A Igreja celebra hoje o mistério central da nossa fé, a Santíssima Trindade, fonte de todos os dons e graças, mistério inefável da vida íntima de Deus. A liturgia da Missa convida-nos a chegar ao trato íntimo com cada uma das Três Divinas Pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. A festa foi estabelecida para todo o Ocidente em 1334 pelo Papa João XXII, e ficou fixada para o domingo depois da vinda do Espírito Santo.
I. TIBI LAUS, tibi gloria, tibi gratiarum actio... “A Ti o louvor, a Ti a glória, a Ti a ação de graças pelos séculos dos séculos, ó Trindade Beatíssima”1.
Depois de ter renovado os mistérios da salvação – desde o nascimento de Cristo em Belém até a vinda do Espírito Santo no dia de Pentecostes –, a liturgia propõe-nos o mistério central da nossa fé: a Santíssima Trindade, fonte de todos os dons e graças, mistério inefável da vida íntima de Deus.
Pouco a pouco, com uma pedagogia divina, Deus foi manifestando a sua realidade íntima, foi-nos revelando como Ele é em si, independente de todas as coisas criadas. No Antigo Testamento, dá a conhecer sobretudo a Unidade do seu Ser, bem como a sua completa distinção do mundo e o seu modo de relacionar-se com ele, como Criador e Senhor. Ensina-nos de muitas maneiras que é incriado, que não está limitado a um espaço (é imenso), nem ao tempo (é eterno). O seu poder não tem limites (é onipotente): Reconhece, pois, e medita hoje no teu coração – convida-nos a liturgia – que o Senhor é o único Deus desde o alto dos céus até ao mais profundo da terra, e que não há outro2. Somente Tu, Senhor.
O Antigo Testamento proclama sobretudo a grandeza de Javé, único Deus, Criador e Senhor de todo o Universo. Mas também revela-o como pastor que busca o seu rebanho, que cuida dos seus com mimo e ternura, que perdoa e esquece as freqüentes infidelidades do Povo eleito... Ao mesmo tempo, vai manifestando a paternidade de Deus Pai, a Encarnação de Deus Filho, que é anunciada pelos profetas, e a ação do Espírito Santo, que vivifica todas as coisas.
Mas é Cristo quem nos revela a intimidade do mistério trinitário e o convite para que participemos dele. Ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar3. Ele revelou-nos também a existência do Espírito Santo junto com o Pai e enviou-o à Igreja para que a santificasse até o fim dos tempos; e revelou-nos a perfeitíssima Unidade de vida entre as Pessoas divinas4.
O mistério da Santíssima Trindade é o ponto de partida de toda a verdade revelada e a fonte de que procede a vida sobrenatural e para a qual nos encaminhamos: somos filhos do Pai, irmãos e co-herdeiros do Filho, santificados continuamente pelo Espírito Santo para nos assemelharmos cada vez mais a Cristo. Assim crescemos no sentido da nossa filiação divina. Assim nos convertemos em templos vivos da Santíssima Trindade.
Por ser o mistério central da vida da Igreja, a Santíssima Trindade é continuamente invocada em toda a liturgia. Fomos batizados em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, e em seu nome perdoam-se os pecados; ao começarmos e ao terminarmos muitas orações, dirigimo-nos ao Pai, por mediação de Jesus Cristo, na unidade do Espírito Santo. Muitas vezes ao longo do dia, nós, os cristãos, repetimos: Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo.
“– Deus é meu Pai! – Se meditares nisto, não sairás dessa consoladora consideração.
“– Jesus é meu Amigo íntimo! (outra descoberta), que me ama com toda a divina loucura do seu Coração.
“– O Espírito Santo é meu Consolador!, que me guia nos passos de todo o meu caminho.
“Pensa bem nisso. – Tu és de Deus..., e Deus é teu”5.
II. A VIDA DIVINA – da qual fomos chamados a participar – é fecundíssima. O Pai gera o Filho eternamente, e o Espírito Santo procede do Pai e do Filho. Esta geração do Filho e a espiração do Espírito Santo não são algo que tenha acontecido num momento determinado, deixando como fruto estável as Três Divinas Pessoas: essas procedências (os teólogos chamam-nas “processões”) são eternas.
No caso das gerações humanas, um pai gera um filho, mas esse pai e esse filho permanecem depois do ato gerador; o homem que é pai não é somente “pai”: antes e depois de gerar, é “homem”. Mas a essência de Deus Pai está em que todo o seu ser consiste em dar a vida ao Filho. Isso é o que o determina como Pessoa Divina, distinta das outras. Na vida natural, o filho que é gerado tem a sua realidade própria, mas a essência do Unigênito de Deus é precisamente ser Filho6. Em Deus, a Paternidade, a Filiação e a Espiração constituem todo o ser do Pai, do Filho e do Espírito Santo7.
