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quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Formação histórica do rito romano e "reforma da reforma"


Os ritos litúrgicos refletem a mentalidade própria da cultura onde se desenvolveram. Assim, é natural que os ritos das Igrejas Orientais demonstrem mais expressividade poética e caracteres explicitamente místicos. Seu esplendor pode soar exagerado a olhos ocidentais, mas, no fundo, não o é: apenas deriva do natural temperamento e estado anímico dos orientais. Seu ethos é mais místico, mais esplendoroso, mais simbólico, mais exuberante.

Ao contrário, a cultura ocidental, baseada, claro, nos valores gregos, mas temperados pelo aspecto quase taciturno dos romanos, é marcadamente simples. O espírito romano, latino, é sóbrio por excelência. Para os orientais, seríamos “frios”, assim como eles, para nós, soariam “exagerados” em sua pompa. São apenas os modos como os ritos se desenvolvem e tal é uma bênção para todos, uma prova da catolicidade da Igreja, cuja única doutrina se expressa, em mentalidades culturais distintas, por sinais igualmente distintos. A Igreja, desde cedo, chamou esse rico mosaico de “unidade na diversidade”.

O rito romano, então, por ter nascido da cultura do Ocidente, mescla ideal entre Roma, os celtas e os germanos, herdou a idiossincrasia própria desses povos, em um amálgama muito bem feito. A Civilização Ocidental e o rito romano possuem, pois, os mesmos princípios, pois são, um e outro, manifestações da mesma alma cultural.

Como o espírito romano (a que se somaram os celtas originários e os invasores germanos), assim é o rito que em Roma se desenvolveu e mais tarde ganhou a Europa. Aliás, o rito avançou pela Europa na mesma medida em que a cultura romana também o fez.

Daí que os princípios que regem o rito romano, o modo como celebramos a liturgia, seja muito adequado à civilização à qual pertencemos, à cultura em que estamos inseridos. As características dessa cultura ocidental é que informam o rito romano: praticidade, nobre simplicidade, sabedoria na solenização gradual das cerimônias, detalhamento legislativo (já que Roma é a pátria do Direito tal como o conhecemos).

O rito romano, então, é muito prático. Tudo nele tem uma função clara, não há aspectos etéreos como os ritos orientais, pois à alma ocidental não agrada riqueza de simbolismos profundamente escondidos (belos em si mesmos, mas que falam a outra cultura, não à nossa). A casula de corte romano, por exemplo, surgiu do encurtamento da gótica, para que o sacerdote pudesse incensar o altar com maior mobilidade (assim como o costume do acólito ou do diácono erguer levemente a barra da casula gótica para a mesma finalidade). O próprio incensamento é muito prático, com regras precisas e claras. A Comunhão dada, ordinariamente, em uma só espécie também deriva desse espírito de praticidade do rito romano.

Outro princípio do rito, e talvez sua mais acentuada característica, é o da nobre simplicidade. É por ele que temos na liturgia a elegância sem afetação, o esplendor do culto temperado pela discrição. A nobre simplicidade, que poderia ser entendida como austeridade, garante um cerimonial digno, distinto, com aspecto sacro, sem perder um certo e sadio pragmatismo da cultura romana. O rito romano é sóbrio, é grave. E essa sobriedade, essa gravidade, se vê nos próprios gestos: o sinal-da-cruz é feito de modo muito reverente, mas também simples e natural; a maneira de carregar a cruz processional, embora altaneira e, de certa forma, licitamente orgulhosa, é calma, sem pressa; os ministros no altar ocupam lugares previamente determinados sem precipitação, sem multiplicação de atos desnecessários, sem ênfases demasiadas. Há um comedimento nas cerimônias. Tudo é moderado, casto, continente, austero.

É bem romano, também, o modo de rezar, com as mãos unidas, uma à outra e, detalhe de beleza resultante da elegância simples do rito, sobrepor o polegar direito ao esquerdo. As genuflexões são, por sua vez, igualmente características do rito romano, uma vez que esse era o costume do tempo do Império ao saudar César e os superiores militares e civis de Roma. No Oriente, as genuflexões são desconhecidas, pois ela é tipicamente ocidental e, como tal, penetrou, por informação de nossa cultura, em nossa liturgia.

