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sexta-feira, 9 de julho de 2010

Beato Cardeal Schuster: Poesia e música nas sinaxes eucarísticas, parte I

D. Ildefonso Schuster, OSB, nasceu Alfredo Ludovico Schuster, e devo admitir que no início minha atenção foi chamada pelo fato de seu primeiro nome ser igual ao meu. À parte uma possível e feia vaidade, peço me crerem quando digo ter sabido dele numa busca por santos com o meu nome, e Alfredo Schuster foi beatificado por João Paulo II em 1996, conforme vim a descobrir. O processo foi aberto pelo seu sucessor na Arquidiocese de Milão, o Arcebispo Giovanni Montini, que mais tarde se tornaria o papa Paulo VI. Seu sobrenome germânico se deve à origem bávara de seu pai. Ele mesmo, no entanto, nasceu e se criou em Roma. Feito cardeal por Pio XI, viveu de 1880 a 1954, e escreveu extensamente sobre Liturgia.

Obras suas estão disponíveis na internet, incluindo os generosos tomos de um trabalho de nome um tanto longo: Liber Sacramentorum - Notes historiques et liturgiques sur le Missel Romain (livro dos sacramentos - notas históricas e litúrgicas sobre o Missal Romano). A edição, que nos chega em pdf, foi impressa em 1925, durante a vida do Beato Schuster, creditado na capa como Dom I. Schuster, OSB, abade de São Paulo Fora dos Muros.

Decidi traduzir, do primeiro tomo da referida obra, o capítulo sétimo, intitulado Poesia e música nas sinaxes eucarísticas. Nos primeiros parágrafos o leitor verá que são feitas algumas menções aos assuntos tratados em capítulos anteriores, mas espero que não lhe cause grande prejuízo a ausência deles aqui nesta tentativa de versão portuguesa. O Beato Schuster fala neste texto dos modos de cantar salmos na Igreja, e sei que o leitor verá bem que não se trata simplesmente do "Salmo Responsorial" da Missa, mas do canto de salmos na Liturgia como um todo, no Introito, no Ofertório etc.

O beato tem em mente o Missal Tridentino, que hoje chamamos também de Forma Extraordinária do Rito Romano. Portanto, quando ele fala no "Missal", trata-se desse Missal; no mais, ele está explicando ao leitor a respeito da liturgia muito antiga - tanto que, em certo ponto, se refere ao Gloria como adição "recente" à Missa. Este "recente" significa por volta do século V ou VI, e se trata do uso do Gloria fora do Natal, anteriormente o único dia em que aparecia.

Devido à sua extensão, o texto vai aqui publicado em duas partes: a primeira hoje e a segunda no próximo dia 13 (mas não deixe de visitar o Salvem a Liturgia até lá, pois há novidades diárias).

Esperamos que o texto seja proveitoso para o leitor, que certamente será bondoso em perdoar más escolhas de palavras e outras imperfeições de tradução. Notas do tradutor aparecem em azul, entre colchetes.

*


Beato Ildefonso [Alfredo Ludovico], Cardeal Schuster, OSB

Capítulo VII de Liber Sacramentorum – Notes historiques et liturgiques sur le Missel Romain

Poesia e Música nas Sinaxes Eucarísticas

Os elementos já examinados nos permitem distinguir e ordenar cronologicamente as diversas partes de todo este magnífico conjunto de ritos eucarísticos. Se é verdade que o Esposo emprega neles uma inefável linguagem de amor dificilmente traduzível em palavras humanas, a Esposa, por sua vez, se eleva a tal sublimidade de pensamento que só pode ser compreendida pelas almas eleitas que realizam, em si mesmas, pela inocência de sua vida, o ideal de santidade e de graça das quais a Igreja possui a plenitude. Para compreender, assim, a santa liturgia, necessário se faz sobretudo vivê-la com a Igreja una, santa, católica e apostólica.

Orações litânicas, coletas, perícopes escriturísticas, orações eucarísticas e aclamações coletivas, nós as encontramos em abundância desde a segunda metade do primeiro século nos escritos de São Paulo, de São João, e, principalmente, na Didaké; e o mais notável é que conservaram no uso litúrgico a mesma ordem que haviam ocupado nas sinagogas da Palestina e da Grécia.

Talvez possa causar surpresa, no entanto, que convidemos nosso leitor a assistir ao Divino Sacrifício nas catacumbas de Roma no tempo de Justino e de Tertuliano, para em seguida acompanhá-lo em Jerusalém, Milão e nas esplêndidas basílicas constantinas do Latrão e de São Pedro, sem de antemão explicar-lhe os elementos eucológicos e rituais que compõem a ação sagrada. Foi um pequeno artifício de nossa parte: preferimos dar desde o início uma primeira impressão da sublimidade lírica à qual se eleva o culto cristão antes de fazer a anatomia de suas fórmulas, a qual, à semelhança do esqueleto humano, dificilmente demonstra toda a alegria e beleza da vida.

É o momento de examinar mais particularmente os elementos do nosso Missal, sobretudo agora que podemos apreciar seu esplendor, tendo em conta, assim, a disposição e os diversos lugares ocupados por eles no desenrolar do cerimonial litúrgico. Dada a natureza eminentemente dramática da Ação sagrada, comecemos distinguindo os diversos gêneros musicais aos quais pertencem os cantos salmódicos da Missa.

