Reflexões sobre a celebração pública da Missa de acordo com o usus antiquior
Por Pe. Dominic Holtz, O.P.
Tradução: Fabiano Rollim
Original em inglês disponível em: http://speciouspedestrian.blogspot.com/2010/05/reflections-on-public-celebration.html
Um leitor perguntou se eu poderia fazer uma reflexão sobre minha primeira celebração pública da Missa de acordo com o Missal Romano de 1962, fato ocorrido recentemente, em 29 de abril. Com as impressões ainda frescas em minha mente, considerei válido, primeiramente para mim, atender à solicitação, mesmo que não fosse para meus outros leitores.
Devo chamar a atenção para algumas coisas. Em primeiro lugar, já celebrei algumas vezes, de maneira privada, a Missa na forma extraordinária. Também já celebrei a Missa na forma ordinária publicamente em latim (a primeira vez, duas semanas após minha ordenação), ad orientem, com canto gregoriano, polifonia, etc. Procuro manter-me fiel ao texto do Missal, esforço-me para que meus gestos e posturas se conformem às formas clássicas, aproveito bastante as oportunidades de oração silenciosa (especialmente no Ofertório), e por aí vai. Com isto quero dizer: as impressões registradas aqui são baseadas realmente na celebração pública da forma clássica da Missa, e não resultam de outros fatores.
Ainda a título de prefácio, reconheço que tive o maravilhoso e raro privilégio de contar com um coral (acompanhado de instrumentos clássicos) que cantou o Ordinário e o Próprio da Missa, com motetos[1], talvez antes só ouvidos, se tanto, em cortes reais da Bavária e da Áustria no século XVI. A música foi simplesmente sublime e admito que minha experiência maravilhosamente positiva e edificante foi devida, ao menos em parte, à gloriosa música oferecida por estudantes e docentes da Jacob School of Music da Universidade de Indiana. Mesmo assim, pretendo falar mais diretamente de minha própria experiência da celebração da Missa qua celebrante, isto é, como sacerdote.
De início, assim que o frio no estômago cessou, fiquei impressionado existencialmente com aquilo que já sabia conceitualmente, a saber, o fato de toda a “ante-Missa” ser tão útil espiritualmente e, mais especificamente, as orações no limiar do altar. Uma vez que as orações tiveram início, houve uma verdadeira calma espiritual acompanhada de um senso claro a respeito da seriedade daquilo que eu estava para fazer, até que chegasse o momento de me aproximar do altar. Certamente as orações durante a vestição e minhas próprias orações antes da Missa, que eu faria de qualquer maneira, foram importantes. Todavia, a esplêndida alternância de orações entre eu e os acólitos, a mútua (não meramente conjunta) confissão dos pecados, as palavras sóbrias e ainda assim esperançosas do Aufer a nobis e Oramus te e, durante todo esse tempo, o não precisar me preocupar em “sustentar” a celebração da Missa, desde o início deram-me um senso de propósito e intenção diferente do que eu geralmente já havia experimentado em uma Missa.
Ao mesmo tempo (foi uma Missa cantata) encontrei verdadeira consolação na recitação silenciosa enquanto aguardava o coral terminar o Kyrie e o Glória. Foi um tipo de espera que ao mesmo tempo permitiu-me um espaço de recolhimento em oração particular e manteve-me atento ao meu papel como um servidor do rito. Por mais crucial que fosse o meu papel, não era “minha” hora de dirigir a ação, mas minha hora de esperar.
Devo mencionar aqui que a distinção de toda a Missa dos Catecúmenos como sendo mais vocal, mais coral, mais audível, também se tornou aparente de maneira experiencial, embora eu já soubesse disso conceitualmente. O que eu e toda a assembléia experimentamos desde o começo do Intróito até a conclusão do Evangelho foi um extenso e contínuo ato de louvor e proclamação. Certamente, eu não era ouvido continuamente, mas sempre que alguém não estava cantando ou rezando, outro alguém estava. Destaco isto porque o contraste com a Missa dos Fiéis, notável por seus significativos momentos de silêncio (falo mais sobre isso abaixo), tornou-se cada vez mais claro no decorrer da Missa.
