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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Repensar a concelebração eucarística

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Monsenhor Guillaume Derville leciona Teologia dogmática em Roma. Colaborou na criação, em 2009, do Instituto de Liturgia na Pontifícia Universidade da Santa Cruz. Acaba de publicar um interessante trabalho que aponta questões sobre a concelebração eucarística e ajuda a refletir sobre a renovação litúrgica querida pela Constituição Sacrosanctum Concilium, promulgada há quase meio século atrás. Ao que tudo indica, seu livro (A Concelebração Eucarística - do símbolo à realidade) será publicado em breve no Brasil pela editora Santuário.

1) No prefácio de seu livro, o cardeal Antonio Cañizares, prefeito da Congregação para o Culto Divino, elogia seu trabalho, dizendo que coloca no lugar exato, tanto a realidade da concelebração, como o que essa manifesta. Pode explicar a que ele se refere?

Sacrosanctum Concilium considerou oportuno restabelecer a prática da celebração, não tanto por razões históricas ou tradicionais, mas sim teológicas e pastorais; principalmente, para manifestar a unidade do sacerdócio. Ela encomendou a elaboração de um rito e estendeu a faculdade de concelebrar, até então muito limitada na Igreja Latina. Além da manifestação da fraternidade sacerdotal ou da solução a problemas práticos, se restaurava uma riqueza litúrgica que reflete a unidade do presbitério entre si, e deste com o seu Bispo. No livro tento mostrar como e por que isso foi feito.

2) O senhor diz que não há dados definitivos sobre a concelebração da Eucaristia nos primeiros tempos da Igreja. Será que a concelebração atual significa uma completa novidade?

O Concílio indica que se celebre a concelebração segundo “a primitiva norma dos Padres”. A dificuldade reside na falta de informação sobre a sua forma nos primeiros séculos. Como mostra a história, era um rito celebrado pelo Bispo, que associava ao seu presbitério os domingos; muito cedo, essa concelebração foi reduzida a determinadas solenidades. Os concelebrantes, geralmente poucos, se revestiam da casula e se colocavam ao redor do altar. Não se têm conhecimento da concelebração sem a presença do povo. A boa notícia é que o Concílio restabelece a concelebração para certas ocasiões, quando já se tinha limitado praticamente ao rito das Ordenações. Mas a posterior extensão do rito, em frequência e em número de concelebrantes, nunca a teriam imaginado os Padres conciliares.

3) A partir de leitura de sua obra pode-se deduzir que a raiz teológica da concelebração está na unidade do sacerdócio e do sacrifício eucarístico, mas que, para o discernimento sobre a celebração deve-se levar em conta outros fatores: litúrgicos, pastorais, incluindo a liberdade do sacerdote para celebrar individualmente.

Eu não desligaria nada do “princípio da unidade.” Como sugere o título do livro, "Do Símbolo à realidade", eu me pergunto: o que é a concelebração e como manifesta melhor a unidade do sacerdócio? A Teologia litúrgica nos ajuda a pensar o que significa o “culto racional” no caso da concelebração. No “concelebrar” o essencial é o que se celebra: o mistério pascal e o sacerdote se configura com Cristo. Isso pode ser desfocado pela cotidianidade na concelebração ou quando, dissolvido numa massa e longe do altar, o sacerdote apenas repete as palavras e gestos de Cristo, nem porta as vestes próprias dos sacerdotes quando celebra a Eucaristia: a casula.

4) O prefeito de Culto Divino também afirma no prefácio que sua obra se encontra na esteira do movimento litúrgico. O Senhor pensa que, como tem sido dito ultimamente, é preciso fazer uma certa “reforma da reforma”?

Como Bento XVI assinalou recentemente, na obediência da fé, ninguém é dono do rito, mas guardião do tesouro instituído pelo Senhor e que nos foi confiado. É por isso que eu falaria, mais bem, de entender toda alteração dentro da unidade que caracteriza o desenvolvimento histórico do próprio rito, sem rupturas artificiais. Por exemplo, pode-se perguntar, em cada caso, se concelebrar ou não (se já celebrei hoje, é necessário concelebrar?); porque somente quando o símbolo expressa a realidade fica o rito reforçado na sua beleza e na sua verdade. É então quando se torna possível a adoração, a união com Deus, que é o verdadeiro autor da liturgia.
Fonte: Presbíteros

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Sugestões para uma programação paroquial de Semana Santa

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Voltamos de nossas férias, hoje. Elas foram interrompidas apenas para postagens urgentes, mas hoje nossa equipe volta com ânimo e fôlego!

