Enquanto gozamos nossas nem tão merecidas férias, apresentamos o último artigo antes do recesso de nossa equipe, que voltará em fevereiro com mais artigos em defesa de nossa santa liturgia.
O artigo em questão é de um amigo da Arquidiocese de São Paulo:
O artigo em questão é de um amigo da Arquidiocese de São Paulo:
Estava indo dormir mas algo me perturbava…qual a razão da Liturgia encerrar o Ciclo do Natal com a Festa do Batismo de NSJC. Algo me moveu e sentei-me aqui para escrever o que me ocorreu.
Tentando lembrar da Santa Missa somente conseguia visualizar uma única palavra: REVELAÇÂO. Talvez dita na homilia pelo sacerdote, talvez preciosamente escondida em alguma das orações do dia…não sei, mas ela brilhava diante de mim tal qual a cena do Jordão, somente ela: REVELAÇÂO.
E como em um quadro foram ficando claras as idéias que me deixaram perturbado e ao mesmo tempo imensamente feliz. O ciclo litúrgico do Natal é precedido pelo frutuoso e piedosamente adornado Tempo do Advento, nele vemos surgir os integrantes de um colorido jogral que ecoará sinfonicamente no “Gloria in excelsis” executado pelos músicos celestes. Este cântico de alegria só é inteiramente executado após o aparecimento dos cantores divinos que seguindo a pauta já apresentada pela Virgem, explodem no jubiloso cantar rompendo céus e terras. O Advento é a espera tranquila da mãe gestante, acariciando a barriga enquanto canta algo tradicional de seu povo para que a criança não ache tudo muito estranho, para que vá se acostumando com sua voz. O Advento é o acender gradual das luzes, como o pai querendo acordar o filho vai iluminando o quarto aos poucos – a porta se abre, uma janela, outra janela… - e por fim é o luminoso sorriso paternal que tudo ilumina. No Natal todos sorriem para o Divino Menino, mas o sorriso que ilumina é o dele. Quem foi trazendo a luz aos poucos para que não ficássemos cegos – e tivéssemos medo da luz – foi o Menino. Quando pensamos que Ele acorda do sono profundo que tinha no ventre materno é Ele quem nos acorda do sono profundo do pecado. O acender de velas do Advento contrasta fortemente com o apagar das luzes na Quaresma, as trevas vão vencendo e não tão vagarosamente como se pensava, as trevas possuem fome de vida e de esperança. A Quaresma não é a espera tranquila, não é o Menino que traz a luz para o quarto dos pais no dia de aniversário de casamento…é a angustiante incerteza dos familiares que acompanham o declinar de um membro doente e sem muita esperança – as trevas o desejam. O Advento que na alegria juvenil da Virgem faz os anjos pasmarem diante do Ó da donzela é diferente da Quaresma que diante do Ó doloroso do Salvador faz os céus tremerem de pavor e compaixão. Uma sinfonia barroca é o Advento, com suas matizes coloridas e movimentos alternados. Um noturno canto gregoriano se parece a Quaresma, com seu modular constante de vozes graves. Tudo isso para dizer que Deus gosta de surpresas.
Explico. Chesterton em suas obras afirma que Deus é mais novo que nós, ouso acrescentar que além de novo Ele gosta de surpresas; sendo novo e gostando de surpresas Ele é uma criança. Gostamos da sensação de “amadurecer”, dos direitos que se adquirem com o avançar da idade, mas deixamos de gostar de surpresas. Com o passar do tempo vamos aprendendo os caminhos pelos quais as coisas seguem e as surpresas deixam de existir, viram rotina. Crianças não suportam rotinas. Deus “odeia” rotina.
O Natal em todos os sentidos é a expressão do reino da surpresa e do combate da rotina instaurado por Deus na terra. Deus se faz uma criança, Ele literalmente o é. A cena do presépio parece pintada pelo mais ingênuo garoto de interior, sua mãe e seu pai; vários animais engraçados ao seu redor e que com seus barulhos fazem-no sorrir; alguns estranhos homens e meninos também que parecem assustados por verem alguém tão feliz com tão pouco. MAS não é somente Deus que gosta de surpresas e não são todas que são boas ou divinas. Herodes prepara uma grande surpresa, uma surpresa forjada pelo ódio e expressão máxima do egoísmo. A surpresa de Herodes não foi planejada por um Deus alegre cercado de anjos cantores em nuvens de algodão, ela foi desenhada por um homem qualquer cheio de si, um homem da rotina.Um deus fazendo festa para alguns bois que estão ao seu redor e algumas ovelhas que gemendo fazem ele rir é algo extraordinário. Um homem que manda matar crianças, é algo perfeitamente imaginável.
