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sábado, 16 de dezembro de 2017

Sim, o Advento é um Tempo Penitencial

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Por Gregory DiPippo / New Liturgical Movement
Tradução e adaptação: Daniel Pereira Volpato / Salvem a Liturgia!

O começo de todo novo ano litúrgico traz pelo menos um artigo nas partes católicas da web “explicando” que o Advento não é um tempo penitencial. O Código de Direito Canônico é geralmente citado, uma vez que o Advento não é incluído na lista “oficial” de dias e tempos penitenciais, juntamente com a Instrução Geral sobre o Missal Romano, que o descreve como um período de “piedosa e alegre expectativa” (NdT: Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário, n. 39), sem menção à penitência.

A realidade desta matéria é mais complexa.  As tradições da Igreja não são determinadas compreensivamente ou resumidas em um Código de Direito Canônico, tampouco em um Missal ou outro livro litúrgico. É verdade que o Advento não é um tempo de jejum, e não tem sido assim no Ocidente há muito tempo. Por outro lado, na Quaresma, o jejum, o mais antigo e universal sinal da natureza penitencial daquele tempo, foi reduzido a risíveis dois dias, e as muitas referencias à “jejum” foram ou removidas ou alteradas para “abstinência” nas orações e hinos da Liturgia quaresmal. E, ainda assim, ninguém afirma que a Quaresma não é, portanto, um tempo penitencial.

Domingo Gaudete na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Blackfen, Inglaterra, 2013
Em sua história, Advento e Quaresma têm liturgicamente muita coisa em comum, e, na verdade, isso não mudou muito no rito pós-conciliar. As cores litúrgicas destes tempos, o roxo e o rosa, permanecem as mesmas. (Mais sobre isso abaixo.) Desde tempos muito antigos, as vestimentas que simbolizam a alegria de um dia festivo, a dalmática e a tunicela, eram substituídas em ambos os tempos por casulas plicadas, as quais foram (inexplicavelmente) abolidas tout court, não apenas no Advento. (Nas igrejas que não as possuíam, o diácono e o subdiácono usavam a alva, e o primeiro também a estola.) No novo rito, a dalmática pode ser dispensada “por necessidade ou em celebrações menos  solenes” (IGMR, n. 338). Como não há indicação do que constitui “celebrações menos solenes”, é-se perfeitamente livre para tratar os Domingos do Advento como menos solenes do que as festividades do Tempo do Natal, e deixar a dalmática de fora. (Esta rubrica é tão vaga que conduziu, infelizmente e inevitavelmente, em certos lugares, ao abuso de diáconos nunca utilizarem a dalmática, e sim o arranjo penitencial de alva e estola, mesmo nas grandes solenidades.)

Na Missa, o Gloria in excelsis é omitido aos Domingos em ambas as Formas do Rito Romano. Nos dias feriais do Advento, o Aleluia é tradicionalmente omitido antes do Evangelho; embora opcional no Novus Ordo, é um modo perfeitamente lícito de continuar a observância de um costume histórico da Igreja. Tradicionalmente, Advento e Quaresma também são ambos marcados pela remoção das flores do altar e pelo silêncio do órgão. Isso foi levemente modificado na liturgia pós-conciliar: flores e órgão são proibidos na Quaresma (não apenas desencorajados), mas podem ser usados no Advento “com moderação tal que convenha à índole desse tempo” (IGMR 305 e 313). Novamente, a imprecisão das rubricas permite que eles sejam deixados completamente de lado.

A exceção à regra tradicional da supressão das flores e música do órgão dá-se nos Domingos Gaudete e Laetare, quando seu uso é permitido da mesma forma que em outros domingos e festas juntamente com as características vestimentas rosa, criadas como uma mitigação do violeta penitencial. A permanência do Domingo Gaudete no meio do Advento é o sinal mais claro de que o caráter penitencial deste tempo persiste.

E Se Não Fosse, Deveria Ser

Deixando tudo isso de lado, quando chegar a hora da Reforma da Reforma (e ela certamente chegará, embora não saibamos nem o dia nem a hora), deve-se admitir que a “piedosa e alegre expectativa” tem sido um fracasso e deve ser reparada.  Não parece ter alcançado nada no tocante a refrear a orgia do consumismo que atravessa o Natal em boa parte do mundo. A restauração de algum grau de jejum e penitência no Advento, algo já praticado por muitos a nível pessoal, seria uma poderosa declaração católica das razões para este tempo.

Pessoalmente, acho triste como muitas árvores de Natal são desmontadas já na noite do dia 26. Este é um dos muitos sinais de que, ao invés de ser tido como um tempo de expectativa e alegria, o Advento tornou-se, em muitos lugares, uma versão ao contrário das oitavas do Natal e da Epifania. Pastoralmente, a Igreja deveria encorajar os fiéis a testemunhar a importância do nascimento de Cristo mantendo o todo do tempo do Natal, com as muito antigas e importantes festas litúrgicas que se seguem, como a grande e prolongada festa que tradicionalmente era; reestabelecer o caráter formalmente penitencial do Advento certamente ajudaria nisso, da mesma forma que a Quaresma faz para a Páscoa.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

A celebração do Te Deum nas Repúblicas latino-americanas

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A maioria dos países de língua espanhola da América adotou a forma de governo republicana logo após a independência. Apesar da influência maçônica nos movimentos de independência e na política desses países bem como de leis que restringiam os bens e a influência da Igreja, as instituições republicanas impregnaram-se também de traços da tradição católica desses povos latino-americanos.

Quando o Brasil se tornou independente em 1822, adotou um governo monárquico, sob a dinastia de Bragança (a mesma família reinante de Portugal) e o início do reinado de seus imperadores era marcado pela cerimônia de coroação do Pontifical Romano, oficiada por um bispo na Capela Imperial do Paço da Cidade do Rio de Janeiro. Como a instituição do regime republicano no Brasil foi feito sob influência da ideologia positivista (contrária à influência das instituições religiosas na sociedade), nossa República não tem nenhuma cerimônia de origem católica que marque o início do mandato presidencial ou o dia da independência (as chamadas Festas Pátrias).

Em vários países da América de língua espanhola, é costume a celebração litúrgica do hino de ação de graças Te Deum laudamus para marcar o início do mandato do Presidente da República e/ou para celebrar o dia da Independência do país. Na Argentina e Paraguai, celebra-se uma Liturgia com o canto do Te Deum na posse do Presidente da República, bem como no dia da Independência. Na Colômbia, celebra-se a Liturgia da Palavra e o canto do Te Deum em presença do Presidente da República e autoridades maiores da nação no dia da Independência. No Peru, o Presidente da República assiste a uma missa de ação de graças com o canto do Te Deum no final da celebração no dia da Independência do país. No Chile, a posse de um novo Presidente da República e a celebração do dia da Independência é marcado por uma celebração ecumênica com o canto do Te Deum.

A tradição do Te Deum remonta às guerras de Independência, quando os generais dos exércitos Patriotas (pró-Independência)assistiam missa e ordenavam um canto do Te Deum para comemorar a libertação de um território dos exércitos Regalistas (a serviço do Rei da Espanha). Atualmente, essas cerimônias tem sido atacadas por defensores do laicismo, que acham que uma cerimônia pública de ação de graças feita pela Igreja Católica em conjunto com as autoridades civis atenta contra a separação entre Igreja e Estado.