Digno de nota é o sentimento de que a homilia, sem ser algo estranho nem inapropriado, é pelo menos uma cesura, uma Luftpause[2] na celebração. Como qualquer poeta ou músico poderá dizer, estas pausas não são inconsequentes, e realmente “pertencem” ao lugar onde são colocadas. Mesmo assim, trata-se de uma interrupção, uma parada, uma pausa, que se torna claríssima também: ritualmente no gesto de remover o manípulo; topograficamente no meu deslocamento do altar até o ambão; vocalmente na mudança do canto em latim para a fala em inglês; e intencionalmente quando deixo de usar as palavras, movimentos e gestos recebidos da Igreja para usar minhas próprias palavras, recebidas no encontro orante com as Escrituras na preparação da pregação. Pelo menos agora entendo, de uma forma que não tinha entendido antes, o que especialistas em homilética queriam dizer ao se preocuparem com a homilia antiga como não sendo “litúrgica”. Por ora, em relação a ser ou não algo bom, não julgarei. Uma coisa que a homilia realmente me fez ver foi o quão profundamente eu havia entrado no Sancta sanctorum ao rezar o Aufer a nobis, uma vez que me senti realmente transportado de um estado mental e espiritual para outro (considerando que isso envolveu mudar não apenas minha orientação, mas deixar o espaço próprio do altar). Foi diferente do que aconteceu em outros momentos em que me voltei para o povo, como no Orate fratres ou na preparação da Comunhão dos fiéis (o Ecce Agnus Dei e o triplo Domine non sum dignus).
Talvez não seja nem notável nem surpreendente dizer, ainda que seja verdade, que fui profundamente afetado pelo silêncio da celebração do Cânon. Havia uma intensidade, uma presença, uma abundância de conteúdo naquele silêncio, diferente de tudo que eu já havia experimentado antes. Talvez tenha sido devido em parte ao contraste com a música sublime e quase contínua que eu tinha ouvido até o Sanctus. Então, quando o último Hosanna in excelsis chegou ao fim e tudo que podia ser ouvido era o silêncio de minha oração... É uma experiência bem difícil de por em palavras, ainda mais quando tento evocar o que significou dizer as palavras da consagração sem tentar comunicá-las de forma audível e inteligível para uma assembléia heterogênea de fiéis, mas dizendo-as sob o véu do silêncio de forma que elas pudessem ser o que são em simplicidade evidente e profunda... Só posso dizer que foi transformador, ou melhor, espero que venha a sê-lo.
Como disse acima, também fiquei impressionado pelo relativo aumento do silêncio na Missa dos Fiéis, pelas várias, na verdade frequentes, “interrupções” quando nada era ouvido. Mesmo assim, não foram meras pausas, nem simplesmente “conclusões” de orações longas demais para serem cobertas pela música. Foram silêncios significativos, densos, que me dirigiram (e espero que também os fiéis) à Comunhão de um jeito que a forma ordinária não faz. Hesito neste ponto em fazer um julgamento, mas a experiência foi certamente diferente e notável.
Uma confirmação que tive foi esta: é infinitamente mais prático, e ao mesmo tempo mais conforme, que os fiéis (na medida em que forem capazes) recebam a Eucaristia na língua e de joelhos. Notem bem, fico muito feliz que qualquer um dos fiéis, propriamente disposto, se aproxime para receber Nosso Senhor no Sacramento, e preferiria vê-los se aproximando aos pulos do que se afastando com medo. Mesmo assim, de um ponto de vista prático, ter as cabeças de todos mais ou menos no mesmo lugar (com exceção das crianças pequenas e dos homens muito altos), não ter que adivinhar onde ou como cada um vai comungar (mão ou língua, de pé à distância ou bem perto, etc), permitiu-me estar mais a vontade ao dar-lhes a comunhão. Noto isto comparando com os vários anos de experiência ajudando na Catedral Basílica de St. Louis onde, mesmo com sua louvável celebração da Missa, as pessoas que se aproximavam para comungar podiam se apresentar (e realmente se apresentavam) em uma curiosa variedade de formas!