Desde que o homem é chamado a participar da própria vida divina pela graça recebida no Batismo, está destinado a participar cada vez mais dessa Vida. É um caminho que é preciso percorrer continuamente. Do Espírito Santo recebemos constantes impulsos, moções, luzes, inspirações para avançarmos mais depressa por esse caminho que conduz a Deus, para estarmos numa “órbita” cada vez mais próxima do Senhor. “O coração necessita então de distinguir e adorar cada uma das Pessoas divinas. De certa maneira, o que a alma realiza na vida sobrenatural é uma descoberta semelhante às de uma criaturinha que vai abrindo os olhos à existência. E entretém-se amorosamente com o Pai e com o Filho e com o Espírito Santo; e submete-se facilmente à atividade do Paráclito vivificador, que se nos entrega sem o merecermos: os dons e as virtudes sobrenaturais!
“Corremos como o cervo, que anseia pelas fontes das águas (Ps XLI, 2); com sede, gretada a boca, ressequida. Queremos beber nesse manancial de água viva. Sem esquisitices, mergulhamos ao longo do dia nesse veio abundante e cristalino de frescas linfas que saltam até a vida eterna (cfr. Ioh IV, 14). Sobram as palavras, porque a língua não consegue expressar-se; começa a serenar-se a inteligência. Não se raciocina, fita-se! E a alma rompe outra vez a cantar com um cântico novo, porque se sente e se sabe também fitada amorosamente por Deus, em todos os momentos”8.
III. A SANTÍSSIMA TRINDADE habita na nossa alma como num templo. E São Paulo faz-nos saber que o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado9. E aí, na intimidade da alma, temos de nos acostumar a relacionar-nos com Deus Pai, com Deus Filho e com Deus Espírito Santo. “Vós, Trindade eterna, sois mar profundo, no qual quanto mais penetro, mais descubro, e quanto mais descubro, mais vos procuro”10, dizemos-lhe no recolhimento da nossa alma.
“Ó meu Deus, Trindade Santíssima! Extraí do meu pobre ser o máximo rendimento para a vossa glória e fazei de mim o que quiserdes no tempo e na eternidade. Que eu jamais levante o menor obstáculo voluntário à vossa ação transformadora [...]. Segundo a segundo, com intenção sempre atual, quereria oferecer-vos tudo quanto sou e tenho; e que a minha pobre vida fosse, em união íntima com o Verbo Encarnado, um sacrifício incessante de louvor de glória à Santíssima Trindade [...].
“Ó meu Deus, como quereria glorificar-vos! Oh, se em troca da minha completa imolação, ou de qualquer outra condição, estivesse em minhas mãos incendiar o coração de todas as vossas criaturas e toda a Criação nas chamas do vosso amor, como quereria fazê-lo de todo o coração! Que ao menos o meu pobre coração vos pertença por inteiro, que nada reserve para mim nem para as criaturas, nem uma só das suas pulsações. Que eu ame imensamente todos os meus irmãos, mas unicamente convosco, por Vós e para Vós [...]. Desejaria, sobretudo, amar-vos com o coração de São José, com o Coração Imaculado de Maria, com o Coração adorável de Jesus. Desejaria, finalmente, submergir nesse Oceano infinito, nesse Abismo de fogo que consome o Pai e o Filho na unidade do Espírito Santo e amar-vos com o vosso próprio infinito amor [...].
“Pai Eterno, Princípio e Fim de todas as coisas! Pelo Coração Imaculado de Maria eu vos ofereço Jesus, vosso Verbo Encarnado, e por Ele, com Ele e nEle, quero repetir-vos sem cessar este grito arrancado do mais fundo de minha alma: Pai, glorificai continuamente o vosso Filho, para que o vosso Filho vos glorifique na unidade do Espírito Santo pelos séculos dos séculos (cfr. Jo 17, 1).
“Ó Jesus, que dissestes: Ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar (Mt 11, 27), “mostrai-nos o Pai, e isso nos basta! (Jo 14, 8).
“E Vós, ó Espírito de Amor!, ensinai-nos todas as coisas (Jo 14, 26) e formai com Maria, em nós, Cristo Jesus (Gal 4, 19), até que sejamosconsumados na unidade (Jo 17, 23), no seio do Pai (Jo 1, 18). Amém”11.
(1) Triságio Angélico; (2) Deut 4, 39; Primeira leitura da Missa da Solenidade da Santíssima Trindade, ciclo B; (3) Mt 11, 27; (4) Jo 16, 12-15;Evangelho, ib., ciclo C; (5) Josemaría Escrivá, Forja, n. 2; (6) cfr. J. M. Pero-Sanz, El Símbolo Atanasiano, Palabra, Madrid, 1976, pág. 51; (7) Um Cartuxo, La Trinidad y la vida interior, 2ª ed., Rialp, Madrid, 1958, págs. 45-47; (8) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, ns. 306-307; (9) Rom 5, 5; Segunda leitura, ib., ciclo C; (10) Santa Catarina de Sena, Diálogo, 167; (11) Sor Isabel da Trindade, Elevación a la Santísima Trinidad, em Obras completas, 4ª ed., Ed. Monte Carmelo, Burgos, 1985, págs. 757-758.