Fala-se muito da participação dos fiéis na Missa. É interessante perceber que também o sacerdote pode ampliar a sua participação na Sagrada Liturgia, e de maneira que tanto soleniza as ações sagradas que se aumenta também o fruto colhido pelos fiéis.
É disto que fala este importante texto de Jeffrey Tucker, publicado no dia 12 de Abril passado, no
Chant Café, e aqui traduzido pelo Salvem a Liturgia.
Creio que será de grande interesse para todos, e especialmente para os sacerdotes.
Notas do tradutor aparecem entre colchetes, em vermelho. Quando o leitor encontrar a palavra chant, trata-se da palavra inglesa que, significando "canto", refere-se não a qualquer canto, mas aqui ao canto litúrgico autêntico da Liturgia. Todo canto é singing, mas nem todo singing é chant.
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Todo mundo sabe que o católico comum tem um problema com o canto. Não importa quantas palestras sejam dadas, nem quanto o cantor mexa com os braços, o canto numa paróquia católica é sempre mais baixo do que em qualquer congregação protestante.
Não estou entre aqueles que acham que isso seja um problema central da liturgia a ser consertado. Da minha parte, acho irritante, quando visito uma paróquia e canto, que algumas pessoas me encarem como se dissessem “ei, aqui não fazemos isso!”. No final, o que importa na Missa não é que todos cantem com o máximo de sua voz, mas o movimento interior de oração e contemplação.
Quanto ao canto, um problema muito mais sério se refere ao celebrante. Suas partes devem ser cantadas tanto quanto possível, e com a maior frequência possível. Aqui temos um problema. Quando as partes não são cantadas, o povo não canta os diálogos (“O Senhor esteja convosco” – “Ele está no meio de nós”) [que, traduzindo do original latino, é mais exatamente “O Senhor esteja convosco” - “E com o teu espírito”] e estas partes são as mais fáceis e mais comumente cantadas. Quando os diálogos são falados, a estrutura litúrgica é desestabilizada porque o único canto vem do coro, e isso reforça a ideia de que a música é mero pano de fundo para entretenimento, como simples apresentação artística.
Em 2007, a USCCB [a “CNBB” dos Estados Unidos] emitiu um documento chamado “Sing to the Lord” (“Cantai ao Senhor”). Sobre a necessidade de o sacerdote cantar, eis o que ele diz:
“Nunca é demais enfatizar a importância da participação do sacerdote na Liturgia, especialmente por meio do canto. O sacerdote canta as orações presidenciais e diálogos da Liturgia de acordo com suas capacidades, e encoraja a participação cantada na Liturgia por seu próprio exemplo, juntando-se assim ao canto da assembleia... Seminários e outros programas de formação sacerdotal devem treinar os sacerdotes para que cantem [chant] com confiança as partes da Missa que lhe competem. Os sacerdotes capazes devem ser treinados na prática de cantar [chant] o Evangelho em ocasiões mais solenes nas quais não esteja presente um diácono. No mínimo, todos os sacerdotes devem cantar com segurança as partes da Oração Eucarística que lhe competem, cuja notação musical consta do Missal Romano.”
Apesar da linguagem desajeitada e sem imaginação, a mensagem está correta. Ainda assim, de novo, a exortação permanece sem efeito. Por quê? Eis minha teoria. Nossa cultura trata a noção de “canto” como algo feito por especialistas, artistas, estrelas pop, e sempre para deleitar o público. American Idol. Cantar é isso. O sacerdote nota o contraste entre si mesmo e essas pessoas, e chega à conclusão inevitável: não sou cantor. Sério, vocês não querem ouvir a minha voz. Eu não consigo cantar nem mesmo uma melodia simples. Portanto, não vou cantar a liturgia. Estou poupando vocês dessa dor.
Sabe o que é pior? Essa noção errada sobre o canto é reforçada pela presença da música pop na Missa. Música pop estimula o ethos de apresentação artística. Acordes típicos de linguagem jazzística e uma sensibilidade de balançar com a cabeça ao som da música força essa ideia de que o canto é só para aqueles que querem ser amados e admirados por seus grandes talentos. Grupos de música que fazem esse tipo de música aumentam a falta de envolvimento do sacerdote no canto.
Não é à toa que poucos bispos, nos Estados Unidos, cantam suas partes. É porque estão muito acostumados à música pop e ao ethos pop que está dominando a Missa. Do mesmo modo que uma pessoa muito falante não deixa você balbuciar sequer uma palavra, este estilo de música não gosta que o celebrante murmure uma nota sequer. Esta música deixa de fora o canto litúrgico simples [chant]. O celebrante acaba acreditando que não há espaço para ele na Missa.
Deveria haver uma palavra diferente para designar o que realmente se requer do celebrante. Não se requer dele tornar-se uma estrela, nem entreter ninguém. Não está em busca de um canal no Pandora, nem tentando vender downloads no iTunes. Não está tentando vencer uma competição. Na concepção que a Igreja tem do canto do sacerdote não há muita diferença entre o canto e a fala. Esse canto é uma fala com um tom de voz um pouco diferente, em que uma nota “decola” do chão que é o nível comum de conversa e coloca as palavras em voo. É um simples deslocamento que faz uma diferença enorme no modo com que as palavras se transmitem.
Pessoalmente, nunca ouvi um sacerdote que não pudesse cantar as partes que lhe é pedido cantar. Eu vou mais longe e digo que o sacerdote mais qualificado é precisamente aquele que pensa que não é. Isto implica em certa humildade, necessária para se cantar na Liturgia.
O primeiro passo, que qualquer sacerdote pode dar já nesta semana, é encontrar uma nota e enunciar as palavras da Missa nessa mesma nota, ao invés de simplesmente dizê-las. Mantenha o ritmo da fala. Não há necessidade de mudar de nota, no início. Apenas escolha uma nota, aleatoriamente, que seja confortável, e vá adiante com o texto da Missa. Já estará cumprindo o que a Igreja pede com este pequeno ato.
Conheço um padre que passou pelo seminário e pelos seus primeiros anos de sacerdócio sem cantar uma única nota. Estava convencido de que não sabia fazer isso. Ele não era cantor e se recusava a cantar. Sem negociação. Era assim.
Um dia esse sacerdote ouviu esse conselho, essa observação: cantar a Liturgia não é como cantar na Broadway ou fazer um teste para um musical. Uma nota é suficiente no começo. Então ele tentou isso na Liturgia. E o que houve? Ele foi simplesmente brilhante. Foi fantástico. As palavras ficaram muito claras e o texto foi enobrecido e elevado. Ele gostou muito porque soube imediatamente o que essa pequena ação fez à Liturgia. Ela mudou todo o ambiente, que se tornou mais solene e mais belo. E isto foi só o começo. Nas semanas seguintes, ele tentou mais. Logo havia superado seus medos e redefinido a si mesmo e suas próprias habilidades.
A Missa em que eu o ouvi fazer isto era, antes, cheia de cantos da schola cantorum e do povo, que cantavam [chant] as partes da Missa sem acompanhamento. Isto tudo facilitou sua primeira tentativa de se integrar a uma estrutura estética que já existia. Talvez tivesse sido diferente se o coro cantasse jazz ou rock ou se houvesse um grande solista que impressiona o público. Crendo que um simples canto seria algo deslocado, ele poderia nunca ter tentado.
A solução, pois: o coro deve cantar [chant]. É o que dá ao sacerdote a confiança para tentar cantar suas partes. E ele é capaz, sem nenhuma dúvida. Então começaremos a ver mudanças nos fiéis em sua participação no canto [chant].