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quarta-feira, 28 de abril de 2010

O rito cisterciense

Entre os ritos litúrgicos da Igreja Ocidental, figura o cisterciense, particular da Ordem de mesmo nome e também da Ordem Trapista (ou dos Cistercienses da Estrita Observância).

Trata-se não de um conjunto de particularidades litúrgicas anexas ao rito romano, como vemos, por exemplo, entre os franciscanos e os servitas. Tampouco, é um uso distinto, mas ainda no mesmo rito romano, como se nota entre os anglicanos convertidos à Igreja Católica, ou na Liturgia das Horas dos beneditinos. O rito cisterciense é um rito mesmo, específico, com um conjunto de regras todo próprio, à semelhança do ambrosiano, do mozárabe, do bracarense, do antigo rito celta, do cartusiano (cartuxo) e do dominicano, no Ocidente, ou do bizantino, do maronita, do siríaco etc, no Oriente.

Na verdade, esse rito hoje está extinto, ao menos para a Missa. Após o Vaticano II, os cistercienses e os trapistas, que o praticavam, aderiram oficialmente ao rito romano, adotando os livros litúrgicos romanos, à exceção do Ofício Divino. De fato, os membros das duas ordens continuam recitando a Liturgia das Horas conforme o antigo breviário cisterciense, fidelíssimo à Regra de São Bento.


Faremos, entretanto, um pequeno esboço histórico do rito cisterciense, que, até o século XVII, era bastante distinto do romano.

Entre suas características estava a ausência do salmo Judica me nas Orações ao Pé do Altar, na Missa. Em seu lugar, cantava-se ou rezava-se o Veni Creator, invocando o Espírito Santo para o sacrifício que se iria celebrar.

O rito cisterciense não previa genuflexões, mas, em seu lugar, as inclinações profundas.

Após o Ato Penitencial e a oração Indulgentiam, presentes no rito romano, estavam previstos o Pater Noster e a Ave Maria. Essa devoção mariana presente no Ordinário da Missa é bem característica dos cistercienses que lhe foi legada de São Bernardo, um dos seus patriarcas, e autor das três últimas invocações da Salve Regina.

Ao beijar o altar, fazia-o em silêncio. Não estava prevista a oração Oramus te Domine.

Na Proclamação do Evangelho, não se fazia a mera persignação, mas um grande sinal-da-cruz.

Preparava-se o vinho e a água no cálice, sobre a credência, antes de levá-lo ao altar.

Não haviam as orações Corpus Tuum e Quod ore sumpsimus, após o Agnus Dei.

A Missa terminava com o beijo no altar e um sinal-da-cruz feito pelo celebrante.

É de se notar que, em alguns dias do ano, não só o Próprio variava, como no rito romano, como também o Ordinário. Assim, por exemplo, no Domingo de Ramos, o Evangelho da Paixão era cantado apenas na Missa Solene Conventual, enquanto nas demais Missas do mosteiro era lido um Evangelho distinto. No mesmo Domingo de Ramos, enquanto o rito romano tradicional previa sete bênçãos sobre os ramos, o rito cisterciense estipulava apenas uma bênção, mais longa. Essa bênção continua como alternativa para os cistercienses e trapistas ainda que hoje tenham adotado o rito romano moderno.



No breviário, seguiram estritamente a Regra de São Bento, com poucas modificações feitas no espírito da Ordem. Uma das distinções em relação ao rito romano é a ausência do Nunc Dimittis nas Completas e a previsão, para as Vésperas, de apenas quatro salmos (e não cinco como no rito romano tradicional, ou três como no rito romano moderno).

Para os sacramentos, a Extrema-Unção era dada antes do Viático, e, na Penitência, a fórmula de absolvição era mais curta do que a romana.


No século XVIII, entretanto, o Abade Geral da Ordem Cisterciense (na época, não havia uma Ordem Trapista distinta), Dom Claude Vaussim, OCist, modificou o Missal específico do rito de modo a aproximá-lo do Missal Romano de São Pio V. Esse Missal Cisterciense reformado vigorou até o início dos anos 1970, quando, então, o rito cisterciense foi completamente abandonado na Missa, tendo as duas Ordens cistercienses adotado o Missal Romano de Paulo VI.


A realidade litúrgica hodierna da Ordem Cisterciense e da Ordem dos Cistercienses da Estrita Observância (trapistas) é a seguinte:

1) A Liturgia das Horas segue o antigo rito cisterciense, consubstanciado nos seus breviários particulares.

2) Os ritos dos sacramentos e sacramentais são tomados dos livros do rito romano, com aquelas derrogações próprias de algumas Ordens religiosas (por exemplo, ritual específico para tomada de hábito, profissão religiosa, bênção de abade e abadessa). Além disso, a Santa Sé lhes concedeu uma Variação no Rito da Unção dos Enfermos e um Ritual de Exéquias específico (que contém, entre outras coisas, os Sufrágios pelos Defuntos). Pode-se dizer que, nesse particular, adotam as Ordens cistercienses o rito romano, mas preservando algo de sua antiga tradição.