Devo também acrescentar que, a despeito do ritual relativamente longo envolvendo minha própria Comunhão e as abluções, não me senti nem mesmo remotamente pressionado pelo tempo. De novo, o forte senso de estar no Santo dos Santos, e as orações que me assistiam durante o rito, verdadeiramente mantiveram-me focado nas coisas do altar; e isto devido não apenas à orientação (apesar de que, não gostaria que o ótimo fosse inimigo do bom aqui, e endosso completamente o bem que também experimentei na celebração ad orientem da Missa na forma ordinária). Da mesma forma, o Placeat (que rezo ao final da Missa mesmo na forma ordinária, mas geralmente no caminho de volta à sacristia) e o Último Evangelho não me pareceram apêndices, mas formas salutares de me conduzir desde o altar até de volta para o mundo em torno.
Deve ser bem fácil perceber que esta foi uma experiência poderosa e bela para mim. Cada rubrica foi observada perfeitamente? Duvido. Parte da beleza veio da música? Certamente. Parte do poder percebido foi resultado da “novidade”? Talvez. O tempo e a experiência irão dizer. O que posso afirmar com certeza é que agora digo de maneira existencial o que antes teria dito, corretamente, mas de maneira conceitual, a saber, que há benefícios grandiosos e reais que vêm da celebração clássica da Missa do Rito Romano; benefícios que sacerdotes e fiéis em geral fariam bem em encontrar.
[1] N. do T. – Moteto é um gênero musical polifônico surgido no século XII onde, inicialmente, usavam-se textos distintos para cada voz. O apogeu do seu uso deu-se no século XVI.
[2] N. do T. – Luftpause (origem alemã): trata-se de um símbolo utilizado na escrita musical, semelhante a uma vírgula, que instrui o cantor ou instrumentista a fazer uma breve pausa, criando um efeito similar ao de uma vírgula em um discurso; lit. “pausa para respiração”.
quarta-feira, 5 de maio de 2010
Reflexões sobre a celebração pública da Missa de acordo com o usus antiquior
Cardeal Pell será novo prefeito da Congregação para os Bispos!
("A Liturgia não é a respeito de nós, mas de Deus" - tradução livre)
Essas palavras já nos dão uma amostra do pensamento litúrgico do Cardeal George Pell que, segundo nos conta Andrea Tornielli, foi confirmado como próximo prefeito da Congregação para os Bispos, no lugar do Cardeal Giovanni Battista Re. O anúncio oficial será feito semana que vem.
Andrea Tornielli ressalta que o cargo permite o "filtro" das indicações para o episcopado, e afirma que isso influenciará o rosto da Igreja nos próximos 20 anos. Dessa forma, é uma excelente notícia a sua nomeação. Também o articulista ressalta que Sua Eminência é estrangeira e não tem experiência na Cúria, uma novidade.
Cardeal Pell é o chefe do Vox Clara, que conduziu a nova tradução, decorosa, do Missal em inglês. Amigo do "Adoremus" e de vários grupos pela "reforma da reforma" e pela correta celebração da Missa atual, ele é "conservador", tem uma história de diálogo ecumênico com os anglicanos (desejando-lhes a verdadeira conversão), tem um grande apreço pela liturgia e um grande apreço pela forma extraordinária. O Cardeal também é um grande promotor de programas de apologética e conversão de protestantes.
Algumas belíssimas fotos de Sua Excelência a celebrar Vésperas na forma extraordinária e Missa na ordinária podem ser vistas no New Liturgical Movement.
Ordenações na forma extraordinária nos Franciscanos da Imaculada
terça-feira, 4 de maio de 2010
Três "porquês" para entender a Vigília Pascal
Meu primo Mateus tem cinco anos de idade. Ele está passando pela famosa fase dos “porquês”. Por que temos que tomar banho? Por que o seu pai tem que trabalhar? Por que a semana tem sete dias? Por que isso? Por que aquilo?
Essa estratégia dos porquês pode servir muito bem para viver melhor a liturgia nesse tempo tão especial que é a Semana Santa.
Pare de ler esse texto agora mesmo, feche os olhos e tente lembrar-se das três coisas que mais lhe chamaram a atenção na Vigília Pascal do ano passado.
