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sábado, 21 de agosto de 2010

Beato Cardeal Schuster: A Santa Liturgia, suas divisões e suas fontes, parte IV, final

Publica-se hoje a quarta e última parte de A Santa Liturgia, suas divisões e suas fontes, primeiro capítulo do primeiro tomo do Liber Sacramentorum do beato Ildefonso Cardeal Schuster, OSB. A terceira parte está publicada neste link. Esperamos que esta leitura tenha sido útil aos nossos leitores, e mais uma vez desculpo-me, pessoalmente, pelas imprecisões e insuficiências da tradução.

Planejo colocar aqui, em breve, um arquivo PDF com o texto completo deste capítulo em português.

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Como estamos falando de missais, devemos advertir que este nome, assim como a obra litúrgica designada por ele, data somente da Idade Média, no período carolíngio; os antigos conheciam os sacramentários, que não correspondem, a não ser parcialmente, ao conteúdo do Missale plenarium. Para se entender melhor, é preciso ter presente o caráter especial da sinaxe religiosa na Igreja primitiva. Diferentemente dos modernos que, na Igreja, sem nada compreender, se contentam em se unir em espírito ao padre que reza, os antigos queriam que a actio fosse verdadeiramente social, coletiva, eminentemente dramática, de modo que não apenas o bispo, mas os padres, os diáconos, os clérigos, os cantores, o povo, cada um tinha seu papel específico a desempenhar. Daí surge a necessidade de ter separadamente os textos destas diferentes partes, de modo que o bispo e o padre tenham para seu uso o Liber Sacramentorum, o solista tenha o responsorial, os membros da Schola o antifonário, o subdiácono o epistolário e assim por diante.

O sacramentário, ou Liber Sacramentorum, continha então todas as orações que recitava o padre ou o bispo, não apenas na Missa, mas na administração de todos os outros sacramentos que eram intimamente unidos à ação eucarística. Assim, as fórmulas do Batismo e da Confirmação faziam parte da Liturgia da Vigília Pascal; as da absolvição estavam compreendidas nos ritos da reconciliação dos penitentes na Quinta-feira Santa; as orações da Extrema Unção seguiam a absolvição dos enfermos ad succurrendum, antes da Missa e do Viático; as ordenações se fundiam com as cerimônias da estação noturna em São Pedro no Sábado das Quatro Têmporas, e as bênçãos nupciais faziam parte de uma espécie de apêndice, no qual estavam contidas as Missas de ocasião, para as bodas, por exemplo, para os funerais, dedicações de igrejas, aniversários de consagrações de bispos ou de padres etc. O todo com uma ligação, uma ordem, um nexus íntimo que, até em sua disposição bibliográfica, fazia ver como a Eucaristia é o verdadeiro centro do culto cristão, de modo que todos os outros sacramentos são a ele coordenados, preparando a alma para dele participar, ou conservando a graça recebida.

Do sacramentário estão então excluídos os introitos, as leituras, as antífonas e os graduais, porque todas estas partes éram destinadas aos ministros inferiores; tudo o que, ao contrário, pertencia ao padre na administração dos sacramento, e que agora aparece esparso no Missal, no pontifical e no ritual romanos, estava compreendido no sacramentário e justificava plenamente o título antigo de Liber Sacramentorum que lhe era dado.

Este sistema, por um lado possível em Roma e nas grandes igrejas episcopais, onde um lugar especial era destinado, perto do presbyterium, aos livros litúrgicos, a fim de que estivessem à mão, apresentava, entretanto, graves dificuldades nas paróquias rurais e nas igrejas onde, por falta de clero ou recursos, a liturgia estacional romana tinha sido reduzida à sua expressão mais simples.

Imaginemo-nos um pobre padre de vila, idoso, assistido apenas por três ou quatro meninos turbulentos que fazem as partes dos lectores. Este sacerdote, para celebrar a Missa, terá necessidade de uma biblioteca inteira: sacramentário, evangeliário, epistolário, antifonário e responsorial, para não mencionar o trabalho de procurar aqui e ali, nos livros, as coletas, as perícopes escriturísticas, os cantos apropriados, as diferentes partes, em suma, de sua função. O mais simples teria sido juntar todas essas coleções, transcrevendo, diariamente, a Missa correspondente às diversas festas do ano. Tal é a origem do Missale plenarium da época carolíngia; plenarium, porque, diferentemente dos antigos sacramentários, continha inteira a liturgia eucarística, sem que houvesse necessidade de outro livro.

Se comparamos agora o Missal atual, depois da reforma do Concílio de Trento, com o Missal medieval e com o sacramentário gregoriano, a diferença não nos parece substancial. O nosso é mais rico e mais variado no que se refere ao ciclo hagiográfico; mas as missas estacionais dos Domingos, do Advento, da Quaresma, das festas e santos compreendidos no sacramentário de São Gregório, salvo pequeno número de diferenças, são quase as mesmas. Pode-se dizer, em suma, que nosso livro eucarístico (tendo em conta o desenvolvimento ocorrido no decurso dos séculos) é substancialmente o mesmo que aquele do qual se serviam os grandes doutores da Igreja na Idade Média, e que levavam no título o nome de Gregório Magno.

Dissemos que é substancialmente o mesmo, mas aqui não nos referimos a uma identidade absoluta. Há, com efeito, mudanças e acréscimos, e havia ainda mais antes da reforma do Concílio de Trento; mas, felizmente, os rígidos princípios nos quais se inspiraram os papas da segunda metade do século XVI desembaraçaram o Missal Romano de muitas adições, tropos, seqüências, coletas e Missas da Baixa Idade Média que desfiguravam a harmonia das linhas do grandioso monumento litúrgico erigido pelos pontífices do século IV ao século VII. Suprimiram-se as Missas dos auxiliatorum, as Missas para os julgamentos de Deus, o uso de celebrar, nos Domingos do ano, a Missa de Trinitate no lugar daquela marcada pelo Missal, as festas dos loucos, dos asnos e outras bobagens que haviam sido introduzidas no lugar santo.

Algumas coisas boas teriam, talvez, podido ser reinstituídas, mas não foram, certamente, por causa da insuficiência de material científico à disposição dos liturgistas do século XVI. Assim, entre as lacunas do Missal atual, é de se deplorar a supressão das diferentes praefationes, de que eram muito ricos os sacramentários leonino e gregoriano, de modo que cada festa do ano, cada Domingo um pouco mais importante tinha a sua própria. A Idade Média, por economia de papel e de tempo, desfez-se com facilidade excessiva de toda a bagagem romana, conservando apenas umas poucas praefationes especiais, para a Quaresma, Páscoa, Pentescostes etc. Para o restante foi considerado suficiente o praefatio communis, aquele se ainda hoje se recita cotidianamente. Será permitido esperar que, numa futura revisão do Missal, a Autoridade suprema honre uma tão bela e importante parte do venerável depósito litúrgico de Leão, de Gelásio e de Gregório Magno? É verdade que a tradição romana primitiva se mostrou contrária à admissão, em seu próprio Canon Missae, de todas aquelas partes móveis e variáveis que ficaram tão bem no gênio dos galicanos, mas é certo que a tradição das praefationes próprias remonta, em Roma, ao tempo de Leão I, pelo menos.
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