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segunda-feira, 26 de abril de 2010

"Pulchirtudo tam antiqua et tam nova" (A beleza sempre antiga e sempre nova)

Por Duncan G. Stroik, publicado em Sacred Architecture, Volume 16 (http://www.sacredarchitecture.org/articles/pulchritudo_tam_antiqua_et_tam_nova/)

Traduzido por Rafael Diehl

Parte da história da arte e arquitetura é recuperação de elementos encontrados no passado. Algumas vezes isso é uma questão de continuidade, enquanto em outras vezes os elementos são referenciados de forma a associar o novo trabalho com uma edificação ou um período histórico. O Movimento Litúrgico do século XX buscava um retorno à liturgia da antigüidade e via os desenvolvimentos datados do período medieval ou da Contra-Reforma como acréscimos desnecessários ou decadências. Por volta dos anos 1920, o desejo de despojar a liturgia desses acréscimos encontrou seu resultado arquitetônico na retirada dos santos e retábulos dos altares principais. Os teóricos do Movimento Litúrgico, por exemplo, queriam focar na natureza sacrificial da Missa, mas com a exclusão de toda a iconografia. O modelo desses teóricos, que foi adotado tanto nas igrejas novas quanto nas existentes, compunha um não-coberto altar de pedra com um tabernáculo de bronze no topo encimado por um crucifixo com um dossel ou baldaquino por cima. Isso possuía uma simplicidade clássica, inspirada na antigüidade, que continua a ressoar nos católicos de hoje. Teria esse enxugamento das igrejas góticas e clássicas em nome de uma era de ouro mais antiga conduzido à posterior adoção de arquitetura modernista para nossas igrejas? A remoção de tabernáculos, altares laterais, balaustrada dos altares e bancos que seguiu nos anos 1950 e 1960 conduziu à reinvenção da arquitetura da igreja como salão comunitário.







Em sua encílcia Mediator Dei, de 1947, Pio XII expressou preocupação a respeito do que chamou de arqueologismo: “A liturgia dos primeiros tempos é muito certamente digna de toda veneração. Mas o uso antigo não é, por motivo somente de sua antiguidade, o melhor, seja em si mesmo, seja em relação aos tempos posteriores e ás novas condições verificadas. Os ritos litúrgicos mais recentes da mesma forma merecem respeito e reverência. Estes, igualmente, recebem sua inspiração do Espírito Santo, que assiste a Igreja em todas as épocas até a consumação do mundo... não é certamente coisa tão sábia e louvável reduzir tudo e de qualquer modo ao antigo.”

Enquanto a defesa do retorno à antiguidade e à igreja doméstica é hoje menos forte, o arqueologismo a qual Pio XII se refere está, contudo, emergindo em novas formas. Os cristãos olham para os “bons e velhos tempos”, estejam nos anos 1950 ou 1250. Quanto mais longe a época, mais fácil é mascarar suas imperfeições para recuperá-la como uma era dourada onde as coisas eram melhores, mais puras. Contudo, conforme afirma a Sacrosanctum Concilium, “durante o curso dos séculos, ela [a Igreja] acumulou um tesouro de arte que deve ser muito cuidadosamente preservado.” A arte do passado é uma janela para a fé e prática de um tempo específico, mas pode também falar para todas as épocas. Rejeitar períodos, exceto nossos favoritos, quer como primitivos ou decadentes é se perder da rica tapeçaria de arte e arquitetura que a Igreja tem fomentado.

Um dos mais fascinantes precursores arquitetônicos do Movimento Litúrgico foi o Gothic revival [N.do T.: estilo neogótico] do século XIX. O líder católico dessa renovação, A. W. N. Pugin, acreditava que o gótico era a única arte verdadeiramente cristã. Ele era apoiado nessa crença pela Sociedade Eclesiológica na igreja Anglicana. Apesar de ser um arquiteto talentoso, Pugin rejeitava os primeiros novecentos anos de arquitetura como prólogo e os últimos quatrocentos anos como declínio. Sua idéia era uma teoria atrativa, apesar de simplista, que equiparava a arte e arquitetura gótica com a presumida pureza, cavalaria e piedade da Idade Média. Esta concepção romântica, juntamente com a rejeição de outros períodos da arquitetura como menos cristãos, tem curiosamente reaparecido nas recentes décadas.

