Do Zelo Zelatus Sum publicamos um belíssimo trecho do livro JESUS, REI DE AMOR, do Pe. Mateo Crawley-Boevey, SS. CC.
Alguns pontos a comentar:
- a expressão "por Ele, com Ele e nEle" é uma tradução mais fiel aooriginal latino "per ipsum, et cum ipso, et in ipso", que, na tradução vigente no Brasil, aparece como "por Cristo, com Cristo e em Cristo";
- a rubrica das cinco cruzes que o sacerdote realiza pertence ao Missal tridentino, atual Forma Extraordinário do Rito Romano.
Eis o trecho em questão (os grifos são da fonte original):
Para que se compreenda bem a imponente majestade da Missa, evocarei agora, cheio de emoção, um gesto do celebrante que resume admiravelmente todo o ideal de glorificação da Trindade pelo admirável Pontífice e Mediador da Santa Missa. Parece-me que nesse momento, mil vezes sublime, os nove coros dos Anjos, toda a assembléia dos Santos, e o Purgatório, circundando de perto o celebrante, bebem suas palavras e ficam suspensos a seus gestos, impregnados de divina majestade.
Pouco depois da consagração, o sacerdote, tendo na mão direita a Hóstia divina, traça com Ela cinco cruzes sobre o Preciosíssimo Sangue, dizendo: “Por Ele, com Ele e n’Ele, a Ti, Deus Pai Onipotente, na unidade do Espírito Santo, damos toda honra e glória!” e, com essas palavras, eleva ao Céu a Hóstia e o Cálice juntos.
Sublinhemos com ardor a grandeza inexprimível desse gesto, divino entre todos…
O próprio genial São Paulo, descendo do terceiro Céu, teria tido a eloquência necessária para explicar-nos toda a majestade dessa fórmula litúrgica, de infinita riqueza de significado?
Por Ele, o Homem-Deus de Belém, do Tabor e do Calvário, realmente presente nas mãos do padre, tal como estava presente nas mãos de Sua Mãe Santíssima…
Com Ele, o Homem-Deus crucificado, morto e ressuscitado… que subiu aos céus e está sentado, como Deus à direita do Pai, e a quem o Pai conferiu todo poder no céu e na terra…
N’Ele, o Homem-Deus, por Quem e para Quem tudo foi criado, que foi constituído Rei imortal, e que virá sobre as nuvens do céu, como Juiz, a julgar os vivos e os mortos…
Sim: por Ele, com Ele e n’Ele, glória infinita à Trindade adorável e augusta!
Se neste momento lhe fora milagrosamente revelado, em clarão divino, toda a significação desse gesto, morreria o celebrante, não de temor, porém de emoção e júbilo!
Somente à Virgem-Mãe coube o insigne privilégio de antecipar-se ao padre, mediante a oblação por Ela feita do Filho ao Pai, em Belém, no templo de Jerusalém, e no Calvário.
Não é, pois, exato ser a Santa Missa o hino oficial de glória, único digno da Trindade augusta?
E nessa ordem de idéias, saboreemos deliciosamente a magnífica estrofe desse hino, pelo próprio Cristo ensinando aos apóstolos, e tal como Ele o canta no Altar, pela voz e liturgia da Igreja: “Pai nosso que estais no céu… Pai santificado seja o Vosso nome!… Pai, venha a nós o Vosso reino!… Pai, seja feita a Vossa vontade, assim na terra como no céu!…”
Consideremos que o orante que assim reza é o próprio Verbo Encarnado, o Filho de Deus e de Maria Santíssima, que no Altar exalta a glória d’Aquele que é Seu Pai e nosso Pai!
Podemos pois afirmar que a criação do Universo, tirado do nada, é apenas pálida centelha de glória, quando comparada à glória que Jesus, Grão-Sacerdote, rende no Altar às Três Pessoas da Trindade augusta.
E agora, fixos o olhar e o coração no Gólgota do Altar, façamos uma audaciosa hipótese, legítima e verossímil criação de nossa fantasia… o próprio Senhor a utilizou para pintar os inimitáveis quadros de Seus discursos figurados e de Suas incomparáveis parábolas.
Suponhamos que, desde os tempos dos imperadores romanos Augusto e Tibério, já tivessem sido descobertos e vulgarizados os maravilhosos aparelhos de televisão, com aperfeiçoamento ainda maior que os de hoje. (Como atualmente, diria o Pe. Mateo). E suponhamos que César, informado por seus agentes acerca da emoção produzida na Palestina pela prédica de Jesus, e sobre a resolução do Sinédrio de fazê-Lo morrer, houvesse ordenado a Pilatos o envio a Roma, juntamente com os autos do processo, de um filme do drama da crucifixão do pretenso Rei dos Judeus.