O Saltério, por excelência o livro da oração eclesiástica, forneceu ao Divino Redentor e à Sua Igreja as notas desta oração sublime que, anunciada sob diversas formas e em tempos diferentes na recolha dos cânticos davídicos, teve seu complemento definitivo na oração vesperal pronunciada sobre o Calvário no dia da grande Parasceve [Sexta-feira Santa].

Conhecemos quatro modos de execução salmódica:

A-)

O psalmus responsorius é o salmo executado por um solista ante uma assembleia, e interrompido a cada versículo, ou a cada grupo de versículos, por um refrão dos assistentes. Tem a grande vantagem de unir intimamente os sentimentos do cantor aos sentimentos do povo fiel, excitando mutuamente sua atenção, e proporcionando a alternância, o entrelaçamento e o complemento mútuo das duas partes. Esta íntima ligação e este entrelaçamento, tanto das melodias salmódicas como das perícopes escriturísticas, às quais a salmodia serve como moldura e ornamento, é um dos caracteres mais notáveis da liturgia antiga, de formas eminentemente dramáticas, e que se desenvolve regularmente com natural majestade, tal qual um drama ou representação cênica de um poema sacro.

Para bem compreender as belezas da liturgia romana e especialmente do Missal, nunca é demais insistir sobre o fato de que, em sua origem, todas estas orações, estas cerimônias, estes cânticos, foram estabelecidos para se executar e representar em vastas basílicas. As missas privadas apareceram muito mais tarde, e manifestam uma simples adaptação da grandiosa liturgia estacional, criada precisamente para ser realizada por um povo numeroso.

No mais, as origens do responsorius se confundem com as origens do próprio saltério; algumas composições salmódicas supõem necessariamente esta execução com refrãos, como o Salmo 135, cantado pelo grande coro de músicos na dedicação do Templo de Jerusalém, enquanto o povo exclamava: Quoniam in aeternum misericordia eius [Pois sua misericórdia é eterna].

A antigüidade cristã tomou este costume, sempre em vigor, da sinagoga; ele até mesmo extrapola o ritual estritamente litúrgico, inclusive na oração privada dos fiéis primitivos; é assim que Evódio entoava, próximo do leito de morte de Santa Mônica, o Salmo 100, ao qual Agostinho e os outros membros da família respondiam com o refrão: Misericordiam et iudicium cantabo tibi, Domine [A vós cantarei a misericórdia e a justiça, Senhor] [ver Confissões, livro IX, capítulo XII, 3].

B-)

Com o salmo responsorial se parece aquele recitado sem interrupção pelo solista, mas ao qual a assembleia responde com uma fórmula ou doxologia final, Amen, Benedictus Deus, Alleluia ou outras parecidas. Os Salmos 40, 71, 88 e sobretudo o 105: Benedictus Dominus Deus Israel a saeculo et usque in saeculum. Et dicet omnis populus: Fiat, Fiat [Bendito seja o Senhor Deus de Israel, pelos séculos dos séculos; e que todo o povo diga: amém] confirmam seu uso entre os hebreus. No tempo de Cassiano, o rito dos mosteiros dos gauleses, diferentemente dos orientais, determinava que a assembleia, assim que terminasse o salmo do solista, entoasse o Gloria Patri, enquanto no Egito e na Palestina esta doxologia era reservada exclusivamente ao fim do salmo antifônico.

C-)

A antífona difere da salmodia responsorial em que, suprimida a antiga parte do solista, a assembleia se dividia em dois coros, comportando-se como um duo, alternando os versículos e as diversas melodias, às vezes até mesmo em diferentes línguas, para se reunir finalmente num canto em intervalo de oitava.

Mais tarde, o elemento polifônico com o intervalo de oitava passando ao esquecimento, consideraram-se a alternância dos coros e sua resposta como a característica do salmo antifonado. Diferentemente do responsorius, a réplica do refrão da assembleia não era tomada necessariamente do texto do salmo (o Alleluia intercalado nos salmos aleluiáticos era às vezes considerado um elemento salmódico), mas podia ser tomado de empréstimo a outros livros da Escritura; neste caso, podia indicar o sentido especial que a Liturgia atribuía a um salmo em determinada circunstância. Assim, no dia de Pentecostes, a antífona do Introito foi tirada do Livro da Sabedoria: Spiritus Domini replevit orbem terrarum [O Espírito do Senhor enche toda a Terra], e o Salmo 67 que segue: Exsurgat Deus et dissipentur inimici eius [Levanta-se o Senhor e se dispersam seus inimigos] faz, justamente, alusão à missão do Espírito Santo: a de glorificar Jesus e humilhar seus inimigos.

A doxologia (Gloria Patri), primeiro no Oriente, depois no Ocidente, terminava o salmo antifonado, dando assim, por causa de seu final, um caráter trinitário e fortemente anti-ariano.

Diz-se geralmente que a origem da antífona remonta a 344-357; os monges Flaviano e Diodoro a teriam introduzido em Antioquia com a finalidade de se opor à antifonia ariana que ali dominava. Sua introdução na liturgia oriental é, porém, muito anterior ao século IV, já que na época de São Basílio o uso da antistrofe estava disseminado; Eusébio-Fílon havia falado dela longamente, já antes disso. Voltaremos mais adiante às origens da antifonia.

continua...

2 comentários:

  1. O artigo ficou excelente! E o beato até parece-se contigo! :)

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  2. LG, muito obrigado... pelos dois comentários! :-)

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