
Vale muito a pena a leitura, dado que toca não só em aspectos do rito bizantino, mas da própria teologia litúrgica católica como um todo, defendendo o ad Orientem ou versus Deum, e, com respeito, insinuando uma crítica, de passagem, a invenção “latina nova e recente” de se celebrar voltado para o povo. Os comentários entre os textos de Sua Beatitude são do NLM, também traduzidos pelo seminarista.
A Eucaristia é o Mistério dos Mistérios assim como a Páscoa é a Festa das Festas
7. A comunidade dos fiéis vive pela fé no mistério de Cristo. Os sacramentos são facetas, transfigurações ou aparências do mistério de Deus que tomou forma humana para dar à humanidade sua forma divina. Uma vez que a Eucaristia é o sacramento de todos sacramentos, ela coroa todas as várias orações e serviços litúrgicos.A Eucaristia é como a Páscoa: não está no rol comumdas festas, poisé seu pináculo, como nossas orações litúrgicas costumam dizer, a "festa das festas e a celebração das celebrações"(Oitavo Ode do Cânon Pascal).Em verdade, existe um elo essencial entre a Páscoa ea Eucaristia, pois esta é o lugar sacramental em que a Páscoa de Cristo é dilatadae se torna a Páscoa da Igreja, "a oferta da ressurreição", segundo São Gregório Nazianzeno, no quarto século, ou ainda "o ícone da economia do Salvador", de acordo com a expressão de Nicolau Cabasilas, no décimo quarto século.Por isso, espiritualidade eucarística da Liturgia condensa-se e encontra a espiritualidade do ano litúrgico nestas três linhas principais:i. O serviço da Palavra corresponde à Teofania (ao Natal, Batismo e à pregação do Evangelho)
ii. O serviço da anáfora corresponde à Páscoa (à Paixão, Crucificação e Ressurreição)
iii. O serviço da Comunhão corresponde à theosis [NT: divinização, santificação].
Em uma seção posterior, voltamos a esse tão familiar tema da sagrada liturgia como um antegozo do céu:
A liturgia como um antegozo do Reino14. Na Divina Liturgia, vivemos de uma maneira especial, conquanto ainda na terra, a liturgia celeste, na qual as miríades de anjosrendem glória e louvor à Divina Trindade, indivisívelem essência, dizendo: "Santo, santo, santo é o Senhor Deus dos Exércitos. O céu ea terra estão cheios de vossa glória "(cf. Isaías 6, 3). É a canção celestial que ouvimos ressoar no coração da igreja. E a ela nós adicionamos o hino terreno, em que Jerusalém saúda o Rei vindo para salvar: "Bendito o que vem em nome do Senhor; Hosana nas alturas" (Mateus 21, 9b).15. A Divina Liturgia translada-nos para o céu, pois nos abre uma dimensão escatológica e faz com que assim "tomamos parte em uma antecipação da liturgia celeste, que é celebrada na cidade santa de Jerusalém, para a qual caminhamos como peregrinos" (Vaticano II Constituição sobre a Sagrada Liturgia, no. 8).16. A Divina Liturgia traz-nos também o próprio céu eproporciona a entradadele em nossa vida cotidiana. A Igreja ou comunidade eucarística é o lugar do novo nascimento através do Espírito Santo, o nascimento que o nosso Senhor Jesus Cristo entregou-nos no mistério de sua morte e ressurreição. É uma comunidade do Evangelho e da Eucaristia. É o Corpo de Cristo o lugar de Pentecostes, onde o Espírito Santo descee torna o pão eo vinho Corpo e Sangue de Cristo, assim como Ele torna os fiéis outros Cristos, e transforma toda a criação no templo vivo de Deus, em que, em suas câmaras, são repetidoscânticos e hinos de agradecimento e louvor, pois toda a criação "geme... esperandoredenção..." (Romanos 8,22-23)17. Então, a terra torna-se céu ea vida torna-se, na visão cristã, uma DivinaLiturgia universal, cósmica. É por essa razão que se diz que a Divina Liturgia é o céu na terra.