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Aproveitando que temos bastante tempo até a próxima Semana Santa, apresentamos a nossa sugestão para os padres que são nossos leitores implementarem uma programação rica de significado litúrgico e espiritual, plenamente coerente com a tradição de nosso rito romano. A programação sugerida é intensa e, ao lado das cerimônias litúrgicas, há outras atividades para melhor entender e meditar esses dias tão profundos para a nossa fé católica.

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Evidentemente, trata-se de uma sugestão apenas, que pode ser modificada, complementada etc.

Sábado anterior ao Domingo de Ramos

18h – I Vésperas do Domingo de Ramos

21h30 – Completas

Domingo de Ramos

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7h – Ofício de Leituras

8h – Laudes

8h30 – Missa com procissão e bênção dos ramos (com pluvial vermelho)

18h – II Vésperas

19h30 – Terço

20h – Missa sem procissão

21h30 – Completas

Segunda-feira Santa

17h30 – Terço

18h – Missa em latim (mas na forma ordinária)

19h – Celebração da Penitência com confissões e absolvições individuais

Terça-feira Santa

17h30 – Terço

18h – Missa com procissão do Senhor dos Passos e Sermão do Encontro com Nossa Senhora das Dores (com pluvial roxo)

Quarta-feira Santa

17h30 – Terço

18h – Missa em latim (na forma extraordinária), e, após, na praça, Sermão das Sete Palavras (com pluvial roxo)

24h – Ofício de Trevas da Quinta-feira Santa

Quinta-feira Santa

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19h30 – Terço

20h – Missa, seguida de transladação do Santíssimo e desnudação do altar

21h – Adoração do Santíssimo pela madrugada

Sexta-feira Santa

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06h – Ofício de Trevas

09h – Retiro na igreja, transmitido pela rádio

15h – Solene Ação Litúrgica

17h30 – Via Sacra encenada, na praça

19h – Procissão do Senhor Morto (com pluvial preto)

21h – Projeção do filme “A Paixão de Cristo”, no salão da igreja

Sábado Santo

06h – Ofício de Trevas

18h – Vésperas

22h – Solene Vigília Pascal (canto do Exultet em latim, como de todo o Kyriale e Pater)

Domingo de Páscoa

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01h30 – Laudes

09h – Procissão com o Santíssimo Sacramento, Exposição e Bênção (com pluvial dourado)

10h30 – Missa Solene (com diácono, acólitos, Kyriale e Pater em latim)

12h – Grande almoço de Páscoa na paróquia

18h – II Vésperas

19h30 – Terço

20h – Missa

A programação sugerida é intensa e tomará muito tempo. Mas aí mesmo está sua razão de ser. É preciso marcar bem na mente e no coração dos fiéis que a Semana Santa não é como as outras. As atividades espirituais devem preponderar, para que, ao menos nesses dias tão especiais, os paroquianos vivam mais na igreja, diminuindo, ademais, o tempo de TV, no que pode muito bem contribuir para um maior espírito de penitência e renovação paroquial.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Liturgia e o “protestantismo” tradicionalista

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Andrea Tornielli
Vaticanista do Il Giornale,
Trad. e Adapt.  Cleiton Robson.

Caros amigos, ao renovar meus votos de um Feliz Natal, digo que no Giornale de ontem (24/12/10), publiquei uma extensa entrevista com o Prefeito da Congregação para o Culto Divino, o Cardeal Antonio Cañizares Llovera . Aqui está o texto completo. O Cardeal - depois de ter denunciado a pressa com que foi feita a reforma pós-conciliar - explica o que a Congregação está fazendo para dar vida a um novo movimento litúrgico que faça recuperar a sacralidade ao rito de acordo com as instruções da Constituição Sacrosanctum Concilium, do Concílio Vaticano II. Cañizares antecipou algumas das iniciativas do dicastério que resguardam a formação, a catequese, a pregação, a arte e a música sacra.

Li com interesse alguns comentários em outros blogs que já tomaram a entrevista de ontem (refiro-me a paparatzinger blogs e ao blog messainlatino) e gostaria de fazer aqui algumas observações sobre a liturgia, mas também, em geral, à atitude contra o Concílio Vaticano II, também no debate suscitado pelo livro O Concílio Vaticano II: Uma história jamais escrita (Lindau), publicada recentemente pelo historiador Roberto de Mattei.

Para começar eu digo que não gosto de usar o adjetivo “tradicionalista”, assim como não gosto daqueles que seguem o rito antigo (na minha opinião, equivocadamente, chamado de “a missa de sempre”, como se eu, que sigo o rito pós-conciliar, fosse a uma “missa de nunca”) seja definido como “modernista”.

