Neste "dia dos Santos Reis Magos", o Salvem a Liturgia! preparou um breve histórico desta bênção, e um Ritual adaptado, que pode ser feito pelo pai de família.
Para fazer o download do histórico com o Ritual, clique AQUI.
|
“A Adoração dos Magos”. Detalhe do português Domingos
Sequeira (1768-1837),
com a técnica óleo sobre tela (100x140
cm), pintada em Roma, em 1828 e que se encontra atualmente
no
Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa - Portugal.
|
Bênção da Casa na
Solenidade da Epifania do Senhor
um costume
antiquíssimo que as casas - religiosas ou de famílias - sejam abençoadas por
ocasião da Solenidade da Epifania. Há até uma bênção própria para a Epifania,
que consta no Rituale Romanum
pré-conciliar.
No atual Rituale,
usa-se a bênção comum das casas mesmo, mas é possível acrescentar as cerimônias
antigas. Aqui, adaptamos o formulário do Ritus
Antiquum.
Para entendermos melhor esta
data e a bênção que se segue, vejamos o que diz a Carta Circular do
Secretariado para a Liturgia da Ordem Cisterciense para os Mosteiros da Ordem,
em 2006/2007, que adaptamos:
1. A Solenidade da Manifestação do Senhor (Epifania) no
dia 6 de Janeiro.
O
Tempo do Natal poderia ser comparado a uma elipse cujos pontos centrais são a Solenidade
do Natal, a 25 de dezembro e a Solenidade da Epifania, a 6 de Janeiro. Devido à
nossa vida contemporânea e ao mundo do trabalho, a Solenidade da Epifania, em
muitos países e regiões, não é mais celebrada no dia 6 de Janeiro, mas
transferida para o domingo que ocorre entre 2 e 8 de Janeiro. Em muitos lugares,
esta solenidade foi mantida na data tradicional, como por exemplo, em Roma.
1.1 – Sobre a origem e a história da
festa.
Originariamente,
a Solenidade do Natal era celebrada, no Ocidente, a 25 e Dezembro, e no
Oriente, a 6 de Janeiro. Como por osmose, o Ocidente e o Oriente absorveram as
duas festas em fins do século IV. Devido à sua origem e conteúdo teológico,
ambas celebram o Natal, mas com acentos diferentes. A história da Epifania é,
de fato, complicada e suas raízes próprias permanecem obscuras até os nossos
dias. Como indica o nome grego “Ἐπιφάνεια” (Manifestação) ou “Θεοφάνια” (Manifestação de Deus), a festa
provém do Oriente e foi introduzida no Ocidente no século IV. O título da festa
– “Epifania” – significa também que o dia 6 de Janeiro já era algo mais que a
popular “festa dos Reis”. A Epifania é a revelação de Jesus Cristo, Filho de
Deus, para o mundo inteiro. Na Grécia e na Rússia, os cristãos chamam esse dia
de: “Solenidade da santa Teofania de nosso Senhor Jesus Cristo”.
Seguramente,
como ocorre no Natal, a data da Epifania remonta também ao culto pagão, ou
seja, está relacionada com a festa do solstício de inverno que, no Egito,
provavelmente ocorria entre 5 e 6 de Janeiro. No dia 25 de Dezembro ou no dia 6
de Janeiro celebrava-se o aniversário de nascimento do deus-sol invencível,
transformado pelos cristãos no aniversário natalício de Jesus Cristo,
“verdadeira luz do mundo” (cf. Jo, 8, 12; 1, 9). Através de uma fonte antiga,
sabe-se que a seita gnóstica dos basilianos, em Alexandria, no começo do século
III, celebrava no dia 6 de Janeiro a festa do Batismo de Cristo, mediante o
qual, pela descida do Espírito Santo, aconteciam a geração e o nascimento do
Filho de Deus. O Batismo de Cristo deveria, em seguida, se tornar a temática
própria da festa da Epifania, no Ocidente. De acordo com outras informações, no
dia 6 de Janeiro, os egípcios iam ao rio buscar água. Talvez esteja aqui um dos
fundamentos da bênção da água na Epifania. Do Egito, a festa de 6 de Janeiro
parece ter-se também estendido tanto para o Ocidente quanto para o Oriente, na
segunda metade do século IV. Nas Igrejas do Ocidente, a festa da Epifania foi
estabelecida primeiramente na Gália, na Espanha, no norte da Itália e em
Ravena, embora os seus temas tenham sido ampliados.