Sobreo ad orientem, ou a oração litúrgica voltada para o Oriente:
41. A Instrução ["Aplicação das prescrições litúrgicas do Código dos Cânones das Igrejas Orientais", Congregação para as Igrejas Orientais, 1996 - em inglês, aqui] menciona a importância de se orar voltado para o Oriente no No. 107, "Desde antigostempos que tem sido habitual na oração das Igrejas Orientais prostrar-se até o chão, voltando-se para o oriente; os próprios edifícios foram construídos de tal forma que o altar estivesse virado para o oriente. São João Damasceno explica o significado dessa tradição: "Não é por simplicidade, nem por acaso, que oramos voltados para as regiões do Oriente .... Uma vez que Deus é luz inteligível (1 João 1, 5), e nas Escrituras, Cristo é chamado o Sol da justiça (Malaquias 3, 20) e do Oriente (Zacarias 3,8 da LXX [NT: Septuaginta]), é necessário dedicar o Oriente a ele, a fim de render-lhe adoração. A Escritura diz: "Então o Senhor Deus plantou um jardim no Éden, no oriente, e colocou ali o homem que tinha formado" (Gênesis 2: 8). ... Em busca da pátria antiga e tendendo para ela, nós adoramos a Deus. ... Esperando por ele, nós nos prostramos em direção ao Oriente. É uma tradição tácita, decorrente dos Apóstolos" .Esta rica e fascinante interpretação também explica o motivo pelo qual o celebrante que preside a celebração litúrgica rezavoltado para o leste [NT: que nem sempre pode coincidir com o Oriente geográfico], assim como as pessoas participantes. Não é uma questão, como se costuma afirmar, de presidir a celebração com as costas viradas para o povo, mas sim de orientar as pessoas em peregrinação rumoao Reino, que é invocado em nossa oração até o retorno do Senhor.Tal prática, ameaçada em tantas Igrejas Orientais Católicas por uma influência latina nova e recente, é, portanto, de profundo valor e deveria ser preservada como verdadeiramente coerente com a espiritualidade oriental litúrgica.
Na fidelidade à tradição (permitindo, ao mesmo tempo, o desenvolvimento em continuidade com a mesma):
43. A Instrução destaca a importância da fidelidade à tradição. Lemos no. 109, "Não se pode negar que as Igrejas católicas orientais foram expostas, em tempos bastante recentes, à influência dos estilos de arte sacra completamente estrangeiros a sua herança, tanto na forma externa dos edifícios sagrados, quanto à organização do espaço interior e às imagens sacras. Ainda, das observações precedentes,emerge uma unidade harmoniosa entreas palavras, gestos, espaço e os objetos próprios e específicos de cada uma das liturgias orientais. A este aspecto, deve-se referir continuamenteplanejar de novos lugares de culto. E naturalmente exige-seda parte do clero um conhecimento aprofundado da sua própria tradição, alémde um plano de formação para os fiéis que seja constante, bem estabelecido e sistemático, para que eles sejam plenamente capacitados a perceber a riqueza dos sinais que lhes foram confiados. Fidelidade não implica fixação anacrônica, como a própria evolução da arte sacra -- até mesmo no Oriente --demonstra, mas sim uma desenvolvimento que seja totalmente coerente com o significado profundo e imutável atribuído pela celebração a tais sinais."
Finalmente, não posso deixar de partilhar o seguinte comentário, bastante franco, obviamente dirigido aos que reclamam sobre o comprimento da Divina Liturgia melquita:
70. Já tivemos de ouvir o bastante sobre uma Divina Liturgia longa ou curta, sobre um serviço longo ou curto. Esse comentário só ouvimos quando o assunto concerne à Liturgia ou ao serviço de oração. Nunca ouvimos falar de uma visita longa ou curta,deuma mais ou menos demoradasessão diante da televisão ou do computador, nem sobre a duração de um encontro com amigos numa praça, bar oudanceteria. Pensamos, pois, que tais observações sobreos serviços de oração são fúteis e sem valor. Tiremosdo pulso nossos relógios quando entrarmosna atmosfera de oração [sugestão do tradutor: façamos isso literalmente!]. Deixemos os nossos relógios e horários terrenos quando penetrarmos na casa de Deus. "É tempo para o Senhor agir". É assim que a Divina Liturgia começa[i]: completamente voltada para o Senhor. Para isso,nossas orações litúrgicas muitas vezes nos exortam: "Ponhamos de lado toda apreocupação temporal ...", "ninguém que está vinculado a preocupações terrenas e materiais ..." e, ainda, "elevemos nossos corações ao Senhor ... fiquemos atentos ". São Basílio, o Grande diz: "Não apresse-te durantetua oração. Não a abrevie para gerar tempo para os negócios mundanos. Não preste atenção aos rostos das pessoas, mas direciona totalmente teu coração para o Rei entronizado diante de ti,cercado de anjos que lhe tem atenção completamente dedicada”.
[i] NT: Refere-se à aclamação do diácono, que ele deve suceder com uma ordem dirigida ao sacerdote: “Abençoai, Mestre”. Seguindo essa indicação, o presbítero entoa a solene bênção, bem conhecida para alguns, que tão bem expressa onde estamos quando a Liturgia começa: “Bendito seja o Reino do Pai, do Filho e do Espírito Santo, agora e sempre e pelos séculos dos séculos”.