Espanta-me, antes de tudo que, frente aos gestos de Bento XVI, voltados a recuperar a sacralidade do rito católico, houve grandes concessões importantes, dentre elas o Motu Proprio Summorum Pontificum que, ao invés de favorecer a reconciliação defendida pelo Papa, segundo aquela hermenêutica “da reforma, da renovação na continuidade” (não vamos esquecer: não só “na continuidade”, mas também “da reforma”), vê-se, às vezes, que são atitudes consolidadas pela rigidez. Caros amigos, eu não posso suportar a banalização da liturgia, a criatividade que reduz o rito à obra de nossas mãos; a ausência do silêncio; a música que não tem nada a ver com a Missa, etc. etc.

Mas devo acrescentar: temos honestamente que admitir que esta, na verdade, não é a regra em todos os lugares. É certo que, em relação há alguns anos ou décadas, os abusos diminuíram drasticamente; e existem diferenças consideráveis de país para país. É por isso que estou surpreso, pois, no fundo, as palavras do Cardeal Cañizares, intérprete sincero e verdadeiro de Bento XVI, são consideradas como expressões de fraqueza, pelo fato de que ele - a pedido do Papa - está trabalhando para suscitar um movimento litúrgico novo e forte.

Esclareçamos tudo: muitos (ou alguns, ou poucos, julguem vocês mesmos) tradicionalistas não gostam da hermenêutica da continuidade de Bento XVI, porque, no fundo, acreditam que o Concílio deveria ter sido abolido. Eles acreditam que a reforma litúrgica deveria ser abolida, como um todo. Eles chegam a dizer que Roma deve reconciliar-se com a Tradição. Mas qual Tradição? Aquela fixada por eles. A Tradição está sempre vivendo, e assim como o cristianismo, é um evento que constitutivamente entra na história - que Deus se fez carne, morreu na cruz por nossos pecados e ressuscita, abrindo as portas do Paraíso e prometendo um cêntuplo já aqui. A Igreja se atualiza, vive os desafios do tempo. Procura apresentar, de modo adequado, as verdades de sempre.

Temo que certo tradicionalismo possa deslizar para o seu exato oposto, o protestantismo. Ou melhor, o galicanismo. Quem dá o direito a este ou aquele tradicionalista de dizer: esta é a Tradição, Roma está errando? Quem dá a autoridade para decidir? O tradicionalismo não é o Magistério. Quem dá o direito de, às vezes, lançar ao mar, com escárnio e desprezo, o Concílio Vaticano II? Talvez o apelo à autoridade do arcebispo Marcel Lefebvre (que a sua alma descanse em paz), agora apresentado em uma hagiografia, como um santo da Igreja?!

Quem permite a muitos tradicionalistas – baseando-se no fato de que o Vaticano II não proclamou dogmas novos – de declarar o Concílio como “pastoral” e, portanto, irrelevante e não segui-lo? Os 95% do Magistério não é dogmático, mas ordinário. Porém, o católico é obrigado a segui-lo. E então - digo isto sem intenção polêmica - como se pode realmente acreditar que o Papa legitimamente eleito, a quem Jesus assegurou o poder das Chaves e da assistência especial do Espírito Santo, com todos os bispos que votaram quase por unanimidade os documentos do Vaticano II (Lefebvre incluído), juntos em Concílio, possam ter errado?

Estar com Pedro e pelos bispos em comunhão com ele significa ser católico. Caso contrário, eu poderia dizer que considero Pio X um modernista (quantas reformas ele fez, e se eu não gosto nem as considero inadequadas aos tempos e que não estão em consonância com a doutrina litúrgica de Gregório XVI e Leão Magno?), e que quero me firmar no Vaticano I e em Pio IX ... Outro pode dizer que não aceita o Vaticano I e o dogma da infalibilidade papal (que é um inegável desenvolvimento da Tradição, e que não é aceito pelos ortodoxos). Outro pode dizer que o único ponto firme é o Concílio de Trento, enquanto outro ainda pode tentar provar que o rito moçárabe celebrado em Toledo não é católico...

Este é o “protestantismo” tradicionalista, porque se as posições de Dom Lefebvre, deste ou daquele teólogo, algumas teorias do leigo brasileiro Plínio Corrêa de Oliveira (que são objetos, dentre os muitos que se voltam para o seu pensamento, com diversas interpretações), ou as opiniões de qualquer respeitabilíssimo bispo ultra-conservador sejam enfatizadas e terminem por se tornarem o único critério para julgar a Sé Apostólica e por afirmar, em substância, as suas próprias opiniões sobre a Tradição e a “Missa de sempre”, na minha humilde opinião, há algo errado. É, na verdade, uma oposição, mas perfeitamente semelhante à de um certo progressismo, que apresenta o Concílio como um elemento de ruptura total com o passado. Isto é uma leitura antitética à de Bento XVI.