O mais provável é que você se lembrou primeiro que era uma vigília, depois da benção do fogo na frente da igreja antes da missa e então do Círio Pascal. Esses são os detalhes externos que ficam gravados na memória e ajudam a compreender o sentido tão profundo da celebração da Páscoa. Mas quanto conhecemos desses detalhes para realmente aproveitar o que Deus quer nos falar através da liturgia?
Então, para entender a Vigília Pascal melhor podemos seguir o método do Mateus e fazer três perguntas. Por que a Vigília Pascal é uma vigília? Por que fazemos a bênção do fogo? Por que usamos o Círio Pascal?
1º Por que a Vigília Pascal é uma vigília?
Há dois motivos principais para que o tempo próprio para a celebração da Vigília Pascal seja depois do pôr-do-sol do Sábado Santo. Primeiramente, o sentido espiritual dado pelos judeus à celebração da Páscoa que também acontecia à noite. Deus mesmo fez uma vigília durante a noite do Êxodo para proteger o seu povo. Os judeus comemoravam a libertação da escravidão fazendo memória à vigília que Deus fez por eles.
O segundo motivo é que nós guardamos o sábado como um dia de luto, em continuação à sexta-feira santa. Na minha casa, por exemplo, minha mãe nos ensinou que desde a celebração da Ceia do Senhor na quinta-feira santa não assistíamos televisão, não jogávamos vídeo-game nem falávamos em alta voz até a Vigília Pascal.
A Ressurreição de Cristo ocorreu de noite e esperamos o dia inteiro de sábado para celebrá-la. Portanto o sábado é o dia de espera da vinda do Senhor, pois o noivo foi tirado da noiva e colocado numa tumba. Essa atitude de espera deve marcar toda a nossa vida.
2º Por que fazemos a bênção do fogo?
A celebração da Vigília começa fora da igreja com a benção do fogo. Essa tradição teve início no século IV. Havia na Europa, especialmente nos mosteiros, um antigo costume de rezar algumas orações especiais ao acender as velas que eram usadas durante a noite.
A oração que é feita durante a benção diz que a verdadeira festa pascal é a eterna festa de luz nos Céus. Esse é o símbolo de Cristo e sua vitória sobre a morte e o pecado, a vitória da luz sobre a escuridão.
3º Por que usamos o Círio Pascal?
A procissão com o Círio acendido para dentro da igreja escura é a dramatização da Ressurreição de Jesus que traz luz e vida ao mundo. Todos os presentes recebem luz do Círio Pascal para acender suas próprias velas, porque todos os cristãos participam da glória da Ressurreição como filhos da luz. Além disso, o Círio Pascal que usamos possui o sinal da cruz, as iniciais do nome de Cristo, os números representando o corrente ano e cinco grãos de incenso que lembram as cinco chagas de Cristo, os troféus do Rei vitorioso.
O mais importante é que esses três detalhes que fazem a Vigília Pascal tão especial estão direcionados à comemoração de uma preciosa verdade de nossa fé: Jesus é a luz do mundo, Ele ressuscitou e nos deu a vida eterna.
O diácono grego na Missa papal
Excelente o texto do Pe. Athanasius D. McVay, traduzido e comentado pelo Thiago de Moraes, em seu Apologética Católica. Clica no link para ler.
Liturgia de dedicação de uma Igreja
A riqueza simbólica da liturgia de dedicação de uma igreja constitui uma verdadeira catequese que exige ser aprofundada e degustada. Oferecemos ao leitor algumas considerações sobre o significado desse belo cerimonial litúrgico.
Por José Antonio Dominguez
http://www.arautos.org/view/show/395-liturgia-de-dedicacao-de-uma-igreja
Desde os primórdios do Cristianismo, os fiéis se reuniam em assembléia (ecclesiæ)para celebrar a Eucaristia, ministrar os sacramentos e ouvir a pregação da Palavra de Deus. Os lugares de reunião eram habitualmente suas próprias casas, onde utilizavam a sala mais espaçosa para esse fim. Alguns desses locais de culto são mencionados no Novo Testamento.
Também é tradição certa que o Príncipe dos Apóstolos, São Pedro, se hospedava em Roma em casa do senador Pudente. Ali se congregavam os cristãos para ouvir suas instruções, assistir aos santos Mistérios e receber a Sagrada Eucaristia. Pode-se ainda ver esse venerando recinto na igreja de Santa Pudenciana, filha do fervoroso e santo senador 1.