Chesterton – eu gosto dele – diz que Cristo nascendo em uma gruta abala as estruturas da sociedade naquele tempo, vindo por baixo Ele é como uma bomba relógio pronta para explodir o duro palácio de Herodes. Deus vindo por baixo nos surpreende, quebra a rotina. E Ele vem por baixo para nos lembrar onde estamos e o que somos. Somos míseros, somos mesquinhos, somos egoístas, sujos e menos limpos que os bois que fazem o Menino Deus sorrir. Desde o início Cristo mostra que suas companhias não são as mais requisitadas. MAS Ele vem por baixo não para nos esmagar em nossa mísera condição, é engraçado ver que ao contrário do que se esperava os anjos aparecem sozinhos a cantar, justamente para dizer que Deus não está acima, mas abaixo dos pastores. Deus surge por baixo para ali, simplesmente ali, mostrar o quanto nos ama.
As surpresas de Deus não param por aí, convida para sua “festa de aniversário” alguns bons homens do Oriente que trazem presentes que com certeza causariam inveja aos outros convidados. Destoava daquele pobre cenário os ricos presentes, penso que nem devem ter ficado ali por muito tempo, com certeza o maior presente era a atitude humilde e reverente de tão doutos homens. A Liturgia em sua grandeza chama tal momento de Epifania, mas quem brilha naquele momento são os reis que trazem itens valiosos! Pelo contrário, somente alguém grande – divino – poderia fazer cabeças tão cheias de conhecimento se curvarem diante de um menino envolto em faixas e no colo da sua envergonhada mãe.
O ciclo do Natal é o ciclo da REVELAÇÃO de Deus, revelação fora da rotina e cheia de surpresas. Entre o Natal (Deus que surpreende os humildes) e a Epifania (Deus que surpreende os sábios e poderosos) algumas pessoas aparecem para serem lembradas. Santo Estevão, São João e os Santos Inocentes. Todos possuem em comum o fato de serem puros. Estevão o primeiro mártir vê o céu aberto e contempla o prêmio que muitos outros milhares iriam e vão ainda alcançar. João reclinado no peito do Divino Mestre ouve aqueles batimentos que seriam brutalmente interrompidos na cruz, o coração divino batia por todos, mas principalmente pela Mãe. Só quem conhecia tais sons poderia acolher mulher tão nobre em sua casa. Os santos inocentes – todos sem nome – prefiguração sombria dos milhões que não teriam a oportunidade de ouvir o nome suave de Jesus, mas que por bondade divina podem descansar em seus braços.
A última grande pessoa é a Mãe desse Deus amante das surpresas. Criando- a em tal perfeição Ele fez uma surpresa sobre a qual somente Ele venceria em originalidade. Uma reflexão particular – muito do que disse acima penso não ser novidade – quando todos fazem a contagem regressiva gosto de lembrar que dia primeiro de janeiro é a Solenidade da Mãe de Deus. Ok até aí tudo bem…Mas imagino que toda essa festa e todos esses preparativos foram feitos do mesmo modo quando a Virgem disse o SIM. Toda a natureza se vestiu de branco – Virgem era aquela que eles esperavam – os homens fizeram seus melhores desejos para o FUTURO DIVINO que viria. Os anjos afinavam instrumentos, passavam as últimas notas (como no show da “virada) e eis que a Trindade Santa começa uma contagem regressiva…10,9,8 o suspense aumenta 7.6.5 os corações já vibram de alegria 4,3,2 e 1. Um grande grito de alegria jorra pelo Universo, a Trindade Santa em um abraço de comemoração não se contenta e imediatamente o Verbo Eterno desce em infantil alegria para o encontro de sua mãe. Os fogos de artifício no céu são como as luzes dos olhos de Maria rasgando a noite sombria da dúvida humana.
No Batismo a REVELAÇÃO iniciada no Natal atinge um nível de surpresa jamais visto. Deus feito Homem não se contenta em tal condição, mas desce até as águas imundas onde boiavam os pecados daqueles que eram batizados por João e levantando-se REVELA que o assumir de nossa natureza não o faz menos Deus, não o faz menos Homem. O Pai e o Espírito que tudo assistiam rejubilam ao ver o Verbo coberto pelas sujeiras humanas, aquela água não o tinha purificado, e em um momento de incontida alegria (algo comum) se faz ouvir a voz criadora de tudo e o Espírito que pairava sobre as águas informes e mortas, paira novamente sobre o Cordeiro de Deus. O quadro se completa, aquele Deus vindo por baixo surge das águas – como o barro – a voz suave afirma sua predileção como uma vez havia dito sobre Adão e soprando envia seu Espírito sobre o Novo Homem. A nova criação somente tem uma ordem: “Ouvi-o!”