E então, permitam-me dizer que não é possível lançar apelos contínuos ao Papa para explicar, para esclarecer o Concílio; e depois fingir que não se leu e que não foi possível ver quando ele ou a Congregação para a Doutrina da Fé, ou outros departamentos da Cúria Romana o fizeram, dando a hermenêutica adequada com relação a certas distorções devidas não ao Concílio e seus textos, mas às opiniões do pós-Concílio. Isso aconteceu até com o discurso de Bento XVI à Cúria Romana em 2005 (onde o Papa admiravelmente abordou a questão da liberdade de religião, também se reflete na Mensagem para o Dia Mundial da Paz, em Janeiro de 2011), com a Dominus Iesus sobre a singularidade da salvação de Cristo, com o esclarecimento sobre o “subsiste in”.

A Igreja é maior do que as nossas opiniões, o Magistério do Papa deve ser seguido mesmo quando o Pontífice não fala “ex cathedra”, o que acontece na grande maioria das vezes. O católico sabe que a Igreja Católica não é obra de nossas mãos, sabemos que fomos chamados por Alguém. Ele sabe que Jesus, a verdadeira rocha sobre a qual a Igreja estabeleceu a autoridade do seu Vigário – um pobre vigário de Cristo, como dito em palavras inesquecível João Paulo I – é tão frágil como todos, mas especialmente assistido pelo Espírito Santo.

Se olhássemos assim para o Papa, talvez poderíamos usar outras palavras para descrever o que ele faz e o que nos pede. Talvez estaríamos prontos para debatermos, porque o que nos poupa não é a nossa ideia de Tradição, mas o estarmos unidos a Cristo na sua Igreja, sob a guia do Seu Vigário e dos bispos em comunhão com ele. Para isso, dizia o Cardeal Giuseppe Siri, “os documentos do Concílio devem ser lidos de joelhos”.

Permitam-me uma palavra final sobre Dom Marcel Lefebvre, hoje apresentado por alguns como um santo, um herói, um combatente do bom combate pela verdade contra o modernismo dos Pontífices... Não o julgo e espero realmente que esteja no Céu, apesar da excomunhão. Mas um católico não pode apresentá-lo como um exemplo de santidade. Se Lefebvre era um santo, em 1988, tinha dito ao Senhor: “Meu Deus, eu fiz tudo que podia para salvar a autêntica Tradição que eu considero em perigo, e lutar por aquilo que acredito ser uma separação assustadora da verdadeira liturgia Católica. Agora estou diante de um dilema. Desobedecendo ao Papa para garantir a continuidade da Sociedade de São Pio X, consagrar novos bispos, ou aceitar o convite e deixar perder-se....” Aqui é um santo (como o Padre Pio, o santo de Pietrelcina) nunca teria desobedecido o Papa nunca teria quebrado a unidade da Igreja. Ele disse a Deus: “Eu confio em Ti. Se Tu quiseres continuar com este trabalho, agora tu tens que ir em frente, porque eu tenho feito tudo que era humanamente possível, mas agora eu não posso desobedecer o Seu Vigário”.

Ao dizer Feliz Natal novamente, gostaria de acrescentar que não restam dúvidas (que não necessariamente serão), e que partilho da opinião de Cañizares sobre a reforma pós-conciliar, que, creio, deve ser escrita a palavra final para os abusos litúrgicos, bem como para o problema da ausência de autoridade do episcopado, uma das principais causas do fracasso para corrigir os abusos. Não estou, em suma, pintando uma realidade rósea, porque não o é.

Mas devo expressar aqui mais uma vez, a falta de caridade e, às vezes, até mesmo desprezo que eu li em algumas reações. Há um debate que revela a existência de uma guerra entre cristãos que se devoram uns aos outros. E vou dizer o porquê de ter apenas me prendido aos chamados “tradicionalistas” e não aos chamados “modernistas”, que são muito mais. Bem, vejam, diante do exemplo de Bento XVI, os gestos de reconciliação, que pôs em prática frente ao mundo tradicionalista, seria de se esperar que, a partir deste próprio mundo, viesse o primeiro e principal apoio para aquele movimento litúrgico que o Papa (e não singularmente Ratzinger ou o “Papa” entre aspas, como às vezes eu vejo isso definido nos delírios sedevacantistas) acredita ser essencial para a Igreja hoje.

O Magistério da Igreja - disse o então arcebispo de Munique da Baviera, Joseph Ratzinger - defendeu a fé do povo simples, daqueles que não escrevem editoriais nos jornais, que não têm cátedras universitárias, que não publicam obras teológicas ou livros de sucesso, que não vão à TV. E na fé dos católicos simples sempre se soube que Ubi Petrus ibi Ecclesia.