A existência da cerimônia de Te Deum em países republicanos mostra que a Igreja não possui uma única forma de governo e também que se adapta às diferentes culturas, impulsionando com seus ritos os povos e seus governantes a buscarem em conjunto louvar a Deus e buscar a justiça e o bem comum.

Abaixo, alguns vídeos de celebrações do Te Deum em posses e Festas Pátrias.


Colômbia - celebração da Independência (20 de julho):



Peru - Missa e Te Deum no dia da Independência (28 de julho):




Chile - celebrações do dia da Independência (18 de setembro):




Argentina - celebrações da Independência (9 de julho) e da Revolução de Maio (25 de maio) e início de mandato:






quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Como devem ser as velas do Altar e o arranjo beneditino?

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Neste vídeo, o cavaleiro Michel Pagiossi Silva, membro e preceptor da Milícia de Santa Maria, e autor da série de livros "Entrarei no Altar de Deusexplica esta questão baseando-se nos documentos oficiais da Igreja, seja da Forma Ordinária como da Forma Extraordinária do Rito Romano.


Assista o vídeo de como devem ser as velas do altar e o arranjo beneditino.


terça-feira, 30 de agosto de 2016

Como devem ser as toalhas do Altar?

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Post original - http://www.movimentoliturgico.org/como-devem-ser-toalhas-altar/ 

Segundo vídeo do canal da Academia Internacional de Estudos Litúrgicos “São Gregório Magno” com uma resposta dada a pergunta de um leitor: “Como devem ser as toalhas do Altar?”.



Nele, o cavaleiro Michel Pagiossi Silva, explica a questão a partir dos documentos da Igreja na Forma Ordinária e Extraordinária do Rito Romano!




sábado, 23 de julho de 2016

Da suposta inovação na Festa de Santa Maria Madalena

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Alexander A. Ivanov - Aparição de Jesus Cristo a Maria Madalena (1835)
Ontem (22) celebramos a festa litúrgica de Santa Maria Madalena, que passou recentemente por alterações em sua classificação litúrgica. A respeito desta mudança e da suposta inovação que ela representaria, traduzo trechos de um artigo de Gregory DiPippo publicado no New Liturgical Movement:
"[..] um decreto da Congregação para o Culto Divino, que eleva a festa de Santa Maria Madalena, na Forma Ordinária, do grau de Memória Obrigatória para Festa, o mesmo grau em que se situam os Apóstolos, com exceção da Solenidade de São Pedro e São Paulo. Um novo prefácio foi adicionado a sua Missa, cujo restante permanece inalterado. [..] Seu Ofício será atualizado de forma mais perceptível, uma vez que agora deve haver salmos e antífonas próprias para o Ofício das Leituras, e Terça, Sexta e Nona não devem mais ser as da féria, como no caso das Memórias. Nenhuma referência foi feita à Forma Extraordinária, cuja festa permanece como de 3ª Classe; talvez a comissão Ecclesia Dei considerará elevá-la a 2ª Classe, por analogia ao novo decreto."
Comentando a balbúrdia gerada pelo fato do Papa Francisco elevar a festa de uma mulher para um grau em sua maioria ocupado pelos apóstolos, DiPippo esclarece:
"Não apenas isto não é uma novidade, é um retorno parcial a uma prática histórica do Rito Tridentino. No Breviário de São Pio V, que precede seu Missal em dois anos (1568), havia apenas três graus de festas: Duplex, Semiduplex e Simplex. A festa de Santa Maria Madalena era Duplex, ou seja, ela tinha duas Vésperas, antífonas dobradas nas horas maiores, nove leituras nas Matinas, precedência sobre Domingos comuns, e tinha que ser transferida caso impedida. É verdade que, mais tarde, quando as festas Duplex foram subdivididas em quatro categorias, ela permaneceu na mais baixa delas (juntamento com todos os Doutores, dentre outros). No entanto, os privilégios de seu grau litúrgico somente começaram a ser reduzidos no final do reinando do Papa Leão XIII, já no fim do século XIX.

"Como fiz perceber em 2014, num artigo sobre seu dia festivo, o Credo era tradicionalmente rezado na Missa de Santa Maria Madalena, em reconhecimento ao fato de que foi ela quem primeiro anunciou a Ressurreição aos Apóstolos. (Este aprazível costume foi removido do Missal Romano sem motivo discernível em 1955.) É por isso também que ela é chamada de "Apóstola de Apóstolos" em muitos textos litúrgicos medievais, como cantado pelos Beneditinos na antífona do Benedictus do seu Ofício:
"O mundi lampas, et margaríta praefúlgida, quae resurrectiónem Christi nuntiando, Apostolórum Apóstola fíeri meruisti! María Magdaléna, semper pia exoratrix pro nobis adsis ad Deum, qui te elégit."
Que Santa Maria Madalena interceda por todos nós.

domingo, 29 de maio de 2016

"Prefeito da Liturgia" pronuncia exortação à celebração ad orientem

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Missa versus deum rezada na Church of the Holy Ghost, em Tiverton, Rhode Island
Fonte: iPadre



O Cardeal Robert Sarah pronunciou recentemente um forte encorajamento à celebração ad orientem da Santa Missa. Nas palavras dele, leitor e assembléia devem estar voltados um para o outro durante a Liturgia da Palavra, "mas assim que chega o momento em que se dirigem a Deus - do Ofertório em diante -, é essencial que o padre e os fiéis olham juntos para o oriente. Isto corresponde exatamente ao desejado pelos Padres Conciliares".

A leitura na íntegra do artigo original encontra-se no Catholic Herald, e uma tradução ao português no Sensus Fidei.

Não é a primeira vez que o Prefeito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos trata da celebração versus deum - veja tradução de seu artigo publicado no L'Osservatore Romano aqui.

Esperamos que o Cardeal, enquanto prefeito do dicastério encarregado da Liturgia, consiga implementar este importante passo da reforma da reforma.

terça-feira, 22 de março de 2016

O mito do Evangelho Dialogado com o povo

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A Semana Santa. Certamente a mais bela semana que a Liturgia nos propicia, com seus ritos diferenciados e solenes, marcados por profundo significado simbólico e que procuram, a seu modo, repetir certos gestos e passagens de Nosso Senhor para atualizá-los, torná-los presentes.

(Foto: New Liturgical Movement)
A inabitualidade destes ritos, aliada a sempre habitual e exagerada "criatividade" das equipes de Liturgia, permite que surjam abusos litúrgicos mesmo naquelas comunidades onde isto acontece raramente nas demais celebrações do ano.

Um destes abusos, amplamente difundido, trata-se de certo diálogo entre povo e leitores durante a Proclamação do Evangelho da Paixão do Senhor no Domingo de Ramos e na Sexta-Feira da Paixão do Senhor. 

Este artigo, portanto, pretende demonstrar, citando extensa legislação litúrgica, que o povo não toma parte na proclamação da História da Paixão, não devendo proferir nenhuma fala.

A Proclamação do Evangelho na Liturgia

Primeiramente, recordemos que a Proclamação do Evangelho na Liturgia compete, por prioridade, ao diácono, ao sacerdote concelebrante ou ao próprio sacerdote celebrante:
"Por tradição, o ofício de proferir as leituras não é função presidencial, mas ministerial. As leituras sejam pois proclamadas pelo leitor, o Evangelho seja anunciado pelo diácono ou, na sua ausência, por outro sacerdote. Na falta, porém, do diácono ou de outro sacerdote, o próprio sacerdote celebrante leia o Evangelho; igualmente, na falta de outro leitor idôneo, o sacerdote celebrante proferirá também as demais leituras."
(Instrução Geral sobre o Missal Romano, 3ª ed., n. 59; grifos meus)

"A tradição litúrgica  assinala a função de proclamar as leituras bíblicas na celebração da missa a ministros: leitores e diácono. Mas se não houver diácono nem outro sacerdote, o celebrante deve ler o Evangelho, e no caso em que não haja leitor, todas as demais leituras.

