O ano litúrgico está chegando ao fim, e outro começa com o próximo I Domingo do Advento. Servimo-nos da oportunidade para apresentar um excerto do magnífico tratado “Historia de la liturgia”, de Mario Righetti:
A Igreja compôs, laboriosamente, através dos séculos e compõe hoje em dia as próprias festas, segundo a frase de Tertuliano, com a mesma finalidade com que presidiu o surgir e o organizar-se do primeiro núcleo festivo. Os mistérios da vida de Cristo, junto com as gestas dos santos, que foram seus mais fiéis imitadores, são para ela como um memorial, ao qual todo cristão deve constantemente atender para realizar com Cristo e por Cristo a própria formação sobrenatural. O ano litúrgico não quer ser, portanto, uma simples evocação histórica dos fatos da redenção, nem sequer uma gloriosa resenha de heróicas figuras de santos. Mais que uma página de história, é uma página de vida, daquela vida divina que se nos dá por ter Cristo vindo a terra. Ut vitam habeant et abundantius habeant.
Mas para que isto se realize, é necessário estabelecer contato entre Cristo santificador e seus fiéis. Esse contato vivo e vivificante foi estabelecido desde o princípio pela Igreja na Missa e nos sacramentos.
O Cristo que se reproduz na Santa Missa e se oferece no altar é o Cristo da Encarnação no seio da Virgem, do nascimento em Belém, vida escondida em Nazaré; o mesmo Jesus que no Cenáculo instituiu a Eucaristia; que sofreu, morreu e ressuscitou, e que subiu aos céus e que lá em cima, junto do Pai, perpetua seu sacerdócio. Eis aqui porque, nas várias solenidades do ano, exceto no Ofício e no prefácio diriascálico próprio do dia, é sempre e sobretudo a Missa a que serve para celebrar os mistérios de Cristo e os aniversários de seus santos. De igual maneira, quer a Igreja celebre as múltiplas festas marianas, quer a consagração de seus sacerdotes e as bênçãos núpcias sobre os novos esposos, é sempre o sacrifício eucarístico o que constitui o rito central da solenidade, já que, pelos méritos da Cruz e da plenitude da graça que há em Cristo-cabeça, flui todo carisma ao organismo todo da Igreja, que é precisamente seu Corpo Místico, seu verdadeiro pleroma, como a chama o Apóstolo. Essa união dos cristãos a Cristo está belamente expressa na liturgia, que de cada altar faz uma espécie de tumba, onde, sob a mesa palpitam os ossos dos mártires, a fim de que associem a humildade de seu sacrifício capital à Paixão do Senhor.
Desta forma, a liturgia dos santos não resulta uma liturgia colateral, senão que se use e se enxerta toda na divina liturgia dos mistérios de Cristo. Na única liturgia cristã revive Cristo: Cristo-cabeça na celebração de seus mistérios redentores; Cristo-corpo na celebração da liturgia santoral. Naqueles, Cristo comunica à Igreja sua vida; nesta, a Igreja oferece por Cristo ao Pai a santidade que recebeu de seu Esposo.
Depois, nada há tanto em função dos mistérios de Cristo celebrados e revividos no ciclo litúrgico como os sacramentos, efetiva comunicação vital da alma ao grande mistério da graça, dada por Cristo na Encarnação e participada através das sete artérias sacramentais. A liturgia dos sacramentos derivou, inclusive historicamente, do ano eclesiástico, e ninguém ignora a íntima conexão do Batismo e da Eucaristia com o mistério pascal, das Ordens sagradas com as Têmporas, da consagração dos óleos sacramentais com a Quinta-feira Santa, da Penitência com a Quarta-feira de Cinzdas e a Sexta-feira Santa, do catecumenato com a Quaresma etc. Quer dizer, a Igreja não separa os sacramentos dos mistérios de Cristo revividos no ciclo litúrgico, senão que estão vinculados essencialmente e levam sua virtude santificadora às almas.