homem e Deus ao mesmo tempo, tem plenas condições de oferecer um sacrifício que satisfaça a justiça em seu valor (pela Sua natureza divina), e na razão de ser o ofensor que o apresenta (pela Sua natureza humana).

Jesus Cristo ofereceu Seu sacrifício na Cruz do Calvário. Completou-se o tempo necessário e, durante a Páscoa judaica, com a idade de aproximadamente 33 anos, subiu a Jerusalém e aceitou ser julgado pelos homens e receber a pena de crucifixão. Para remover a barreira que nos separava do Pai, fazendo-nos Seus filhos adotivos pela graça, o Salvador morreu na Cruz, ressuscitando ao terceiro dia, conforme prometera. O que Ele é por Sua natureza, nós, por Sua morte sacrifical, nos tornamos: filhos de Deus! Morrendo, Cristo mereceu-nos a graça, perdoando nossos pecados e nos dando por herança o Reino dos céus!

O sacrifício de Jesus Cristo foi oferecido na Cruz, e é tornado novamente presente em cada Missa celebrada. Missa, portanto, é um dos nomes que nós damos ao sacrifício da Cruz tornado novamente presente diante de nós.

A Santa Missa é o mesmo, único e suficiente sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo, oferecido de uma vez por todas, ao Pai, na Cruz do Calvário, pelo perdão de nossos pecados, tornado real e novamente presente, ainda que de outro modo, incruento, no altar da igreja pelas mãos do sacerdote validamente ordenado.

Mesmo, único e suficiente: a Missa não é um novo sacrifício para saldar nossa dívida para com Deus. Oferecido de uma vez por todas, ao Pai, na Cruz do Calvário: a Missa é o mesmo sacrifício da Cruz, não um outro. Pelo perdão de nossos pecados: como a Cruz foi a causa de nosso perdão, merecendo-nos a graça de Deus, assim também é a Missa. Tornado real e novamente presente: a mesma Cruz é tornada presente diante de nós, pois para Deus não há limite de espaço ou tempo. Ainda que de outro modo, incruento: na Cruz, Cristo derramou Seu Preciosíssimo Sangue; na Santa Missa, a Cruz é tornada novamente presente, mas de outro modo, sem derramamento de Sangue – não é, repetimos, uma nova morte de Cristo, mas a mesma e única, porém de modo incruento. No altar da igreja: todo sacrifício precisa de um altar; a Cruz foi o altar onde Cristo ofereceu o sacrifício de Seu Corpo Santíssimo; na Missa não há uma Cruz física onde Cristo deva morrer, mas um altar onde é celebrado o sacrifício e os dons são oferecidos. Pelas mãos do sacerdote: num sacrifício, além do altar, é preciso uma vítima e um sacerdote, i.e., um sacrificador; quando o altar foi a Cruz, Jesus Cristo foi a Vítima, mas também o Sacerdote, pois ninguém O matou, antes Ele mesmo Se entregou à morte por nós; na Santa Missa, se o altar é o da igreja, e a vítima é Cristo, eis que o sacrifício é o mesmo, também há identidade quanto ao sacerdote, o sacrificador. Validamente ordenado: Jesus mandou que os Apóstolos realizassem o sacrifício feito na Cruz e antecipado na última Ceia, e eles passaram o mandato a seus sucessores e aos colaboradores destes; os sucessores dos Apóstolos são os Bispos, e os colaboradores os padres, unidos a Cristo pelo sacramento da Ordem.

Então, não são dois sacrifícios, o da Cruz e o da Missa, mas um só, o da Cruz, tornado presente na Missa?

Isso mesmo! É o que afirmamos na resposta à última pergunta. Acompanhemos o que escreveu o Papa João Paulo II na Encíclica Ecclesia de Eucharistia:

“Este aspecto de caridade universal do sacramento eucarístico está fundado nas próprias palavras do Salvador. Ao instituí-lo, não Se limitou a dizer ‘isto é o meu corpo’, ‘isto é o meu sangue’, mas acrescenta: 'entregue por vós (...) derramado por vós' (Lc 22, 19-20). Não se limitou a afirmar que o que lhes dava a comer e a beber era o seu corpo e o seu sangue, mas exprimiu também o seu valor sacrifical, tornando sacramentalmente presente o seu sacrifício, que algumas horas depois realizaria na cruz pela salvação de todos. ‘A Missa é, ao mesmo tempo e inseparavelmente, o memorial sacrifical em que se perpetua o sacrifício da cruz e o banquete sagrado da comunhão do corpo e sangue do Senhor.’