Tais características próprias do rito romano em nada desmerecem a natureza das celebrações nos outros ritos orientais e ocidentais. Cada um reflete a marca da sua própria cultura.

Aliás, mesmo as sub-culturas ocidentais, todas derivadas, pela expansão européia, da mesma matriz céltico-romana, porém misturadas com o elemento autóctone das Américas, da Oceania e de certos lugares da Ásia e da África, podem ter suas características respeitadas inclusive na liturgia. É o que se chama inculturação. Entretanto, tal processo não deve ser feito de modo a obscurecer a unidade substancial do rito romano. A inculturação não pode ser pretexto para modificar arbitrariamente cerimônias e ações rituais, ou para a criação ilícita de novos ritos. Além disso, qualquer alteração no rito romano para atender a desejos de inculturação, deve obedecer a um processo harmônico, natural, e ser aprovado pelo Sumo Pontífice, como foi o caso do uso zairense (na região do Congo) e do uso anglicano (para ex-membros da Comunhão Anglicana convertidos ao catolicismo), ambos formas distintas do único rito romano.

Um dos princípios da reforma de Paulo VI foi justamente tornar o rito romano mais romano ainda. Diziam alguns que o rito romano tal qual codificado por São Pio V continha muitos elementos gálicos (de origem oriental), e isso precisava ser extirpado. Assim, para eles, o rito romano moderno é mais fiel ao rito romano puro, e o rito romano tradicional é um misto de rito romano com usos gálicos.

Discordo. Com o Mons. Klaus Gamber e D. Alcuin Reid, OSB, penso que o rito romano tradicional, ao incorporar os elementos gálicos, não perdeu sua característica de sobriedade. Claro, ganhou mais colorido, mais esplendor, mas a nobre simplicidade não foi perdida. É preciso que os princípios não sejam tão absolutos a ponto de impedir o sadio desenvolvimento do rito. Claro que a incorporação dos elementos gálicos tirou a pureza do rito romano e ele não permaneceu tão austero, tão simples. Ainda assim, foi um processo natural. A meu ver, desprezar esse desenvolvimento e pretender uma simples volta à pureza primitiva é cair no erro do arqueologismo (ou antiquarianismo).

Isso não é uma crítica à reforma nem à autoridade de Paulo VI, tampouco ao rito moderno, mas uma discordância lícita e pontual ao modo como certos aspectos da reforma foram postos em ação.

Reconheço que o rito romano moderno, advindo da reforma, é mais fiel ao rito romano primitivo, puro, antes da incorporação dos elementos gálicos. Aliás, o rito romano moderno também vai beber no rito dominicano, que conservava a pureza original do rito romano. De qualquer modo, os novos elementos não tiraram do rito a sua característica.

Certas coisas na reforma foram excelentes: removeram a duplicação dos textos (na Missa cantada, por exemplo, o padre lia em voz submissa o que estava sendo cantado pelo coro e os fiéis; hoje, ele canta junto), a sobreposição de coletas foi extinta (permanecendo, opcionalmente, apenas no Ofício Divino), a gradação das festas foi simplificada.

O rito romano desenvolveu-se, basicamente, a partir da liturgia celebrada pelo Papa em Roma. Suas características de Missa solene pontifical logo foram adaptadas a todas as celebrações na urbe e, gradualmente, passaram à toda a zona de influência do Império.

Essa liturgia papal era, notadamente, a Missa descrita por Santo Hipólito, no século III, acrescentada de caracteres mais solenes, como o amplo uso do incenso, o canto durante todas as funções, os ministros auxiliares. O esquema da Missa já em Santo Hipólito é basicamente o mesmo que viria a alastrar-se pelo período medieval.

Com São Vítor I, Papa contemporâneo de Hipólito, a liturgia passou a ser celebrada em latim, ainda que certos resquícios de grego continuassem (perdurando até hoje, como, por exemplo, o Kyrie e, nas Missas papais, o Evangelho cantado).

Aos poucos, alguns elementos existentes na liturgia descrita por Santo Hipólito foram caindo em desuso, como as preces dos fiéis na chamada Oração Universal e a Procissão do Ofertório. O beijo da paz foi deslocado para depois do Cânon, e o número de leituras bíblicas reduzido. Nesse tempo, também, um calendário litúrgico foi sendo uniformizado, com lições para cada dia, e mesmo textos específicos para os Próprios (Coleta, Secreta e Pós-comunhão, além do Prefácio e das Antífonas) que variavam conforme a época ou a festa. O Cânon Romano começou a fixar-se também por esse período que vai do terceiro ao quinto séculos.