"Na liturgia da palavra da missa, cabe ao diácono anunciar o Evangelho, fazer de vez em quando a homilia, se parecer conveniente, e propor ao povo as intenções da oração universal."
(Proêmio do Lecionário, n. 49-50; grifos meus)

A Proclamação da História da Paixão

A proclamação da Paixão, contudo, trata-se de caso à parte, apresentando regras próprias, como veremos a seguir. Uma de suas características únicas é que a leitura é tradicionalmente dividida em três partes. A motivação, penso eu, é pastoral, devido a seu longo tamanho. 
"A história da Paixão reveste-se de particular solenidade. É aconselhável que seja cantada ou lida segundo o modo tradicional, isto é, por três pessoas que representam a parte de Cristo, do cronista e do povo."
(Congregação para o Culto Divino. Paschalis Sollemnitatis sobre a preparação e celebração das festas pascais, n. 33)
Esta divisão (um leitor para as falas de Nosso Senhor, outro serve de Narrador e o último faz as vezes dos demais personagens) não é casual. O próprio lecionário já a apresenta.

Então, sim, pode-se dizer que se trata de um Evangelho dialogado. Porém, quem pode exercer o ofício da sua leitura são primeiramente os diáconos e depois os sacerdotes; somente na falta destes é que leigos podem fazê-la.
"Começando o canto antes do Evangelho, todos, com exceção do Bispo, se levantam. Não se usa incenso nem velas durante a história da Paixão. Os diáconos que vão ler a história da Paixão pedem e recebem a bênção, como ficou dito acima no n. 140. Em seguida, o Bispo tira a mitra, levanta-se e recebe o báculo: e lê-se a história da Paixão. Omite-se a saudação ao povo e o sinal da cruz sobre o livro.

"Depois de anunciada a morte do Senhor, todos se ajoelham, e faz-se uma breve pausa. No fim, diz-se: Palavra da salvação, mas não se beija o livro."
(Cerimonial dos Bispos. Domingo de Ramos, na Paixão do Senhor, n. 273; grifos meus)
A seção do Cerimonial dos Bispos que trata da Celebração da Paixão do Senhor apresenta termos idênticos: "Os diáconos que vão ler a história da Paixão" (n. 319)

"A Paixão é cantada ou lida pelos diáconos ou sacerdotes ou, na falta deles, pelos leitores; neste caso, a parte de Cristo deve ser reservada ao sacerdote. A proclamação da paixão é feita sem os portadores de castiçais, sem incenso, sem a saudação ao povo e sem o toque no livro; só os diáconos pedem a bênção do sacerdote, como noutras vezes antes do Evangelho.

"Para o bem espiritual dos fiéis, é oportuno que a história da Paixão seja lida integralmente sem omitir as leituras que a precedem."
(Congregação para o Culto Divino. Paschalis Sollemnitatis sobre a preparação e celebração das festas pascais, n. 33; grifos meus)
A seção da Paschalis Sollemnitatis que trata da Celebração da Paixão do Senhor referencia o ponto anterior: "A história da paixão do Senhor segundo João é cantada ou lida, como no domingo precedente (cf. n. 33)"

"O leitor leigo pode mesmo ser chamado, na falta de ministros ordenados, a proclamar uma parte do Evangelho da Paixão do Senhor, no Domingo de Ramos e na Sexta-Feira da Paixão do Senhor.

Na falta de um, dois ou três diáconos ou presbíteros, o Evangelho da Paixão e da Morte do Senhor pode ser proclamado por outros clérigos, ou mesmo por leigos, vestidos porém com vestes litúrgicas»."
(O Evangelho da Paixão (25/03/1965) apud Textos sobre o leitor litúrgico nos documentos da Igreja a partir do Vaticano II, n. 3; grifos meus)

Conclusão

Como se pode observar a partir da legislação litúrgica citada, ainda que a divisão tradicional em três partes não seja utilizada, não há menção alguma a participação do povo assumindo uma das partes da Proclamação da Paixão. (Aliás, não fosse a presença de retroprojetores ou projetores digitais em muitos de nossos templos, tal prática seria inviável.)

Para tornar mais claro um possível ordenamento para a Proclamação da Paixão, apresento um resumo abaixo, em ordem de preferência:
  1. Três diáconos;
  2. Na falta de um ou mais, sacerdotes (um deles faz a parte de Cristo);
  3. Na falta de um ou mais, leitores instituídos (clérigos ou leigos);
  4. Na falta de um ou mais, leitores extraordinários.
Uma configuração mínima seria o próprio celebrante lendo as falas de Nosso Senhor e dois leigos, leitores extraordinários, fazendo os papéis de narrador e dos demais interlocutores.

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Proibida a comunhão na mão em diocese boliviana

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O indulto que autoriza a comunhão na mão foi suprimido na Diocese de Oruru, Bolívia. O decreto promulgado por Dom Bialasik estabelece que, devido às profanações que têm ocorrido naquela diocese, os fiéis deverão comungar somente na boca, a práxis tradicional da Igreja.

A justificativa dada por Dom Bialasik poderia facilmente ser aplicada em praticamente todas as dioceses brasileiras. Sabemos que a crença na Presença Real de Nosso Senhor na Eucaristia tem-se enfraquecido, e que mesmo em muitos daqueles que crêem falta a noção de que as pequenas partículas que por ventura restem em suas mãos ao comungar ainda são o Seu Sacratíssimo Corpo e não devem ser perdidas. Que mais bispos tenham a coragem de Dom Bialasik!

O decreto, que traduzimos ao português, pode ser lido abaixo.