A Igreja vive continuamente do sacrifício redentor, e tem acesso a ele não só através duma lembrança cheia de fé, mas também com um contacto atual, porque este sacrifício volta a estar presente, perpetuando-se, sacramentalmente, em cada comunidade que o oferece pela mão do ministro consagrado. Deste modo, a Eucaristia aplica aos homens de hoje a reconciliação obtida de uma vez para sempre por Cristo para humanidade de todos os tempos. Com efeito, ‘o sacrifício de Cristo e o sacrifício da Eucaristia são um único sacrifício.’ Já o afirmava em palavras expressivas S. João Crisóstomo: ‘Nós oferecemos sempre o mesmo Cordeiro, e não um hoje e amanhã outro, mas sempre o mesmo. Por este motivo, o sacrifício é sempre um só. [...] Também agora estamos a oferecer a mesma vítima que então foi oferecida e que jamais se exaurirá.’

A Missa torna presente o sacrifício da cruz; não é mais um, nem o multiplica. O que se repete é a celebração memorial, a ‘exposição memorial’ (memorialis demonstratio), de modo que o único e definitivo sacrifício redentor de Cristo se atualiza incessantemente no tempo. Portanto, a natureza sacrifical do mistério eucarístico não pode ser entendida como algo isolado, independente da cruz ou com uma referência apenas indireta ao sacrifício do Calvário.” (Papa João Paulo II. Encíclica Ecclesia de Eucharistia, 12)

“O augusto sacrifício do altar não é, pois, uma pura e simples comemoração da paixão e morte de Jesus Cristo, mas é um verdadeiro e próprio sacrifício, no qual, imolando-se incruentamente, o sumo Sacerdote faz aquilo que fez uma vez sobre a cruz, oferecendo-se todo ao Pai, vítima agradabilíssima. ‘Uma... e idêntica é a vítima: aquele mesmo, que agora oferece pelo ministério dos sacerdotes, se ofereceu então sobre a cruz; é diferente apenas, o modo de fazer a oferta.’” (Papa Pio XII. Encíclica Mediator Dei, 61)

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Patriarca celebra Missa na Catedral Melquita de SP no dia de sua padroeira!

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Fotos do nosso amigo Rommel Werneck da Divina Liturgia celebrada no dia 15 de agosto, por Sua Beatitude, o Patriarca Melquita de Antioquia e Todo o Oriente, Alexandria e Jerusalém, Gregório III, na Catedral Eparquial Nossa Senhora do Paraíso, em São Paulo.

A festa da Dormição da Mãe de Deus é equivalente à titularidade da catedral, de vez que Nossa Senhora está no Paraíso justamente por conta de sua Dormição e Assunção.

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D. Edgar Madi, Eparca dos Maronitas, e, atrás, D. Fares Maakarou, Eparca dos Melquitas

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O Patriarca

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O Patriarca e o Eparca

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quarta-feira, 18 de agosto de 2010

"Meu Breviário": Um modo de união com Deus!

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Como é o modo de ser da experiência de Deus e como aparece o Senhor nesta forma de oração?

Vamos aqui nos restringir no modo de ser da oração chamada "Ofício Divino", ou “Liturgia das Horas” ou ainda, “oração do Breviário”.

Por Ofício Divino, aqui na nossa reflexão, entendemos toda a oração particular ou comunitária que tem uma determinada forma oficial. Assim, o Breviário, a Santa Missa, as diferentes formas de penitência sacramental, os ritos das liturgias, as orações comunitárias predeterminadas, etc.

Talvez essa definição não seja muito correta liturgicamente, mas serve só para encaminhar uma reflexão que diz respeito a uma dificuldade, a saber: que sentido e importância têm essas estruturas prefixadas, muitas vezes impostas, para o modo de ser da experiência e para a experiência de Deus? Por quê nos devemos sujeitar a uma forma, se a essência da oração não está nessas formas exteriores?

Hoje temos uma boa sensibilidade contra tudo que tem o sabor de formalismo, de letra morta, de oração mecânica sem espírito, sem alma, sem coração, sem participação. Por isso, é que fazemos um real esforço para animar a participação nas orações oficiais e comunitárias. Esse esforço é certamente positivo.