Começaram, desde cedo, a aparecer coleções do que viria mais tarde a ser chamado Próprio da Missa, as partes variáveis. Assim, temos os sacramentários de São Leão Magno e de São Gelásio I, importantes documentos medievais. Outros livros esparsos foram, aos poucos, se disseminando, contendo ora o Ordinário da Missa, ora figuras específicas da liturgia pontifícia, notadamente a celebrada na manhã do Domingo de Páscoa na Basílica de Santa Maria Maior.

Enfim, os decretos de São Gregório Magno estabeleceram um Ordinário para a Missa no rito romano, confirmando as modificações operadas na liturgia após a descrição de Santo Hipólito. Com a reforma gregoriana, as orações variáveis foram reduzidas a três em cada Missa, e o Cânon Romano ganhou sua redação fundamental definitiva.

Basicamente, a Missa celebrada pelo Papa era o modelo para as demais celebrações tanto em Roma, quanto no restante da Itália e mesmo, mediante os missionários que partiam como enviados do Sumo Pontífice, em outras regiões da Europa. Mesmo assim, permaneciam variações locais desse rito romano puro.

Ainda na Idade Média, os sacramentários e a reforma gregoriana começaram a se difundir pela Gália e pela Inglaterra, quer pela autoridade e prestígio da Igreja Romana, quer pela ausência de grandes sés primaciais que pudessem estabelecer uniformidades litúrgicas rituais, exceto Roma. Enfim, a cultura romana era a base da Europa, de modo que a aceitação do rito que a representava foi um processo bastante coerente e natural. Certo é que aquelas regiões tinham já seus ritos próprios, amoldados à mentalidade céltica, com seus mistérios e, diríamos até, extravagâncias (parecido seu ethos com o dos orientais bizantinos, com um amor muito característico à linguagem simbólica e à suntuosidade). Entretanto, eles passaram a absorver, alguns mais, outros menos, os elementos do incipiente rito romano. Outras utilizavam já o rito romano, mas em suas variações locais.

Esses ritos galicanos e ingleses passaram a conviver, lado a lado, com o rito romano puro e este, por sua vez, foi influenciado pelos primeiros. Assim, não só certos elementos romanos foram emprestados aos ritos galicanos, como elementos da esplendorosa liturgia original da Gália foram incorporados ao rito romano: o ritual da Semana Santa (especialmente a dramaticidade do Ofício de Trevas), a imposição das cinzas, as longas procissões antes da Missa em determinadas festas, a bênção dos ramos no Domingo da Paixão, o uso mais abundante de velas e tochas com acólitos específicos para portá-las, a incensação de pessoas e não só de objetos etc. Isso em nada prejudicou a nobre simplicidade do rito romano, mas o fez ganhar um colorido mais simbólico, mais suntuoso, até mesmo porque o povo ocidental não era apenas originário da antiga Roma, porém conservava também o elemento celta, mais afeito às maravilhas religiosas e pompas litúrgicas. O esplendor e a exuberância dos elementos orientais que se incorporaram ao rito romano mediante as liturgias galicanas foram perfeitamente amoldados à mente ocidental.

Essa situação perdurou até que Carlos Magno, Imperador do Ocidente e Rei dos Francos, determinou que a Gália, e, posteriormente, todos os seus domínios, seguissem exclusivamente o rito romano. A liturgia imposta por Carlos Magno foi aquela que constava do Sacramentarium Adrianum, compilação do Papa Adriano I, dos sacramentários Leonino, Gelasiano e outros.

Caía, assim, o rito galicano, mas alguns dos seus elementos, como visto, perduraram, pois o próprio rito romano já os tinha incorporados, bem como Alcuíno, monge inglês que auxiliou o Imperador no estabelecimento do rito romano, introduziu, no Adrianum os elementos locais do Sacramentário Gelasiano em uso nas Gálias. Certo é que dizer que, a partir desses anos, teríamos não um Ordinário romano, mas franco-romano, ou gálico-romano. E esse rito franco-romano é que se desenvolveria como a liturgia própria do Ocidente: mais nobre, mais simbólico do que o rito romano puro, original, todavia, sem perder sua simplicidade. Os monarcas que sucederam Carlos Magno consolidaram essa unidade litúrgica, e o rito romano seguiu incorporando novos dados.