Clique AQUI para ler o texto original, em italiano.

domingo, 30 de janeiro de 2011

A beleza do rito litúrgico – por Pe. Mauro Gagliardi

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O Zenit publicou hoje uma interessante análise do Pe. Mauro Gagliardi, professor de liturgia do Pontifício Ateneu Regina Apostolorum, dos Legionários de Cristo em Roma.

 

ROMA, domingo, 30 de janeiro de 2011 (ZENIT.org) - Hans Urs von Balthasar, na "Introdução" ao primeiro volume de sua monumental Herrlichkeit (Glória), em que desenvolveu uma teologia sistemática focada na importância da beleza, escreve:

"A beleza é a última palavra que o intelecto pensante pode atrever-se a pronunciar, porque esta não faz outra coisa a não ser coroar, como auréola de esplendor inapreensível, a estrela dupla da verdade e do bem e sua relação indissolúvel. Esta é a beleza altruísta, sem a qual o velho mundo era incapaz de ser compreendido, mas que deixou, na ponta dos pés, o moderno mundo dos interesses, abandonando-o à sua cobiça e tristeza. Esta é a beleza que já não é amada ou mesmo guardada pela religião, mas, como máscara arrancada de seu rosto, revela traços que ameaçam ser incompreensíveis para os homens. Esta é a beleza em que já não ousamos acreditar e que transformamos em aparência para que possamos nos libertar dela sem remorsos. Esta é a beleza, enfim, que requer (como é demonstrado hoje), pelo menos coragem e força de decisão da verdade e da bondade, e que não se deixa reduzir ao ostracismo e separar dessas suas duas irmãs sem arrastá-las consigo em uma misteriosa vingança" (Gloria. Una estetica teologica, Jaca Book, Milano 1994 [rist II.], pp. 10-11).

São palavras de clara condenação, por parte de um teólogo bem "moderno", desse espírito funcionalista típico da modernidade, que é incapaz de apreciar o valor das coisas belas que não tenham um reflexo imediato no campo da utilidade. Como compreender hoje o valor dos detalhes minuciosos que os artistas traçaram sobre as abóbadas de inúmeras igrejas e que são inúteis, porque não são perceptíveis para quem vê a abóbada da nave? Como justificar a fadiga dos mestres do mosaico que passavam dias compondo obras em locais não visíveis das catedrais medievais? Se a pintura ou o mosaico não serão vistos, não serão usufruídos por olho humano algum, de que adiantou tanta dificuldade? A beleza neste caso não implica uma perda de tempo e energia? E também: para que serve a beleza das vestimentas e dos vasos sagrados, se o pobre morre de fome ou não tem com que cobrir sua nudez? Essa beleza não tira recursos do cuidado dos necessitados?

E, no entanto, a beleza é proveitosa! E serve precisamente quando é gratuita, quando não busca uma utilidade imediata, quando é irradiação de Deus. Bento XVI recorda: "A relação entre mistério acreditado e mistério celebrado manifesta-se, de modo peculiar, no valor teológico e litúrgico da beleza. De fato, a liturgia, como aliás a revelação cristã, tem uma ligação intrínseca com a beleza: é esplendor da verdade (veritatis splendor). Na liturgia, brilha o mistério pascal, pelo qual o próprio Cristo nos atrai a Si e chama à comunhão. (...) A beleza da liturgia pertence a este mistério; é expressão excelsa da glória de Deus e, de certa forma, constitui o céu que desce à terra. (...) Concluindo, a beleza não é um fator decorativo da ação litúrgica, mas seu elemento constitutivo, enquanto atributo do próprio Deus e da sua revelação. Tudo isto nos há-de tornar conscientes da atenção que se deve prestar à ação litúrgica para que brilhe segundo a sua própria natureza" (Sacramentum Caritatis, n. 35).

Quem não sabe apreciar o valor gratuito (ou seja, da graça) da beleza, em especial da beleza litúrgica, dificilmente conseguirá realizar um ato adequado de culto divino. Continua Von Balthasar: "Quem, ao ouvir falar dela, sorri, julgando-a como um resíduo exótico de um passado burguês, desse se pode ter certeza de que - secreta ou abertamente - já não é capaz de rezar e, depois, tampouco o será de amar" (Glória, p. 11).

A beleza do rito, quando é tal, corresponde à ação santificadora própria da sagrada liturgia, a qual é obra de Deus e do homem, celebração que dá glória ao Criador e Redentor e santifica a criatura redimida. De modo conforme à natureza composta do homem, a beleza do rito deve ser sempre corpórea e espiritual, mostrar o visível e o invisível. Do contrário, ou se cai no esteticismo, que pretende satisfazer o gosto, ou no pragmatismo, que supera as formas na busca utópica de um contato "intuitivo" com o divino. No fundo, em ambos os casos, passa-se da espiritualidade à emotividade.