3) Enfim, na Missa, seguem o rito romano reformado por Paulo VI e João Paulo II. Sem embargo, o Protocolo 525/70, de 8 de junho de 1971, conjunto da OCist e OCSO, concedeu que, ao utilizar o novo Missal Romano pós-conciliar, os cistercienses levassem em conta certos elementos tradicionais de seu antigo rito particular: textos tomadas do Missal Cisterciense e que não se encontram no Missal Romano (como, alternativamente, a grande bênção cisterciense sobre os ramos no Domingo de Ramos, ao invés da bênção romana); a inclinação profunda no lugar da genuflexão; o sinal-da-cruz amplo no lugar da persignação antes do Evangelho; a preparação do vinho e da água no cálice antes de levá-lo ao altar.

As igrejas cistercienses sempre foram marcadas pela sobriedade, que herdaram do estilo arquitetônico românico, não tendo aderido ao barroco nem ao gótico.

Para baixar o Rituale Cisterciense em português, contendo as rubricas para a Missa em rito romano complementadas pelo Próprio da OCist e da OCSO, bem como as regras da Liturgia das Horas em rito cisterciense, e os rituais com o rito romano derrogado pelos costumes da Ordem, clique aqui.

Abaixo, algumas fotos da liturgia celebrada por monges cistercienses. Trata-se não do rito cisterciense que, como vimos, foi abolido na Missa. São fotos que retratam a Missa na forma ordinária do rito romano, com os livros de Paulo VI, adotados pela Ordem nos anos 70.

Repository por Stephen, O.Cist..
Monumento, ou altar da reposição, na Sexta-feira Santa, custodiado por um monge.

Passion por Stephen, O.Cist..
Ação Litúrgica de Sexta-feira Santa. Notem que o sacerdote não veste casula, mas pluvial. É uma particularidade do rito romano celebrada pelos cistercienses, que lhes veio do antigo rito cisterciense.

Solemn Collects por Stephen, O.Cist..
Idem.

Solemn Collects por Stephen, O.Cist..
Idem.

Veneration of the Cross por Stephen, O.Cist..
Conforme antiga tradição cisterciense, a Adoração da Cruz pelos monges se faz em prostração, não de joelhos.

Veneration of the Cross por Stephen, O.Cist..
Vejam a menina de véu. Como se pode perceber, não se trata de um costume apenas dos frequentadores da Missa tridentina...

Communion por Stephen, O.Cist..
O padre coloca a casula para o rito da Comunhão.

Confetior por Stephen, O.Cist..
Santa Missa, no rito romano moderno, de Paulo VI, ou forma ordinária, mas versus Deum e em latim.

Gospel por Stephen, O.Cist..
Idem.

Schola at the Offertory por Stephen, O.Cist..
Idem.

DSC06125 por Stephen, O.Cist..
Idem.

DSC06128 por Stephen, O.Cist..
Idem.

DSC06136 por Stephen, O.Cist..
Idem.

Kiss of Peace por Stephen, O.Cist..
Idem.



14 comentários:

  1. Dr. Rafael,
    Além do Rito Cisterciense, o senhor poderia me listar os ritos ocidentais da Igreja?
    Aproveito a oportunidade, lhe peço por caridade, que dedique um tópico ao Rito Carmelita.
    Um abraço,
    Victor Emmanuel

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  2. Caro Dr. Rafael,
    PAX!

    Muito obrigado pelo post! Bastante esclarecedor, pois tenho me dedicado a espiritualidade e história da Ordem de Cister, entretanto carecia de maiores informações litúrgicas. Que São Bernardo de Claraval abençoe este precioso apostolado!

    Em Cristo Jesus,
    Maycon

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  3. Gostaria que você comentasse a respeito da liturgia do caminho neocatecumenal.

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  4. O Caminho Neocatecumenal deve celebrar o rito romano. Algumas coisas foram autorizadas para ele como um uso próprio, mas outras, estranhíssimas, foram retiradas pela Santa Sé porque ilegítimas. Só não sei se estão obedecendo. Quero crer que sim, pois há excelentes católicos lá.

    Como se desenvolveram em uma época turbulenta, acabaram por incorporar elementos progressistas em suas liturgias, e isso está sendo corrigido pela Santa Sé.

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    Respostas
    1. A paz!

      Estou no Caminho Neocatecumenal há pouco tempo, mas já vivenciei todas as celebrações da Igreja com o Caminho, confesso que até pouco tempo com receio de estar indo de encontro com a reforma da reforma, mas vivendo intensamente cada celebração por ver e sentir o zelo com o Sagrado!