Na
Epifania, além da Encarnação e do Batismo de Cristo, meditava-se ainda na
Adoração dos Magos, nas Bodas de Caná e na Multiplicação dos pães. O conteúdo
desta festa é, por exemplo, condensado no magnífico hino da Epifania, de
autoria de Santo Ambrósio de Milão († 397): “Illuminans Altissimus” (Cf. abaixo), adotado pelos Pais de Cister
em sua liturgia (cf. Breviário dito “de Santo Estêvão”, do ano 1132). Em Roma,
as Homilias do Papa São Leão Magno († 416) constituem o testemunho mais seguro
da celebração da festa da Epifania.
1. Illuminans
Altissimus
Micantium astrorum globos,
Pax, vita, lumen, veritas,
Jesu fave precantibus.
2. Seu mystico baptismate
Fluenta Jordanis retro
Conversa quondam tertio
Praesente sacraris die.
3. Seu stella partum Virginis
Coelo micans signaveris;
Et hac adoratum die
Praesepe Magos duxeris.
4. Vel hydriis plenis aquae
Vini saporem infuderis:
Hausit minister conscius,
Quod ipse non impleverat.
5. Aquas colorari videns,
Inebriare flumina;
Mutata elementa stupent
Transire in usus alteros.
6. Sic quinque millibus viris
Dum quinque panes dividis,
Edentium sub dentibus
In ore crescebat cibus.
7. Multiplicabatur magis
Dispendio panis suo:
Quis haec videns mirabitur
Juges meatus fontium?
8. Inter manus frangentium
Panis rigatur profluus:
Intacta quae non fregerant,
Fragmenta subrepunt viris.
1.2 – Conteúdo da festa.
Quando
o Oriente (à exceção da Armênia) adotou, em fins do século IV, a celebração do
Natal no dia 25 de Dezembro, oriunda da liturgia romana, o dia 6 de Janeiro
tornou-se primitivamente a festa oriental da Encarnação do Senhor,
transformando-se depois na festa do Batismo de Cristo. Na liturgia romana, pelo
menos na liturgia da Missa, o dia 6 de Janeiro passou a ser a festa da Adoração
dos Magos (cf. Mt 2, 1-12) ou festa dos três Santos Reis, enquanto a Liturgia
das Horas romana incorporava progressivamente os temas suplementares do Batismo
de Cristo, das Bodas de Caná e da Multiplicação dos pães, provenientes das
regiões gaulesa, espanhola e norte-italiana. As influências recíprocas da
Liturgia da Igreja Oriental e da Igreja Ocidental são ainda hoje perceptíveis
nos textos litúrgicos da festa da Epifania. A antífona “Hodie cœlesti Sponso” (no Breviário próprio Cisterciense e também
no romano, é a antífona do Benedictus)
exprime muito bem, em seu conjunto, a celebração da festa:
“Hodie cœlesti Sponso juncta est Ecclesia
quoniam in Jordane lavit Christus
ejus crimina,
currunt cum muneribus Magi ad
regales nuptias
et ex aqua facta vino lætantur
convivæ. Alleluia.”
“Hoje, a Igreja se une ao seu celeste Esposo,
porque Cristo lavou no Jordão o pecado; para as núpcias reais correm Magos com
presentes; e os convivas se alegram com a água feita vinho. Aleluia.”
Exatamente
esse texto, bem como a célebre antífona do Magnificat,
nas II Vésperas, “Tribus miraculis” (Cf.
abaixo), mostram de maneira significativa que o conteúdo teológico da festa da
Epifania ultrapassa de muito uma simples festa dos três Reis. Com efeito, a
Epifania concentra os acontecimentos mais importantes dos primeiros anos de
Jesus de Nazaré e os celebra como revelações e manifestações de sua divindade.