O risco hoje é menos o do esteticismo e muito mais o do pragmatismo informal. Temos necessidade, no presente, não tanto de simplificar e de extrair o supérfluo, mas de redescobrir o decoro e a majestade do culto divino. A sagrada liturgia da Igreja atrairá o homem da nossa época não vestindo cada vez mais as vestimentas da cotidianidade anônima e cinza, a que já está muito acostumado, mas vestindo o manto real da verdadeira beleza, vestidura sempre nova e jovem, que a faz ser percebida como uma janela aberta ao céu, como ponto de contato com o Deus Uno e Trino, a cuja adoração está ordenada, através da mediação de Jesus Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Ordinariato australiano incentiva paz e unidade. Entrevista com Dom Peter Elliott, delegado dos bispos australianos

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A agência Zenit publica uma importante entrevista com D. Peter Elliot, Bispo australiano responsável pela criação e organização do Ordinariato para ex-anglicanos em seu país.

Ordinariato australiano incentiva paz e unidade

Entrevista com Dom Peter Elliott, delegado dos bispos australianos

MELBOURNE, sexta-feira, 28 de janeiro de 2011 (ZENIT.org) - O estabelecimento de um ordinariato para os australianos que desejam entrar na Igreja Católica aumentou a esperança de uma maior paz e unidade, segundo o bispo auxiliar de Melbourne, Dom Peter Elliott.

Dom Elliott, presidente da Conferência dos Bispos Católicos da Austrália para o Ordinariato, e ele próprio um ex-anglicano, explicou a ZENIT que há um sentimento de entusiasmo e expectativa entre aqueles que desejam aderir ao ordinariato, conforme estipulado no Anglicanorum Coetibus.

O Comitê para a preparação do ordinariato australiano foi formado há apenas um mês. No próximo mês, haverá um encontro nacional para os interessados em saber mais sobre ele. Espera-se que o ordinariato seja estabelecido este ano.

Nesta entrevista com ZENIT, Dom Elliott fala sobre os desafios e as esperanças em torno deste ordinariato, seu impacto no ecumenismo e como pode ajudar os católicos a crescer na fé.

ZENIT: O senhor poderia nos falar sobre planos para o estabelecimento do novo ordinariato na Austrália?

Dom Elliott: Os planos avançam mais lentamente do que no Reino Unido. Mas a situação é mais complexa.

Em primeiro lugar, está o desafio da geografia - a Austrália tem o mesmo tamanho que os Estados Unidos.

Temos de reunir grupos que estão espalhados, inclusive isolados. Como delegado episcopal da Conferência dos Bispos, minhas milhas por voar com frequência estão aumentando rapidamente!

Depois, dois grupos muito diferentes precisam se unir: vários clérigos e leigos na oficial Igreja Anglicana da Austrália (ACA) e muitos membros da Igreja Católica Anglicana da Austrália (Traditional Anglican Communion, TAC). Os dois grupos compartilham uma herança anglo-católica, mas sua história é diferente.

Um dos frutos do ordinariato seria sua união em uma só comunidade.

ZENIT: Como se incluirá a comunidade de antigos anglicanos do Japão no ordinariato?

Dom Elliott: Esta possibilidade está apenas em seus estágios iniciais, por isso não tenho como dar mais detalhes.

ZENIT: Qual foi o sentimento geral entre aqueles que buscam fazer parte do ordinariato?

Dom Elliott: Há um sentimento de entusiasmo e expectativa entre esses anglicanos da Austrália.

Nos últimos 20 anos, eles sofreram devido a seus princípios católicos, foram confrontados e deixados de lado em graves questões doutrinais e morais.

Neste país, não havia nenhuma disposição pastoral para estas pessoas de boa vontade na Igreja oficial. Tinham de aceitar a nova ordem, ou organizar-se entre eles. Até hoje são considerados injustamente como "anglicanos descontentes".

Ao mesmo tempo, os que criaram paróquias e dioceses anglicanas independentes (TAC) sofreram rejeição e ridicularização, e fizeram muitos sacrifícios para seguir as suas consciências.

Ambos os círculos estavam começando a ver que a oferta generosa do Santo Padre significa paz e unidade. Estão estudando diligentemente o Catecismo da Igreja Católica - um bom exemplo para todos nós.

ZENIT: O senhor poderia dizer algo sobre as relações inter-religiosas com a Igreja Anglicana na Austrália? Que tipo de respostas o senhor ouviu dos anglicanos que não desejam se tornar católicos?

