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quarta-feira, 5 de maio de 2010

Reflexões sobre a celebração pública da Missa de acordo com o usus antiquior

Um excelente artigo que nos foi enviado por um leitor, Fabiano Rolim, que o traduziu.

Reflexões sobre a celebração pública da Missa de acordo com o usus antiquior

Por Pe. Dominic Holtz, O.P.

Tradução: Fabiano Rollim

Original em inglês disponível em: http://speciouspedestrian.blogspot.com/2010/05/reflections-on-public-celebration.html

Um leitor perguntou se eu poderia fazer uma reflexão sobre minha primeira celebração pública da Missa de acordo com o Missal Romano de 1962, fato ocorrido recentemente, em 29 de abril. Com as impressões ainda frescas em minha mente, considerei válido, primeiramente para mim, atender à solicitação, mesmo que não fosse para meus outros leitores.

Devo chamar a atenção para algumas coisas. Em primeiro lugar, já celebrei algumas vezes, de maneira privada, a Missa na forma extraordinária. Também já celebrei a Missa na forma ordinária publicamente em latim (a primeira vez, duas semanas após minha ordenação), ad orientem, com canto gregoriano, polifonia, etc. Procuro manter-me fiel ao texto do Missal, esforço-me para que meus gestos e posturas se conformem às formas clássicas, aproveito bastante as oportunidades de oração silenciosa (especialmente no Ofertório), e por aí vai. Com isto quero dizer: as impressões registradas aqui são baseadas realmente na celebração pública da forma clássica da Missa, e não resultam de outros fatores.

Ainda a título de prefácio, reconheço que tive o maravilhoso e raro privilégio de contar com um coral (acompanhado de instrumentos clássicos) que cantou o Ordinário e o Próprio da Missa, com motetos[1], talvez antes só ouvidos, se tanto, em cortes reais da Bavária e da Áustria no século XVI. A música foi simplesmente sublime e admito que minha experiência maravilhosamente positiva e edificante foi devida, ao menos em parte, à gloriosa música oferecida por estudantes e docentes da Jacob School of Music da Universidade de Indiana. Mesmo assim, pretendo falar mais diretamente de minha própria experiência da celebração da Missa qua celebrante, isto é, como sacerdote.

De início, assim que o frio no estômago cessou, fiquei impressionado existencialmente com aquilo que já sabia conceitualmente, a saber, o fato de toda a “ante-Missa” ser tão útil espiritualmente e, mais especificamente, as orações no limiar do altar. Uma vez que as orações tiveram início, houve uma verdadeira calma espiritual acompanhada de um senso claro a respeito da seriedade daquilo que eu estava para fazer, até que chegasse o momento de me aproximar do altar. Certamente as orações durante a vestição e minhas próprias orações antes da Missa, que eu faria de qualquer maneira, foram importantes. Todavia, a esplêndida alternância de orações entre eu e os acólitos, a mútua (não meramente conjunta) confissão dos pecados, as palavras sóbrias e ainda assim esperançosas do Aufer a nobis e Oramus te e, durante todo esse tempo, o não precisar me preocupar em “sustentar” a celebração da Missa, desde o início deram-me um senso de propósito e intenção diferente do que eu geralmente já havia experimentado em uma Missa.

Ao mesmo tempo (foi uma Missa cantata) encontrei verdadeira consolação na recitação silenciosa enquanto aguardava o coral terminar o Kyrie e o Glória. Foi um tipo de espera que ao mesmo tempo permitiu-me um espaço de recolhimento em oração particular e manteve-me atento ao meu papel como um servidor do rito. Por mais crucial que fosse o meu papel, não era “minha” hora de dirigir a ação, mas minha hora de esperar.

Devo mencionar aqui que a distinção de toda a Missa dos Catecúmenos como sendo mais vocal, mais coral, mais audível, também se tornou aparente de maneira experiencial, embora eu já soubesse disso conceitualmente. O que eu e toda a assembléia experimentamos desde o começo do Intróito até a conclusão do Evangelho foi um extenso e contínuo ato de louvor e proclamação. Certamente, eu não era ouvido continuamente, mas sempre que alguém não estava cantando ou rezando, outro alguém estava. Destaco isto porque o contraste com a Missa dos Fiéis, notável por seus significativos momentos de silêncio (falo mais sobre isso abaixo), tornou-se cada vez mais claro no decorrer da Missa.

Digno de nota é o sentimento de que a homilia, sem ser algo estranho nem inapropriado, é pelo menos uma cesura, uma Luftpause[2] na celebração. Como qualquer poeta ou músico poderá dizer, estas pausas não são inconsequentes, e realmente “pertencem” ao lugar onde são colocadas. Mesmo assim, trata-se de uma interrupção, uma parada, uma pausa, que se torna claríssima também: ritualmente no gesto de remover o manípulo; topograficamente no meu deslocamento do altar até o ambão; vocalmente na mudança do canto em latim para a fala em inglês; e intencionalmente quando deixo de usar as palavras, movimentos e gestos recebidos da Igreja para usar minhas próprias palavras, recebidas no encontro orante com as Escrituras na preparação da pregação. Pelo menos agora entendo, de uma forma que não tinha entendido antes, o que especialistas em homilética queriam dizer ao se preocuparem com a homilia antiga como não sendo “litúrgica”. Por ora, em relação a ser ou não algo bom, não julgarei. Uma coisa que a homilia realmente me fez ver foi o quão profundamente eu havia entrado no Sancta sanctorum ao rezar o Aufer a nobis, uma vez que me senti realmente transportado de um estado mental e espiritual para outro (considerando que isso envolveu mudar não apenas minha orientação, mas deixar o espaço próprio do altar). Foi diferente do que aconteceu em outros momentos em que me voltei para o povo, como no Orate fratres ou na preparação da Comunhão dos fiéis (o Ecce Agnus Dei e o triplo Domine non sum dignus).

