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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Música litúrgica - o Credo


Palestrina: início do Credo da Missa Papae Marcelli


Continuando nossa série de textos sobre o Ordinário da Missa (série esta que conheceu tão longa interrupção), passamos neste momento ao Credo, palavra latina que abre este texto que os cristãos desde cedo aprendem a recitar. É o terceiro item do Ordinário, lembrando que o primeiro é o Kyrie e o segundo é o Gloria.

À semelhança do Gloria, o Credo não está presente em todas as Missas. Mais que isto, o Credo consta da Liturgia em ocasiões ainda menos numerosas. O Gloria se canta ou recita nos Domingos que não sejam da Quaresma nem do Advento (no Rito Tridentino ausenta-se já na Septuagesima), bem como nas Festas e nas Solenidades (e, segundo a IGMR, quando houver razão pastoral, mesmo em memórias, férias, votivas).

O Credo, por sua vez, faz parte da Missa nas Solenidades (mas não nas Festas) e em todos os Domingos (incluindo os da Quaresma e os do Advento). Em algumas ocasiões especiais, em que a Liturgia inclui a renovação das promessas do Batismo, o Credo é omitido; ou, melhor dizendo, apenas parece omitido, porque o próprio rito da renovação das promessas inclui o texto do Credo adaptado à forma de perguntas do celebrante, às quais respondem afirmativamente os fiéis.

No Rito Tridentino, chamado também a Forma Extraordinária do Rito Romano, o texto é o do Credo Niceno-constantinopolitano. Esta designação se explica pelo fato de que ele se formulou no Concílio de Nicéia (donde é niceno) e no Concílio de Constantinopla (donde é constantinopolitano), no século IV. Aqui o copio em português:

Creio em um só Deus,
Pai todo-poderoso,
Criador do céu e da terra
De todas as coisas visíveis e invisíveis.

Creio em um só Senhor, Jesus Cristo,
Filho Unigénito de Deus,
nascido do Pai antes de todos os séculos:
Deus de Deus, Luz da Luz,
Deus verdadeiro de Deus verdadeiro;
Gerado, não criado, consubstancial ao Pai.
Por Ele todas as coisas foram feitas.
E por nós, homens, e para nossa salvação
desceu dos céus

E encarnou pelo Espírito Santo,
no seio da Virgem Maria.
e Se fez homem.
Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos;
padeceu e foi sepultado.
Ressuscitou ao terceiro dia,
conforme as Escrituras;
e subiu aos céus,
onde está sentado à direita do Pai.
De novo há-de vir em sua glória,
para julgar os vivos e os mortos;
e o seu reino não terá fim.

Creio no Espírito Santo.
Senhor que dá a vida,
e procede do Pai e do Filho;
e com o Pai e o Filho
é adorado e glorificado:
Ele que falou pelos Profetas.

Creio na Igreja una, santa,
católica e apostólica.
Professo um só baptismo
Para remissão dos pecados.
E espero a ressurreição dos mortos,
e vida do mundo que há de vir. Amém

Na Forma Ordinária do Rito Romano, a Missa Nova, o Rito de Paulo VI introduzido em 1969-1970, o texto é o mesmo. Para alguns países existiu a permissão para se usar o Símbolo dos Apóstolos. Agora, já há alguns anos, ambos os textos estão aprovados para todos os países. O referido Símbolo dos Apóstolos, de modo geral, é mais conhecido dos brasileiros que assistem ao Rito Novo; além disso, é com ele que começa o Rosário da Virgem Maria. Em português:

Creio em Deus Pai Todo Poderoso, Criador do céu e da terra, e em Jesus Cristo, seu único filho, Nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado morto e sepultado; desceu à mansão dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus; está sentado à direita de Deus Pai Todo Poderoso, de onde há de vir a julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo, na Santa Igreja Católica, na comunhão dos Santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne, na vida eterna. Amém.

Ao copiar aqui ambos os textos, lembro-me de que os dois mencionam a onipotência divina. Deus é Todo Poderoso, se me permitem as letras maiúsculas de que alguns não gostam muito. Imploro a todos os sacerdotes que, todas as vezes em que o texto litúrgico diga “Todo Poderoso”, leiam de fato “Todo Poderoso”. Vejo alguns substituindo esta expressão por “Todo Amoroso” ou “Todo Misericordioso”, como se fosse necessário diminuir o poder de Deus para torná-lo aceitável aos fiéis. O poder e a misericórdia não são incompatíveis, e ninguém se deverá sentir oprimido por um Deus “Todo Poderoso”, achando que Ele não tem misericórdia. Caso algum fiel sinta isso, será bem instruído pela boa catequese.