Com o tempo, as casas nas quais se reunia a assembléia passaram a ter cômodos específicos reservados para o culto divino. E, a partir do fim do século II, esses prédios começam a ser chamados de Domus Ecclesiæ.
Ao longo do século III, esses aposentos foram crescendo em importância e as outras partes do edifício, destinadas a finalidades profanas, vão sendo separadas dele. A Domus Ecclesiæ se transforma em Domus Dei.
Consagração ao culto
Já a partir do século IV, a dedicação da Domus Dei era considerada uma das festas mais solenes da Liturgia, a fim de ressaltar o caráter sagrado do edifício, que não poderia mais ser usado para fins profanos. Comenta, a este respeito, Dom Guéranger: Nossas igrejas são santas por sua pertencença a Deus, pela celebração do Sacrifício, pelas preces e louvores nelas oferecidos ao Hóspede divino. A um título melhor do que o tabernáculo simbólico ou o templo antigo, sua dedicação as separou para sempre de qualquer morada de homens e as elevou acima de qualquer palácio da Terra.
Contudo, não obstante os ritos cuja magnificência enche seu recinto no dia de sua consagração a Deus, sob o óleo santo do qual suas paredes permanecem para sempre impregnadas, elas não ficam menos desprovidas de sentimento e de vida.
O que dizer, pois, senão que essa sublime cerimônia de dedicação das igrejas, como também a festa destinada a perpetuar sua memória, não se detêm no santuário construído por nossas mãos, mas elevam-se a realidades mais augustas e vivas? A principal glória do nobre edifício será de simbolizar a grandeza. Sob a sombra de seus arcos a humanidade se iniciará em inefáveis segredos cujo mistério se consumará para além mundo, no pleno dia do Céu 2.
A igreja e a Jerusalém Celeste
No ritual litúrgico da dedicação de uma igreja destacam-se quatro elementos essenciais: a aspersão com a água benta, a deposição das relíquias dos santos, a unção sagrada do altar e da igreja, a incensação, a iluminação e, por fim, o principal, a Celebração Eucarística.
Em virtude da unção, o altar se torna símbolo |
de Cristo, o "Ungido" por excelência, pois o |
Pai o ungiu com o Espírito Santo e o consti - |
tuiu Sumo Sacerdote, para oferecer no altar o |
Sacrifício pela salvação de todos |
As inspiradas palavras de Santo Agostinho nos explicam com sublime genialidade a relação entre ambasas realidades: Esta é, de fato, a casa das nossas orações; mas nós próprios somos casa de Deus. Somos construídos como casa de Deus neste mundo e seremos dedicados solenemente no fim dos tempos. O edifício, ou melhor, a construção, faz-se com trabalho; a dedicação realiza-se com alegria. O que acontecia aqui quando esses materiais se erguiam, isso acontece agora quando se reúnem os que acreditam em Cristo. Com efeito, ao aceitarmos a Fé, é como se fossem cortadas as madeiras e as pedras nas florestas e nos montes. Ao sermos catequizados, batizados, instruídos, é como se fôssemos desbastados, alinhados e aplainados nas mãos dos carpinteiros e artistas. No entanto, esses materiais não constroem a casa do Senhor, senão quando se unem pela caridade. [...] Por conseguinte, o que aqui vemos feito materialmente nas paredes, faça-se espiritualmente nas almas; e o que vemos aqui realizado nas pedras e madeiras, também se realize nos vossos corpos, por obra da graça de Deus 3.
E a própria Prece de Dedicação o confirma com a bela linguagem da liturgia latina: Este edifício faz vislumbrar o mistério da Igreja, que Cristo santificou com seu Sangue, para apresentá-la a Si mesmo, qual Esposa gloriosa, Virgem deslumbrante pela integridade da Fé, Mãe fecunda pela virtude do Espírito. [...] Aqui, as ondas da graça divina sepultem os delitos, para que vossos filhos e filhas, ó Pai, mortos para o pecado, renasçam para a vida eterna.