Igualmente na Liturgia romana a Epifania foi outrora considerada uma festa da
maior importância, celebrada com vigília e oitava, e os domingos que se lhe
seguiam eram chamados “domingos depois da Epifania”.
“Tribus
miraculis ornatum diem sanctum colimus:
hodie stella magos duxit ad præsepium:
hodie vinum ex aqua factum est ad nuptias:
hodie in Iordanæ a Ioanne Christus baptizari voluit
ut salvaret nos. Aleluia.”
“Recordamos neste dia três mistérios:
Hoje a estrela guia os Magos ao presépio. Hoje a água se faz vinho para as
bodas. Hoje Cristo no Jordão é batizado para salvar-nos. Aleluia, aleluia.”
A
transladação das presumíveis relíquias dos três Santos Reis para Colônia -
Alemanha, em 23 de Julho de 1164, onde ainda são conservadas no célebre relicário
da Catedral, favoreceu enormemente a propagação do culto dos três Reis, no
Ocidente, além de contribuir de modo essencial para o caráter popular de sua
festa, no dia 6 de Janeiro. Aliás, foi Orígenes († 253/254), antigo escritor
cristão, que explicitou, pela primeira vez, serem três os Magos (o texto fala
simplesmente de “magos” ou “astrólogos vindos do Oriente”), talvez, por causa
dos presentes também em número de três. Posteriormente, desde São Cesário de
Arles († 542), os três Magos se tornaram Reis (o texto bíblico não diz nada
disso) e, a partir dos séculos VIII ou IX, acreditava-se mesmo saber os seus
nomes: Gaspar, Melquior (o “Mouro” ou o “Negro”) e Baltasar.
1.3 – Tradições da festa.
Em
cada região, foram se desenvolvendo diferentes costumes em torno da festa da
Epifania; dentre eles, faremos referência a três. O mais conhecido nas regiões
de língua alemã é, sem dúvida, o da consagração da água (“água dos três Reis”),
atestado desde os séculos XI e XII e que tem suas raízes na tradição oriental
(egípcia). No Oriente, onde se celebra na Epifania o Batismo de Cristo, o dia 6
de Janeiro era uma data muito considerada. As Igrejas orientais tinham, além de
outros, na noite da Epifania uma solene consagração da água que, segundo as
possibilidades, era realizada em um rio ou no mar, mergulhando-se uma cruz nas
águas. Este costume tem sua origem na bênção do Jordão em memória do Batismo de
Jesus (“Consagração do Jordão”). São João Crisóstomo († 407) conta que “nesta
solenidade, por volta da meia noite, as pessoas iam buscar água para colocar
num recipiente em suas casas, guardando-a durante o ano inteiro em memória
deste dia no qual as águas foram santificadas”. Por trás disso, está a
convicção, difundida no Oriente, de que Jesus santificou a água quando, por
ocasião de seu Batismo, desceu ao rio Jordão. A crença popular atribuía uma
força especial à “água benta dos três Reis”.
Ao lado
da tradicional Bênção das Casas, na Epifania, desenvolveu-se, sobretudo nos países
de língua alemã, uma forma própria: todos os lugares da casa são abençoados com
água benta e incenso; e, com um giz bento, se escreve acima das portas a
fórmula de bênção: 20*C+M+B+19: Christus Mansionem Benedicat”, que uma
interpretação popular entende como sendo as iniciais dos nomes dos três Reis:
Caspar, Melquior, Baltasar. Supõe-se que por trás dessa prática esteja um antigo
costume germânico. Ainda nas regiões de língua alemã, em alguns lugares, são os
“Sternsinger”, personagens vestidas
como os três Reis Magos, que se antecipam a esta bênção. A bênção das casas na
Epifania pretende, sobretudo, trazer a certeza de que a Encarnação de Jesus,
pela qual Ele veio morar entre nós (Jo 1,14), atua em nosso íntimo na vida de
cada dia. O texto correspondente desta bênção pode ser encontrado no “Benedictionale” (Ritual de Bênçãos)
editado pelas Conferências Episcopais de cada país.