***
Decreto Comunhão na Boca - Dom Bialasik, Oruro, Bolívia

DECRETO SOBRE A RECEPÇÃO DA SANTA COMUNHÃO NA BOCA

Nº 001/16

DOM KRZYSZTOF J. BIALASIK

PELA GRAÇA DE DEUS E DA SANTA SÉ APOSTÓLICA

BISPO DA DIOCESE DE ORURO - BOLÍVIA

CONSIDERANDO, que a Lei da Igreja estabelece:
  1. Que receber a comunhão na boca é a lei universal da Igreja, tal e como nos recorda a Instrução Memoriale Domini e Immensae Caritatis (29 de maio de 1968: AAS 61, 1969, 541-546; 29 de janeiro de 1973: AAS 65, 1973, 264-271; cf. também a instrução Redemptionis Sacramentum, sobre algumas coisas que se devem observar e evitar acerca da Santíssima Eucaristia, emitida em 25 de março de 2004, n. 92; cf. Missale Romanum, Institutio Generalis, n. 161.), onde se consagra como regra geral a forma tradicional de distribuição na boca, e o faz "não somente porque se funda numa tradição de muitos séculos, mas sobretudo porque exprime e significa a reverência dos fiéis para com a Eucaristia" (par. 8), mas também porque "é mais eficazmente assegurado que a Sagrada Comunhão seja distribuída com a reverência, o decoro e a dignidade devidos; que seja evitado todo perigo de profanação das espécies eucarísticas" (par. 10).
  2. Que a comunhão na mão é permitida somente como um indulto a tal lei universal, que a Santa Sé pode outorgar caso-a-caso a uma Conferência Episcopal quando ela o pede (Congregação para o Culto Divino, prot. N. 720/85: Notificação acerca da comunhão na mão, de 3-IV-1985).
  3. Que a ordenação da sagrada liturgia depende exclusivamente da autoridade da Igreja, que em cada diocese é exercida pelo Bispo diocesano (cânon 838, par. 1, Código de Direito Canônico), a quem corresponde dar normas obrigatórias em matéria litúrgica para todos os fiéis da porção da Igreja a ele confiada (cânon 838, par. 3, Código de Direito Canônico; cfr. Instrução Redemptoris Sacramentum, n. 19), atendendo às necessidades concretas da mesma e ao bem das almas.
  4. Que tanto a Instrução Redemptoris Sacramentum (n. 92) como a Sagrada Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos (dubium: notitiae 35 (1999) pp. 160-161.) insistem em que "se existe perigo de profanação, não se distribua aos fiéis a Comunhão na mão".
  5. VISTO que insistir na prática geral da comunhão na boca é mais conveniente nesta Diocese, não apenas por ajudar na recepção mais devota da Eucaristia e sustentar a fé na presença real e substancial de Jesus Cristo na mesma, senão também por evitar as profanações do Corpo de Cristo, posto que se tem notado ultimamente que há pessoas que não consomem a Sagrada Forma no momento de recebê-la e desejam levá-La para fora do templo com fins desconhecidos (cf. minha homilia da missa de 16 de agosto de 2015).

DECRETO

REAFIRMAMOS PARA A DIOCESE DE ORURO A OBRIGAÇÃO DE SEGUIR A LEI GERAL DA IGREJA DE RECEBER A COMUNHÃO NA BOCA, NÃO SENDO APLICÁVEL O INDULTO DE PODER COMUNGAR NA MÃO.

Comunique-se e publique-se a quem se faz necessário, e seja arquivado. Dado na Sede Episcopal, na Solenidade da Epifania do Senhor, em 06 de janeiro do Ano do Senhor de 2016.

Revmo. Pe. Ludgardo Carlos Ortíz
Chanceler da Diocese de Oruro

Dom Krzysztof Janusz Bialasik, SVD
Bispo da Diocese de Oruro

quinta-feira, 4 de junho de 2015

O Pentecostes. Festa restaurada ou cortada? - Pe. Jean-Pierre Herman

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Publicamos um artigo sobre a Vigília de Pentecostes que nos foi encaminhado pelo Pe. Jean-Pierre Herman. Infelizmente não consegui publicá-lo ainda durante a Oitava de Pentecostes, contudo, tenho certeza que será do agrado de nossos leitores.

O Pentecostes: Festa restaurada ou cortada? 

Por Pe. Jean-Pierre Herman
Originalmente publicado em Schola Sainte Cécile 
Tradução: Pe. Jean-Pierre Herman / Daniel Pereira Volpato


O Missal promulgado por Paulo VI em 03 de abril de 1969 praticamente eliminou as antigas vigílias e oitavas para as principais festas.

As oitavas são agora limitadas à Páscoa e ao Natal. Quanto às vigílias, permanece, para algumas festas, uma "Missa à noite anterior", que muitas vezes passa despercebida nas paróquias. É uma antecipação da festa e não mais um dia de jejum e preparação para a ela.

A Missa da Vigília de Pentecostes é um caso especial. Ela oferece a opção de quatro textos para a primeira leitura. São textos do Antigo Testamento que preparam para o dom do Espírito Santo. Isso é tudo o que resta da antiga e rica liturgia da vigília de Pentecostes. 

A "desmontagem" da liturgia de Pentecostes foi feita em duas etapas. A vigília caiu durante a reforma dos anos 50, e a oitava foi abolida durante a promulgação do novo missal.

A antiga Vigília de Pentecostes e seu carácter batismal

Monsenhor Gromier, em uma palestra famosa em ambientes tradicionais sobre a liturgia dita "restaurada" da Semana [Santa] por  Pio XII em 1955 [1], afirma:
A vigília de Pentecostes não possui mais nada de batismal, se transformou em um dia como qualquer outro, e fazendo mentir o missal no cânon. Esta vigília era um vizinho chato, um rival formidável! A posteridade educada será provavelmente mais severa do que a visão atual com relação à pastoral. [2]
Ele está se referindo aqui à recuperação próxima da vigília batismal de Páscoa pelos cristãos, praticada desde os tempos antigos na véspera de Pentecostes.

Os cristãos primitivos celebravam primeiramente todo o Mistério Pascal: morte, ressurreição, ascensão e o dom do Espírito Santo durante a grande noite da Páscoa. No entanto, muito rapidamente, o ensinamento da Igreja destacou os diferentes aspectos dela, quebrando as celebrações de acordo com a cronologia dos evangelhos.

Por outro lado, sabemos que os sacramentos da iniciação cristã: batismo, confirmação e Eucaristia, eram anteriormente atribuídos aos candidatos durante a mesma celebração, uma prática mantida pelas igrejas orientais. Cito o cardeal Schuster sobre a ligação intrínseca e ao mesmo tempo distinta entre Batismo e Confirmação:
Embora o sacramento do Batismo seja distinto do da Confirmação, ele recebe esse nome porque a descida do Espírito Santo na alma do fiel completa a obra de sua regeneração sobrenatural. Através do caráter sacramental, é conferido ao neófito uma mais perfeita semelhança com Jesus Cristo, que imprime o último selo ou confirmação à sua união com o divino Redentor. A palavra confirmação era também utilizada na Espanha para indicar a oração invocatória do Espirito Santo durante a missa: Confirmatio sacramenti; também a analogia existente entre a epíclese (que na missa, pede ao Paráclito a plenitude de seus dons sobre aqueles que se aproximam da Santa Comunhão) e a Confirmação, que os antigos administravam imediatamente após o batismo, esclarece o profundo significado teológico que está escondido sob o vocábulo “Confirmação” atribuído ao segundo sacramento. [3]
Tertuliano já fala da celebração dos batismos, não só na grande vigília de Páscoa, mas também para o Pentecostes:
Outro dia solene do batismo é Pentecostes, quando acontece um longo intervalo de tempo para dispor e educar aqueles que devem ser batizados.
A escolha não é inocente, porque no batismo, o bispo coloca sua mão direita sobre a cabeça do neófito, chamando o Espírito Santo por meio de uma bênção. [4]

Temos também uma carta do Papa Siricius (384-399) [5] ao bispo de Tarragona Himera atestando essa prática. Além disso, em uma carta aos bispos da Sicília, o Papa São Leão Magno (440-461) exorta-os a imitar São Pedro, que batizou três mil pessoas no dia do primeiro Pentecostes. [6]

Os livros litúrgicos posteriores nos dão um diagrama de uma celebração do mesmo tipo da Vigília Pascal, que encontramos em todos os missais que precederam a reforma de Trento e no Missal de São Pio V até a reforma da década de 1950.