Qual não seria nossa indizível emoção se esse filme sonoro-visual, reprodução exata, fotográfica, do deicídio da Sexta-feira Santa, nos fosse exibido nas igrejas, antes do Santo Sacrifício da Missa! Tal filme seria uma visão autêntica, de ordem natural e científica, do divino drama da nossos altares. Ele nos permitiria ouvir as sete palavras de Jesus, e também as blasfêmias pronunciadas pelos inimigos diante da vítima adorável. Veríamos com os próprios olhos o que viram as três testemunhas fiéis, Maria, João e Madalena, desde o meio-dia até as três horas da tarde.
Pois bem: infinitamente maior do que tudo isto é a maravilhosa realidade que, através do fino e transparente véu, nos mostra a Fé, incapaz de nos enganar, quando, bem instruídos e piedosos, assistimos ao Santo Sacrifício! o filme teria apresentado um fato passado, tal como o santo sudário de Turim, ao passo que a Santa Missa nos oferece uma realidade atual e presente!
Essa mesma Missa, renovada, reproduzida, prolongada, através do tempo, constitui essencialmente nossa Missa quotidiana… Mais uma vez insistimos: não se trata de um belo símbolo religioso, ou de um filme admirável tirado, digamos, pelos Anjos: trata-se da admirável e divina realidade do Calvário, exatamente reproduzida no Altar, exceto a dor e o derramamento de sangue, pois a Vítima eucarística é hoje impassível, porque gloriosa.
É nesses princípios que se baseia o Concílio de Trento ao declarar que o Santo Sacrifício realiza, antes de tudo, uma obra de estrita justiça, resgatando as nossas faltas com o “Sangue do Cordeiro que apaga os pecados do mundo”.
É fato verificado, de ordem sobrenatural, que o Santo Sacrifício nos salva, aplacando a Justiça divina quando oferece, no Cálice, o preço já oferecido no Calvário. Sem tal resgate – único adequado – não teriam remissão os nossos delitos. Felizmente para nós, porém, Jesus morreu exclamando: “Pai, perdoa-lhes!”
Uma vez consumada a obra de rigorosa justiça, irrompe a misericórdia como sol fulgurante. Firma-se a reconciliação entre o céu e a terra revoltada… Deus, porém, exige a constante aplicação do Sangue redentor às cicatrizes de nossas almas pecadoras, o qual, derramado outrora no Calvário, enche agora o Cálice do Santo Sacrifício!
É de toda conveniência salientar com nitidez a diferença entre o Gólgota de Jerusalém e o Calvário de nossos Altares. Este é um Tabor glorioso, embora sempre purpureado de um sangue adorável… Digo, “glorioso” pois a Vítima que se imola é o Homem-Deus ressuscitado, vencedor da morte na madrugada do Domingo de Páscoa.
Ao mesmo tempo que Tabor, o Altar é também legítimo Calvário, radioso porque revestido dos esplendores da Ressurreição.
Ah! se não existisse o véu discreto do Mistério, nem mesmo o Santo Cura d’Ars teria ousado celebrar o Santo Sacrifício… e Santa Teresinha de Lisieux teria hesitado em aproximar-se da Mesa Santa, de tal modo a glória do Senhor ofusca, aos olhos dos Anjos, o celebrante e os fiéis. Assim, graças a penumbra do Mistério, torna-se o Altar acessível, e até convidativo, embora esteja muito mais perto do Céu que o próprio Sinai.
Assim compreendida, a oração oficial do Cristo Mediador durante a Missa é a única que tem o poder de atravessar as nuvens, indo atingir e empolgar o Coração do Pai… Esta súplica é verdadeiramente uma onipotência, pois que jorra do próprio Coração de Jesus, Mediador todo-poderoso. É Ele mesmo quem no-lo declara: “O Pai me ouve sempre!” Quando Ele reza, Ele ordena. Sua palavra realiza o que pede, pois Ele é Deus! Eis porque nossa primeira oração espontânea, nas visitas ao Santíssimo Sacramento, na adoração eucarística ou quando fazemos adoração noturna no lar, e sobretudo quando assistimos ao Santo Sacrifício, deveria ser sempre o “Cânon” da Missa, fórmula litúrgica mil vezes sagrada e venerável, por seu conteúdo dogmático e por sua antiguidade. Poderíamos desta forma unir-nos, em todas as horas do dia e da noite, aos milhares de celebrantes que elevam, como rutilante arco-íris, a Hóstia e o Cálice… E por meio deste tão simples impulso do coração, realizaríamos esplendidamente o “Glória a Deus nas alturas” dos Anjos, na noite de Natal.