Desde
a antiguidade, a data da próxima festa da Páscoa e as datas das festas móveis
que dela decorrem são anunciadas durante a Missa da Epifania, após a leitura do
Evangelho. Com efeito, nos tempos antigos, era nesta festividade que se tornava
pública a “Carta Pascal” informando à cristandade a data da Páscoa. Este dia
foi escolhido para o referido anúncio porque nele Cristo, o novo Sol, se
levantou para o Oriente na Epifania.
Em
vários lares, tem-se o costume de convidar sacerdotes para que abençoem a casa,
mas não exatamente na Epifania, e sim quando se tem a graça da visita de um Padre.
O comum é que o pároco ou seu vigário faça a bênção. Todavia, nem sempre é
possível encontrar um sacerdote disposto a perpetuar costumes antigos; além
disso, o ritual atual prevê que o pai de família pode realizar esta bênção.
A Congregação para o Culto Divino e a Disciplina
dos Sacramentos, pelo Diretório “Sobre a piedade popular e a Liturgia -
princípios e orientações, de 9 de Abril de 2002, no número 118,
ensina:
A Solenidade da Epifania do Senhor
A respeito da solenidade da
Epifania, que tem uma origem muito antiga e um conteúdo muito rico, nasceram e
se desenvolveram muitas tradições e expressões genuínas de piedade popular.
Entre estas se podem recordar:
- o solene
anúncio da Páscoa e das principais festas do ano litúrgico: para a recuperação
deste anúncio, que se está realizando em diversos lugares, se deve favorecer, pois,
ajuda aos fiéis para descobrir a relação entre a Epifania e a Páscoa, e a
orientação de todas as festas para a maior das solenidades cristãs;
- a troca
de “presentes de Reis”: este costume tem suas raízes no episódio evangélico
dos presentes oferecidos pelos Magos ao Menino Jesus (cf. Mt 2,11), e em um
sentido mais radical, no dom que Deus Pai concedeu para a humanidade com o nascimento
do Emanuel entre nós (cf. Is 7,14; 9,6; Mt 1,23). É desejável que o intercâmbio
de presentes por ocasião da Epifania mantenha um caráter religioso, e mostre
que sua motivação última se encontra na narração evangélica: isto ajudará a
converter o presente em uma expressão de piedade cristã e a desvinculá-lo dos
condicionamentos de luxo, ostentação e desperdício, que são estranhos às suas
origens;
- a bênção
das casas, em cujas portas se traça a Cruz do Senhor, o número do ano civil
que começou, as letras iniciais dos nomes tradicionais dos santos Magos
(C+M+B), explicadas também como siglas de “Christus
Mansionem Benedicat”, escritas com um giz abençoado: estes gestos,
realizados por grupos de crianças, acompanhados de adultos, expressam a invocação
da bênção de Cristo, por intercessão dos santos Magos e que, por sua vez, são uma
ocasião para recolher ofertas para fins missionários e de caridade;
- as
iniciativas de solidariedade em favor de homens e mulheres que, como os Magos,
são oriundos de regiões longínquas: respeite-se a eles, sejam cristãos ou
não, pois a piedade popular adota uma atitude de compreensão acolhedora e de
solidariedade efetiva;
- a ajuda à
evangelização dos povos: o forte caráter missionário da Epifania é percebido
pela piedade popular, pelo qual, neste dia, têm lugar iniciativas a favor das
missões, especialmente as vinculadas à “Obra Missionária da Santa Infância”,
também conhecida pelo nome de “Pontifícias Obras Missionárias”, instituída pela
Santa Sé Apostólica;
- a
designação dos Santos Patronos: em muitas comunidades religiosas e confrarias
existe o costume de designar, para cada um de seus membros, um Santo, sob cujo
patrocínio se coloca o ano recém iniciado.
*******
No Brasil
(e também em diversos outros países), devido à falta de sacerdotes com
disponibilidade para ir até as casas neste dia, pode-se realizar a bênção sem o
sacerdote. Em cada lar, o pai, como “sacerdote da Igreja doméstica”, conduz a
celebração familiar. É uma celebração que a Igreja muito valoriza, pela
santidade do lar “em cujas portas se traça a Cruz do Senhor, o número do ano
civil que começou, as letras iniciais dos nomes tradicionais dos santos Magos
(...) escritas com um giz abençoado.”