[...] Aqui, como jubilosa oblação de louvor, ressoe a voz do gênero humano unida aos coros dos Anjos e suba até Vós a prece incessante pela salvação do mundo.
Aqui, os pobres encontrem misericórdia, os oprimidos alcancem a verdadeira liberdade e todos sintam a dignidade de ser vossos filhos e filhas, até que, exultantes, cheguem à Jerusalém Celeste.
Aspersão do altar e do templo
A Santa Missa começa substituindo o do ato penitencial pela a aspersão da água benta. Ela é um sacramental que, usado com Fé, nos purifica dos pecados veniais e afasta o espírito maligno. Por seu caráter exorcístico, se aspergem também o altar e as paredes da igreja, para purificá-los, assim como todo o povo, em sinal de penitência, e em lembrança do Batismo.
Assim como Cristo nos precedeu nas águas do Batismo, no Jordão - explica Dom Guéranger - as aspersões começam pelo altar que O representa e depois se fazem no edifício inteiro.
Primitivamente, era então que não só todo o interior e o pavimento do templo, mas também o exterior das paredes e, em alguns lugares, até os tetos eram inundados da chuva santificante que expulsa o demônio, dá a Deus essa morada e a prepara para os favores que se seguirão 4. Deposição das relíquias O costume de colocar relíquias de santos sob o altar originou-se nos primeiros séculos da Igreja, nas catacumbas, onde se tornou habitual celebrar a Missa sobre a pedra tumular de um mártir. Com isso, se queria significar que o sacrifício dos membros encontra seu princípio no sacrifício da Cabeça, que é Jesus Cristo.
Na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, no |
Seminário dos Arautos do Evangelho, foram |
depositadas sob o altar as relíquias de santos |
comemorados pela liturgia romana, ao longo |
dos 365 dias do ano. |
Era o acabamento final, a passagem do tempo para a eternidade 5.
Santidade do altar
Em virtude da unção, o altar se torna símbolo de Cristo, o "Ungido" por excelência, pois o Pai o ungiu com o Espírito Santo e o constituiu Sumo Sacerdote, para oferecer no altar de seu Corpo o sacrifício da vida pela salvação de todos. Por isso, desde tempos remotos, o altar foi cercado de respeito e veneração pelos cristãos: Um lugar santo é o altar cristão.
Chamavam-no sanctus, divinus, regalis, tremendus. S. João Crisóstomo: admirabilis. S. Gregório Nisseno ensina que o altar é tão santo que nem todos, mas só os sacerdotes, e estes só com reverência, o podem tocar. Beijavam-no. Os imperadores Teodósio e Valentiniano proibiram trazer armas nas igrejas e junto dos altares. [...] Desde o século IV, o altar tinha o privilégio de asilo 6.
A santidade do altar exige, daqueles que dele se aproximam na liturgia uma correspondente santidade de vida: Eles devem possuir a pureza da consciência e o perfume da boa reputação, que são simbolizados pelo santo Crisma, composto de azeite e de bálsamo. Devem ter uma consciência pura, para poderem dizer com o Apóstolo: "Nós temos a glória de que nossa consciência nos dá testemunho de uma boa reputação" (2 Cor 1, 12).
Diz ainda São Paulo: "Importa também que [o Bispo] tenha o bom testemunho daqueles que estão fora da Igreja" (1 Tm 3, 7).
E São Crisóstomo acrescenta: "Os clérigos não podem ter mácula alguma, nem em sua palavra, nem no seu pensamento, nem nas suas ações, nem na sua opinião, porque eles são a beleza e a força da Igreja: se eles fossem maus, eles A maculariam por inteiro" 7.
A unção com o Crisma
A unção do altar é feita com o Crisma, como explica Dom Guéranger: O óleo confere ao cristão, pelo segundo Sacramento, a perfeição de seu ser sobrenatural, faz também os reis, os sacerdotes e os pontífices. Por todas essas razões, o óleo santo, por sua vez, flui abundantemente sobre o altar, que é o Cristo Chefe, Pontífice e Rei, para dEle, como fez a água, atingir as paredes, a igreja inteira. Com efeito, doravante o templo é efetivamente digno do nome de igreja; pois, assim batizadas, assim consagradas com o Homem- Deus na água e no Espírito Santo, as pedras com as quais ele foi construído representam ao vivo a assembléia dos eleitos, ligados entre si, e com a Pedra Divina, pelo indestrutível laço do amor 8.