Vamos deixar a Dom Guéranger o cuidado de descrever essa prática:
Nos tempos antigos, esse dia se assemelhava a véspera da Páscoa. Na noite os fiéis iam para a igreja para participar nas solenidades da administração do batismo. Na noite que se seguia, o sacramento da regeneração era conferido aos catecúmenos cuja ausência ou alguma doença os tinham impedido de se juntar aos outros na noite de Páscoa. Aqueles que ainda não tinham sido considerados suficientemente aprovados, ou cuja educação não parecia completa, tendo satisfeito as justas exigências da Igreja, também ajudavam a formar o grupo de aspirantes ao novo nascimento que se recebe a partir da fonte sagrada. Em vez das doze profecias que se liam à noite de Páscoa, enquanto os sacerdotes executavam os ritos preparatórios aos catecúmenos para o batismo, eles costumavam ler seis; Isto leva à conclusão de que o número de batizados na noite de Pentecostes era menos considerável. [7] 
O círio pascal reaparecia durante esta noite de graça, para educar o novo recruta o que fazia a Igreja, respeito e amor pelo Filho de Deus que se fez homem para ser "a luz do mundo”. Todos os rituais que temos descrito e explicado no Sábado Santo se realizavam nesta nova oportunidade, onde aparecia a fecundidade da Igreja, e o Divino Sacrifício do qual tomaram parte os felizes neófitos começava ainda antes do amanhecer. [8]

Nos tempos antigos, como relata Schuster, a celebração, junto com a Vigília Pascal, se fazia no Latrão durante a noite de sábado para domingo. No século XII foi antecipada para o início da tarde. Pelo fim do dia, o Papa então ia para São Pedro, para o canto das Vésperas e Matinas solenes. A extensão da celebração do batismo a outros dias e a prática do batismo infantil quam primum removeram a exclusividade destas celebrações na véspera de Pentecostes, reduzindo esse dia ao grau de preparação para a festa, mesmo grau das demais vigílias, mas mantendo na celebração um caráter claramente batismal.

Como apresentou Pio Parsch:
“Hoje é uma vigília solene e, portanto, de penitência completa, com jejum e abstinência (em algumas dioceses, no entanto, esta obrigação não se impõe mais com a pena do pecado; isso não é mais do que um simples conselho). A vigília é sempre um dia de preparação. A casa da alma deve ser limpa e preparada para a grande festa. Dois pensamentos ocupam o cristão que vive com a Igreja: a) ele se lembra de seu batismo; b) ele se prepara para Pentecostes.” [9]

Tempo e Estrutura da Vigília

Depois das nonas, lemos as profecias sem título, com as velas apagadas, assim como no Sábado Santo.

Esta é a rubrica que antecede a celebração da Vigília de Pentecostes nos missais. O seu tempo é o mesmo que o da vigília pascal. Anteriormente celebrada na noite de sábado para domingo, em seguida, no início da tarde, ele caiu dentro do âmbito do decreto de São Pio V, que impôs a antecipação dos ofícios ao amanhecer. A Vigília de Pentecostes, portanto, é celebrada na manhã de sábado.

Sua estrutura é semelhante ao do Sábado Santo, com a exceção da bênção do fogo e do Círio Pascal. Pius Parsch chama-lhe uma imitação abreviada do Sábado Santo. Ela começa pelas leituras das profecias, cada qual seguida de uma resposta e uma oração pelo celebrante, que é precedido por um convite do diácono: Oremus. Flectamus genua.

Depois, partimos em procissão até o batistério com a bênção da água, cantando versos do Salmo 41 (Sicut Cervus ad fontes aquarum). Depois de uma oração, o celebrante diz a oração de bênção da água, como na Vigília Pascal. Em seguida, retornamos para o altar em procissão cantando a Ladainha dos Santos, enquanto os celebrantes vão para a sacristia, a fim de revestir os paramentos para a Missa. [10]

A cor da vigília é o roxo. É especificado que o sacerdote utilize a capa de asperges para a procissão para o fonte batismal. O diácono e subdiácono levam a casula plicada (dobrada). A missa é em vermelho, a cor de Pentecostes.

No final das ladainhas, acendem-se as velas, os ministros vão para o altar enquanto o coro canta o Kyrie, eles recitam as orações ao pé do altar e o sacerdote incensa e entoa o Glória, durante o qual se tocam os sinos. [11]


Plano Da Vigília de Pentecostes

Proclamação das seis profecias:
Leitura + resposta + Flectamus genua + Oração
Procissão a pia batismal
Salmo 41
Bênção da Água
Procissão até o altar
Ladainha dos Santos
Missa


As Profecias

No rito primitivo havia doze leituras, como na Páscoa. Este número foi reduzido para seis por São Gregório Magno, e foi assim mantida até o século VIII, quando, sob a influência do Sacramentário Gelasiano, devolvemos à Vigília Pascal suas leituras originais.

As leituras de Pentecostes são tiradas da Páscoa, mas em uma ordem diferente.

Leitura
Pentecostes
Páscoa
1
Gn. 22 Sacrifício de Abraão
3
2
Ex 14 e 15 A passagem do Mar Vermelho
4
3
Dt 31 O Testamento de Moisés, o cumprimento da Lei
11
4
Is 4 A libertação de Jerusalém
8
5
Bar 3 O retorno à Terra Prometida
6
6
Ez 37 ossos secos
 7

A cada leitura se segue um responso.  Três desses são os mesmos que na Vigília pascal. As orações que se seguem, no entanto, são diferentes, retiradas do Sacramentário Gregoriano [12].

Elas reforçam, a sua própria maneira, a continuidade entre os dois Testamentos, e entre a passagem do Israel do Antigo Testamento, liberto da escravidão, ao novo Israel, de pessoas batizadas, libertas do pecado. Citamos aqui apenas aqueles que seguem a segunda e a quarta leitura, que são admiráveis:
“Deus, Vós revelastes pela luz da Nova Aliança o significado dos milagres realizados nos primeiros tempos: o Mar Vermelho tornou-se a figura da fonte sagrada do batismo, e as pessoas libertados da escravidão no Egito expressam os mistérios do povo cristão: fazei com que todas as nações que receberam pelo mérito da fé o privilégio de Israel sejam regeneradas através da participação em seu Espírito”. 
“Deus eterno e Todo-Poderoso, Vós tendes mostrado através de seu Filho unigênito que Vós sois o jardineiro de sua Igreja, misericordiosamente cuidador de todos os ramos frutificados em seu Cristo, que é a videira verdadeira, para que produzam mais frutos: fazei que os espinhos do pecado não sobrepujem vossos fiéis, que libertastes do Egito como uma vinha pela fonte do batismo; e que, fortalecidos pela santificação do Vosso Espírito, sejam enriquecidos por uma colheita sem fim”.
A descida para a pia batismal e a bênção da água, após a oração da sexta profecia, reutiliza todos os textos da Vigília Pascal, com exceção da coleta que precede a bênção da água, a qual fala da festa do dia:
“Concedei, nós vos rogamos, Deus Todo-Poderoso: nós, que celebramos a solenidade dos dons do Espírito Santo, que inflamados dos desejos celestes, tenhamos sede da fonte da vida.”
Vemos claramente, através destes textos, a íntima conexão entre o batismo, o dom do Espírito Santo e vida cristã.

Missa

Como vimos, a missa segue imediatamente a Ladainha. Como à Páscoa, não há Introito.  Só mais tarde, quando se espalhou o uso de missas privadas, que se acrescentou o Intróito "Cum sanctificatus”, emprestado da quarta-feira da quarta semana da Quaresma.