No entanto, há um ponto a refletir para que esse nosso esforço de “animar as orações comunitárias” para que não caia no fogo de palha de um acionar irreal e de vivências sem consistência real do crescimento na oração. E um dos pontos fundamentais que hoje esquecemos no nosso afã de boa renovação é a compreensão da verdadeira importância das formas e dos ritos na experiência da oração.

Ofício, em latim officium (opi-ficium, obra feita) significa: obra do fazer crescente, na tenacidade, na constância, na paciência do trabalho artesanal per-feito.

A nossa atenção só se fixa na obrigatoriedade da imposição estruturada e esquece que o ofício, oficial, estruturado, imposto, originariamente significa: o que surge como a obra perfeita, como a obra mestra da experiência.

Em todas as atividades humanas, a obra é importante. E a obra não significa tolhimento, coerção da liberdade, da espontaneidade, mas sim a concreção real, o fruto da espontaneidade. O humano jamais é escancarado. O humano só vem a si, só se torna ele mesmo na de-terminação no concreto. Sem essa determinação no concreto toda energia humana se esvai no vazio, não produz fruto.

Com outras palavras, a interioridade humana sempre toma forma concreta de expressão. É na expressão concreta que vem à fala a firmeza e o crescimento real da identidade do vigor humano. E o vigor da experiência, o vigor da identidade que cresceu na experiência sempre vem à fala como ofício no sentido acima explicitado.

Tal expressão, o ofício, a obra perfeita da identidade crescida na experiência é firme, tem sua forma bem determinada, coerente em si, nada ali é arbitrário, tudo é necessário, até o mínimo ponto no i. Não admite, pois, tão facilmente a modificação de forma conforme o gosto e a necessidade subjetiva de cada indivíduo, se impõe como norma, lei e estrutura objetiva. Tudo isso, no entanto, não é o resultado do desejo de assegurar-se, de domínio, não vem do medo de mudanças, mas sim da firmeza e coerência da concreção que tornou necessária como a obra.

Se pensarmos, por exemplo, no ballet, na ginástica artística, logo compreenderemos o que queremos dizer.

Uma pessoa que não cresceu na identidade, no trabalho lento e tenaz da experiência, não pode compreender a imposição, a firmeza e as exigências de tais obras. Pois, o seu modo de ser só pode entender a liberdade vital como uma espontaneidade oposta a limites e estruturas.

Em tal nível de identidade se vive no dualismo de espontaneidade e necessidade, sem se conseguir encarnar o material da estrutura com o vigor do espírito que tudo vivifica. Por isso, se busca novidade de formas em que se possa gozar o elã de sentimento e vivências, que, se repetidas, tornam-se corriqueiras e rotineiras e nos acossam à busca insatisfeita de novas formas e estruturas.

Quando há muita repugnância em relação à oração oficial bem estruturada, ao mesmo tempo uma busca excitada de novidade de formas, quando há a incapacidade de deixar-se afeiçoar pelas formas concretas bem disciplinadas de um rito, pode ser que atrás de tudo isso esteja o problema da fraqueza da identidade, portanto a falta de crescimento na experiência.

Se for o caso, a oração oficial, formas e formulações estruturadas têm a função de nos desafiar à recordação de que a essência, o vigor da oração não está em eu fazer o que mais me agrada, não está em eu ter vivências, mas sim em trabalhar paciente e diligentemente o trabalho da experiência, o trabalho artesanal do ofício, para deixar vir à fala na concreção necessária e coerente a fala de Deus. A fala de Deus é Espírito e Vida, sopra onde lhe apraz.

A liberdade da fala de Deus, portanto, exige de nós disciplina e rigor fora de série na ausculta e na ob-audiência. Tal rigor e precisão de audiência eu jamais consigo em explosões e em veleidades sentimentais e vivenciais do meu querer, mas na rotina assumida, na repetição, na demora e na paciência do trabalho da experiência: ora et labora!

O que chamamos de interioridade da oração, portanto, não é um sentimento vivencial fogo de palha. É antes uma transformação de todo o meu ser, doada através de um trabalho lento e continuado, fiel e disciplinado, como no caso de um artista.