Dom Elliott: Em geral, as relações entre católicos e anglicanos na Austrália são boas.O ordinariato não prejudicará o ecumenismo.

No ano passado, tive a oportunidade de liderar os círculos oficiais de diálogo de anglicanos e católicos. Quando expliquei o ordinariato, houve uma resposta amistosa e cortês. Seguiu uma interessante conversa teológica, mas não houve reação negativa.

Temos de fazer distinções entre os anglicanos que não têm nenhum desejo de voltar ao catolicismo. Os evangélicos têm enviado mensagens de boa vontade. Eles acreditam honestamente que todos os anglo-católicos deveriam voltar à unidade com Roma.

Muitos anglicanos parecem indiferentes, acreditando que o ordinariato será pequeno, pelo menos inicialmente. Um bispo anglicano estava irritado com a oferta do Papa, mas foi rapidamente corrigido por outro bispo evangélico.

Aqui se vê o que nós chamamos de "elefante na sala ao lado" no mundo do anglicanismo, o grande número de evangélicos, especialmente em Sydney e na Nigéria, mas também em outros locais. O que farão esses comprometidos cristãos, que acreditam na Bíblia, é um mistério. Depois, quando os ordinariatos tomarem forma, esses evangélicos decidirão o futuro da Comunhão Anglicana.

ZENIT: O que isso significa para o senhor pessoalmente, como um ex-anglicano?

Dom Elliott: Eu tenho na minha vida um forte sentido do que o Beato John Henry Newman descreveu como uma "providência particular".

Minha recepção na Igreja, realizada em 1968, em Oxford, tem hoje mais sentido do que nunca. Minha tarefa é ajudar os anglicanos de tradição católica a seguir o mesmo caminho de unidade e paz em Cristo.

Mas o meu lema episcopal é "Parare vias eius", ou seja, preparar seus caminhos. Estas palavras de Benedictus têm agora um significado mais profundo e mais focado.

Há também uma pontinha de tristeza; eu gostaria que meus queridos pais, o reverendo Leslie Llewelyn Elliot e June Elliot, estivessem vivos para ver esse dia. Eu sei que eles estão orando pelos ordinariatos. Não há subúrbios no céu.

* * *

Mais informações em: http://www.friendsoftheanglicanordinariate.com/

(Genevieve Polloc)

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Conversão de São Paulo - Homilia de São João Crisóstomo

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Hoje comemoramos a festa da conversão de São Paulo, de perseguidor da Igreja a Apóstolo de Cristo. Trago aqui uma breve mas profunda reflexão extraída de uma homilia de um dos maiores doutores do Oriente, São João Crisóstomo ("o boca de ouro"). A Homilia foi extraída do site: http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/pais_da_igreja/s_joao_crisostomo_antologia1.html

"É preciso que tenhamos sempre presente no nosso espírito o quanto todos os homens são rodeados por tantas manifestações do mesmo amor de Deus. Se a justiça tivesse precedido a penitência, o universo teria sido aniquilado. Se Deus estivesse pronto para o castigo, a Igreja não teria conhecido o apóstolo Paulo; não teria recebido um homem assim no seu seio. É a misericórdia de Deus que transforma o perseguidor em apóstolo; é ela que muda o lobo em cordeiro, e que fez de um publicano um evangelista (Mt 9,9). É a misericórdia de Deus que, comovida com o nosso destino, nos transforma a todos; é ela que nos converte.
Ao ver o glutão de ontem pôr-se hoje a jejuar, o blasfemador de outrora falar de Deus com respeito, o infame de antigamente não abrir a boca a não ser para louvar a Deus, pode-se admirar esta misericórdia do Senhor. Sim irmãos, se Deus é bom para com todos os homens, é-o particularmente para com os pecadores.

Quereis mesmo ouvir algo de estranho do ponto de vista dos nossos hábitos, mas verdadeiro do ponto de vista da piedade? Escutai: ao passo que Deus se mostra exigente para com os justos, para com os pecadores não tem senão clemência e doçura. Que rigor para com os justos! Que indulgência para com o pecador! É esta a novidade, a inversão, que nos oferece a conduta de Deus… E eis porquê: assustar o pecador, sobretudo o pecador inveterado, seria privá-lo de toda a confiança, mergulhá-lo no desespero; lisonjear o justo, seria embotar o vigor da sua virtude, fá-lo-ia afrouxar no seu zelo. Deus é infinitamente bom! O seu temor é a salvaguarda do justo, e a sua clemência faz mudar o pecador."