Em seguida, também a igreja é ungida, nas doze cruzes fixadas nas quatro paredes do edifício, em sinal de triunfo, pois, a Cruz é o estandarte de Jesus Cristo e a insígnia de sua vitória. É para mostrar que este local está sob o domínio do Senhor que elas são insculpidas nas paredes. A unção da igreja significa que ela está dedicada, toda inteira e para sempre ao culto cristão. As unções são doze para significar que a igreja é a imagem de Jerusalém, a cidade santa, da qual está dito no Apocalipse: "A muralha da cidade tinha doze fundamentos, e neles os doze nomes dos doze Apóstolos do Cordeiro" (Ap 21, 14).
Incensação do altar e da igreja
O fogareiro com o incenso simboliza que o |
sacrifício de Cristo sobe até Deus, como sua- |
ve aroma, juntamente com as orações dos fiéis |
Iluminação festiva
Procede-se, por fim, à iluminação festiva da igreja, pois Cristo é a luz para iluminar as nações. As doze velas colocadas no lugar das unções são acesas em sinal de alegria. Postas diante das cruzes, elas simbolizam os doze Apóstolos que, pela Fé no Crucificado, iluminaram o universo, o instruíram e o inflamaram de amor.
Ao dedicar a igreja de Santa Maria da Nova Evangelização, em Roma, o Papa Bento XVI destilou com mestria o simbolismo mais profundo desses belos gestos litúrgicos: O outro aspecto que quereria mencionar aqui são os doze fundamentos da cidade, sobre os quais estão inscritos os nomes dos doze Apóstolos. Os fundamentos da cidade não são pedras materiais, mas seres humanos, são os Apóstolos com o testemunho da sua Fé. Os Apóstolos permanecem como os fundamentos essenciais daacendemos nas paredes da igreja, nos lugares onde serão feitas as unções, evocam precisamente os Apóstolos: a sua Fé constitui a verdadeira luz que ilumina a Igreja. E, ao mesmo tempo, é o fundamento sobre o qual ela está alicerçada. A Fé dos Apóstolos não é algo antiquado.
As pedras vivas da Jerusalém Celeste
Cristão - lembra Dom Guéranger, em sua magistral obra -, pelo Batismo, tu te tornaste santuário de Deus. Que este dia de dedicação te recorde as consagrações que te arrebataram para fazer de ti o templo do Espírito Santo, para dar-te a Cristo, com o qual tua vida está doravante oculta no dulcíssimo e fecundíssimo segredo da face do Pai. Aprende a, em tua alma, cumular a Santíssima Trindade das homenagens devidas à sua presença.
Enfim, alma batizada e consagrada, lembra-te de que não estás sozinha no banquete do amor de teu Deus; de que a divina caridade que te une ao Cristo Esposo deve também juntar-te a seus membros, e aparelhar-te, pedra viva, preparada neste mundo para o lugar que será teu um dia, no edifício do nova cidade, da Igreja, por intermédio do ministério da sucessão apostólica: mediante os Bispos. As pequenas velas que santuário dos Céus. Aprende a adaptar- te à Igreja viva, a vibrar em uníssono com a grande Esposa, preparando- te para a eternidade, onde tua única e feliz ocupação será a de glorificar como ela a Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, pelos séculos dos séculos 10.
(Revista Arautos do Evangelho, Abril/2008, n. 76. p. 18 à 23)
segunda-feira, 3 de maio de 2010
Missa prelatícia, na forma extraordinária, em Bolonha, celebrada por seu Arcebispo
O Cardeal Cafarra, Arcebispo de Bolonha, celebrou a Missa “prelatícia”, i.e., uma Missa cantada por um Bispo, mas que não é pontifical, no rito tradicional. O fato se reveste de profundo significado, dado que não é um Prelado de fora que a celebra, mas o Ordinário do lugar, em sua própria Catedral!
Fotos do Messa in Latino.
Parabéns a Sua Eminência.