Uma fórmula morta, um rito esvaziado, uma nova fórmula, rito antigo, rito novo, não recuperam o seu vigor sem essa transformação do nosso ser. E se na experiência nos transformamos no vigor orante, perceberemos que as fórmulas e os ritos antes mortos eram mortos porque eu no meu modo de ser estava fraco e anêmico de identidade do vigor humano, não era capaz de encarnar a terra dos homens.

Se na busca de interiorização na oração não trabalharmos assim, sóbria e tenazmente, para esse tipo de crescimento na experiência, a nossa interiorização pode nos alienar para a busca de sentimentos e vivências sem realidade e assim falsificar o espírito de oração, enfraquecendo aos poucos o nosso ser, de tal sorte que não conseguiremos fazer ressoar o louvor de Deus no cotidiano banal da nossa vida. Cotidiano banal que, na realidade, se soubermos repercutir o toque de Deus, nada tem de banal e de cotidiano!

Não blasfememos, confundindo a Inspiração de Deus e a obra da sua Liberdade com o “cio” da nossa subjetividade.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O populismo litúrgico e o "Santo dos Anjos"

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Embora eu desconfie um tanto da associação de termos comumente políticos à descrição de situações da Igreja, parece-me que com grande freqüência tais palavras se ajustam bem a esse contexto. Uma delas é “populismo”; no meu entender, uma explicação fortemente possível para certas escolhas relacionadas à Liturgia, e, não raro, para as escolhas abusivas.

A música é um dos elementos litúrgicos que mais sofrem com esse populismo. Embora na prática a música tenha enorme importância na cultura humana, é vista por certos olhos com um pouco de desprezo. E aqui já nem me limito à Liturgia, mas à vida cultural toda. É comum que a Filosofia, a Literatura, a Teologia, as Ciências Naturais etc. causem logo de início reações de respeito e reverência. A Música atrai sorrisos e evocações pitorescas. Pode parecer bom, mas só parece. Não há muitos que percebam na Música algo mais do que instrumento de lazer. Enquanto isso, sem que a grande maioria perceba, a linguagem musical é utilizada conscientemente, o tempo todo, para incutir comportamentos, vender produtos, modelar ambientes.

Enfim, a Música tem essa fama de mulher bonita sem muito conteúdo, para usar uma comparação que fiz em outra oportunidade. E, sendo subestimada como é, não há como o nível da cultura musical se manter.

Os efeitos na música litúrgica são catastróficos; e catástrofes só são toleradas quando as pessoas não estão percebendo que uma catástrofe está acontecendo. E, neste caso, pelo contrário: há muitos que parecem bem acomodados com a situação atual e, mais do que isso, gostam dela. E se em tantos lugares a instrução para o músico é manter a música ruim, é porque há pessoas atraídas por essa música ruim. E isto não é especulação nem anedota: é evidência confirmada por relatos, inclusive na internet.

Se a boa música está sendo sacrificada para que mais gente venha à Missa, pior seria sacrificar a boa doutrina. Não podemos nos contentar, entretanto, com o mal menor.

O populismo busca, na política, agradar a população em geral com medidas de efeito positivo imediato, quase sempre sem grandes considerações sobre um futuro em que dificuldades surgirão por causa das tais medidas. Outra característica é, da parte do governo populista, procurar vincular-se diretamente ao “povo”, excluindo instituições como parlamentos, partidos etc. – nem sempre por meio de sua extinção, mas da campanha sistemática para desacreditá-los ao mesmo tempo em que se coloca como uma espécie de Messias.

Na Liturgia o populismo quer ignorar a autoridade do Missal e convencer-nos de que seria absurda a normatização das cerimônias pela distante Roma, onde supostamente só há senhores idosos que não sabem da “realidade” do “povo”. É difícil superar o populismo desse discurso.

O populismo na Liturgia é a única explicação possível para admissão de um grande número de composições musicais, entre as quais uma muito famosa é conhecida como o “Santo dos Anjos”. Aparentemente bastante difundida, tem sido utilizada no Sanctus, e me inspirou especial repugnância quando a ouvi, pela primeira vez, numa Missa de Corpus Christi. A repugnância provém de sua tenebrosa infidelidade ao texto que deveria ser usado neste momento e do seu uso de uma rítmica de dança popular de significação insuperavelmente alheia à Liturgia.