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Família é família – artigo sobre o Ordinariato, os ex-anglicanos, sua liturgia etc

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O presente artigo encontra-se originalmente, em inglês, no excelente blog The Anglo-Catholic, e foi traduzido gentilmente por nossa amiga e leitora Carla Fabiana Mont’Alvão, a quem agradecemos a caridade para com nosso apostolado.

Família é família

Pe. Chori Seraiah

Companheirismo e fraternidade não são os únicos motivos pelos quais estou entrando no Ordinariato, mas estão no topo da lista. Passei uma hora desta noite, com quatro irmãos católicos maravilhosos em nossa sala, contando-lhes sobre a minha jornada do Protestantismo para a Igreja Católica. Eles vieram, generosamente (embora não nos conhecêssemos antes), para nos ajudar a trazer o piano (na verdade era um piano pequeno). A ajuda original era a esposa de um diácono da Igreja Católica Cristo Rei, aqui em Des Moines. Ela tinha visto um post que escrevi um tempo atrás sobre Católicos Anglicanos e ofereceu-me ajuda quando chegamos. Acontece que nós realmente precisávamos de ajuda para tirar nosso piano da garagem (o máximo que minha esposa e eu fomos capazes de movê-lo) e trazê-lo para casa. Somos muito gratos a todos eles, e somos gratos que o Senhor nos tenha abençoado com estes irmãos generosos.

Sentamo-nos em nossa sala, depois de nos conhecermos por cerca de dez minutos (o tempo que levou para levar o piano pra dentro de casa e depois nos sentar), e conversamos como se fôssemos amigos de longa data. Há uma coisa que sempre apreciei em relação à Igreja Católica, mesmo quando eu ainda era um protestante convicto. O lado “família” da coisa. Alguém uma vez me disse, "uma vez católico, sempre católico", e ele estava se referindo a esse lado “família" que estou tentando descrever. Como Batista, quando alguém dizia que era Batista, eu tinha sempre que fazer algumas perguntas de sondagem para determinar "que tipo de Batista?" Como Presbiteriano, era diferente. Haviam presbiterianos de “baixo escalão”, de “alto escalão” e presbiterianos reformados. Depois me tornei anglicano e tive que aprender todo um novo conjunto de siglas. Jogadores diferentes, mesmo jogo.

De um modo geral, os católicos são católicos, e todos eles tendem a considerar o outro como parte da "família católica". É algo que falta nos círculos Anglicanos de hoje (e praticamente inexistente no protestantismo em geral). É, obviamente, o mesmo que ocorre com as igrejas anglicanas, tão fragmentadas e divididas, numa sopa de letrinhas de denominações anglicanas independentes, que é preciso um cartão de pontuação para distingui-las. Muitos de nós nos acostumamos ao fato de termos que descobrir "que tipo de anglicano" alguém é, quando lhe somos apresentados. O que não deveria ocorrer.

Como é que nos acostumamos a esse tipo de divisão e ainda chegamos a considerá-la apenas como coisas dos dias de hoje? Se eu preciso verificar se o meu irmão é de "Apolo"ou "de Paulo"ou "de Cefas"(1 Coríntios 1:12), então alguma coisa está terrivelmente errada. Eu sei que as coisas não são perfeitas na Igreja Católica, mas o senso de família que eu tenho encontrado é bastante semelhante ao antigo conceito hebraico de "aliança” que ajudou a manter a coesão entre nossos antepassados judeus. Quando o Ordinariato vier, eu não quero perder a herança que me foi dada no anglicanismo. Estou feliz que a Constituição Apostólica nos permite manter a maior parte destas coisas, e eu nunca vou escondê-las.

No entanto, eu também não quero ser um "tipo"de católico. Eu preferiria que as pessoas não dissessem, "ele é um ‘daqueles’ católicos". Deveria ser primeiro que somos católicos e, em seguida, se alguém quiser saber nosso tipo de espiritualidade, podemos contar-lhes das bênçãos especiais do catolicismo medieval Inglês que fomos autorizados a manter. Quando falarmos sobre liturgia, podemos mencionar que muitas das coisas desenvolvidas fora da Igreja Católica depois da Reforma, foram retomadas e protegidas, para que possam florescer plenamente. Se alguém disser: "Você é um padre católico? Mas você é casado?!" Eu poderei contar-lhes sobre as bênçãos que o Papa Bento nos concedeu quando disse que nós poderíamos manter isto também. Eu não quero me apresentar como "Oi! Eu sou um ‘daqueles’ católicos". Família é família, e devemos ser capazes de dizer "eu sou católico" e permitir que nossas tradições e liturgias especiais sejam aspectos de quem somos, e não a substância do que somos. Como disse um dos visitantes hoje à noite, "que dias maravilhosos estamos vivendo!"

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