Desse modo, a Missa que antes começava com o Intróito e a Saudação, agora passava a ter as Orações ao Pé do Altar, durante as quais se recitava o Confiteor. Eram preces privadas previstas para o sacerdote e os acólitos e, aos poucos, foram de tal sorte incorporadas no Ordinário que passaram a ser litúrgicas. A homilia passou a ser opcional, mesmo nos Domingos e festas. Enfim, a Missa passou a ser, comumente, rezada ao invés de cantada, deixando-se essa última opção para algumas mais importantes nas igrejas paroquiais e catedrais. Com o tempo, outrossim, o Ofertório perdeu a sua procissão.

Para a popularização do rito romano nos vários países, não nos esqueçamos da contribuição dos franciscanos, que levaram o Missal por todas as regiões do Ocidente por onde pregavam.

Pretendia-se com essa maior unidade litúrgica impedir que as heresias, sobretudo as de corte protestante, se alastrassem pelos missais locais. Muitos missais igualmente romanos estavam em vigor nas diferentes Dioceses do Ocidente, e as variações poderiam facilitar com que certas expressões heréticas pudessem ser incorporadas em livros litúrgicos usados naqueles locais que contassem com Bispos favoráveis aos erros de então. Para prevenir esse dano à fé católica, e também defender o rito, ameaçado de nova fragmentação, São Pio V ordenou que todas as Dioceses latinas utilizassem o Missal Romano tal qual ele reformara e codificara. Em suma, tratava-se do rito que nos veio de São Gregório Magno, acrescido dos elementos galicanos incorporados na época de Carlos Magno. Apenas os missais dos ritos e usos que tivessem mais de duzentos anos seriam permitidos junto da nova codificação pontifícia.

É por isso que sobreviveram, ao lado do rito romano, o mozárabe, o bracarense, o lionês e o ambrosiano, além das variações do rito romano adotadas por algumas Ordens religiosas, como os carmelitas, os dominicanos e os cartuxos.

Certas regiões da Inglaterra, pela falta de efetiva comunicação e pelo continuar da revolta do rei Henrique VIII, mantiveram os ritos celtas e o uso de Sarum, os quais formaram a base da futura liturgia da Comunhão Anglicana proposta por Thomas Cranmer no Livro de Oração Comum – Book of Common Prayer. O uso de Sarum também era usado pelos católicos no período entre o cisma anglicano, em 1530, e a publicação do Missal tridentino, em 1570. Na restauração católica da rainha Maria, mesmo após 1570, o Missal de Sarum continuou a ser utilizado pela dificuldade em se conseguir exemplares dos livros litúrgicos do rito romano seguido no Continente.

O que percebo é que, realmente, a reforma de Paulo VI fez o rito ficar mais simples, e mais fiel à sua primitiva forma, configurando, desse modo, o Missal e os demais livros litúrgicos ao princípio que informa a liturgia romana: a nobre simplicidade.

Todavia, não se pode afirmar isso como se o rito tradicional, tal como codificado em Trento e em uso, ordinariamente, até 1970 (hoje, forma extraordinária), tivesse perdido a simplicidade, ou desobedecido ao princípio informador. Com efeito, o rito moderno é mais simples, torna mais claro o princípio da cultura romana, todavia, o rito tradicional, em que pese o acréscimo de cerimônias mais rebuscadas, estranhas, até, ao ethos romano primitivo, não perdeu a sua simplicidade. O rito romano moderno é mais simples, mas o tradicional, menos simples, ainda é, entretanto, (perdoem-me a repetição) "suficientemente simples".

Ademais, temos que entender que a cultura européia não era apenas a romana clássica, simples por natureza, mas uma amálgama de elementos célticos e bárbaros, cuja alma religiosa estava muito mais próxima dos orientais do que da România. Desse modo, a incorporação de elementos mais "esplendorosos", que sacrificaram certa simplicidade mais pura do rito primitivo, foi um processo natural, resultante também da incorporação, pelos romanos, das demais culturas européias que formaram a Cristandade.