É o ápice da Vigília e reitera de uma maneira muito concisa a conexão entre o batismo e o dom do Espírito Santo em sua coleta:
Fazei, nós vos rogamos Deus Todo-Poderoso, que o esplendor de Vossa luz brilhe sobre nós; e o brilho de Vossa luz confirme, pela iluminação do Espírito Santo, os corações daqueles que Vossa graça tem revivido. Por Nosso Senhor...
Esta ligação é enfatizada ainda mais na carta dos Atos dos Apóstolos [13]. Trata-se do encontro de Paulo com os discípulos de João Batista.  Eles sequer tinham ouvido falar que há um Espírito Santo, depois do que Paulo batiza-os em nome de Jesus Cristo.

O resto da Missa é inteiramente centrada em Pentecostes, com o Evangelho [14] em que Jesus prometeu a seus discípulos que não os deixaria órfãos, mas que deviam orar ao Pai para que Ele enviasse o Consolador.

A Secreta e a Pós-comunhão pedem a purificação dos corações por meio do derramamento do Espírito Santo.

A oração do Canon contém duas partes próprias.  No Communicantes menciona-se a festa do dia:
“Unidos em uma comunhão e celebrando o santo dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo apareceu aos Apóstolos sob a forma de múltiplas línguas de fogo, e venerando primeiro a memória da gloriosa Virgem Maria, Mãe de Jesus Cristo nosso Deus e Senhor (...)”
Enquanto o Hanc igitur, como na Páscoa, reza pelos batizados da noite:
“Então, Senhor, este sacrifício que nós oferecemos, e com todos os seus filhos, hoje especialmente para aqueles que vós vos dignastes a regenerar pela água e pelo Espírito Santo, concedendo-lhes a remissão de todos os seus pecados...”

A reforma de 1955

Nos missais após 1955, a Vigília de Pentecostes é agora reduzida a missa, como descrito acima, com o seu Intróito "Cum sanctificatus”. As profecias, a procissão e a bênção da água foram simplesmente abolidos.

O caráter batismal da vigília foi apagado e a liturgia é inteiramente direcionada para a vinda do Espírito Santo.

Mantivemos a letra, que faz a conexão entre os dois sacramentos. Mas pode-se perguntar por que mantivemos o Hanc igitur que intercede pelos batizados da noite. E isto para a Vigília, dia e Oitava de Pentecostes, como era feito na Páscoa.

Esta oração já era simbólica antes da reforma, já que quase nunca havia batismos durante a celebração. No entanto, ela alargava o caráter batismal da vigília e [por isso] manteve seu lugar. Sua conservação aqui [após 1955], isola-a do resto da celebração e a reduz, mais do que antes, a um simples vestígio.

O missal de 1969

O Missal de 1969 inclui, como já dissemos acima, uma "Missa da noite." É uma missa de antecipação de Pentecostes que, apesar de uma ou outra oração mantida, está longe de ser a antiga vigília.

A antífona de abertura não é mais o velho Intróito "Cum sanctificatus", mas uma citação de Romanos 5.5: O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Seu Espírito que habita em nós, aleluia.

O aspecto batismal não é mais explicitamente mencionado e a ênfase é sobre a vinda do Espírito Santo e o encerramento do Tempo Pascal.

A antiga coleta foi mantida, mas é uma alternativa a outra, que está listada em primeiro lugar. Isto é, aparentemente, uma nova composição:
“Deus Todo-Poderoso e eterno, Vós quisestes que a celebração do mistério pascal crescesse durante estes 50 dias de alegria; fazei que as nações e os povos espalhados se reúnam apesar da divisão linguística para confessar juntos o teu nome. Jesus ...”
Esta é uma alusão a Babel, à divisão de linguagem, e à leitura Do dia seguinte, dos Atos, onde todos entendem na sua própria língua a pregação dos Apóstolos.

A peculiaridade desta Missa, única no missal, é uma escolha entre quatro textos como primeira leitura:
  • Gênesis 11, 1-9: A torre de Babel 
  • Êxodo 19, 3-20: Deus se manifestou no fogo, no meio de seu povo 
  • Ezequiel 37, 1-14: Os ossos secos 
  • Joel 3, 1-5: O Espírito vem habitar em todos os homens

À parte do texto de Ezequiel, todos os outros são diferentes das profecias da antiga vigília.
A continuação da Liturgia da Palavra é fixa: 
  • Salmo 104, 1: Senhor envie o seu Espírito e renovai a face da terra! 
  • Romanos 8, 22-27: O Espírito nos ajuda em nossa fraqueza 
Quanto ao evangelho, manteve-se Jo 7, 37-39: Jesus promete o Espírito aos crentes

O communicantes próprio da Oração Eucarística I é o do antigo missal:
“Na comunhão de toda a Igreja, celebramos o santo dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo se manifestou aos Apóstolos em inúmeras línguas de fogo; e nós queremos mencionar primeiro a bem-aventurada sempre Virgem Maria, Mãe de Deus e nosso Senhor Jesus Cristo ...”
A mesma fórmula, adaptada, também é transferida para as outras orações eucarísticas e, portanto, à Oração III:
“É por isso que estamos aqui reunidos na vossa presença e na comunhão de toda a Igreja, celebramos o santo dia  Pentecostes, quando o Espírito Santo se manifestou aos Apóstolos em inúmeras línguas de fogo. Deus Todo-Poderoso, nós vos imploramos consagrar as ofertas que trazemos ...”
Há logicamente mais menções de batizados no Hanc igitur ou seu correspondente nas novas orações.

A Oração sobre as Oferendas e a Oração Após a Comunhão referem-se frequentemente ao Espírito:
“Nós oramos, Senhor, derramai a bênção de Vosso Espírito em nossas ofertas; que Vossa igreja receba essa caridade que fará brilhar no mundo a verdade de sua salvação.”
E
“Senhor, que esta comunhão nos seja aproveitável, fazendo-nos viver do fervor do Espírito Santo com o qual Vós preenchestes vossos apóstolos maravilhosamente.”

Quanto à Antífona da Comunhão, ela é tirada do Evangelho:
“O último dia da festa, Jesus levantou-se e gritou: ‘Se alguém tiver sede, venha a mim e beba’ Aleluia.”
É de se perguntar por que a seqüência da frase, " Quem crê em mim", não foi adicionada.

Continuidade ou ruptura?

"A obrigação de rever e enriquecer as fórmulas Missal Romano foi sentida. O primeiro passo dessa reforma foi o trabalho de nosso predecessor Pio XII, com a reforma da Vigília Pascal e do rito da Semana Santa. Esta é a reforma que deu o primeiro passo para a adaptação do Missal Romano à mentalidade contemporânea”. Assim se expressa Paulo VI na Constituição Apostólica Missale Romanum [15].
Nós sempre voltamos para a mesma pergunta: as alterações desde os anos 50, e então durante a reforma litúrgica, são elas continuidade lógica e histórica do antigo rito romano-franco ou elas marcam uma ruptura?

Aqui vemos uma prática antiga completamente abolida. Esta eliminação, assim diz Mons. Gromier, remove todo o caráter batismal deste dia e centra-o na vinda do Espírito Santo.  Provavelmente era o objetivo dos membros da Comissão insistir sobre o batismo na Páscoa e sobre a confirmação em Pentecostes, através do dom do Espírito Santo.

No entanto, a Missa foi conservada, ainda que contenha elementos que lembram a vigília. Isto é, no mínimo, uma inconsistência. A "restauração" dos anos 50, aqui, nada restaurou. Não há necessidade de grande erudição para se perceber que esta reforma foi realizada às pressas e descobrir nela muitas inconsistências.