Devemos aspirar recuperar uma era dourada da liturgia ou arquitetura, ou devemos buscar criar belos e atemporais trabalhos de arte e arquitetura sacra? Tanto a antiga igreja doméstica quanto a Catedral gótica devem ser vistas co mo parte de uma grande tradição, juntamente com o estilo Românico, Bizantino, Renascentista e Barroco. A história da arquitetura sacra é história de recuperação, mas também de desenvolvimento.


Isso não é para argumentar que é de algum modo antinatural para nós termos nossas músicas, pinturas ou igrejas favoritas. É também perfeitamente válido, inclusive benéfico, debater os relativos méritos de vários períodos da arquitetura. De qualquer forma, um entendimento católico da arte e arquitetura pode apreciar a Catedral gótica radiante bem como a modesta igreja de Missão, a antiga Basílica cristã e a capela barroca do Rosário adjunta a mesma. Embora pareça natural equiparar diferentes estilos arquitetônicos com as forças ou fraquezas de uma época, é algo na verdade baseado em uma abordagem historicista ou modernista da história. Buscar construir uma nova arquitetura porque isso conduziria novamente a uma era de ouro, quer seja a antiguidade, a Idade Média ou qualquer outra época é arqueologismo. A arquitetura sacra deve ser baseada em princípios e exemplos do passado, mas ela não pode recriar uma suposta era de ouro. Como disse o Papa Bento XVI por ocasião do aniversário de 500 anos dos Museus Vaticanos em Junho de 2006:

“Em todas as épocas os cristãos buscaram expressar a visão da fé acerca da beleza e ordem da Criação de Deus, a nobreza de nossa vocação como homens e mulheres feitos à Sua imagem e semelhança, e a promessa de um cosmo redimido e transfigurado pela Graça de Cristo. Os tesouros artísticos que nos cercam não são simplesmente impressionantes monumentos de um passado distante. Ao contrário,... eles permanecem como um perene testemunho para a imutável Fé da Igreja no Deus Triuno quem, na memorável frase de Santo Agostinho, é Ele mesmo ‘beleza sempre antiga, sempre nova’.”


3 comentários:

  1. Explicando as imagens:

    A 1ª foto é um altar de uma capela irlandesa de 1920, mostrando o ideal de altar mais simples idealizado pelo movimento litúrgico na década de 1920.
    A 2ª foto é um altar com retábulo do século XIX, em estilo neogótico, projetado por um dos filhos de A. W. Pugin.
    A 3ª foto mostra o presbitério de uma capela moderna que foi remodelada pelo arquiteto Duncan Stroik, autor do texto deste post.

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  2. Xará,

    Interessante que o conceito de "altar mais simples" naquela época é bem diferente do significado de hoje. O nosso "altar mais simples" não é simples, e sim simplório. A simplicidade antiga era sóbria e nobre: a de hoje é revolucionária e "bagaceira".

    Ah, se tivéssemos altares mais simples com a simplicidade dos anos 20...

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  3. Poisé, Xará, já nos anos 1950-60 começou-se a moda do altar "mesinha" e agora virou a moda do altar "bloco", rsrsrsrs. De fato, simplicidade não pode ser confundido com simplismo ou desleixo. Procurando pelas imagens dos altares ontem encontrei um texto interessante no NLM que trata do conceito de "Nobre simplicidade" do liturgista Edmund Bishop.

    Aos demais, recordo que o autor não está criticando o altar mais simples idealidado nos anos 20,nem o altar neo-gótico, mas o princípio do arqueologismo que se infiltrou em alguns movimentos reformistas da Liturgia.

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