O rito romano primitivo falava aos romanos. O rito romano tradicional, com os elementos gálicos, falava ao europeu (mistura de romano com celta e germânico). Portanto, falava a nós, que descendemos dessa cultura amalgamada e harmoniosamente composta.

Se o rito romano moderno pretende ser uma simples cópia do rito romano primitivo, em nome da pureza original, ele acaba falando só para os romanos imperiais, que não existem mais. Nós não somos romanos puros, mas romanos, celtas e germânicos. Portanto, o rito tradicional nos fala mais, digamos assim.

A nobre simplicidade mais pura não tem sentido para a nossa alma amalgamada. Essa nobre simplicidade precisa ser temperada com elementos mais "majestosos", como também a nossa austeridade romana é temperada pelas culturas célticas e barbáricas.

É por isso que se fala em uma "reforma da reforma" que mantenha a intenção do rito romano moderno (com suas excelentes simplificações em certos elementos acidentais: gradação mais simples das festas, rubricas cerimoniais menos rebuscadas, rito menos fechado, diminuição de oitavas, extinção, na Missa, da sobreposição de coletas; e também com seu resgate de elementos medievais que se perderam na composição dos Próprios gálico-romanos, como alguns Prefácios, algumas coletas presentes nos sacramentários Leonino, Gregoriano e Gelasiano, que não constavam da codificação de São Pio V), mas traga de volta, por outro lado, elementos "menos simples" (mas conforme o ethos não puramente romano de nossa cultura) que se foram incorporando, por influência gálica, de modo natural e orgânico, no rito: orações ao pé do altar, ofertório com ar mais sacrifical.

Aliás, se for para manter a simplicidade do rito romano primitivo, por que usar outras Orações Eucarísticas, além do Cânon Romano, que era o original? Não condeno as demais Orações Eucarísticas, e defendo que sua promulgação não só é lícita (pois foram dadas pelo Papa) como conveniente (dado que são belíssimas e, sobretudo a II, nos vem de São Justino e Santo Hipólito, testemunhas do rito romano anterior à própria reforma de São Gregório Magno), mas sua junção no novo Missal de Paulo VI desmente a própria "volta à pureza".

Bem, é com base nesse pensamento e nos princípios do rito romano que se pode pensar em uma eventual "reforma da reforma", que mantivesse o que de bom a reforma de Paulo VI fez (em nome da simplicidade: extinção da duplicação de ritos na Missa cantada, simplificação da gradação das festas, simplificação das regras para a Missa rezada de modo que possa ter trechos cantados, extinção da sobreposição de coletas, rubricas mais abertas, uso do incenso mais livre inclusive na Missa simples, diminuição do número de vigílias e oitavas, simplificação da Liturgia das Horas, extinção de certas cerimônias - beijo nos objetos quando o sacerdote os entrega ao acólito, por exemplo; em nome da antiguidade: procissão do ofertório, saudação da paz, preces dos fiéis; em nome da adaptação aos tempos atuais: lecionário dominical trienal e ferial bienal), mas resgatasse aquilo que, embora não tão simples (o que, num primeiro momento, se poderia opor como não sendo próprio do rito romano, mas que já vimos não ser verdade), foi amalgamado a ele de modo natural (orações ao pé do altar, ofertório mais sacrifical) e constava do rito até a reforma de Paulo VI, mas que infelizmente se perdeu. Além, é claro, de outras regras como a obrigatoriedade da celebração versus Deum e um uso mais generoso do latim e do canto gregoriano.

Não se trata de criar um terceiro rito, mas de incorporar, naturalmente, elementos do rito antigo ao rito moderno, e isso de modo a que, com o tempo, ambas as formas do rito romano não se distingam tanto externamente, ao menos não para um leigo "não iniciado".

A Missa é realidade, mas a realidade não é perceptível porque é invisível. Não se vê a graça. Além do mais, o sacrifício é o mesmo que o da Cruz, mas oferecido de modo distinto: incruento. E porque é incruento, precisa de um "meio" para que se torne visível.

Daí o símbolo. A Missa é cheia de símbolos, sim.

E não estamos falando dos símbolos em si mesmos. Esse tema é inegável.