Quanto à forma de 1969, ela é, como já mencionado, uma nova criação. Atualmente a maioria das dioceses organizam uma "Vigília de Pentecostes”, às vezes com a Missa da Vigília, frequentemente com o sacramento da Confirmação, mas com largo espaço para "criação" e "criatividade" devido à falta de orientações suficientes da parte do Missal.

Longe do “desenvolvimento orgânico” [16] querido pelo Padre Reid, devemos, mais uma vez, ver a falta de lógica e continuidade nos trabalhos das comissões. Neste caso, muita coisa foi removida, deixando um vácuo e criando um amplo espaço para a improvisação. Talvez mais do que em qualquer outro dia do ano litúrgico, as práticas da Vigília de Pentecostes nos diferentes lugares – dioceses e paróquias -, mostram uma diversidade que é uma lembrança de uma das leituras oferecida a escolha dos celebrantes: a de Babel.

Bibliografia

  • SCHUSTER, I., Liber Sacramentorum. Notes historiques et liturgiques sur le Missel romain. Tome IV : Le baptême dans l’Esprit et dans le feu (la Sainte liturgie durant le cycle pascal). Bruxelles, 1939.
  • GUERANGER P., L’année liturgique, Tome ii: Le Temps pascal, Mame & Fils, Paris, 1920,
  • PARSCH, P., The Church’s Year of Grace, Liturgical Press, Collegeville, 1953.
  • REID A., The Organic Development of the Liturgy, St Michael’s Abbey Press, Farnborough 2004

Notas



[3] Schuster, I., Liber Sacramentorum. Notes historiques et liturgiques sur le Missel romain. Tome IV : Le baptême dans l’Esprit et dans le feu (la Sainte liturgie durant le cycle pascal). Bruxelles, 1939.

[4] Tertuliano, De Baptismo 8, 1.

[5] Epist. ad Himerium cap. 2 : Patrologia Latina vol. XIII, col. 1131B-1148A

[6] Epist. XVI ad universos episcopos per Siciliam constitutos : P.L. LIV col. 695B-704A

[7] Durante a leitura das profecias do Sábado Santo, os sacerdotes terminavam os ritos de preparação dos catecúmenos ao Batismo, o que tomava um certo tempo.  Daí o comentário de Dom Guéranger sobre a relativa brevidade das profecias.

[8] GUERANGER P., L’année liturgique, Tome ii: Le Temps pascal, Mame & Fils, Paris, 1920, p. 260

[9] PARSCH, P., The Church’s Year of Grace, Liturgical Press, Collegeville, 1953.

[10] A rubrica especifica: nos lugares onde não há pia batismal, depois da sexta profecia com sua oração, o celebrante tira a casula e se prosterna com os ministros diante do altar.  E, estando ajoelhados todos os outros, cantam-se as ladainhas.  São cantadas por dois cantores no meio do santuário, as dois coros respondem juntos.  Ao verso Peccatores, te rogamus o padre e os ministros levantam-se e vão à sacristia, e vestem paramentos vermelhos.

[11] Citamos novamente a rubrica: Ao fim das ladainhas, canta-se o Kyrie Eleison para a missa, repetindo-o conforme o costume.  Durante esse tempo o celebrante e os ministros vão para o altar e fazem a confissão. Ao fim do Kyrie Eleison se entoa o Gloria in excelsis Deo e tocam-se os sinos.

[12] Esse documento, catalogado Codex Regina 337, foi recentemente publicado pela Biblioteca Vaticana. É um manuscrito do século VIII que descreve a liturgia papal em Latrão, depois da organização da liturgia pelo Papa São Gregório Magno e seus sucessores, até o tempo do papa Adriano I (+795), que enviou o manuscrito ao imperador Carlo Magno a fim de estabelecer a liturgia romana em todo o seu império. O Codex Regina 337 foi analisado por H.A. Wilson no livro The Gregorian sacramentary under Charles the Great, publicado pela Henry Bradshaw Society em Londres em 1915.

[13] Atos 19, 1-8.

[14] João, 14, 15-21.

[15] 03 de abril de 1969.

[16] Alcuin Reid OSB, The Organic Development of the Liturgy, St Michael’s Abbey Press, Farnborough 2004.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

O Ofício romano do séc. VI aos nossos dias. Continuidade ou ruptura? Um ensaio de avaliação crítica

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Recebi do Pe. Jean-Pierre Herman e sacerdote da diocese de Namur (Bélgica).  Ele nasceu em 1959.  Exerceu até hoje diversos ministérios em Europa, nos Estados Unidos e no Brasil.  É autor de diversos artigos em língua francesa sobre a história da liturgia.

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O Ofício romano do séc. VI aos nossos dias

Continuidade ou ruptura?

Um ensaio de avaliação crítica

Pe Jean-Pierre Herman


Ofício Romano. Um breve percurso histórico

Em 1971 apareceu a primeira edição da Liturgia Horarum juxta ritum romanum[1], que substituiu o venerável Breviarium romanum. Um dos objetivos dos reformadores do Vaticano II era restituir ao Ofício divino seu estatuto de oração do povo de Deus. Hoje as edições em vernáculo do novo Ofício[2] são amplamente difundidas e utilizadas para a oração comunitária e individual dos cristãos, clérigos ou laicos. Pareceu-nos, contudo, conveniente arriscar uma avaliação após quarenta anos de prática. Apresentaremos aqui, portanto, duas questões cruciais: por um lado «O Ofício divino atual é realmente o digno herdeiro do Breviário romano, ou ele marca uma ruptura com uma tradição secular?» e de outro: «Os reformadores, preocupados em restituir ao povo cristão a oração das horas, alcançaram seu objetivo?» A breve reconstrução histórica a seguir ajudar-nos-á a responder.

segunda-feira, 2 de março de 2015

Cardeal Ratzinger: "Liturgias diferentes. Uma riqueza para a única Igreja" (excerto do recém-publicado "Ser Cristão na Era Neopagã")

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Recentemente foi lançado pela Editora Ecclesiae o primeiro volume de "Ser Cristão na Era Neopagã", trazendo material do então Cardeal Joseph Ratzinger, futuro Papa Bento XVI, nunca antes publicado no Brasil. Trata-se de discursos, homilias, debates e entrevistas concedidas pelo cardeal à revista italiana 30 giorni nella Chiesa e nel mondo (30 dias na Igreja e no mundo).


Organizado por meu amigo Rudy Albino de Assunção, ratzingeriano de carteirinha*, que também escreveu a apresentação do livro e a maioria das notas que introduzem cada artigo, este primeiro volume reúne diversos discursos e homilias de Ratzinger. O terceiro volume, composto por entrevistas, será de especial interesse dos nossos leitores, trazendo inúmeras menções à Reforma Litúrgica que seguiu ao Concílio Vaticano II.

Rudy, que acompanha este nosso apostolado em defesa da sagrada Liturgia, teve a bondade de enviar-nos - com a devida permissão da Editora Ecclesiae, a quem desde já agradecemos - um trecho em que Ratzinger fala do que se convencionou chamar de as duas formas do Rito Romano.

É interessante notar como Ratzinger já havia refletido ali sobre muitos dos pontos relacionados à Forma Extraordinária os quais tocaria durante seu pontificado, a saber: o reconhecimento do zelo apostólico das comunidades ligadas ao rito antigo; as dificuldades que muitas dessas comunidades enfrentaram (e continuam enfrentando!), fruto do preconceito e de um entendimento errôneo e ideológico de unidade; a falta de diferenciação entre o Concílio e a Reforma Litúrgica que o seguiu; e, por fim, a aplicação excessiva de criatividade em boa parte das missas segundo o rito moderno.