O Sanctus da Missa, em português, utiliza o seguinte texto:

Santo, Santo, Santo, Senhor Deus do Universo.
O céu e a terra proclamam a vossa glória. Hosana nas alturas.
Bendito o que vem em nome do Senhor. Hosana nas alturas.

Não contente com estas palavras, talvez julgando-as insuficientes, o chamado “Santo dos Anjos” vai se arrastando:


Santo, santo, santo, dizem todos os anjos
Santo, santo, santo, é o Senhor Jesus
Santo, santo, santo, é quem os redime
Porque meu Deus é Santo e a terra cheia de sua glória está
Porque meu Deus é Santo e a terra cheia de sua glória está
Céus e terras passarão, mas Sua Palavra não passará
Céus e terras passarão, mas Sua Palavra não passará
Não, não, não passará
Não, não, não passará

Hosana a Jesus Cristo, filho de Maria
Bendito o que vem em nome do Senhor
Santo, santo, santo, é quem os redime
Porque meu Deus é Santo e a terra cheia de Sua glória está
Porque meu Deus é Santo e a terra cheia de Sua glória está
Céus e terras passarão, mas Sua Palavra não passará
Céus e terras passarão, mas Sua Palavra não passará
Não, não, não passará
Não, não, não passará

Trata-se de um dos casos mais assustadores de desrespeito ao texto litúrgico, sem contar, é claro, as situações em que quaisquer palavras do texto estejam completamente ausentes. Musicalmente, a rítmica dançante e popular traz para dentro da igreja um elefante branco, um elemento completamente destoante, montando um conjunto surrealista que me espanta tenebrosamente por ser considerado tão normal.

A palavra “não” tem especial destaque na melodia com a qual esse texto é cantado. De modo geral, têm grande destaque as partes do texto que foram adicionadas ao texto correto. De que céus e terra passarão e a palavra de Deus não passará, ninguém duvida. É certo, entretanto, que igualmente ninguém mandou cantar isso na hora do Sanctus. E, mesmo que só o texto certo fosse cantado, a música não deve ser de dança folclórica. Esta composição quebra totalmente a atmosfera que a Liturgia deveria ter. Destoa do Prefácio que precede o Sanctus; destoa da Oração Eucarística. Destoa de qualquer função realizada dentro da igreja, ainda que não seja litúrgica.

No entanto, continua sendo usada porque o “povo”, sempre ele, invariavelmente canta bem forte quando essa música é usada. Se o canto forte do povo é relevante em matéria litúrgica, de nada adianta estudar a Liturgia. É suficiente avaliar quais elementos suscitam resposta mais forte, mais barulhenta ou mais emotiva do “povo”. Se estas reações acontecem, o elemento é aprovado. Se não acontecem, apenas se descarta. Um tal procedimento faria lembrar os seriados americanos, que podem não chegar nem à metade de sua primeira temporada se não derem audiência; são simplesmente cancelados.

Na Liturgia este tipo de pensamento é de uma bizarria que chega a superar a imaginação ficcional. O texto do Gloria, com mais de 1500 anos, é simplesmente substituído por outro mais curto, que possibilite música mais palatável. Não se está trocando apenas um grupo de palavras. Está-se trocando uma identidade, uma personalidade, uma história. O fiel é desconectado de todo o seu passado (que ele já mal conhecia), recebendo apenas a pregação sobre um vago Jesus, Senhor que operou maravilhas nesse passado todo que o fiel desconhece e ao longo de muitas gerações que o precederam.

Seria muito bom não precisar proibir o “Santo dos Anjos” e assemelhados. O ideal é que pare de ser usado na Liturgia e dê lugar à verdadeira música litúrgica de maneira natural. O ideal é que sua absoluta inadequação à Liturgia seja percebida espontaneamente pelos músicos, sacerdotes e fiéis. Que destes três grupos um ajude o outro a perceber a enorme perda que se tem cada vez que se permite executar uma tal composição no culto divino.

Que possamos banir o “Santo dos Anjos” da Liturgia e, em seguida, todos os seus assemelhados. Não permitamos que a Liturgia se contamine tanto por tamanho populismo. A conta do populismo é sempre muito cara e, se chamamos a Igreja de Mãe e Mestra, digamo-nos não apenas seus filhos, mas também seus discípulos, e autênticos discípulos.
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