      Todas as mudanças que a Santa Sé solicitou na liturgia da celebração da Eucaristia estão sendo obedecidas, ao menos tenho visto sempre nas celebrações das comunidades da minha cidade.

      Eu não compreendia muito bem a "maneira litúrgica" do Caminho, já que sempre apreciei muito a Tradição mesmo não tendo problemas com o missal de Paulo VI. Mas após estudar um pouco outros ritos, a história da Igreja e conversar com muitas pessoas (bispos, padres etc) entendi que na Santa Missa celebramos o mistério Pascal de Cristo em sua totalidade: paixão, morte, ressurreição e dom do Espírito, e não somente a paixão e morte como é enfatizada entre os tradicionalistas, ou a ressurreição no Caminho e ritos orientais, ou o dom do Espírito na RCC.

      Eu sou encantada pelos ritos orientais. Gosto do rito romano de Paulo VI, mas sinto falta de algumas coisas do rito de Pio V que tornam a Missa mais solene... Então para mim, fica bem claro que todas as formas litúrgicas tem virtudes e lacunas, e com os ritos do Caminho Neocatecumenal não é diferente.

      Só que o mais importante que vejo nos movimentos e novas comunidades surgidos do Concílio Vaticano II (e que não são liturgias como muitos parecem pensar quando fazem ataques), é a proposta de vida cristã.
      No Caminho recebi uma proposta formidável, em que a vida numa comunidade cristã de verdade (e não só Missa e pastorais comunistas) permite a prática do cristianismo em sua essência, num mundo onde reina o individualismo. E aprendemos também a fidelidade ao Santo Padre. Então participo serenamente de tudo, sem pesar, até que o Papa dê a ordem final acerca da liturgia... ordem que será obedecida com certeza.

      Me estendi, mas acho importante essa partilha.
      In corde Jesu et Mariae!

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  5. Falarei sobre o rito carmelita oportunamente. Podem cobrar.

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  6. 1 - O Rito Cisterciense foi abolido(proíbido) ou está apenas em desuso, podendo ser celebrando em algum momento?

    2 - O que é aquela ''pedra'' debaixo do altar?

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  7. Gostaria de recomendar a visita ao site da Abadia Cisterciense de Nossa Senhora da Santa Cruz (Itaporanga/SP), onde temos a lista completa dos mosteiros cistercienses no Brasil, masculinos e femininos.

    Vejam:

    http://www.abadiaitaporanga.org.br/

    http://www.abadiaitaporanga.org.br/CisterciensesnoBrasil.html

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  8. "1 - O Rito Cisterciense foi abolido(proíbido) ou está apenas em desuso, podendo ser celebrando em algum momento?"

    Isso está no texto. Repito, porém: para o breviário, ainda existe o rito; para a Missa, não, pois eles usam o romano com derrogações para o antigo rito cisterciense.

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  9. Caro anônimo,

    Aquela pedra debaixo do altar se trata de um suporte onde ficam o relicário com as reliquias dos santos cistercienses nos dias de solenidade da Abadia de Nossa Senhora de Spring Bank (USA), como pode ser observado nas fotos do site:
    http://www.monksonline.org/photo.html

    http ://www.flickr.com/photos/jdtreat/3156685108/in/set-72157611956055011/

    Em Xto.,
    Maycon Sanches

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  10. Rafael

    O catecismo da Igreja no nº 1203 fala que existe atualmente ritos de certas ordens religiosas. Pergunto: quais ordens religiosas na atualidade ainda preservam um rito litúrgico próprio e diverso do romano?

    Abraço,
    Sidnei

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  11. Sidnei,

    Os dominicanos e os carmelitas possuem um rito próprio, mas rarissimamente usam. Há províncias, entretanto, que, invocando o Summorum Pontificum, têm promovido esses ritos. Estou preparando textos sobre eles. Aguarde.

    Os cartuxos ainda mantêm seu rito específico, que é bem característico. Um post sobre ele já está agendado.

    Há também uma Liturgia das Horas própria dos beneditinos.

    E há, claro, os usos característicos de algumas ordens dentro do rito romano: os franciscanos, os franciscanos conventuais, os capuchinhos, os servitas, os premonstratenses...

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  12. Benedicite!

    Muito agradecido pelo belo histórico acerca de nossa Liturgia Cisterciense. Tenho vários artigos sobre o assunto. Nossa Ordem foi geradora de Santos. Tivemos 2 papas, 37 cardeais e centenas de bispos. Sou apaixonado pela liturgia e amo o que vivo no mosteiro.
    + Dom Abade Paulo Celso Demartini O. Cist.
    e-mail: padrepaulocelso@hotmail.com

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  13. Que honra, Excelência, ter sua visita!

    Rogamos sua bênção, sr. Abade.

    Em Cristo,

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