* * *



LITURGIAS DIFERENTES.
UMA RIQUEZA PARA A ÚNICA IGREJA**
(Novembro de 1998)

No dia 02 de julho de 1998 a Pontifícia Comissão Ecclesia Dei completava 10 anos de sua criação por parte do papa João Paulo II. Ela for criada para facilitar a comunhão com todos aqueles que estavam ligados de alguma maneira com Monsenhor Marcel de Lefebvre e também de possibilitar que os bispos fossem mais abertos a dar o indulto para a celebração da missa segundo o Missal de São Pio V. Na época se deram muitas comemorações, inclusive uma grande peregrinação a Roma de milhares de sacerdotes e fiéis tradicionalistas. Mas aliada à peregrinação, foi promovida uma mesa redonda no hotel Erfige, com a presença de Gérard Calvet, Camille Perl, Michael Davies, Robert Spaemann e do Cardeal Ratzinger, que fez a conferência de abertura. O que se segue é o texto da conferência de Ratzinger .
***
Que balanço podemos fazer hoje, há dez anos da publicação do motu proprio Ecclesia Dei? Creio que antes de tudo seja uma ocasião para expressar o nosso agradecimento. As várias comunidades que surgiram graças a este documento pontifício presentearam a Igreja com um grande número de vocações sacerdotais e religiosas que com zelo e alegria e em comunhão profunda com o Papa trabalham pelo Evangelho nesta época histórica. Graças a elas muitos fiéis reforçaram ou conheceram pela primeira vez a alegria de poder participar da liturgia e do amor para com a Igreja. Em numerosas dioceses espalhadas pelo mundo elas servem à Igreja colaborando ativamente com os bispos e instaurando um relacionamento positivo e fraterno com os fiéis que se sentem à vontade na forma renovada da liturgia. Tudo isso hoje merece todo o nosso agradecimento.
Todavia seria irrealista calar sobre os muitos lugares onde não faltam dificuldades, então como agora, porque alguns bispos, sacerdotes e fiéis consideram o apego à antiga liturgia (a dos textos litúrgicos de 1962) como um elemento de divisão que perturba a paz da comunidade eclesial e deixa supor uma certa reserva na aceitação do Concílio e, mais em geral, na obediência devida aos pastores legítimos da Igreja. Portanto, as perguntas que devemos nos colocar são as seguintes: como se podem superar estas dificuldades? Como podemos criar o clima de confiança necessário para fazer com que os grupos e as comunidades ligadas à antiga liturgia se insiram pacificamente e proficuamente na vida da Igreja? Porém, estas questões subentendem uma outra; qual é a razão profunda desta desconfiança ou, até mesmo, da recusa do prosseguimento da antiga liturgia? Sem dúvida há razões pré-teológicas ligadas ao temperamento de cada indivíduo, ao contraste entre os diversos caráteres, ou a outras circunstâncias externas. Mas certamente existem outras causas, mais profundas e menos fortuitas.
Há duas razões que se apresentam com maior frequência: a não obediência ao Concílio que reformou os textos litúrgicos e a ruptura da unidade derivante da existência de formas de liturgia diferentes. É relativamente simples contradizer ambos os raciocínios. Não foi propriamente o Concílio quem reformou os textos litúrgicos, ele apenas ordenou a sua revisão e, para tal fim, ficou algumas linhas fundamentais. O Concílio deu principalmente uma definição de liturgia que fixa a medida interna de cada uma das reformas e, contemporaneamente, estabelece o critério válido para cada celebração litúrgica legítima. A obediência ao Concílio seria violada no caso em que não fossem respeitados tais critérios fundamentais internos e fossem colocadas à parte as normae generales, formuladas nos números 34-36 da Constituição sobre a Sagrada Liturgia (Sacrosanctum Concilium). É necessário julgar as celebrações litúrgicas segundo estes critérios, sejam elas baseadas em velhos ou em novos textos. Com efeito, o Concílio, como já foi acenado, não prescreveu ou aboliu textos, mas deu normas de base que todos os textos devem respeitar. Neste contexto, é útil recordar o que foi declarado pelo Cardeal Newman: a Igreja no decorrer da sua história, nunca aboliu ou proibiu formas ortodoxas de liturgia, por que isso seria alheio ao próprio espírito da Igreja. Uma liturgia ortodoxa, ou seja que é expressão da verdadeira fé, de fato, jamais é uma simples reunião de cerimônias diferentes feita em bases a critérios pragmáticos, das quais pode-se dispor de maneira arbitrária, hoje de um modo, amanhã de outro. As formas ortodoxas de um rito são realidades vivas, nascidas do diálogo de amor entre a Igreja e o seu Senhor. São expressões da vida da Igreja, nas quais se condensam a fé, a oração e a própria vida das gerações e nas quais encarnaram-se numa forma concreta e num momento a ação de Deus e a reposta do homem. Estes ritos podem se extinguir se historicamente desaparece o sujeito que foi o seu portador ou se este sujeito está inserido com a sua herança num outro contexto de vida. Em situações históricas diferentes, a autoridade da Igreja pode definir e limitar o uso dos ritos, mas jamais os proíbe tout-court. Assim, o Concílio ordenou uma reforma dos textos litúrgicos e, consequentemente, das manifestações rituais mas não abandonou os velhos livros. O critério expresso pelo Concilio é, ao mesmo tempo, mais amplo e mais exigente: ele convida todos a um exame de consciência.
Mais tarde voltaremos a falar sobre este ponto. Por enquanto é necessário examinar um outro assunto, o da – pressuposta – ruptura da unidade. Sobre este propósito, é preciso distinguir na questão o aspecto teológico do prático. No que se refere a componente teorética e fundamental, devemos constatar que sempre existiram mais formas no rito latino que foram progressivamente caindo em desuso devido à unificação dos espaços de vida na Europa. Até a época do Concílio, ao lado do rito romano, conviviam o ambrosiano, o moçárabe de Toledo, o rito dos Dominicanos, e talvez muitos outros que eu não conheço. Jamais alguém se escandalizou pelo fato de que os Dominicanos, muitas vezes presentes em nossas paróquias, não celebrassem a missa como os párocos, mas seguissem um seu próprio rito. Todos nós sabíamos que o rito dele era católico assim como o romano e éramos orgulhosos da riqueza de tantas tradições diferentes. Além disso, não se pode esquecer que muitas vezes abusa-se da liberdade de espaço que o novo Ordo Missae deixa à criatividade e que a diferença entre os vários modos em que a liturgia é colocada em prática e celebrada nos diferentes lugares em base aos novos textos, muitas vezes é maior do que entre a antiga e a nova liturgia. Um cristão destituído de uma cultura litúrgica particular pouco distingue de uma missa cantada em latim segundo o velho Missal de uma cantada em latim segundo o novo, enquanto que pode ser enorme a diferença entre uma liturgia celebrada respeitando fielmente os ditames do Missal de Paulo VI e as várias formas de celebrações litúrgicas em língua viva amplamente difusas, que deixam grande espaço à criatividade e à imaginação. [...]

* * *
Para mais informações, visite o site da editora.

* Não deixem de visitar o site Ratzinger Brasil.
** RATZINGER, Joseph. Ser cristão na era neopagã. Campinas, Ecclesiae, 2014, pp. 183-186.
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