A diferença entre o rito romano e os ritos orientais está em que estes são mais ricos na sua simbologia, justamente porque a nossa cultura ocidental é mais simples, sem deixar a nobreza.

Na reforma de Paulo VI, buscou-se resgatar certa simplicidade perdida pelo acúmulo de determinadas rubricas que não representavam a autenticidade do ato (por exemplo, os sacerdotes oficiando como diáconos e vestindo paramentos diaconais; a anomalia de o celebrante recitar do altar os textos que o coro canto, ao mesmo tempo em que este, nas Missas cantadas; o Ite Missa est ANTES da Bênção etc). Esse um ponto positivo da reforma (ao lado do resgate de certos elementos primitivos, como a procissão do ofertório, as preces, a permissão para uso do incenso em todas as Missas, a concelebração, o RICA, a homilia como parte da Missa, a prevalência do Temporal sobre o Santoral, Próprios e Prefácios medievais pré-tridentinos etc; e ao lado de rubricas que facilitassem uma maior participação dos fiéis, maior pastoralidade e mesmo um saudável e contínuo desenvolvimento orgânico a partir do rito anterior).

Mas não esqueçamos que, para alcançar esses pontos positivos, algumas coisas foram, equivocadamente, julgadas "excedentes" ou "atentatórias à pureza do rito romano primitivo" (o que significa ignorar o desenvolvimento orgânico do rito, que incorporou os elementos célticos de modo natural; i.e., um certo arqueologismo), e assim se perderam: as orações ao pé do altar, o ofertório tradicional, o último Evangelho, o Ofício de Trevas tradicional, o uso do pluvial no Asperges (e não da casula, como é hoje), o "Dies Irae" como seqüência da Missa pelos mortos.

Além do mais, certos elementos que sempre foram do rito romano, mesmo desse que os reformadores chamam "puro" ou "primitivo", em contraposição ao codificado por São Pio V, se perderam com a reforma também: a abjuração na recepção de convertidos, o manípulo, a data fixa para as Têmporas e para as Rogações, a obrigatoriedade do preto como cor de defuntos, a forma tradicional da Crisma, a obrigatoridade do versus Deum, a exclusividade do Cânon Romano.

ealmente, a forma do rito romano codificado por São Pio V ficou como que praticamente congelada.

Todavia, já desconfiava que não era bem assim a história, e que reformas ocorreram de modo vigoroso entre Trento e Paulo VI. Lendo "The organic development of the liturgy", de D. Alcuin Reid, edição de 2005, da Ignatius Press (prefaciado e elogiadíssimo pelo Cardeal Ratzinger), confirmei essa minha desconfiança.

A reforma de São Pio X (sim, o "X", não o "V") no breviário foi bem radical. E a reforma de Pio XII na Semana Santa igualmente. A Semana Santa, antes de 1951, era muito diferente, e acumulava uma série de anomalias e inconveniências (a duplicação das leituras - leitor ou coro no ambão em voz alta, e sacerdote, no altar, em voz submissa -, uma vigília noturna antes do Domingo celebrada no sábado pela manhã, ausência de intervalos silenciosos entre o "flectamus genua" e o "levate", Missa da Ceia do Senhor celebrada na manhã de Quinta-feira Santa - o que impedia, na prática, a concelebração na Missa Crismal, e era totalmente desconexa com o símbolo da Ceia derradeira, à noite -, celebração de Sexta-feira Santa pela manhã, referência ao Sacro Imperador Romano-Germânico no "Exultet" - sendo que o Império havia caído há mais de cem anos etc). A nova Semana Santa, de 1951, além de corrigir essas anomalias, resgatou, com muita propriedade, certos elementos do rito primitivo (a incisão do alfa e do ômega no Círio Pascal, por exemplo), além de simplificar algumas cerimônias (diminuição de três para uma prece no Fogo Novo, e extinção dos candelabros auxiliares do Círio etc), e de, e é aí que quero chegar, permitir um desenvolvimento orgânico do rito (introdução da renovação das promessas do Batismo, para que os demais crentes se unissem ao Mistério Pascal celebrado no Batismo dos catecúmenos, bênção da água versus populum para que o povo visse a cerimônia, as velas dos fiéis acesas no Círio).

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