Talvez não seja nem notável nem surpreendente dizer, ainda que seja verdade, que fui profundamente afetado pelo silêncio da celebração do Cânon. Havia uma intensidade, uma presença, uma abundância de conteúdo naquele silêncio, diferente de tudo que eu já havia experimentado antes. Talvez tenha sido devido em parte ao contraste com a música sublime e quase contínua que eu tinha ouvido até o Sanctus. Então, quando o último Hosanna in excelsis chegou ao fim e tudo que podia ser ouvido era o silêncio de minha oração... É uma experiência bem difícil de por em palavras, ainda mais quando tento evocar o que significou dizer as palavras da consagração sem tentar comunicá-las de forma audível e inteligível para uma assembléia heterogênea de fiéis, mas dizendo-as sob o véu do silêncio de forma que elas pudessem ser o que são em simplicidade evidente e profunda... Só posso dizer que foi transformador, ou melhor, espero que venha a sê-lo.

Como disse acima, também fiquei impressionado pelo relativo aumento do silêncio na Missa dos Fiéis, pelas várias, na verdade frequentes, “interrupções” quando nada era ouvido. Mesmo assim, não foram meras pausas, nem simplesmente “conclusões” de orações longas demais para serem cobertas pela música. Foram silêncios significativos, densos, que me dirigiram (e espero que também os fiéis) à Comunhão de um jeito que a forma ordinária não faz. Hesito neste ponto em fazer um julgamento, mas a experiência foi certamente diferente e notável.

Uma confirmação que tive foi esta: é infinitamente mais prático, e ao mesmo tempo mais conforme, que os fiéis (na medida em que forem capazes) recebam a Eucaristia na língua e de joelhos. Notem bem, fico muito feliz que qualquer um dos fiéis, propriamente disposto, se aproxime para receber Nosso Senhor no Sacramento, e preferiria vê-los se aproximando aos pulos do que se afastando com medo. Mesmo assim, de um ponto de vista prático, ter as cabeças de todos mais ou menos no mesmo lugar (com exceção das crianças pequenas e dos homens muito altos), não ter que adivinhar onde ou como cada um vai comungar (mão ou língua, de pé à distância ou bem perto, etc), permitiu-me estar mais a vontade ao dar-lhes a comunhão. Noto isto comparando com os vários anos de experiência ajudando na Catedral Basílica de St. Louis onde, mesmo com sua louvável celebração da Missa, as pessoas que se aproximavam para comungar podiam se apresentar (e realmente se apresentavam) em uma curiosa variedade de formas!

Devo também acrescentar que, a despeito do ritual relativamente longo envolvendo minha própria Comunhão e as abluções, não me senti nem mesmo remotamente pressionado pelo tempo. De novo, o forte senso de estar no Santo dos Santos, e as orações que me assistiam durante o rito, verdadeiramente mantiveram-me focado nas coisas do altar; e isto devido não apenas à orientação (apesar de que, não gostaria que o ótimo fosse inimigo do bom aqui, e endosso completamente o bem que também experimentei na celebração ad orientem da Missa na forma ordinária). Da mesma forma, o Placeat (que rezo ao final da Missa mesmo na forma ordinária, mas geralmente no caminho de volta à sacristia) e o Último Evangelho não me pareceram apêndices, mas formas salutares de me conduzir desde o altar até de volta para o mundo em torno.

Deve ser bem fácil perceber que esta foi uma experiência poderosa e bela para mim. Cada rubrica foi observada perfeitamente? Duvido. Parte da beleza veio da música? Certamente. Parte do poder percebido foi resultado da “novidade”? Talvez. O tempo e a experiência irão dizer. O que posso afirmar com certeza é que agora digo de maneira existencial o que antes teria dito, corretamente, mas de maneira conceitual, a saber, que há benefícios grandiosos e reais que vêm da celebração clássica da Missa do Rito Romano; benefícios que sacerdotes e fiéis em geral fariam bem em encontrar.

[1] N. do T. – Moteto é um gênero musical polifônico surgido no século XII onde, inicialmente, usavam-se textos distintos para cada voz. O apogeu do seu uso deu-se no século XVI.

[2] N. do T. – Luftpause (origem alemã): trata-se de um símbolo utilizado na escrita musical, semelhante a uma vírgula, que instrui o cantor ou instrumentista a fazer uma breve pausa, criando um efeito similar ao de uma vírgula em um discurso; lit. “pausa para respiração”.


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