Embora eu não veja esse abuso cometido no Credo, vejo-o cometido nas bênçãos: “Abençoe-vos Deus Todo Amoroso [sic] ... Pai, Filho e Espírito Santo”.

Toda adulteração de texto litúrgico é grave, e adulterar o Credo constitui-se em um tipo especial de crime, já que nele são enumerados os artigos da Fé. Um “roteiro de celebração” para o infame "Grito dos Excluídos" de 2007 inclui entre seus numerosos absurdos uma “Proclamação de Fé e Esperança”, no lugar do Credo:


Cremos em Deus, coração materno, criador do Céu e da Terra, cremos na força do mutirão e na força profética do povo organizado (...) cremos (...) nas alternativas de economia popular solidária (...).
Caso o leitor tenha interesse em examinar por si esse tipo de coisa, eis o link: http://www.gritodosexcluidos.org/pdf/roteiro_celebracao_2007.pdf
Por outro lado, o Credo escapou a um outro problema, nomeadamente o da música inadequada. Creio podermos dizer que nuns 90% das Missas dominicais, ao menos no Brasil, o Credo é recitado, e não cantado. O Gloria, infelizmente, não teve esta sorte. O Credo também apresenta estrutura incompatível com melodias métricas e muito regulares, o que deve ter desencorajado tentativas de musicá-lo.

Refiro-me, naturalmente, à utilização do Credo (quaisquer dos textos) no Rito Novo, em vernáculo (português, no nosso caso). Existem melodias gregorianas para o Credo Niceno-constantinopolitano em latim, além das composições polifônicas de compositores diversos, até nossos dias.

Uma consulta ao Graduale Romanum mostra que as melodias para o Credo se encontram em parte separada do livro. Além disto, são menos numerosas (seis), o que se explica pelo fato de que o Credo se tornou parte fixa da Missa relativamente tarde, no século XI.

Possivelmente o Credo mais conhecido seja o de número III. Sua pouca idade é informada pela partitura: ficamos sabendo que esta melodia é do século XVII, recentíssima em termos de canto gregoriano. Mesmo assim, temos, por exemplo, o Credo I proveniente do século XI. Abaixo, o início da partitura do Credo III.




No vídeo abaixo o leitor poderá ver e ouvir o Credo III utilizado na Basílica de São Pedro na celebração do Natal do Senhor em 2010. A frase inicial Credo in unum Deum é cantada pelo Santo Padre, após o que o coro toma sua parte, alternando com os fiéis.

Por se tratar da Missa de Natal, todos se ajoelham no trecho et incarnatus est de Spiritu Sancto ex Maria Virgine et homo factus est [e encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e Se fez homem]. Neste vídeo, especificamente, este trecho contém harmonizações vocais da melodia gregoriana. Terminada esta parte, o Credo III prossegue normalmente.


Abaixo o leitor encontra também o mesmo Credo III cantado pelo professor Giovanni Vianini.


Nos outros textos desta série sobre o Próprio da Missa referi-me à Missa Papae Marcelli, de Palestrina (1525-1594), considerado por inúmeras pessoas o maior compositor de música litúrgica do Rito Romano. Certamente “inúmeras pessoas” deixa a autoria desse julgamento demasiado obscura, mas o leitor poderá constatar, quando ler sobre a música da Igreja Católica, que esta opinião tem muito mais adeptos do que opositores.

Um dos defensores dessa primazia de Palestrina é o regente do próximo vídeo: um padre italiano chamado Domenico Bartolucci, nascido em 1917 e feito cardeal pelo Santo Padre Bento XVI no consistório de 2010. Aqui ele rege o coro da Capela Sistina no Credo da Missa Papae Marcelli. O cardeal Bartolucci (então monsenhor Bartolucci) ocupou este cargo por muitos anos.


Mesmo que não seja a situação mais corriqueira, desejo tanto que tenhamos a sabedoria e a oportunidade de presenciar a Liturgia aptos a contemplar um Credo cantado de onze minutos!
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